Pesquisa

domingo, 19 de janeiro de 2020

Seca

Numa primeira ou segunda abordagem
Diríamos que secou o desejo
A vontade de fazer acontecer 
De correr atrás, aquilo tudo
Diríamos que acabou. 

Na constância da insatisfação 
Diríamos num momento seguinte
Que não, que não, que ainda há desejo
Algum desejo há, haveria
Nem tudo acabou. 

Seria então preciso perguntar 
Qual então é a questão? 
Qual? Qual questão? 
Qual questão é então? 

Na ausência de hipóteses 
Diríamos que das três uma vai:
Ou acaba tudo;
Ou põe mais paixão na coisa toda;
Ou dorme e se dê longas férias.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Hostel

A porta trancada.

O que fazer? 

Ouço a cadela acordando. Quem mais ela acordaria com um simples latido? 

Abro o elevador novamente. Desço até o térreo. Outra vez precisarei passar a noite num hotel qualquer. 

Vida bandida. 

Rico, ou um dia talvez, pago um quarto de casal. Privativo. 

À beira da piscina, envolto em escuridão, contemplo o que me tornei e sorrio aliviado. 

Não há de ser tão sem sal isso de ser livre. Contrariado, pondero que livre não é a palavra mais apropriada. 

Mas continuo sorrindo. Ora, o que fazer? 

Está escuro. Sento numa espreguiçadeira próxima à piscina. Molho a bermuda e a bunda com água fria da chuva passada. 

Chuva vespertina. 

Alguns acontecimentos nesta vida servem, ao menos, para que encontremos novas palavras. Outras. 

Sorrio outra vez. Acendo um cigarro. Penso: grande é a vida que brinca consigo mesma. 

Há que se divertir. Me fala uma voz que mora bem no fundo de mim.

Divirto-me. Por certo. Amanhã acordo, nem tomo o café completo. Apenas o café preto. Volto à casa de meus amigos. 

Eu sempre volto. Eu vou. Eu continuo. Estou vivo, não estou?

Isso há de bastar. 

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

olho profundo


desconfias
não tens certeza
sinto que desconfias
estás certo
viver é mesmo coisa incerta

sinto e sei
estás empenhado
parado, te olho
olho profundo, moço
olho e vejo

um sorriso
modo largo
larguíssimo
deito-me
esparramado

sem ti
e em ti
uma ação
me resta:
olhá-lo

mirar você,
moço
você chegou
ao pós-almoço
de sua vidinha

que roupas?
quais?
quantas mudanças?
conservou a algibeira?
sabes o que és?

ei, moço
te olho profundo
e acho até bonito
o cheiro de ferro baunilha
do sangue que jorra saindo

já era hora
você sabe
você sabe
morrer
não acontece a todo o instante

e a vida
moço
te juro
a vida
juro

eu te olho
olho profundo
o que vejo
certo seria chamar
disso mesmo

vida apenas
vida
sabe?
vida
aquela coisa

aquela
coisa
gostosa
irada
indomável

te vejo, moço
te olho profundo
e imagino
que eventualmente
você também se olhe

você
moço
te pergunto
você
se vê?

Arquivo