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domingo, 29 de janeiro de 2017

Não, isso não

Não se trata de uma rendição.

Talvez ainda algum aprisionamento
Talvez um rabo, preso
Talvez um raio
Que não cessa de me trovejar.

Mas não, não estou rendido.

Não pode ser.

Já faz tempo
E eu ainda
Rendido a um você?

Não. Eu desconfio.
Preciso duvidar.
Seria mesmo isto:
você que passa
ainda me carrega
e me faz correntes
carregar?

Não, não é para tanto.

Talvez seja falta do que fazer.
Mentira.

Você me vem, vez ou outra,
Mas não cessa de vir.
Vem como saudade boa
Vem como chateação tenaz
Você me chega e então
O que posso mais?

Sobrevivo porque o tempo não parou.

A vida me anda. Às vezes, junto a ela
Eu vou.
Vezes não dou conta
E fico assim
No ato não feito estrangulado.

Não, não posso aceitar.

Preso a isso, preso ao isto,
Não.

Definitivamente não.

É só que essa noite dormi abraçado
Ao cobertor
E quando acordei
Pensei ser você.

Não, não era.
Eu já entendi.
Daí vem a poesia me desentender.

domingo, 22 de janeiro de 2017

Não, não direi palavra alguma

Não é por direito
nem bem por escolha
Minha palavra
que hoje não veio nem virá
não me é ação
é apenas o que é

um Susto
tremendo
um Salto
indevidamente
intenso

Nem falo de ser direito
ou não
Nem questiono o fato
de sequer saber
se poderia
se deveria
se você gostaria
apenas

Saltou
Essa palavra muda
transparente de perplexidade
Sem interrogação
mas toda questão
Salto
Pulou
Sobrou

Foi o que de mim sobrou
depois do noticiário daquele dia.

O que a notícia está fazendo com a humana vida?

Não,
não direi palavra alguma
Vejo os homens matando homens
com o poder de suas palavras arranjadas

E eu
eu, logo eu,
sendo tomado por otimista
sendo rotulado de revolucionário
eu, comunista
eu, querendo que as palavras
sejam menos ordem
e mais ritmo
mais dança
menos lobotomia...

Não,
não direi palavra alguma
Apesar de já as ter dito
não disse
Isso é tudo sua projeção
Eu
Aqui

Você vê?

Não...

Não direi nada.
Cousa alguma.

sábado, 21 de janeiro de 2017

Nevasca

Ouço os pássaros
O barulho da obra
amanheceu antes do sol.
Que sol? Pergunta minha pele.
Hoje o dia deu um chuvoso, Drummond.

Tento reter algum sabor
Tento sobreviver nalgum gesto teu
Nada acontece.
Seria preciso, talvez, não estar
Aqui, nem ser
Desse jeito.

Deito à cama após o café.

Poderia ficar aqui até a fome me acordar.

Nao tenho fome agora.
Não tenho saudade.
Não tenho nada
E, lá fora,
Esse princípio de nevasca.

O frio
O frio
Me esquenta.

Por que vivo bem em condições
adversas?

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Através

Dali
através de onde ele olhava o mundo
Talvez houvesse o suficiente de calma
para se processar a instância
Do acontecimento.

Vendo-o de fora
olhando através da janela
Perseguindo o mundo,
mas com calma
Talvez houvesse alguma paz.

O semblante filtrado pelo vidro da janela
não revelou cansaço
Como antes, só o que se via
era interesse
calmo
Mas, interesse
ainda assim
Vontade certeira
de se desnortear junto ao mundo
lá de fora.

A abertura da janela não era tão grande
por ela não passaria um corpo, talvez passasse
mas só corpo de criança.

Dali
através de onde ele olhava o mundo
Seus tormentos sobreviviam suspensos
nada tendia propriamente ao fim
Eu vi
Eu o vi
Numa manhã, era cedo,
bem cedo eu o vi,

Ele estava sorrindo.
Ele estava sorrindo.
Só isso o que vi.

Através da janela
feito um gesto de escárnio rumo à insensatez deste mundo-instante
Ele sorria.
Ele sorriu.
Ele segue sorrindo.

sábado, 7 de janeiro de 2017

O Medo

Não estava frente a um espelho.
Estava sozinho mesmo, apesar de acompanhado de si.
Então se perguntou:
Você tem medo do quê?
Pergunta inteira.
Hein?
Não respondeu.
Caminhou pela casa.
Viu a poeira acumulada.
Pensou que no dia anterior havia limpado tudo.

Num súbito, se encostou à porta do quintal.
Mirou o céu nascente, o sol que acordara cedo.
Pensou sobre o medo e também sobre as coisas
as coisas que ali se mostravam tão claras
tão plenas.

Medo de não corresponder?
Responda.
É isso?
Você tem medo de não corresponder?
Corresponder a quem, ao quê?

Voltou ao dentro da casa.
O calor começara.
Caminhou pelos cômodos
a poeira solta no ar
e voando mais e mais a cada passo.
Pegou um comprimido.
Dor de cabeça
pensou sua cabeça.

Ali, engolindo o comprimido
esteve certo que o seu medo era esse mesmo
O medo de não dar conta de ter que ser aquilo que o mundo havia lhe dito.

Medo de não corresponder.

Queria ser sem correspondente.
Ser como quem apenas está.
Ser poeira
subir, voltar, cair, voar
Sedimentar.
Restar.

Você se permite?
Não se respondeu.
Eu te fiz uma pergunta. Você se permite?
Não corresponder?
Não ter que?

Em silêncio, querendo parecer distraído
naquela manhã amarela ele encontrou o princípio
que, apesar de início, não precisava de coisa alguma fora de si

Era isso
Não corresponder ao mundo
é existir.

Eu estou aqui.
Sem correspondência.
Eu estou aqui.
Falando sem pressa por ser ouvido.

Lá fora o dia impaciente
não porque faltasse algo
Mas porque sim tudo ele já ouvia
O dia
Ele me ouve
Ele me vê
Ele me fita.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Por você,

Você viu o tempo passar por nós?

Eu não
Nao vi quase nada
Fiquei detido e contido
Na imensidão do nosso
Encontro.

Os seus cabelos voltaram
Ao tamanho longo.
O nosso desejo de se pertencer
Ficou ainda maior
Também cresceu.

Que paz sentar ao seu lado
A sua frente
Caminhar sob o sol
Prosear o agora e o amanhã.
Que paz é você.

Para B. P.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Raio-X

Encosta o queixo.

Respira. Segura.

Encosta o peito.

Não mexe.

- Desculpe, mexi sem querer.

Não mexe.

- Posso fechar os olhos?

Não faz diferença.

- Para mim faz.

Segura.

- Estou segurando.

Solta.

Pode relaxar.

- Obrigado.

30 minutos.

- Isso tudo?

Eu estou aqui nessa sala fazendo isso o dia inteiro. Só você, foram sete raios-X. Percebeu o ar-condicionado? Sempre assim, no inverno. Viu a cor da minha pele? Não sei o que é sol. Nem ela. Tem certeza que vai reclamar por ter que esperar 30 minutos para os seus exames ficarem prontos?

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Medo

Por que demoras tanto?
Tanto tempo em tanta dor
Deve mesmo haver algo em ti
Que te faça gostar de se perder
Gostar de se gastar
Deve haver.

Costumas caminhar lento
Entre os pesares
Caminhada longa a sua
Sobre os cacos
Nem os da caminho
Você pisa sobre si mesmo.

É medo?
O que você sente
Este isto
É medo?

Por que não ceder?
Por que não cuidar?
Por que não ser frágil
Ao invés de deixar de ser?

Quando foi que você perdeu o carinho?
Aquele primeiro
Quando foi que o mundo deixou de lhe ser mãe
E virou só perigo?
É isto, não é?

Sua falta de cuidado
Consigo próprio
É manifesto
Da sua crença em você mesmo
Apenas.

Ceda.
Um pouco.
Um só pouco
Hoje
Vá. Desista de se dar conta
Você não está conseguindo
Ceda

A noite tem vento fresco.

resi (li) [st] ência

você está desistindo?

não. de forma alguma.

é o que então?

o quê?

esse seu comportamento, essa sua cara
é de quem está desistindo?

não. não mesmo. de forma alguma.

e eu?

o que tem você?

pareço estar desistindo?

não. você parece bem. bem aderido à coisa toda.

aderido?

à coisa toda.

que coisa?

a coisa. essa coisa. a vida. esse tipo de vida.

existe outro?

outro tipo de vida?

sim. existe?

muitos. muitos outros. você não faz ideia.

e então? estou aderido?

sim, sinto dizer, mas sim. você é aderência total.
tudo que te toca você já se transforma.

não entendo.

não tem nada para entender.

como você pode afirmar coisas sobre mim?

porque somente eu posso te ver.

entendi...

entendeu?

e eu a mesma coisa em relação a você, certo?

sim.

entendi.

você vê o quê?

você faz força. tanta força que parece não ter força alguma.

eu faço força?!

faz. às vezes só com os olhos, mas faz.

nunca havia reparado.

é pior. porque parece que você mesmo se dá um freio
para que a sua força pareça ainda mais forte.

não faz sentido.

não é para fazer.

é verdade.

ou não. não importa. importa apenas o que se é
como cada um de nós está se permitindo ser.

e estar.

isso. e estar.

entendi...

eu também...

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