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quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Um profundo

O café acabou
o calor segue junto
A sunga colada na pele
e o pensamento, tranquilo
dorme quente em seu abraço.

Não queria terminar o ano
me desfazendo em novo amor
Mas algo brilha em mim
alguma possibilidade
cujo nome é você.

Deixa janeiro chegar
deixa a viagem terminar
vou te buscar
e veremos filme
e dormiremos juntos
e amanheceremos destemidos
ao que nos apavora agora.

Seu sorriso torto
minha descrença no mundo
Mais uma vez, só que diferente
a nossa diferença é o que nos pulsa
e transforma.

Feliz fico sozinho
tramando o que não veio
Feliz eu sobrevivo
sem nada que antecipe o recreio
que virá
que já veio
que há muito segue vindo

Sem pressa
eu amo estar vivo
E será essa a cor do novo ano
O novo ano
será dessa cor:

puro amor.

Amigos!


Poderia até ser uma poesia
poderia eu reunir versos
e tramar universos

Mas não
Não! Hoje não, por favor!

Porque só o que há é o amor
os amigos
e a possibilidade do futuro tramado
no instante do encontro!

Só isso.
E isso, preciso dizer,
é tudo!

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Old

The same music
Keeps telling me
What I already know
But always need to
Remember of.

It isn't over. OK. I know that.
But I'll keep listening
Because I remembered
That sometimes it hurts
But sometimes também.

Ontem, eu vivi o tempo da minha vida
Aquele instante em que a surpresa
Te toma e te oferece um único saber:

a vida é isso mesmo, comparsa
jogo eterno de ganhar e perder.

Now I am here
Waiting for nothing
Only waiting for my friends.

Are they nothing
Or everything at the same time?

In fact, this is a kind of classification
That even needs to exist
Because now I am here
And yesterday wasn't the same.

So
Here I am Só again
Isn't that special?
I believe it é.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Meu caro irmão

Neste natal você passou por mim quase que correndo. Quase derrubou a árvore de natal que nossa mamãe demorou tanto tempo montando. Quando eu entrei em casa, direto na cozinha, a primeira coisa que fiz foi abraçar fortemente o seu filho. Meu amado sobrinho que nem dez anos completou e já viveu, por sua conta, tantos horrores e, provavelmente, tantas maravilhas. E depois dele, o que fiz foi te abraçar. Eu te abracei, ainda que seu corpo não tenha respondido nada exceto tímida repulsa a mim.

E sabe o motivo, meu irmão? Você me repele porque sabe que eu nunca caí na sua ladainha. Você me afasta porque suas mentiras, em mim, tem perna muito, mas muito, muito mesmo, muito curta. Lembro de já ter lhe dito, certa vez, que eu sou diretor de teatro e, por conta disso, a mentira para mim começa a se anunciar muito antes de chegar. Eu farejo a mentira na distância. E você é todo perfumado nela e é por isso que existe a sua-nossa desconfiança. Não confio em ti, já faz muitos anos não confio em ti. E assim será, até o instante de sua morte (ou quando quiser vir até mim conversar).

Quanta merda já feita, hein, irmão? E em tão pouco tempo. Quanta merda. Quanto desassossego. Quanto roubo quanto crime quanta ambição. Você se resume em uma palavra: ambição. Sem freio você foi e assim você veio, destruindo tudo para ter aquilo que quis. Porém o que você tem de esperto você tem de ignorante. É na mesma medida. Você não percebeu que ter tudo é projeto que não cessa nunca. E assim, hoje, és tu escravo de seu desejo: serás para sempre incompleto, perdido, bancando aquilo que nunca foi nem nunca será, nem mesmo no seu silêncio.

Bandido. Você roubou não apenas os outros, mas a sua família. Roubou mais do que dinheiro, muito mais que propriedades privadas (o carro, a casa, o banco, a poupança), posto tenha você nos roubado a confiança. Só que - mais uma vez - a sua burrice não te deixou perceber que quem rouba também perde e, por isso, hoje, tendo perdido tudo, quem mais perdeu foi você. Porque o caminho da sua vida será para o sempre, em todo o adiante, refém da sua fome.

Sempre te chamei de filho mimado, sempre te achei príncipe demais, sempre te achei preguiçoso e, ainda assim, vencedor de tudo e de todos. Você sempre foi descrente com a possibilidade de alguma ética. Tenho vontade de te perguntar sobre essas palavras: ética? Respeito? E humanidade? Sabe você do que se tratam tais verbos?

Não escrevo uma carta, nem sequer um lamento. Registro em meu blog apenas algum saldo de meu eterno descontentamento. Não te desejo nada exceto que não piore a vida sua nem as de seus familiares. Não quero nada seu, nem seu respeito, nem sua atenção, nem parceria. Você ultrapassou o limite do horrível. Você já não vale.

E continuarei escrevendo mais e mais coisas. Quem sabe num momento - seria divino - você se disponha a conversar sobre tudo aquilo que é mais fácil chamar de doença do que falta de vergonha?

Para J. L. Neto

Russo

Pai,

deve ser estranho, eu sei.
Eu consigo imaginar.
Deve ter sido muito estranha
essa distância
que tanto nos serviu
para nos diferenciar.

Mas, veja:
aqui estamos nós
de novo
frontes ao encontro

Ainda assim, eu sinto
pai, deve ser estranho

Você fuma?
Sim.
Foi só eu parar de fumar que vocês começam.
É.
Cada um sabe de si.
Não é mesmo?

Sem ironias, pai
eu nem estava fumando
Mas deixei sobre a mesa
o maço
retinto
brilhando

Para te perguntar:
é mesmo possível viver uma vida inteira
fingindo ser quem não se é?

Eu não sou desses, pai
e essa é a mudança
que venho a te oferecer:

que cada coisa seja aquilo que deseja ser
que cada ser seja aquilo que pulsa em si
não terás desculpa
não terás remendo

O seu pavor
o seu medo
é formidável
não queira fugir dele
continue,

assim,
amanhã serás mais velho
e inda mais forte do que sempre
fostes tu.

Eis um poema selador do encontro.

Hoje, pai, eu te amo
porque já nada mais
escondemos um do outro.

Do seu,
Diogo.

domingo, 27 de dezembro de 2015

A última revelação

Você entrará pela porta
e vai estranhar o fato
de um cigarro aceso
e em minha mão

Vai me dizer suas verdades
vai cantar suas glórias
e eu vou dizer, sem medo
que cada um faz o quer

da própria vida.

Você entrará aqui
e o seu orgulho velado
vai desabar
sem freio

Você vai me olhar feio
e mesmo assim continuarei
porque eu gosto
de ser quem eu me tornei

depois de ti.

Eu gosto.

sábado, 26 de dezembro de 2015

Essa palavra

Ler
Dormir
Sonhar
pesadelo
Café
Rabanada
Sorrisos
inúmeros sorrisos
Nenhum passageiro
Dormir
Ler
Acordar
Escrever
rascunhar
especular
O calendário
perdeu o despertador
Eu acredito sim
que isso só possa se chamar
aquilo que sempre amei dizer

essa palavra
Moletom
esse estado
Amor.

Maitê

Gordinha
Puro amor
Sorri em silêncio
agarra a minha barba
como quem pede
Tio, por favor

Continua, essa ciranda
continue, tio, por favor
essa dança

E eu entendo
de súbito, rapidinho
eu entendo

Que Maitê é puro amor
puro puro
translúcido
De agarrar o braço do tio
e ir babando, sonolenta
como se fosse meu ombro
seu bico

Acorda cedo
mira com olhos profundos
o dia que ainda nem nasceu

O tio Di já te entendeu
e rapidinho ele se refez
para estar aqui
disposto
aos sonhos teus, meu amor
Meu novo amor
meu mais novo

Motivo para seguir,

A Mudança dos Anos

Um termômetro é o Natal
Em família.
A ceia, as conversas
Os olhares, as coisas que persistem
Através dos anos.
É uma medida, isso, de se ver em família
E de se estranhar
E de se reconhecer
E de ver nos outros, seus familiares
A diferença que você tanto cavou
E que te fez
E que agora te faz ser.
É bonito e grave, ao mesmo tempo
Saber-se parte
De um projeto que te machuca
Mas que te compõe
Você não saberia ser outra coisa
Caso não fosse também
Isso que tanto já lhe deu desespero.
O irmão
A irmã
A irmã outra
A mãe
O pai
A família toda
Há que se aceitar
A possibilidade do perdão
E a duração necessária
Para que a família assimile
A sua própria modificação
Que não cessa
Não cessou
Nem cessará.
Penso que uma família vire família
Sempre que se permitirem
Ouvir
O que não quiseram nunca escutar.
Sempre que houver habilidade
Ainda que débil
Temerosa
De contar o que cada um é
De se revelar.

Neste fim de ano, mais que no anterior,
Estou aqui inteiro, transbordando meu amor
Estou inteiro posto esteja claro
A todas, a todos
Quem eu me tornei
E o que desejo a partir deste instante:
Amor,
Amor,
Família,
Primeira diferença
Que nos sucumbe

E funda.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Voar

Pouso fácil sobre o desassossego
Pouso tranquilo rente ao medo
Tudo certo, vai passar
Talvez agora ou depois
Não importa.
Lembro do frio
Da nação onde não nasci
Lembro das suas lamúrias
E do que escolhi
Fazer de mim.
Nenhum arrependimento.
Tudo certo.
Eu sou jovem
E ainda corro.
Ainda corro.
O moço joga pipoca para entreter
Os pombos. Venta tanto
E tanto faz calor ou não
Agora
O sorriso de um me abraça
O silêncio que nos persiste me alimenta a continuar.
Eu vivo tudo.
Tudo.

Repleto

A falta
O medo
O risco
Tudo serve
Desde sempre

Aquilo que não veio
O livro afogado
O laço desatado
Tudo tudo
Tudo serve

Agora venta
Música alta
Câncer no pulmão
Sonho na língua
Tudo certo

Não teria como ser
Mais lindo
Mais retinto
Esse sol me queimando
Anunciando outro início

Tudo começou
Faz tempo. Mas
Tudo começa sempre
Que nos dispomos
A isso

Ouve!
A vida é não correr
Do risco de estar aqui
Vivo, morrendo
E rodeado de amigos

Não! Não vou parar
Poderia ser música
Tanto faz
Eu espero gastar
Essa juventude toda

Nos beijos
Abraços e filosofias
Com amigos
Processadas
Repetidas vezes

Diferença.
Nunca acaba.
Parece isso mesmo
Não parar nunca
De cair.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Inevitável

Já deu tempo para ponderar
se o que há é dor do hábito perdido
ou se o que persiste
é a persistência do ainda amar.

A minha franqueza é tão límpida
que sequer me sobra medo
Para duvidar.

Certo
afirmo o que me consome
Completo
digo sobretudo o que pode vir a me fazer
tombar.

Se te amo?
Não cabe afirmar
porque te amo
na doença sua do nunca se bastar
Com você aprendi muito
mas, sobretudo
Aprendi a ensinar.

Te ensinei a ver os pés no chão
ensinei você a caminhar sem proteção
a flertar com o risco
que é estar vivo

De que adiantou?

Veio seu medo
e de mim você se tirou
E morri
e morro, amor

Mas já não me soa possível de amor te chamar.

Estranho foi você se tornando
e não há nada que possa fazer
inclusive porque
Não saberia mais te amar.

Por isso volto ao início:

que duro é se desabituar, não?

Estou aqui
e você em mim se persiste
mas não é que queira
compartilhar uma gota contigo
não é que eu precise
te ver, ouvir, contigo me compartilhar

Nada disso. Sua distância
é o meu maior presente.

Mas em mim, ainda assim,
você continua,

feito sombra
poema ruim que não cessa de me interceptar

O saber do fim eu já soube
já sabia
A dor que me dói
em doses pequenas
é do absurdo que o ser humano - você -
é ainda capaz de perpetuar.

sua fraqueza é fruto do mundo
e sua força é saldo desse abismo
que entre nós
você germinou,

Não te odeio
não te quero mal
mas por agora, sim
e pelo adiante sem fim

serás você para mim
o que meu corpo me diz
para que sejas:

ausência
distância
porcelana envolta em cristaleira

nossa amizade nunca vai nascer
porque feriste em mim
a confiança em ti

nosso futuro nunca será outra coisa
para além desse fim
que será
para sempre
e durante muito tempo
fim
silêncio
lamúria
tormento

a vida é feita disso, não?

Não mais confio em ti
nem em seu projeto de mundo
Danço só
amando os braços outros que me querem perto
apenas pela proximidade
Sem exigência de um futuro não vindo

Estou aqui
com os pés destemidos
estou eu, hoje, agora
repleto de suspiros

Porque foi você um sonho
um afã que me fez estar potente
mas que me matou
me matou

E é justo
justo é
que eu queria viver
sem te dar a oportunidade
de se aportar em mim.

Sem ti
sem ti
Sobrevivo eu
mais do que antes
Sobrevivo certo
de que o tempo
oh, tempo
o tempo, oh
há de me remediar
a ira
a sua burrice
a sua demanda
a sua esquisitice burguesa crônica filha da saciedade

Você tomba
porque se acha completo
Eu nunca despenco
porque nunca estive assim

nem sequer ao seu lado.

O ÚLTIMO AMAR

foi no meio de um mergulho

boca cheia de sal

tosse expurgando a morte que persiste

foi durante uma onda
um tombo
um se perder de si

que vi a lua que me olhava

foi ali, na praia

que me lembrei de meu último amor.

já fazia meses que ao mar eu não me jogava

a última vez, eu lembrei
a última vez foi quando mergulhei
após ter morrido
o fim do meu último amar

e fui profundo
no abismo da praia
em noite escura
e mornas ondas

ali me deitei
cheio de medo
e salguei a alma os olhos
e o sorriso torto

ontem

eu mergulhei no mar

eu vi a lua

e sem força

me flagrei a lembrar

que se o último mar
havia sido pelo fim
este então seria pelo recomeçar

alma lavada, como dizem
areia na cueca
tosse sem fim

eu estou morrendo
mas livre, enfim
daquele que me pôs fim

o ano acabou ontem
entre um ou outro engasgo
acabou ontem meu ano de separação

agora quero o juntar
quero o encontro

2016
o ano do aproximar.

sábado, 19 de dezembro de 2015

um sorriso ontem

esqueci o motivo
mas foi sorriso, eu sei
eu lembro, foi sorriso

não lembro nem quando
ali, talvez, na travessia
não lembro, mas sei
estava eu numa imensa
avenida

e sorri
assim
sem dar satisfação
sorri como sorrira antes
sorri como se não houvesse nada

exceto o instante.

e não havia
não houve
nem tem que haver
eu sorri
porque me percebi em mim
como faz anos
eu já não consegui mais
reconhecer.

e sorri, portanto
sorri pronto
ontem, eu sorri
e hoje eu canto
só isso
simples desse jeito
um sorriso ontem

e o mundo hoje
quente
aberto
me comovendo.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

sobre a duração de cada manhã

talvez tenha chegado a hora de especular sobre o ano que passou
mas que ainda não acaba.

sinto que aprendi uma única coisa
um saber de experiência que já nem me assalta
posto tenha virado meu próprio corpo
e não há nada exceto este corpo agora
este que aqui se fala.

aprendi
que quero as manhãs
só para mim
que quero acordar
e dançar uma música
enquanto tomo um café
e sorrio ao futuro
que ainda não veio.

aprendi
que desejo
o tempo preciso
de mirar o céu
e dançar o vento
que desejo isto
e que sem isso
não estarei me sendo.

tem uma coisa sobre saber durar
sobre restar um pouco só consigo
eu aprendi isso
por tanto - neste ano -
ter me perdido
ao me procurar.

quero a duração de cada manhã
quero aprender a virar tempo
e no tempo, eu nu
aprender a me desintegrar
para enfim ser menos eu
e mais apenas
fortuito acontecimento.

quero acontecer de braços dados
ao vento
quero me ser nu rodeado
por flores ornadas a cada hora

eu quero
eu desejo
eu já tenho idade
para impor à vida
alguma coisa
que não apenas o fim dos tempos.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

essa morte que não passa

sobrevive
em tosse
encatarrada
como se de mim
quisesse sair um resto
que não me larga
que não me larga

cruzo os dias
com o peito doendo
não por medo de pôr fim
mas porque o que sobrou
ainda me faz ser
ainda me faz ser
mesmo que ainda
assim
tossindo
assim
engasgado
atravessado
por um catarro espesso

que embaraço!

a esperança de um novo ano me acalenta

quero dormir dentro da piscina

vendo no céu de estrelas

as feridas em suturação.

sobre essa morte que não passa
mal sabe ela
eu sei viver em putrefação

pois fique
que eu te rego
e rendo-te em rosas
fica, vai, morte
fica em mim

que eu te faço apaixonar
pela vida torta
pela vida torta

fica, vai
se você é forte
fica, morte
que verás o que minha preguiça
é capaz de lhe atravessar pela aorta,


quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

tenho uma proposta

fazer da vida um pouco mais de arte
para ver na ficção do jogo artístico
alguma coisa mudando de fato.

a sua ligação

me fez caminhar pela rua
na frente aqui de casa.

fiquei andando vendo os pés
dançarem a sua confissão.

fiquei surpreso, mas sem fazer
escândalo. fui só amigo.

e andamos juntos. eu no chão
e tu nos meus ouvidos.

eu queria saber a sua opinião.

eu queria saber a sua opinião
se em você bate assim ou assado.

e então eu lhe disse do amor
imenso do qual você é feita.

e alguns silêncios se fizeram
porque é mesmo difícil

ouvir do outro
a nossa beleza.

você é isso
confissão alada

que quer se esconda
sempre doce e honestamente

será pontual
e necessária.

para ef

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

O que foi que eu fiz

Da poesia fiz eu
Pouco caso.

Ela me serviu
Como ajuste
Marcador de vastos
passos.

A cada soluço ela
Auxiliou meu caminho.

Mas nunca abriu mundo.
Quase nunca me devolveu
à chuva, perdido e sem abrigo.

Foi tudo dormência, reclame
Novela. Tudo foi mimimi
Sem rima a auxiliar
A lida com minha Época.

Tudo vago.
Eu perdi.
E mesmo assim
Perdido seguirei
Porque é isso o que hoje sou
É isso o que me tornei.

Vulto

Vieram me falar
Da sua presença
Não soube dizer
Falta confiança
Para delinear
Seu rosto.

Tudo foi embora.

Tudo enterrado.

As flores que vieram
São tristes e secas
Tudo já morto
Tudo descrente
Nada resta
além do nada.

Eu não vou me esforçar.

Lembro de meu primeiro amor,
E mesmo assim não houve nada
E tudo segue diferente no mesmo.

A vida não alça voos maiores
Que os de um avião internacional.

Vieram me contar
E essa foi minha reação:

você
apesar da impresença
me é hoje só prostração.

Ouço essa canção
Meu caminho segue limpo
Sua lembrança não faz desenho
Possível. Restou só restos
Que sequer movem outra
Construção.

Pena para mim
E para ti
Para nós
Que não soubemos
Equalizar nossa
Destruição.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Das notícias do dia

Acordei banhado pela luz
De um dia que ainda desconheço.
Luz branda e opaca,
Clara mas repleta de escuridão.

Mirei à janela
E vi que chovia.
Estiquei-me na cama
E fui enfrentar as notícias

Deste dia que não acaba já faz séculos.

Tudo igual, porém diferente.
Os mesmos buracos
Os mesmos humanos
Dementes. Só se agrava.

Fiz um café, não foi preciso
Regar as plantas. A chuva da madrugada
Lhes deu esperança.
Café na xícara
Jornal celular nas mãos.

Amanheci com essa imagem
Roubando-me de mim
Sequestrando minha atenção:

Uma linha de lama
Grafando caminho
Na geografia do meu país
Até chegar ao mar.

Espírito Santo!

As notícias são as mesmas
E o homem de novo não cessa
De se despedaçar.

Penso nas esperanças, penso firme
Eu penso, nas possibilidades já tornadas
Mudança.

Mas é só que não há nota sobre isso
Nos jornais do hoje em dia.
Só o que há são as mesmas
E mais profundas corrupções.

Como amanhecer assim?
Como se erguer pensando em vida
Se só o que há é essa persistente
Azia?

Dormir, talvez? Talvez devesse eu
Voltar a dormir?

A luz branda me anuncia a jornada
Para tempos como este: há que se cultivar
A consciência com tons de opacidade.
Há que se ver o mundo profundo, mas
Sobretudo
Há que se olhar para o mundo
Com o descaso de quem já partiu
De quem parte,

Não, não serei rima
Da fome que a todos engole
E extermina. Permanecerei sinuoso
Despresente numa ou noutra rua
Só para que mais tarde
Na solidão de casa
Possa eu refazer o mundo
Que seja hoje
Em poesia.

domingo, 6 de dezembro de 2015

Programa

Começará com a palavra não.
Não muitas coisas, muitas,
Muitas ações. Não isso e não
Aquilo. Não com esse e não com
Aquela. Não em todos os instantes
Incluindo nãos inúmeros na primavera.

Dizer não a si mesmo talvez seja jeito
de recomeçar a si próprio.
Eu me digo não para me negar
O que já aprendi a ter e ser.

Queria começar o próximo ano
Assassinando os hábitos.
Queria me ver curioso
Pelo o que ainda não sei de mim
De fato.

Haverá um detalhe na natureza
Nas ruas, no meu corpo, haverá
Alguma coisa que eu ainda não
Conheça?

Quero descobrir, mas, sobretudo
Eu comigo mesmo.
Quero o silêncio, a nudez minha
Envolta na duração das longas horas

Não mais cigarro para me apoiar
Não mais cansaço para me ser rima
Quero rimar com o branco
O preto
O vazio
O profundo medo de existir
Sem nada a me justificar.

As músicas

Todas, quase todas
Me dizem o mesmo
Assim, confesso, fica
Difícil fazer diferente.

Todas elas, quase todas
Teimam nesse assunto
Amor para lá, amor que
Acaba que não cessa de
Chegar,

Fica difícil, oh, músicas
Alterar o rumo dos passos
Se a cada verso seu
É só o amor
É só esse fardo

Tento não ouvir tanta ladainha sonora
Mas é que quando miro o mundo cru
E despido, então, talvez a coisa piore.

Falta alguma música
Alguma coisa, me disse minha aorta
O que falta? Eu procuro e já sei.

Falta dormir sem trilha sonora.

Dormir não como quem descansa,
Mas como quem desiste de jogar
O jogo da vida.

Dormir para não trabalhar
Dormir para os sonhos
Dormir para não mais
O amor tematizar.

sábado, 5 de dezembro de 2015

Sexo

Muito
Em pouco tempo
Mais
Mas não do mesmo
Corpo
Como aguentas
Vida
Dura mais uma vez.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Da dor dos meninos

Machuquei muitos meninos.

Neste ano, sobretudo,
os feri sem reserva
Posto eu também
tenha sido muito
ferido.

Revide?
Vingança?
Descompromisso?
Não, não mesmo
nada disso.

Machuquei os meninos todos
na tentativa tenaz de me refazer
cá comigo.

Machuquei-os com delicadeza
com sutileza
e sem perversa engenharia.

Machuquei-os nos ois
e, mais que tudo,
em tantos e tantos
adeus.

Machuquei-os por não saber
o que me fazer de mim.

Doeram os meninos,
apaixonaram-se
Mas sei
(porque também assim foi e continua sendo comigo)
Eles sobrevivem
porque os moços não cessam
de se refazer.

Machuquei seus sorrisos
desmanchei tantos sonhos
Dei gozo, gozos
abraços, tantos foram
Mas sobrevivi
inerte
aos seus corações.

Matei um bocado de esperanças
flagelei inúmeras confianças
E mesmo assim, sobrevivo
Impune.

É só que da dor dos meninos
não se faz tesouro
não se ilude,

doem
doem muito
mas sobrevivem
muito ainda.

Machuquei os meninos
e me machuquei em cada
um
de seus abraços.

Seus beijos, me perderam
seus laços, me cegaram
mas
e sempre mais um
mas

aqui estamos nós.

Eu aqui
Ele lá
O outro acolá
E sempre a rimar
a dor dos meninos
não cessa
Posto desejam tanto
aquilo
que a vida não lhes reserva:

amor.
amor.
só isso,
amor.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Comércio

Pensa você se esquerda
Ou direita?
Pensa se é certo
Ou errado?
O que você pensa
Sobre a vida, de fato?

Perdeste um brilho no olhar
Sempre que tentou antecipar
O que sequer ainda tinha
Se anunciado.

Matou tudo nesse seu jogo
Enfadonho de definir o que sobrevive
Sem esquerdo ou direito.

Amanhã, quando puder olhar na distância,
Verás você que a vida só avança
Para aqueles que a miram feito
Jogo de danças. Corpos em experiência

Sem prescrição
Sem médico nem medicamento
A vida só avança se for metida
Em si e em todo o resto.

cada um no seu poema

depois fiquei pensado
que cada um acha
o seu poema
e com ele
se contenta
ou não

e o poema, coitado
perde a sua liberdade
e vai virar coisa
de alguém
que só o quer
por auto-admiração

tipo
tipo
eu sou o cara deste verso
isso que foi escrito
é por minha causa
foi por mim

e então morre o poema
sempre que um bamba
vem bancar o dono do mundo
e exige que o verso
que a rima
lhe façam devoção.

não!
por favor, gente, não!
assim não!

deixe o poema ser de todo mundo
deixa ele servir ao seu egocentrismo
e também à delicadeza de outro ser
deixe-o servir àquilo que não sabemos
ser possível
nem sequer sabermos entender.

tem sempre um poema para cada um
no mesmo instante em que para outro
ele também se dará.

poema é feito puto
prostituto
ele vai com quem lhe mirar
o par de olhos
ele vai com quem
lhe desejar,

portanto

sem exclusividade
porque você
quando aqui reconhecido
não é nada mais do que você
entendeu?

você
verso limpo
camaleão
você que é você
você que não sou eu
você aos montes
eu então...

Bastardo

Por ninguém
Exceto por mim.

Cada verso cada rima
Tudo por mim. Por mais
Ninguém.

As dores do mundo
Não me comovem
São tudo humana
Invenção.

Que horror,
Escrever sem destino outro
Que não a si próprio.

Eis nossa condição
Dizer como quem precisa
Mas ouvir sem devotada
Atenção.

Não saber o que será
Porque apenas por mim.

Ouve?

O que penso e o que está acontecendo
Tudo corre veloz na velocidade de um dia desses
Tudo corre para o meu quarto
E eu sempre adormeço antes
De ouvir o mundo.

Poesia boba
Paradoxo frouxo, murcho
Que pena.
Que miséria.

Cessou?

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Passagem

Chove
Um ônibus passa lento
Um carro apressado
Algumas vozes
Não sei o que dizem
A fome
O frio
Um tonel de duros fatos.

Bebo
Fumo
Como se não houvesse amanhã
E não há
Não agora.

O que resta
Sobrevive
Ainda é alguma capacidade
Humana para fazer o mesmo
De outra forma.

Duro impacientado
Por aqueles que fingem
Dialogar com minha dor.

Quisera eu pôr fim
Ao que não acaba hoje
Nem ontem acabou.

Oh, futuro
Quem te inventou se o que há
Ainda é apenas este continuum?

O corpo

Ele me chama
Para tentar de novo
De outra maneira.

Assim não vai dar
Ele me diz que assim
Não vai durar muito.

Penso se quero mesmo durar.

Mas percebo que mesmo
Em fim o corpo é sempre
Convite. Do nascer ao despedaçar.

Os hábitos. Os vícios. O ser humano.

É possível outra coisa?
Outra coisa esta pela qual
Eu tanto luto?

Redemoinho. Neblina. Está o corpo
Gripado. Está fraco o corpo. Ele hoje
É todo cansaço.

Posso dormir?

Ele me pede
Sempre com educação.

Posso?

Eu demoro. Eu dou voltas.
O que falta a mim
Para reconhecer
Minha condição?

Queria um dia morrer dormindo.

domingo, 29 de novembro de 2015

cavalier



eu queria mais uma vez deixar marcada
a lucidez que me deturpa, a coragem
que me mata eu queria deixar aqui
registrada. em alto volume eu canto
o meu cavalheirismo
de impávida lírica
tenaz morticidade
eu queria mais uma vez deixar marcado
o meu eterno desassossego por ser
sempre embaraço
sempre nobre
até e sobretudo
na falta de sorte


como se procurasse um rio que secou e você nem viu

lembre-se
ficar sob o sol
com roupa preta
consome toda a energia
que ainda há.

portanto,
fique sob o sol
sobre o asfalto
de calça escura
camiseta preta
meias pretas
sapatos retinto

e dance
porque nada pode haver
antes de partir
do que isso:

dançar no calor
do inferno que virou
esta vida.

lembre-se
que chorar sobre o rosto
quente alivia e melancoliza
tudo se encaixa
se liberta para, enfim,
voltar à merda
original.

portanto,
chore. chore e não ouse
limpar as lágrimas. elas ficam.
elas são o rastro da sua convicta
desistência. continue.

porque é quase a hora:

talvez você queira comer algo
fumar um último cigarro
não importa
pode, se quiser,
tirar os sapatos

mas não cesse de dançar
enverede por uma rua onde não te vejam entrar
vá conversar com a claustrofobia das matas
sempre dançando
como se procurasse um rio que secou e você nem viu
você seguirá dançando
e nunca mais encontrará coisa alguma
nem mesmo você.

dance
e desmaie.

dance e caia
sobre o chão quente covarde

tudo hoje te invade
porque você desistiu de dar certo
e quis apenas restar.

vês?

quando se quer menos
a vida se abre para te escutar.

tudo quente.
roupa tornada pele.
lágrima foi breve acalento.
pés machucados
sangue no asfalto

vê-se o seu dentro

daqui olhando

de longe

você secou

e este poema, enfim,
termina.

sábado, 28 de novembro de 2015

Sobre mudança


Você anseia o quê?

Você reclama da sua vida
das suas coisas você reclama
De tudo o que conquistou
e também do que lhe veio
De súbito.

Você se cobra ser outro projeto
outro rumo você cobra a si mesmo
Mas com qual intuito?
Com qual intuito?

Perdeste mais tempo de vida
desfazendo o já feito
Do que gozando o gosto
do que lhe veio.

Perdeste muito nessa ladainha
dos reclames sem fim.

Falsa modéstia!

Você é o que deseja
Você é feito do que lhe põe fim
então,
por que tanta gritaria?
por que tanto chorare?

Perceba: a vida está passando
e você a está perdendo
por tanto reclamar.

Perceba: você está aí
nu sobre a cadeira
fumando no quarto de hotel que lhe informaram não se poder fumar.

Você é isso
para o qual ainda não inventaram remédio
Portanto aceite
você é isso, cara
Você é o resto.

Alma perene no deserto de seres sem vocação.

Você é muito, moleque
então reconheça
Você é enzima
à putrefação.

Você catalisa a dor
sem trocadilho
Vais direto ao ponto
você é preciso.

E eu preciso de você
assim, desse jeito horrendo
que você acha ser.

Sobre mudança
sobre mudar
sobre ser outra coisa
perceba novamente:

há algum instante não distinto do anterior?
há alguma coisa no seu corpo
que permanece igual?
Não.
Então, por favor!

Ou se aceite
ou mude-se
fique mudo
Cale essa boca
e esqueça-se do mundo

Por favor.
Avante.
Adiante.
Sem fim previsto.
Morra no susto do desperceber.

Ande!
Vá!
Pelo amor!
Seja aquilo que se é.
Seja aquilo que você sempre foi

mas teima seu olhar em não ver.

O que mora dentro de cada um

Hoje eu vi escorrer o dentro de um punhado de seres humanos.
Também escorri o que havia (e ainda há) aqui comigo.
E por se abrir assim, vi no outro a minha abertura se discernindo.
Novos abismos.
Como é fundo um ser humano, não?
Como é fechado.
Como tem que ser profundo o gesto para abrir o ser ao meio
e permitir que ele seja rachado.
Ou não. Apenas poesia.
Delicadeza. Nem sempre com força tenaz e louca,
às vezes apenas com luva de pelica.
Dizem. Eu vi. Hoje eu vi homens e mulheres lacrimejando
frente à poesia. Ora, isso comprova o quanto estamos carentes
dessa possibilidade. De mudar de estação, mudar de cor
mudar de energia de sentimento de estado
Eu disse um punhado de palavras para um punhado de seres
e pronto: o negócio havia já se manifestado.
Encontro. O nome do negócio. Arte. O nome da energia.
Encontro meu com um punhado de gente como eu.
E foi lindo. Ver o pequeno punhado de gente se mexendo e se rachando.
A moça dos brincos caros, a moça perplexa desde o início, o cara do sorriso nos olhos
A outra que não sei descrever
o outro que parecia perdido
a que sofria
a que chorava
aquela que colocou um capuz
Meu Deus, como somos distintos, não?
Quando foi que alguém imaginou que devêssemos ser mais iguais?
A gente é tudo gente e a diferença é o que nos faz.
A única igualdade é essa, aquela, o dna, a condição humana, por favor...
Foi lindo performar hoje em Campinas a performance do Teatro Inominável
O NARRADOR.
tudo vivo no meu olhar, no meu peito
tudo ainda pulando

que importante é levar amor àquilo onde já não há.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Não, não, nada

Nem desse cigarro
Nem de roupa
Nem de sonho
Apenas estrada

Deixaria o sapato
Caso o usasse
Todo o dinheiro
Caso o tivesse
Mas essa música
Ainda que em boca miúda
Eu levaria comigo.

A certeza do que não sei me comove
Tanto.

Tenho pensado que eis o sentido da
Vida.

Não saber de nada
De nada ter controle
Sentido, palavra parva

Eu estou vivo
Eu estou morto
Eu, só

Caminho.

Claro Apocalipse

Um dia desistiremos de pregar algum sentido.

Um dia perderá a graça. Esse nosso jogo, de mutilar a vida a procura de algo que a valha.

Será tudo sem sentido. As pessoas não serão tão pessoas como hoje. As palavras terão sido esquecidas. Pelas ruas, cachorros gigantes ameaçaram mendigos com raiz no asfalto. Será um Apocalipse claro. Tudo consciente e sob o nosso olhar.

Poetas terão virado parede. E junto aos seus livros terão sido esquecidos pelo esquecimento. Poetas terão desaparecido. Crianças nasceram recentemente, mas tudo com cara velha. Mãos novas morrem assim que dão a luz porque de dentro delas saem filhos com luz de Led.

Seria uma loucura. Um dia desses chega esse futuro sem que a gente o considere novidade. Ele vem. Está a caminho. E vejam:

Não terá adiantado ter escrito tanta tese sobre tanta coisa. Não terá importado ter descoberto tanta pólvora. Tudo teria sido usado para o nosso próprio fim.

Talvez no meio do meio dia, um homem pergunte a outro:

- Lembra que tinha palavra biscoito?

E o outro, com o rosto fechado, responderá:

- Moletom... Moletom...

Material Boy

Sofres
Porque pisa
Com sapatos
Feitos por
Escravos.

Sofres tu
Porque a camisa
Que manchou com
Ketchup importado
Era também feita
Na Índia.

Tu choras hoje
E o lenço que te seca
É todo importação.

Naquelas tardes enfadonhas
De profundo embaraço
Sei que vais ao shopping
Desapegar-se do dinheiro
Para acumular mais cascos.

Vais sumindo, menino
Sob tanta ternura a si próprio
Destinada.

Vais sumindo no gel
No gelo no perfume
No detalhe invisível
Do creme pomada tinta
Cabelos,

Vais sumindo assim
Tao disposto à acumulação
Vais sumindo sim
Por não haver em ti
Outra coisa que não apenas isso

Consumo
Consciente
Para te aliviar a dor
De ver o mundo em tão profundo
Abismo.

Você pegou a minha mão

E me tirou do eixo.

Por um instante
Pensei estar apaixonado
No outro, porém percebi
Ser um assalto.

Segui seus comandos
Fiz o que podia e agora
Estou aqui parado
Acorrentado e sem zelo
A me acalmar o peito.

Você me pegou pela mão
E me disse que alguns fins
A mim chegariam.

Pensei no pôr do sol
No fim das chacinas
Pensei em morrer
Minha mãe meu pai
Minha família

Mas foste ainda mais longe

Roubaste meu sossego
E atrapalhasse minha agenda

Sobrevivo porque o câncer está ocupado
Matando inúmeros amigos
Sobrevivo para escrever
Que você um dia
Me pegou pela mão
E aqui estou eu
Ainda vivo
Ainda que sem você.

Ainda.

Bem.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Bel

Ei, Bel
Descanse.

Você já já partirá
E para sempre em mim
A vontade de um último abraço
Que jamais virá.

Sabe?
Te sei tão pouco
E mesmo assim,
Você, luz linda, brilha
Presente mesmo
Sem ti,

Quero chorar o horror do mundo
A incongruência de estar vivo
Bel querida, indo você
Saiba
Sobra o seu sorriso.

Um dia você apareceu
No outro éramos já um pouco conhecidos
Depois um papo quente.
Um punhado de sorrisos
E sérias falas,

O que terá sido? Para ter que te
Arrancar assim tão abruptamente?

Bel,
Descanse.
Vai embora
Sorrir no longe
E irradiar
Em céu constante

Poesia.

Para Bel Garcia

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Esgoto

Acordo
É madrugada
Quase manhã
A água esquentou
Estou suando
E nem penso
Em sexo

Ergo-me
Ao banheiro
À água gelada
Chove?
Acho que chove
Lá fora
E meu corpo
Goteja
Sem reclamar
De nada

Conforto
Poder estar só comigo
Aconchego
Saber que o tempo
A partir de agora
Será meu amante
Mais amigo

Penso num cigarro
E o acendo
Sem medo
É que já estou tão tomado
Que só mais um
Só mais outro
Não me vencerá

Quanta mais eu vou
Mais fundo eu chego
Menos deslumbrado
Mais consciente
Mais fundo
Menos rouco

Eis o meu instante
Minha vida
Meu jogo
Eis meu verso que redunda
Que me desfaz
Para não cessar nunca
O início de outro
De outra
Abruptos destinos
Lá fora
Chove, eu acho

Aqui dentro
É certo
Eu vivo
Porque morro.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Prova

Roubaram as palavras
Esvaziaram seu íntimo
Fizeram daquilo que era
Apenas hoje o esquecido.

Tudo morre veloz na velocidade dum apodrecer.

Transformaram o comum
Em ultrapassado
Pegaram valores
E renderam todos eles
Pelo martelar incessante
Dos hábitos.

Brincam de vencer junto,
Mas eles vencem sozinhos.

O que me vale não serve
Ao mundo dado
Porque o dado do mundo
É de novo e a cada manhã
Relançado. Sequestraram!

A palavra revolução.
O amor. Onde está o amor?
Levaram a fisiologia dos corações
E tripa virou expressão 
E não mais corpo em acontecimento.

O mais longe que nos permitiram ir
Foi no susto pouco desdobrado
De um arrebatamento
Uma perplexidade
Uma apatia em rosto grafada

Tudo igual
Ninguém reage com grito sobreposto
À fala: falamos tudo sem dizer nada.

Roubaram-nos a ira desfamiliarizadora
Da palavra.

Eis-nos agora
Frente ao papel imundo
Desta realidade
Eis-nos agora
Sem permissão para fazer uso
Da palavra.

Daqui onde estou

A cidade tem mais serventia.

A fachada do hotel
Soa menos imponente
E quem dá vida ao dia
Dorme logo na calçada
Jogado ao chão
Ali em frente.

Daqui onde estou
O cheiro da cidade
Tem meu perfume
Com notas de café.

Daqui onde estou
O menino que passa
Entre os carros
Tem a face vermelha
E fortes braços.

Eu não me sinto longe
Mas me vejo distanciado.

Haverá um modo de mirar o mundo
Sem que seja lhe esfregando a mão?

Talvez não.
Por que não?

O corrimento da vagina rua
O falo edifício das instituições
Tudo lá fora hoje me soa mais
Como relevo, quase decoração

Não.

Daqui onde estou
É mais fácil o perverso
E barato jogo da definição.

Não.

Daqui onde estou
Em temperatura controlada
O mundo através da janela
Não me comove
Não me convoca.

Só mesmo o corpo em esfrega
Poderia mudar o meu tom ao mundo?

Por que anseio dizer distinto
Por que anseio corpo no concreto
Se já é hoje tudo tão duro
Tudo duro hoje já tão improfícuo?

Desejaria ser rua para abrir caminho
Ou para desfazer os sentidos que já me dei?

Perdi a poesia quando sai daqui
Onde estou. Perdi os versos e a precisão
Das rimas brandas. Perdi tudo quando
Assassinei a prudência da distância:

Escrever o mundo não cabe em outro lugar que não seja na ponta da caneta sobre a folha branca em prancha.

Nossa Azarada Sorte

Para Flávia Naves

Sabe? 


Inventamos um nome. E um nome é esconderijo para mundos outros. Inéditos. Não sei te chamar de amiga, nem de Flávia. Flavinha não serve e muito menos basta dizer só amor. Chamo-te do nome que um dia você em mim plantou: ameido. Eu, seu ameido, você, ameida minha.

Há pouco nos falamos por telefone e eis um momento na vida que perdura nela para todo o sempre: o momento da mútua confissão. Momento em que em diálogo confessamos, por acaso, a mesma condição. Momento no qual reconhecemos quase que ao mesmo tempo a nossa prostração. Somos um tanto fortes, um bocado sábios, dividimos juntos o desejo por um mundo outro, menos em guerra, mais germinável. E quando - um ao outro - reconhecemos um soluço imenso entre nossas ações e gestos, quando flagramos um cansaço tenaz em nossos discursos, então, é preciso saber: a doença do mundo em nós se plantou.

O que fazer então, ameida? Talvez um ano vendo o rosto no espelho. Um ano sem palavras. Um ano vestido apenas de azul. Um ano acordando sempre às seis e enfiando as mãos na terra do mundo. Um ano comendo uma minhoca por semana. Um ano deitando-se nu sob a noite. Um ano longe. Um ano sem tudo aquilo que nos acostumamos a ter. Um ano mudando o corte e a cor dos cabelos. Ou talvez outros programas porque um café feito no bule também tem que valer. Um café para dois. Uma tarde dançante, por que não? Uma coisa qualquer, cafona, um dançar, até a vergonha virar lágrima e desespero para enfim ser só sorriso. Outro programa, ameida. Eu o tenho cá comigo: se chama Pop Rock. É um presente que ganhei da Eleonora. E quero experimentar com você.

Vamos? Desautorizar a doença que o mundo quer em nós mover. Vamos desautorizar tudo isso aqui no pequeno, aqui na minha casa, na nossa sede, no nosso apartamento. Vamos? Talvez comece pequeno, mas veja: só vai ser gigante, só vai brilhar no céu se fortes estivermos para mover tanto assim. Não vai se não for por nós e hoje o nós nos sufoca e a gente só pensa em tentar conseguir dormir.

Que não vai dar, que já não deu, que não dará, nós dois já sabemos. A miséria do mundo que disseram não ser nossa, tarde descobrimos ser nossa sim. Então perdemos. Estamos perdidos. Então vamos, vagando feito mortos, vamos mexer com tudo isso. Doses de prudência? Duvido, sabia? Prudência é também medo de acabar. E se está tudo assim tão moído, quem sou eu para achar não estar. Eu estou. Eu, diabético, chorando o Rio Doce recém-falecido.




Vamos, ameida? Vamos escrever um livro. Vamos distribuir pipoca na rua. Vamos fazer essas coisas todas que chamam de loucura, que chamam de loucura, essas coisas que chamam de loucura. Vamos fazer tudo isso. Vamos pintar o rosto de roxo. Vestir a roupa ao contrário. Vamos devolver ao mundo o seu reverso e depois rir, chorar, silenciar, vamos juntos mexer e nos olhar de volta: o mundo que nos cala também nos faz gritar. É essa a nossa condição, minha amiga. É essa a nossa condição: não gostar, não aprovar e, mesmo assim tão duros, tão certos, tão convictos, cá estamos nós sem saber como lidar.

Que pergunta fazer? Talvez: toma um café comigo? Que pergunta fazer? Talvez qualquer outra: pergunta-umbigo: vamos ao cinema? Vamos gastar dinheiro? Eu tenho um pouco aqui, vamos ao shopping? Vamos lamber o mundo que nos envenena e perverter nossa azarada sorte.

Estou cheio de músicas novas para te mostrar. Elas me mexem tanto. Danço em silêncio, danço privado de grandes movimentos, mas esta é minha época. Estas são as minhas dores, o meu pavor, nu, concentrado, a minha aporia, a minha afasia. Este sou eu: perdido no mundo e encontrado no seu riso. Como pode, não?

O mundo nos convidando a desistir e a gente lúcido a ponto de se chatear e doer. A gente disposto a se importar.

Como pode, não? A vida lá fora - tão aqui dentro de casa - pedindo ajuda e a gente sem saber com qual língua se conversa com o mundo. E Deus, ameida? Ele não fala nada? Vamos tentar falar com ele? Outro programa para as férias: vamos performar juntos? Vamos cuidar do nosso peito para que a batida adulterada que nos abate se estenda ao lá fora.

Eu não sei, tá? Porque não é sobre saber. Se estamos morrendo, se o destino é morrer, então qual medo restou? Moças e moços, crianças e velhos, todos os homens e mulheres do mundo atravessam oceanos nadando por sobre tubarões. E a gente? Quão mais longe podemos ir? Quão mais perto podemos entrar?

Vem tomar um café comigo. Ou eu vou de lancha te visitar. Vamos fazer pequeno. Mas vamos fazer juntos. Despachar o mundo. Despachar este mundo para outro que vem vindo.

Eu te amo. E a sua dor em mim vira música.

Dança Ela comigo?

Do seu ameido,

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Finalmente

Vi os meninos todos
Correndo em regata branca.
Eu vi o céu e agradeci
Por nunca me ter faltado
Óculos escuro.

Mirei com veemência
Os homens e seus punhos.
Brinquei com a alegria
De minhas repentinas
Ereções.

Fiz o que a mim parecia
Possível fazer.

E mais
Dormi pouco, mal
E por vezes demais.
Dormi sozinho e por
Tantos tis abraçado.

Veio a cerveja
A remela, a meleca
O cheiro do sexo e do sono
Tudo em mim misturado
O perfume hoje caro
Ontem tinha cheiro
De matinal abraço
Ir para a escola.

Li muito
Tudo aos pedaços
Fiz livre associação
Entre os abismos entre
As afirmações. Perguntei
Sobretudo perguntei
Como quem sobrevive.

Amanhã quando eu estiver morto
Nada talvez possa me doer
Talvez meu fim venha a se dar
Mais cedo. Porque amo gastar
Minha dita existência desse jeito

Cegando os olhos
Por tanto uso
Estrepando a boca
Por tanto desejo
Indo ao fim de tudo
Porque escrevo.

Só por isso.
Só por isso mesmo.

Débito

Away
Miles away
I am still working
If you want to find me
You should be able to make
A few changes

We can't fight another fight
You're my oasis
Come here and let me
Sit down with you
On you

I have to do it again
For you to know that
Hoje é o melhor dia
Parabéns pelo seu interesse
Oi
Hoje em dia
A gente não tem problema nenhum
Parabéns pelo seu contato. Obrigado pela atenção
Hoje a maior prova de que o curso
Não é possível
É um dos melhores produtos e serviços
Na sua vida pessoal e profissional...

Tu és tu és o que eu tinha para mudar.

domingo, 15 de novembro de 2015

desumano semblante


veja esta imagem.

ela escreve mais que uma epopeia.

ela manifesta, inteiramente,
a humana miséria.

neste olho esquerdo
neste focinho a lama
banhado, vejo o meu tempo
tempo de homens
desumanizados.

ainda que o gesto
seja o de apoiar
o cão rosto
sobre a humana mão
ainda assim
o homem perdeu
o homem morreu
e já morto
segue aos mortos
assassinando.

me faltam palavras
a poesia ficou bruscamente frágil
a dor é tanta
que a perplexidade assume
o rosto e o gesto de cada
ação,

não sei como me posicionar

não sei como chorar
como lavar, como ajudar
como fazer, meu deus?
como lidar?

vejo este olho desse cão
e ele me condena
com paz e leveza
ele me devolve
à triste e humana
inconsistência.

poderíamos ter sido melhores
poderíamos ter sido outra coisa
hoje, no entanto,
só o que me sobra
é essa dor constante
tenaz
dor justa
apesar de tão seca
e rouca.

A SANTA JOANA DOS MATADOUROS estreia no Rio de Janeiro



REAL estreia em São Paulo



JANIS estreia em Brasília


sábado, 14 de novembro de 2015

Humanidade

Foi-se o tempo
Em que ponderar o destino
Era gesto audível.

O homem ensurdeceu de vez
Retido na batida esfomeada
Do poderio sem reis.

Foi-se faz tempo
A possibilidade do carinho
É tudo hoje resta em lama

Rodeado.

As metáforas mais duras
Os fins do mundo mais amplamente
Repetidos e divulgados,
A realidade os superou.

Vivemos num tempo
Em que ser incrédulo
Tornou-se incômodo ligeiro,

Tempo em que o afeto
Ficou diminuto e a confiança
Fez viagem sem dizer retorno.

Vivemos num tempo
Em que a única tarefa
De fato política é conseguir fazer durar.

Dura mais o tempo
Dura mais um parco afeto
Duro o espaço apesar de morrendo
Dura o sonho que seja na ponta
De um lápis.

Tempo de dinheiro cessando a própria respiração.
Tempo de fins sem começo e
De fim de mundo sem responsáveis.

Não.

Chegou um tempo
Em que o menor
Vai ditar os rumos.
Tempo em que a arte
Há de prescrever
O futuro.

Chegou um tempo, este do futuro,
Que não vai se não for pela gente
Com a gente
Tempo nosso
Dos intempestivos
Dos sem voz
De todas e todos
Ditos
Incoerentes.

Tempo em que coerência
Tornou-se destruição.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Palito de dente

Eu não quero mais nenhuma chance
Todas já vierem e a mim se deram
A troco do mesmo e insuportável
Meu semblante.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

o que estou sentindo

é possível sentir certeza?

sentir raiva, ira, ódio, rancor
coisas assim
eu sinto, eu sei sentir
estou sentindo, eu sei

mas certeza? como sentir?
como sentir que é certo
ao menos para mim
como saber se o que sinto
é certeza?

algumas coisas dentre as sentidas
não são certezas para o sempre
são instantes
calores
são um súbito
e depois tudo retorna
tudo retorna

mas certeza
fato, duro, feito pedra
dureza, certeza, pedreira
não sei
não sei discernir

me assusta o que sinto
o que sinto
é certeza?

certeza de fim?

mas e o corpo?
o que ele faz se é certeza
o que acho ser o que acabo
de sentir?

o que fazer se para sempre estou certo do repúdio
da repulsa
desvaloro-te
como queimando uma flor linda e bela
eu sou descrente de ti
por completo
e para todo o sempre

é tarde?
é cedo demais?
com 28 anos
não querer te ver
jamais?

não sei
não sei se me assusto
com a força dessa certeza
ou se assumo
ser outra coisa
não tão breve
não tão assim passageira

mas veja:
me faz bem estar certo
me acomoda em mim mesmo

fiquei mais bonito desde o dia derradeiro
já faz meses pouco sobre isso escrevo
é que não me importa
não mais tanto
como antes
importava

mas hoje
me assusta
estar certo
de que apesar
de ser você só um ser humano
ainda assim
não exista em mim perdão

longe se foram os carinhos do amor
os rompantes da paixão
hoje
fortalece-me sua completa ausência

e brilha duro
o repúdio, o ódio, o intolerável
que é ver sua política transformada
em facebook público

que horror
que vergonha
que pode o amor, não?
como ele cega
como ele invade o individual
e se procria feito verme
feito ameba

burrice
franco sou: burrice
baixeza
muita geleia
e pouca veemência

que pena
que horror
que descaso

eu não morreria por você
mas sem dúvida alguma
não quereria te ver morrer

no entanto
(há certeza)
e te ver morrendo
ao menos daqui
de longe
me parece bom
bom demais

é certeza?
ou será o que mais?

devo me culpar?
devo querer me convencer
de que amo
de que ainda amo
ou não
é só isso mesmo

espanto

burguesia

roupa de marca

e política perdida em fofoca e opinião

não!

não!!!

não!!

eu estou melhor desde então
mais franco comigo e com o mundo
eu estou melhor
melhor que antes
eu estou vivo
e retinto

o mundo nunca como antes tanto me moveu junto.

estou certo
certo de que era preciso
estou certo
de que há ruas para ocupar
no caso de a mesma rua
cruzarmos


e isso eu sei
já soube
estou sabendo
há outros corpos
nos quais
me verei deitar
me vejo
estou vendo

mas
por que esse ódio?
esse desprezo?

me dói ver-me movido a tão tremenda ação

eu não gosto
não admiro
eu não nada
eu estou cagando e correndo
para me ver ainda mais e mais de ti longe

ao menos isso
ao menos algo
meu pensamento
já não te repuxa a qualquer passo

você some lento mas vai sendo consumido
você foi apenas um pequeno erro gordo
um pequeno erro franzino
o tempo passa
e nele eu vou junto
cheio de carinho
mas ainda mais
abarrotado de pavor

você me espantou
me provou sabores terríveis
que horror, parceiro
que horror!

você ainda hoje
me é só desprezo

e estou certo
(e isso me espanta)
que assim como para mim
em breve
não tão breve assim
seremos um ao outro
mero e antigo
juvenil e bobo
pesadelo.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Um saber

Sabes que não haverá fim
Não é mesmo?
Mesmo no fundo, tu sabes
Eu sei, não tem como acabar.

Simplesmente assim, de um
A outro instante, tu bem sabes
Que não se acabam as coisas.

Elas duram, permanecem
As coisas que não tem em seu fim
Nem o abandono.

Veja: forças extremistas irrompem
A paz das utopias tornadas possíveis.
De uma a outra época
Mudamos vozes e timbres
Os sonhos, reféns da moeda,

Recrudescem, não por medo
Mas por não mais haver espaço.

Mesmo assim mesmo fim mesmo mesmo
O futuro hoje passa o café quente
E negro.

folhearse

as dobras do corpo
escondem versos
de outras épocas

o sorriso só é mais cor do sol
porque sempre é mais quente
por conta de outras noites
que não apenas esta

tudo sobrevive concentrado
impresso nos lastros
nada é tão fácil assim de esconder
quando se fala deste corpo

sempre alvo não apenas de mim
mas de um punhado de vocês.

passo as mãos pelos acentuados relevos
que ontem eram pele lisa
deito a mão sobre mim mesmo
e descubro mais do que somente
esta noturna azia

o que fazer?
não se limpa assim tão rapidamente
um corpo disposto ao encontro

tudo dorme junto
por isso, meus ombros
tão propensos à altura

tão dedicados a sair de mim
para me provar que sim
sim, ser um é só possível
por em mim
tantos outros
terem sido.

que lindo
folhear-se
como um romance
sempre em vias
de ser reescrito.

sábado, 7 de novembro de 2015

Mentirasi

Acredito
Que esteja tudo bem
Entre nós dois.

Acredito
Que você se ama
E se amando
Ama a mim também.

Acredito
Que amanhã terás mais tempo
Que tomarás o café com calma
Que dormirás aconchegado
E tenro.

Acredito
Que cumprirá os prazos
Com elegante antecedência
E que serás justo à imagem inabalável
Que seus amigos o imprimem
Com veemência.

Acredito
Que entre nós dois
Um pacto esteja se fazendo.

Eu deixo de ser quem eu sou, Diogo
E você deixa de se exigir ser outra coisa
Tão distinta daquilo que hoje temos

Eu e você
Como um nós apenas
Nós dois como um
Partido e destemido
Cansado e sem destino

Eu acredito
Em poesia.

Desesperança

Falas do fim dos tempos
Clamas por solução divina
Perpetua provérbios passados
Insiste as horas nas mesmas
E redundantes paradoxias,

Você se alcooliza
Você se despe e goza
Abundante, você come
Pouco dorme e com ou sem
Azia, você perpetua

Sua existência.

É desesperança aquilo que se escolhe?
Ou se desespera você por não mais
Conseguir escolher?

Por que tanto reclama você?
Por qual motivo?

Penso que se apaixonou você pela precisão dos versos sombrios
Pelos verbos que dilaceram
Hoje você se faz poema fim
Da linha.

Que desesperança é a sua
Que nunca acaba e que hoje
Novamente, segue firme
E dura?

em momentos distintos

palavra

ombros

move laranja

o cansaço

garganta inflamada
de tanto já manifesto

bola

pisco lento
pisca olho
dentro

profundo

isto é pouco para hoje
espere
o tempo não cessará jamais

pese
deixe pesar
pese tudo
quer dizer

números
canção
dor leve na altura dos rins

eu queria te dizer tanta coisa
também dentre elas
eu acharia um pedido de desculpas
porque era lindo
estava lindo
mas a sua fome
secou a possibilidade
da minha calma ganhando rubor

a sua fome
estrepou a minha rima

e pronto
assim foi

tudo sozinho
outra vez.

convicção

os dias seguiram
pouca música tocou naqueles ouvidos
os olhos, apesar de pesados, seguiram
e o íntimo de tão confuso
virou confusão plena
bela de se ver

a persistência no erro
seria erro?
a persistência crua
persistência
sem adjetivo
ela sobreviveu
ela própria
e o corpo por ela
vampirizado

é tarde ontem
hoje ainda nem veio
fumaça
fumaça
amigo abrigo

aquela voltagem
que refaz o instante
arrepia minha espinha
enrijece meus pelos

meu pau
meu pênis
meu cu
eu inteiro
tudo
tudo está tomado
tudo
tudo
é isso apenas

pesar sem onda
cerveja gelada
e a certeza de uma viagem com destino ao mais longe que meus dinheiros puderem pagar

sumir de mim
dormir noutro habitat
nem abraço
nem fingimento de que sou alguém

apenas a beleza
no lugar da certeza
a beleza que é ser
sem precisar ser
para continuar
a estar

resto.
convicto.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Manhã

O corpo levanta sozinho

Dessa vez, o despertador é quem se atrasa

A luz lá fora
Os olhos dando bom dia ao tempo
Eis a vida que um dia
já faz anos
Eu imaginava

Queria não ter pressa
queria não ter fome assim tão cedo
Queria não ter segredos
E que o amor fosse tangível
à pele recém-acordada

Mas perdi tudo
E tudo é muito
quando o mundo
é ciranda-oferenda
que não cessa
nunca acaba

As iras, inda carrego-as comigo
como também carrego
as unhas sujas de terra
Por ter regado o meu pequeno jardim
hoje cedo
Todinho

Vês? Às vezes o amanhecer vem
depois da noite
às vezes no meio da tarde
como ontem, às vezes
só amanhece quando fechamos os olhos
deitamos cansados sobre o travesseiro
e então
tudo o que vier
será iluminação

Talvez eu quisesse
não importaria
Mas talvez eu quisesse
fazer da minha vida
menos espetáculo
E mais manhãs
como esta, presente mas livre daquela tenaz agonia.

sábado, 31 de outubro de 2015

Resistir

Posso não fazer nada?

Não desejo fazer coisa alguma.
Eu posso?

Nada fazer?

Penso na força
De nada fazer
Nada gastar
Desorganizar os hábitos
E se ver florescido
Em silêncio inerte.

Posso?

Eu quero. Preciso talvez
Eu precise nada fazer.
Nem dizer não
Nem acatar
Nem servir aos que calam
E consentem. Posso?

Não tem o não conseguir.
Eu quero e preciso, eu confirmo
Não quero fazer nada. E nisso
Existe uma existência inteira.

Em não fazer nada
Respira o mundo
Livre da nossa voraz existência.

Não quero fazer não quero enviar
Mandar responder escolher respirar
Não quero sequer querer
Eu posso? Poderia eu nada
Mesmo
Nada fazer?

Resisto em sonhos marcado a tinta sobre a pele amarelo.
Resisto em imagens que fazem sala a minha impaciência.

Não precisa fazer nada.
Nada. Hoje você sobrevive com os olhos secos e feito pedra endurecidos.

Você não chora mais. Não choras mais.
Hoje você se congela no fora do padrão.

Pardo menino querendo alforria de si
E de todo um mundo.

Você pode. Não fazer nada. Você pode, mas
Pense antes. Pense sobre aqueles que morrem quando você decidi tudo isso.

maestria

sabes falar muito bem, você, hein?

falas como ninguém.

domina as palavras
brinca com os sentidos
e frente aos sustos
procria sorrisos.

que louvor! dádiva, eu diria
tudo você converte em coisa alguma
que sirva a sua própria batida.

sem medo
nem vergonha
o desconhecido
você usurpa.

as palavras que você escolhe
também elas lhe fazem mesura.

aprendeste muito bem
a dobrar o destino
rompeste - cego - a moral
e danças, inerte, sobre o pavor
de todo um povo.

você fuma o cigarro
e digere também o cancro
você imita os perdidos
e de sua dor faz você ilusão
e cânticos

és uma farsa
ainda não divulgada
és um golpe
para estado
ainda em formação.

você não presta
e vais um dia
ser deposto
pela natureza

serás tragado pelo vento
ricocheteado pelos troncos
pelas árvores
serás tu atravessado

e o tronco delas nos seus olhos
permitirá ao mundo enfim
o descanso
dos seus hábitos

tornados hoje tão simples
tão humanos
tão naturais

você não presta
e mesmo que ninguém saiba disso ainda
você desde sempre
sempre o soube.

você é horrível
você morrerá dolorosamente
e em abandono.

aguarde.

talvez para te machucar, apenas

talvez eu quisesse lhe dar fim
dar fim a si mesmo
talvez eu quisesse

talvez eu tenha cansado
dos seus cansaços
das suas incapacidades
talvez eu quisesse hoje
apenas hoje
intensificar a sua dor
e dinamitar a mil
o seu embaraço

quisesse eu, hoje
acabar com a sua raça
apagar do mapa
sua temperatura
perfurar seu estômago
e te enforcar em seu próprio
intestino grosso

cansei de você, diogo
por agora, preciso confessar
cansei
da sua rima
da sua barba
do seu rosto sujo
da sua cara mal lavada
cansei mesmo
se me houvesse força
te desfiguraria

pensei em te queimar
com a água fervente
do macarrão
pensei em não marcar o despertador
tomar uns remédios vários
e nos livrar
da sua aparição

mas você dura
você resiste
e eu já não sei como lhe acabar

cansei de ti
cansei
mesmo, estou cansado
você engole fumaça
vive alcoolizado
você afasta os amores
você não come
não dorme

e só agora
o que sabe
é falar
e tomar banho
passar perfume
e mudar a roupa

andas pelas ruas
como quem respira
não porque tenha motivo
apenas porque você existe
e por isso
eu sei
você acredita se bastar.

tudo errado,
imensa vergonha

por que você não vai embora?

faço outro programa:
junte umas roupas
saque o dinheiro que tanto correste atrás
junta tudo numa mochila velha
pega os maiores livros (nunca lidos)
e some
some de vista
não deixe rastro
não escreva pistas

suma
daqui
e do seu lugar
abandone os amigos
e sequer cometa o crime
de lhes dizer: preciso
me
encontrar

nada disso

se aborreça sozinho

morra hoje
morra dormindo
suma
despareça
eu te odeio
hoje
mais que sempre

sua biografia é mesquinha
sua existência é maligna
hoje
você não serve
para nada
exceto para gastar o mundo
e nada lhe modificar

sua ousadia virou rebeldia
sem causa
seu calor virou suor do verão
não
isso não
suma

dê um tempo ao mundo
ninguém te merece
enquanto não aprenderes
a ser merecido

você machuca o tempo
você desfaz os laços
você não está bem
e teme assumir isso

chega!

poste esse poema
e ponha-se fim
(quem nos dera)
ponha-se um fim
qualquer um
seja porque vais dançar nu até cair
seja porque não
porque sim
talvez porque você saiba

que este é só um poema bêbado
e o seu fim
foge ao seu desejo

és forte para mudar o mundo
mas fraco para mudar a si mesmo.

hoje talvez, para te machucar, eu apenas tenha essas palavras.

vai que amanhã você acorda distinto
e lave a louça
e cumpra com as coisas atrasadas
vai que você consiga
vai que
tomara!

hoje você só me envergonha.
hoje você não serve mais para nada
absolutamente
você, nada.