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segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

84

Ultrapassaram o terror prescrito.

O fim após a rachadura deu mais vasto.

Todos e todas foram além da miséria; tornaram-se ricos e opulentos desgraçados.

Pagamos médicos, os mais caros, os mais pobres que se morram.

Seguiremos sem eles. Seguiremos sem nós mesmos.

O dinheiro vira gaze. O cigarro apazigua a ansiedade e te mostra as contas em dócil continuidade.

Estás endividado e sequer lhe resta força para meter-se uma bala na cabeça. Que bala? Que cabeça?

Perdeste tudo e vaga sorridente fotografando o caminho que não caminhas.

Sua desgraça é mais linda assim mais verde mais saturada mais profunda mais íntima mais margem mais brilho mais mais mais longe de ti você foi sendo empurrado.

MAS, no entanto, se ainda tivesse valor alguma ínfima dica, seria dito: cuide de seus machucados, mas não para que sumam, não para que cicatrizes. Rompa a casca, carne à mostra, desfiguração constante, durma rente às cáries dos seus mais esburacados dentes. E, se por muita vergonha não conseguires bater uma foto, bata uma punheta e se banhe em porra líquida e gosmenta. Sobreviva à beleza dessa época. Ela é horrível. Ela te usa. Ele te esvazia, te ignora; ela é cínica, quer te convencer que não há tristeza.

Siga triste.

Fora de si

Seria prudente
Mirar objetos
Descrever naturezas
Seria intrigante
Comparar a noite
Com sentidos da alma
Coisa qualquer que estivesse
Fora.

Poderíamos ficar numa cor
Numa cor. Apenas num detalhe
Da telha. Telha rachada.
Nos reflexos da noite escura
Deitada em espessa poça d'água.

Que esforço é esse para sair de si?

Dada as dificuldades, poderíamos supor
Que sair de si é demanda de uma época
Ou imposição de uma positividade qualquer?
Fico inerte.
Não posso falar de mim.
Fingirei interesse em dores outras?
Forçar alteridades?

Temo que a ficção deponha a favor de minha integral vergonha.

Sinto-me envergonhado.

A sinopse do século me diz apenas uma coisa: mostre-se, mostre-se. Mas se me mostro, não o faço por moda. Mostro apenas minha tímida monstruosidade. Minha falha constante e variável. Meu cansaço constituinte. Mostro minha cara e sua voz titubeante.

Devo dissimular profecias? Devo projetar ideologias, matar hermenêuticas, o que tudo isso?

Fico besta.

Bestificado.

Idiota eu. Minha força maior. Extrato do meu mais fiel cansaço.

Luz fria

Novo império
Em pleno quintal de casa.

A infância fica lá atrás
O passado, nem tão bem
roubado na algibeira, aparece
com sono.

Vasculho com pés descalços
Às quinas não mais doem
No entanto, se fecho os olhos
me olham

a doçura de outrora
os receios mais imberbes
o desafio da noite
o desenho animado das manhãs.

Hoje
Hoje não
Luz fria deforma o quintal
Os canteiros com plantas quase
De plástico. A piscina inerte
Vãos abismais
Entre silêncios que duram
Firmes.

Não não
Não reclamo
Não mesmo
Apenas constato
Observo
Deitado em espreguiçadeira
À beira da piscina.

Estou velho, tempo

Estou velho, vida

Estou aqui
No entanto, estou
Aqui. Justo onde
Não mais estou.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Iminente Desistência

De novo, amigo
Chegamos perto
Mas não nos dissemos
A palavra alada.

Citamos a psicanálise
Falamos do mistério
Que veste os traumas
E mesmo assim.

Se sou generoso
Talvez não devesse ser
Se falo mais e você mais escuta
Talvez eu devesse gritar.

Você confessa, ameno,
Você confirma o óbvio
Dos seus tantos e imensos
Medos. Mesmo assim.

Como antes, hoje,
Nada mais dissemos.
No entanto, a despeito
Do que não veio. Descubro.

Uma tristeza.

Outra esperança.

Quero te ajudar.

Quero te ver brilhar.

Os segundos,

Tento reter
Cada segundo
Como cada gota
Sugo o seu suor
Aspiro ao dentro
E já acabou.

Olho aos céus
Pergunto a Deus
Por que o gozo acaba
Por que esse gozo acabou
Por que acabou?

Deus não me diz nada
Mas no calor dessa noite
Posso ouvir o rangido
De seus divinos dentes.

Passo a mão na sua testa
Dou-lhe tapas na cara
Você me cospe à boca
Eu te engulo
E mesmo assim
As horas passam.

Saio de casa
Os graus mudaram
DE 37 PARA 31
Sigo fervente
Olho aos céus
Grito aos diabos

Por que haveria de ser assim?

Daí passa um vento
UMA folha despenca
A lixeira da rua é laranja
E ainda lateja em mim
Sua mordida na base quente
Das minhas cabeças.

Tento reter os segundos
Mas não posso, não poderia
Fico então com as imagens
Viro então poeta e me basto em rimas
Tremidas

Seus dedos
Seu peito
Sua barba
Seu cu
Seu cheiro

Eu faço sentido sendo assim
E Deus sabe disso
Por isso ele ri.
Ele ri de mim,

INVEJOSO.

domingo, 9 de dezembro de 2018

Aquilo que resta

Poderia sim.
Sim. Poderia.
Sim.
Sim.
Disse que sim.
Sim. Disse. Ouvi.
Ouvi?
Ouvi. Ouvimos.
Não se esqueça.
Essa. Essa certeza.
Certeza.
Poderia ser.
Pode sim.
Sim, poderia.
Pode. Sim. Ponto.
Acabou.
Acabado.
E agora?
Não, não, não poderia.
De fato?
De fato. Sim. Não, não poderia.
Por que começou?
Poderia não perguntar nada.
Tudo. Nada. Poder. Poder não.
Haverá janta?
Jantar.
Jantar haverá?
Onde?
Aonde?
Continua.
Poderia.
Pode.
Pode.
Pôde.
Chapéu.
Chapeuzinho.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Eraserhead

Faz sentido pra você? Agora faz?
Talvez um pouco, amiga. Um pouco mais.
E tá tudo bem?
Não é que não esteja.
Mas tá?
Não sei dizer.
Ainda nessa? De achar que estar mal é estar mal?
E não é?
Não precisa ser.
Como não?
Você não aprende nada com tudo isso?
Deveria, né?
Poderia.
Posso.
Você pode aprender.
Bem que eu queria...
E então?
Eu queria, sem machucar ninguém, eu queria\
Então faz acontecer.
Sem machucar\
Não precisa machucar. Basta\
Ser sincero?
Exatamente.
Como sempre fui?
Como quase sempre você foi.
É difícil. Mesmo assim, é difícil.
Nunca não foi, Diogo.
A gente se engana.
A gente se apaixona.
Mas de súbito, assim, tudo desmorona.
Tudo desmorona. A gente se apaixona. Tudo desmorona.
É o ciclo.
Sem fim.
Beckett, né?
Em algum momento da sua vida, você aceitaria que sim.
Beckett.
Não é?
É sim.
E como você tá?
Tô em outra. Tô distante de vocês. Acho que sequer sou lembrada.
Faz tempo. Vai completar 10 anos já.
E você pensa em mim?
Quase nada. É verdade.
Viu?
Não vai com força a coisa toda, né?
Nem pra morrer foi com força.
Não foi?
Foi leve pra mim.
Não é possível.
Leve e horrível. Pesado e tão simples. Todos os comprimidos.
E não acordou nunca mais.
Nunca mais?
Não sei.
Estou aqui. Na futuridade. Conversando com você em mais uma postagem nesse blog velho.
Ele tá velho.
Você também.
Você tá bem?
Isso importa?
Sei lá. A manhã deu em chuvoso. Talvez fizesse todo o sentido ter essa conversa com você.
Que bom.
É.
Não é?
Pode ser.
Quer me falar o quê?
Lembro daquele dia. Um dia quase perto do fim. Que saímos da aula e eu te trouxe cá para casa (ainda esse mesmo apartamento, apesar de ter mudado a disposição dos móveis e a tinta das paredes). Te trouxe porque senti que você precisava de abrigo, de mim, talvez, de um amigo. E tudo foi tão violento. Você tava medicada, mas me dava também a sensação que estava se divertindo com aquilo tudo. E não tinha graça alguma. Você tava ríspida, foi ríspida comigo, eu fazendo comida pra gente, sei lá, tava tentando ajudar e você toda pontiaguda. E eu me esforçando pra entender que você tava mal, não eu, que eu podia aguentar tudo, você é quem não tinha condições. E amanhecemos no dia seguinte, lembro de seu rosto remelento, eu todo confuso, lembro que o dia começou e você partiu e depois, depois dessa minha tentativa de fazer diferença, de te ajudar, depois eu já estava num ônibus, cruzando a Presidente Vargas, e o Ramón me ligou, perguntou onde eu estava, eu disse que num ônibus, ele tentou disfarçar, eu disse que falasse, fala, Ramón, pode falar. E então ele disse que você tinha tomado todos aqueles comprimidos e que estava no hospital, meio de coma, sei lá, mas já meio longe, meio distante e depois disso foi só no enterro, só no enterro, vendo seu corpo num caixão fino sendo enterrado meio na lama, nem tanto na terra, foi só isso.
Você lembra dos detalhes. Eu lembro daquele pirulito gigante, lembra?
Lembro também.
Ficou bonito com a cor da minha pele.
Ficou mesmo. Tirei até foto.
Deve estar perdida em algum HD queimado.
Pois é.
Está tudo bem, meu querido.
Não é você quem está falando comigo, não é mesmo?
Não. É você quem escreve. Mas sou eu junta, ao mesmo, eu sou tudo isso.
E está tudo bem?
Precisa estar?
Feliz por te lembrar, por falar com você, foi de surpresa.
Assim é que é bom.
A saudade que senti agora, por você, é gostosa de ser sentida.
É.
Um beijo em ti.
Outro em você.
E na Madeleine.
Onde ela está?
Não sei. Talvez com o Luquinhas. Não sei.
Pois é.

Com e para A. Dória.

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Provisão

Tão provisória feito a vida
Assim é a poesia.
Se ontem escrevi sobre meu medo
Hoje ele amanheceu intrépido
Perfumado em alegria.

Aí releio aquelas palavras
São tão brutas
Agora tão sem sentido
Que agradeço à possibilidade
De a poesia nunca perder sua chance

De refazer
Tentar de novo
De desfazer
Voltar a chocar corpo contra vírgulas

Ciumenta, a vida me olha
Com ranço de humilhação.
Ela não quer aceitar
Que eu possa viver mais entre versos
Do que dentro de seus sapatos.

Saio de tudo
Frequento metáforas. Bebo o mundo
Presente rimado
E tudo em relação aos fatos
Desmorona

Pode ser como foi
Pode ser como seria
Como não teria sido também pode
Pode muito
Infinitamente pode
Desde que você desista
De viver sem tomar diariamente
Aquela rima

Tô te amando.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Ultrapasse

Seria confiar nas belezas
Que não uma única
Pois são tantas
Em você
Tantas coisas lindas
Detalhes tantos
Tão lindo, você,
Que sua ínfima feiura
Me desnorteia.

Algo da moral
Alvo da cultura
Coisas de família
Talvez
Eu não tenha tido escuta
Para confiar
Nos meus mais bravos e bobos
Arrepios.

Então me volto
Ao seu corpo
Ali
Junto ao meu
Todo mexido
Lambido
Vasculhado
Suando
Apaziguado

Deveria então me deter nisso
Ou na moral da belezura?

Faço força
É uma guerra
Confio no seu corpo
Nos pelos meus que nos aproximam
E costuram.

Vou ficar com você.
Quero.
Pode ser?

sábado, 1 de dezembro de 2018

Certeza


Assim como lhe ocupa
o peito, lhe embarga
a vista. Assim como
mas distintamente
há mazela
em (quase) toda esquina
Assim mesmo
existe o tempo que
a despeito de seu enjoo
passa e
não para de
passar.
 

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

aquela fala indevida

e disse mesmo
disse a si mesmo
disse o obtuso
o intragável
mas tão honesto
tão verdade
tão verdadeiro

disse assim:
isso que você tanto reclama
isso é desculpa sua
para não enfrentar
a sua incongruência

fez cara de espanto
cara de palavra difícil
incongruência?
sim
e endossou o tiro:

essa mágoa
esse quase rancor
isso é medo seu
de assumir que você tá ruim
que você tá pouco
que você já deu,
já passou

e fizeram silêncio
nem tão breve

nem tão longo
fizeram aquele silêncio
e no escuro da noite
o silêncio foi se revelando

era isso
sou isso mesmo
esse cansaço
essa recusa a me aplicar mais
e mais
a tudo
e a todos
mas, sobretudo,
mais a mim
mais a mim
mais a ti?

sim!

argumente-se!

a mim! falta o cuidado
a dedicação
isso que falta
que seja
falta primeiro a mim

mas ora
ora
veja só
só falta a ti
porque em nada que fazes
isso
essa coisa
essa falta
está presente
se falta fora
não tem como ter dentro
compreende?

você me compreende?

novo silêncio
renovado
você quer dizer?...
você quer me dizer que
isso que eu tô vivendo
isso que tô sentindo
é esconderijo para algo
maior
mais complicado
mais ainda bizarro
do que todo esse cansaço?
é isso?

sim
sim
você entendeu
adiante

quero dizer
você está me dizendo
que a minha mágoa
essa mágoa
esse quase rancor
essa ira, pequena, mas irada
você tá dizendo
que esse meu desconforto
é, na verdade, esconderijo
para esta revelação
esta certeza
esta bomba

exato
qual?

bomba?
qual bomba?

qual bomba?

ora
eu
eu descansei me cansando
eu fui sem me ser
falei de honestidade sem me gastar em nada que disse
fiz pouco
confiei no destino
e agora me sinto raivoso
porque o mundo floresce
e eu só morro
mais e mais
de pouco em pouquinho
eu só fico pro depois
eu só fico pro passado
e o presente?

é você quem faz, seu otário

o presente
é você quem faz, diabo

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

uma curiosidade

e lhe veio então à mente
esta possibilidade estranha
mas ainda assim
desejante

e se, e se eu nada falasse
e se eu simplesmente deitasse
e fosse embora
assim, me perdendo
intencionalmente
no meio da noite?

mas acordou
dia seguinte
a cabeça mais leve
o corpo moído por tanto descanso
acordou
mesmo sem querer
acordou

no entanto
foi apenas engatar no jogo da vida
fazer o café
aguar as plantas
ver o próprio rosto
cansado
no espelho do banheiro
foi só retornar ao dia-a-dia
que mais uma vez
o cansaço lhe assaltou
o presente

e se você fosse
de fato
se você se deixasse ir
pensa
pensa, homem
tanta coisa iria junto
tanto cansaço
tanto papel
tanta responsabilidade
iria embora, assim, também
tanta alegria
tanto prazer
tantas e tantas narrativas

o que fazer?

fazia calor
era só isso que existia naquela fatídica tarde

ir ou não ao médico?
curar-se dessa virose
ou deixar-se morrer?

perguntas indevidas
perguntas sem resposta
oh, vida
ele disse
oh, vida cretina

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Dança do Sol

o sentido está aí
sempre disposto à morte
e aos recomeços

o que você poderia me dizer sobre tudo isso?
diria sobre a soberba da sua apatia
sobre a moleza do seu espírito
nem bem me interessam suas justificativas
pois justificar o que não é justo
não me é bem vindo

diria então sobre as longas horas fora do mundo
as longas e iludidas ações de descanso
quando o mundo segue agonizando
e você, na sua solidão privada,
espectando-o

o sol, talvez, tenha vindo em boa hora
o seu sacrifício, sem dúvida, também veio
em hora precisa
será necessário, caro amigo
ultrapassar a comodidade
da sua inércia
fazer diferente, apenas fazer
sem não mais
sem fazer não
sem esse niilismo que te ocupa
convenhamos
por demasiado tempo

hoje e amanhã
agora e por bom tempo
não mais isso
apenas dança
sensível e tenaz afirmação
dos seus desejos
encarnados
da sua existência
lúcida, construtiva, combativa
solar


sexta-feira, 9 de novembro de 2018

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Meio inerte, olhos abertos

Nem muito nem pouco
O possível o suficiente
Para mirar ao mundo
Sem antecipar o seu transtorno
Em mim
Não não poderia suportar
Por isso lento transito
Entre o lá e o cá
Vendo tudo num só canto
A vida judiada
O poder com fome e gancho
Olha
Se eu vivesse noutra época
Talvez esta agora fosse apenas história
Só que é minha
A minha época
A minha compulsão
A minha hora.

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

deu ruim

muito ruim
começou antes
piora a cada segundo
vai piorar
e se vai
faz como?
como faz?

segue-se fazendo
agora distintamente
dissimulando muito
afirmando ainda bastante
mas jogando o jogo da razão cínica
sendo cautelosamente rigoroso

não tem volta
só se vai adiante
vai dar mais trabalho
ainda mais trabalho
mas quem poderia
lidar com essa época medíocre
não fossem nós, os poetas?

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

PRIMEIRA MORTE


sobre você, pai

que espanto!

tudo (ou quase tudo) que afirmei sobre você
faz uns anos, poucos anos
vai se transformando

toda a minha ira
minha irritação com a sua bruteza
minha ira com a sua burrice

tudo está mudando
tudo está mudando
você, mudo, está mudando

trancado sozinho em nossa casa de infância
plantando o jardim novamente
cuidando das plantas
falando sozinho sem quem te escute
essa coisa toda estranha
tudo isso está te mudando

descemos o quintal caminhando
falando do pé de amora
do pé de pitanga
da árvore tal e de tantas outras
você abriu o portão
eu com a mochila nas costas
tem certeza que não quer que eu te leve?
disse que não
não, pai, vou andando, estou precisando andar
e você insistiu
eu disse não, tudo bem, não precisa
e você cedeu
você cedeu

segurando o portão aberto
me vendo partir, lento
você me agradeceu por ter ido em casa
ainda que por uma hora ou um pouco mais
você me agradeceu e disse
que era melhor assim, né, filho?
mais perto, ao vivo, frente a frente,
você me disse
é melhor assim?

e eu concordei
sempre achei que seria assim
mas demorou
demorou tanto

eu já com quase 31 anos
e só agora nós dois
pai e filho
filho e pai
só agora a gente descobre
como pode a gente se amar

eu me emociono
eu quero estar mais perto
a sua bruteza que sempre me afligiu
hoje se volatiliza
você fica imenso, pai
você é mais amor do que eu sabia

o que foi que aconteceu?

sábado, 6 de outubro de 2018

Otimismo, esperança e partilha


Rio de Janeiro
Sábado, 06 de outubro de 2018
10h06/11h39.

Oi, gente –

Precisei escrever para desenhar melhor o modo pelo qual venho sentindo a atual situação política brasileira e percebo que, ao fazer isso, estou em busca de um cuidado, o cuidado de algo muito valioso para mim: o otimismo frente a uma época tão investida no extermínio de (quase) tudo e (quase) todos.

Em primeiro lugar, escrevo porque luto – de variadas maneiras, por meio de distintas ações – escrevo porque luto contra o fascismo. E o fascismo, para mim, em sua definição mais aterradora, diz respeito à linguagem. Fascismo não diz respeito à censura, não diz respeito a impedir alguém de dizer algo: diz respeito a uma imposição feita de A a B visando com que esse B diga exatamente aquilo que A quer que B passe a dizer. O fascismo é a colonização via linguagem. E eis o nosso momento, não? Uma grande fraqueza forte se move produzindo e divulgando, compartilhando e tatuando na sensibilidade – já tão judiada – do povo brasileiro, algumas frases, um monte de morais, tantas outras direções sem sentido.

Eis, para mim, o fascismo. É por isso que comecei falando sobre o otimismo. Otimismo (talvez nem seja essa a palavra, mas por agora será) não é uma busca alienada por leveza num momento tão grave; não é uma tentativa de livrar-se do instante presente com promessas de um futuro melhor; nada disso. Para mim, otimismo diz respeito à capacidade de se manter firme num espaço-tempo em que já não se escuta tanto, no qual já não se sabe dialogar, tempo-espaço em que a arma é o verbo e não param de nos metralhar suas balas: verdades generalizantes, fórmulas simplificadoras, coisas mortas e fechadas no lugar de existências-movimentos que ainda vibram, que ainda manifestam a vida (que é esse respirar incessante, esse meio do caminho inevitável entre tantas e tantas agruras e belezas).

Quis escrever porque vou votar no Fernando Haddad sim. E isso aqui não é campanha política, é apenas política. Não é uma discussão sobre siglas, coligações, ódios e maravilhas. É uma proposição, um propósito. Um gesto com intencionalidade e movido por um otimismo fundante e enraizado, nascido de um olhar observador do mundo, um olhar que não tolera e não se dispõe à gritaria dos ódios e seus afins. Ciro Gomes não tem condições de ir para o segundo turno (não se inebriem tanto com a propaganda). Já sabemos que Haddad estará no segundo turno. Fizeram e conseguiram tirar o Lula das eleições, mas não é sobre o Lula, é sobre um propósito, não é sobre “corrupção” nem “tríplex”, nem sobre esse papo de “ficha limpa” que é de uma ingenuidade assustadora: somos todos “ficha suja” porque a sujeira é parte da vida, então que a gente pare de moralizar o coleguinha ao lado. Observem: o que mais estamos ouvindo nos últimos dias antes desse primeiro turno é sobre como o antipetismo vai destruir tudo e nos fazer ter Bolsonaro como presidente. Eis outra marola no ar: o antipetismo, o Lula é um bandido, a Dilma sofreu um impeachment e porque era isso ou aquilo e por aí vai. O fascismo – a imposição do que dizer, de como se sentir – segue agindo sobre nossos desejos e suas falas. É preciso estar atento e respirar fundo pelo nariz soltando o ar velho pela boca.

Não votarei em Ciro Gomes, não por ele nem por seu projeto, mas porque acredito que Haddad – e o meu, o nosso otimismo – precisa vencer essas eleições. É uma questão energética, material e imaterial, e tudo isso anda junto: a possibilidade de um governo de esquerda e a alegria de fazê-lo ser eleito. O que é isso de esquerda? Não me interessa a sua definição ontológica. Interessa-me uma esquerda performativa, quer dizer, interessa como o meu corpo se sente mais potente quando o movimento mais para o lado de lá do que para o lado de cá: esquerda (como o lado de lá, o lado a lado com o outro) como um caminho que preza pela partilha do comum, direita (o lado de cá, do meu umbigo e apenas ele) como um caminho que não. Posso estar sendo simplório na abordagem, afinal, tantos estudos e histórias conceituam melhor essas noções, mas fico com o mais imediato e mais rente ao meu corpo: existem pessoas que estão sim interessadas num mundo partilhado e outras que acreditam que partilhar o mundo é perder o que se tem. Eu sou das pessoas que não precisa ter mais nem ter tanto. Penso nas minhas amigas e nos meus amigos: o amor que tenho por elxs, o amor delxs por mim é tão imenso, tão grande, tão tanto. Eu sou amor, por isso não temo partilhar, pois já compreendi que quanto mais dou, mais ainda eu recebo. Sou das pessoas que compreende que a partilha é o único gesto capaz de sustentar uma sociedade entre seres humanos.

Cessem as morais já mortas e, ainda agora, tão presentes por meio de tantas fantasmagorias: a tradição, a moral cristã, não é possível falarmos de política e enfiarmos, de frase em frase, “graças a Deus” ou “pelo amor de Deus”. Deus é uma construção e ele está sendo usado – a despeito d’ele próprio – para perpetuar violências sem fim. Não tem nada a ver com Deus. Deus não está no meio da conversa, ele não fala, não aparece, não comparece, não tem e-mail nem residência, Deus não tem título de eleitor. Não se faz política lidando com e através dessas categorias afastadas, separadas e sagradas. Política, como a vejo, é rente ao corpo. E não é – unicamente – ir às ruas, sabem? Política é saber conversar consigo mesmo e com mais um, com mais outro ser, é testar essa capacidade incessante de partilhar tempo e espaço, partilhar distinção de olhares e pontos de vista, coexistência de cores e desejos, respeito mútuo e mútua aceitação.

Há um projeto – fascista – dizendo o que pode e o que não pode. Não vai rolar, camaradinhas. Os corpos estão despertos, os desejos manifestos, as falas e seus lugares fincados cada vez em nosso tempo presente. Cessem esse bafafá chato que desloca nosso pensamento para um futuro vindouro e nos tira da agonia que é encarar o dia presente. Pensem comigo: nenhum candidato que for eleito vai ocupar a presidência com tranquilidade. O Brasil está em luta e há luta sim, não se enganem. Há luta, por todos os lados, há lutas movidas por frentes diversas, por diferentes cores, desejos, propósitos e por aí vai. Não percam tempo, não percamos tempo, refutando a instabilidade – inevitável – de nossa época para, em seu lugar, colocar fantasiosas soluções. Não há solução. Não há mundo melhor por vir nem mesmo antes nem agora aqui: só o que há é luta, tentativas, vitórias e derrotas; só o que há é movimento.

É importante que Haddad chegue o mais forte possível ao segundo turno (lembrem-se do otimismo). Bolsonaro não é um governante possível, ele é fachada para um empreendimento. Um descarado cretino – e é mesmo, já sabemos – que está servindo de outdoor para reproduzir e divulgar atrocidades que livram pessoas inúmeras de se comprometer com a tortuosa discussão prática do que é política. Bolsonaro é a imagem corpórea – e flácida – da indiferença. Uma imagem que fala, feito um brinquedo programado a dar coices sempre que você, dono do jogo, quer reclamar no mundo, mas não tem habilidade para fazer isso com o devido cuidado, ou seja, junto.

No segundo turno, se pudermos especular o futuro, a esquerda brasileira (não temam usar o termo “esquerda”), a esquerda brasileira – que tão lindamente se espraia, aparecendo em gestos e contornos diversos – no segundo turno a esquerda brasileira vai seguir movendo a vitória de um Brasil menos fascista. Sempre foi luta, sempre será luta. O otimismo é importante porque eis outro texto alienado e alienante que estão nos empurrando: “agora deixa, perdemos, vamos rezar para nas próximas eleições conseguimos eleger alguém melhor”. Poxa, amigos. Que merda de texto é esse? Que text ruim e viciado. Observem se estamos usando essa fala porque de fato acreditamos nela ou porque ela é ótima para a nossa imensa e estúpida indiferença.

Há jeito sim. Vocês viram? Foram às ruas? Os bandidos quebraram a placa da Marielle e, no dia seguinte, vi pessoas nas ruas do Rio de Janeiro com novas placas com o nome de Marielle em mão, fotografando novas avenidas. Ou ainda estamos perplexos com imagens bidimensionais, divulgadas em JPEG, no Instagram dos candidatos? Ainda confiamos em recortes de intenção de voto feito por institutos e empresas que valorizam o avanço fascista porque é esse avanço que os livra de pagar bilionários impostos? As Organizações Globo e o Ibope. A Folha de São Paulo e o Datafolha. Não penso que devemos cair nesse mundo projetado. O mundo se faz entre gentes e não entre simulações. Há gente sim, muita gente, lutando contra o ensandecimento geral da nação. Isso é otimismo e otimismo tem peso, tem valor.

Percebam quantas violências ocorreram na vida recente do nosso país. Observem quantas respostas a elas foram feitas e continuam se fazendo, observem quantas propostas desenhadas e prontamente realizadas. Nada acabou, tudo segue em movimento. Eu quero mesmo é que o Haddad seja eleito para eu não sair do pé dele, para exigir meus direitos, conversar sobre os direitos de muitas e muitos brasileirxs, eu quero poder conversar com esse “representante” do povo. Porque faz pouco tempo, com bastante ou pouco atraso, estamos descobrindo que não é mais sobre “representação”, mas sobre participação. Sei disso pelos rumos que a arte está tomando, pelos caminhos que o fazer artístico está abrindo nas últimas décadas: não queremos arte pronta que nos diga o que é ser humano e como deve ser o mundo; queremos arte que se possa fazer junto, que abra caminhos para que eu também escreva humanidades mil e outros possíveis mundos, arte que não encerre, mas que saiba convidar. A “representação” vai morrendo – muitas vezes via força e também via delicadeza – para a “presentação”: a vida acontece no agora, não na preparação, não na idealização e no fechamento da “representação”. Vai ter que participar sim. Vamos ter que participar.

Essa abertura não vai acontecer com Bolsonaro: a narrativa dele é representativa, antiga, enfadonha, ou seja, é narrativa fechada, não tolera contágio, não tolera participação nem diferença. Ele é um garoto de programa; sua existência é previamente funcionalizada. Um garoto de programa que te autoriza a gesticular violentamente purgando tudo aquilo que um dia te foi castrado: a violência que ele vende é um engano, uma morfinazinha que segue aprisionando seres humanos na recusa de si mesmos; seres na distância de seus desejos mais carnais e humanos: é gente que tem medo de viado, de lésbica, de trans, de preto, de pobre, é gente que não sabe andar em praça pública. Gente medrosa, odiosa e raivosa, não porque o sejam, mas justamente porque não viveram esse privilégio doloroso do vir a ser quem se é, porque não conseguiram afirmar seus desejos nem a si mesmas nem ao mundo, não conseguiram desejar seus próprios corpos nem sequer um corpo outro, gente que não teve sensibilidade para entrar e navegar nos confins tortuosos da vida: gente que só usa o cu apenas para cagar e que sequer usa papel higiênico, evita proximidades, lava tudo com a duchinha mesmo.

Não estou pedindo o voto de ninguém. Para fazer isso, tenho chegado junto mesmo, nem o faço via telefone. Estou compartilhando o que estou sentindo, como estou sentindo, porque tenho esperanças e acho que esperança é coisa que quando existe, precisa ser se partilhada, compartilhada: quanto mais se dá, mais se alastra.

Com amor, cuidado e calma,
Diogo Liberano

sábado, 29 de setembro de 2018

Uma saída

O plano é bem simples
Basta que você saia
De dentro de sua casa.

É simples, não acha?
Pode até levar junto
Numa bolsa de pano
Uma garrafa d'água.

Para sair um pouco
Para ver outros corpos
Para o sol e o vento
Para outras miradas.

No caminho, pelas passagens,
Talvez você perceba outras possibilidades.
É sempre uma questão de experimentação.
Talvez você encontre aquilo,
Aquela, aquele algo
Que sequer imaginava.

Sai, vai. Apenas isso: saia.
Um pouco, eu te peço.
Saia um pouco
Com bermuda ou calça
Saia bonito ou feio
Perfumado ou não
Mas saia, saia, por favor, saia.

E nisso, verás
Que o mundo é mais lindo
Que o seu silêncio privado
É mais suculento
Do que o delivery
Mais perigoso
Que escorrer no banheiro.

O plano é simples: independente
Do excesso de trabalho e das responsabilidades
A partir de hoje
Gaste-se mais nisso
Saia.

domingo, 23 de setembro de 2018

Não disseram muita coisa

Mas seguiram o caminhar.

No decorrer, é certo,
Pensaram repetidas vezes
Se deveriam se falar algo.

Mas continuaram,
Pés nos chão
Palavras sem asas.

Daqui onde os vejo
Já não sei se o que acontece
Entre eles não seja mesmo
Uma conversa.

O silêncio é um pacto.
A palavra corrupção.
Caminham lado a lado
E, no entanto, são o mesmo.

Essa confusão de ser pessoa múltipla
De andar atrelado ao gozo de quem se é
Com a bélica força dos próprios medos.

Caminham.

Caminhem.

O dia está lindo.

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Orgulho maior!


Dramaturgias da turma 2017 do Núcleo de Dramaturgia SESI Rio de Janeiro publicadas pela Editora Cobogó em sua coleção Dramaturgia.

terça-feira, 11 de setembro de 2018

Apenas um filho que retorna à casa da infância

E ela me receberia com carinho. A despeito do meu excesso de opinião, ela me receberia integral, com minhas cinzas todas e todos os meus filtros.
Receberia a mim como se me olhasse, detida, e me fizesse assim perceber que casa, casa mesmo, é apenas o lugar de onde partimos. E seria nos detalhes que ela me faria me perceber, renovadamente.
Viraste um homem. Um cara formidável. Vagaste pelo mundo, conheceste outros corpos e o corpo de outras cidades, mas, agora, você é apenas um filho que retorna à casa da infância.
Por que esse soluço? Por que essa suspensão tão duradoura? Te assusta ter mudado tanto e ainda assim ser o mesmo? Não consigo responder. Ela me olha sentado à varanda enquanto a fotografo.
Tenta então me explicar. Escuta, Diogo, escuta um pouco agora: ampla a sua idade é quem te retorna. A cada dia, a cada mais um aniversário, progressivamente, olhará para este quintal e ele há de te confessar o já sabido faz três décadas: eu sou sua mãe, seu pai, sou seus filhos. E está tudo bem.
No ranger da noite, no silêncio entediado do seu destino, eu permaneço, viva, rígida, toda disponível. Queres um chá? Eu tenho. Plantas que não morrem em vasos pequenos? Tenho cá comigo. O que te falta, então, Diogo, para me aceitar como o antes do seu cansaço?
Permaneço mirando a grama na qual rolava quando menino. Vejo as pedras que me deram minhas cicatrizes primordiais. A parede onde me ralei, a piscina em que afoguei, cruzo o arco das portas pelas quais tantas e tantas vezes cruzei.
Cada parte sua me sabe por inteiro. A confissão que pensava ser minha mora antes na casa e não em mim, não no mundo. A casa, esta, ela, ela protege o meu segredo, o meu ser, isso que tanto vaguei a procura e que demorei a conhecer.
Ela me conta: 30 anos, hein? Já já 31. Que bonito, que belo, viver tanto assim já é ousadia prum ser humano. Eu estou aqui há um pouco mais. Eu que, aos seus olhos, não mudo tanto. Mudo sem mexer, sou sem identidade ou atestado.
Vai, ela me diz, aproveita que a sua vero já está sem plateia, vai, se esfrega em mim, mata essa saudade, retorna a quem achavas não ser mais, mas que ainda brilha no fundo de seus olhos.
Eu estou aqui, ainda estou, eu, sua casa, sua infância, sua mãe, seu pai, seus filhos e revoluções por vir.

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

montagem_01


Não necessário
Falar não precisava
Mas ainda que não
Ousou pronunciar

E então a noite antecipou-se
o céu ficou bravo
com ele, com ele, sim
com essa mania de falar
sempre que o silêncio pousava

Daí deu no que deu
vagou por ruas
pegou aviões
comeu coisas e gentes
e amanheceu só

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

fala honestamente vai

pensei que pudesse
dizer a mim mesmo
sim, a mim mesmo
coisas que quando relidas
me fizessem acordar
para a vida que segue

curioso, penso,
escrever primeiro
para depois realizar

estranho, no mínimo,
isso de se falar
honestamente
como se não houvesse
consciência prévia
capaz de me transformar

no entanto, sigo,
porque se assim a coisa
me veio assim ela tem
que se dar

e deu
até o momento
nada foi dito
exceto esse preâmbulo
do enrolar

mas direi
amiúde direi coisas severas
falarei sobre as faltas primordiais
as primeiras
direi também sobre o verniz
na face azeda
direi sobretudo sobre tudo
o que não queres ouvir

mas já é tarde
o vinho recarregado
o cigarro ansioso
as obrigações chegando

parei para fumar um cigarro
estou fumando
é no tempo dele
que o futuro vai queimando

nada, diogo, nada a te dizer
hoje nada excepcional
nada importante
nada mesmo

o modo como as horas por você passam
tem sido encantador
parabéns
sua desimportância com as ânsias
é revolução maior
continue
se gastando
com o devido cuidado
de quem está cansado
de ficar cansado
e aprendendo
a reatar as mãos
com o mundo

este mundo
neste tempo
tudo certo
inconvenientemente
certo
justo
rigoroso
cruel

cruel
é o amor.


Mudar para o verde

Nem bem resolução pensada
foi coisa intuitiva
mas non apressada
Não não
isso não
foi felling 
dizem

Depois quando percebi
tudo verde me agradava
deu-me uma paz inaudita
coisa de épocas passadas

Sorri contido
imaginei que germinava
essa vida em vidas outras
fossem futuras ou atrasadas
vidas afloraram
no meio do cúmulo dessa madrugada

Não há grandes revoluções aqui
mas mudar para o verde
me fez perceber
que a vida resvala
e resvalando
se ultrapassa

Onde agora?
Ainda sozinho - e sorrindo -
no centro desta mesma sala.

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

de novo e renovadamente

Rio de Janeiro, 17 de agosto de 2018.

Ameida,

Mudou tanta coisa, mas algo sem nome exato continua.
É que li a carta que você escreveu para mim. Entrei no seu site e li a carta.
Incrível como pode uma coisa já conhecida ser, de novo e renovadamente, tão inédita.
Não sei se é o meu momento, se é o momento do mundo, se é o mundo nesse meu momento, mas doeu e vibrou tanto, doeu vibrando junto a mim.
Tudo é tão sem motivo e tão prenhe de beleza. Antes de ler a sua carta, sem sequer saber que a leria novamente, estava frente a este computador, ainda nesse mesmo apartamento nosso, e desejei desenhar. Tracei um rosto de um olho só, fiz um braço mais fino que a vida diria que um braço deve ser, não encontrei o resto do desenho, mas encontrei você.
De novo, mas tão renovadamente.
O que mudou? Posso lhe dizer. Mudou um bocado de coisas. Você mudou tanto. Outro dia, cruzando as ruas dessa cidade, me peguei pensando sobre você. Sobre como você mudou. Me peguei pensando em seu corpo, vendo seus cabelos tantos, suas roupas e marcas, suas tatuagens e sorrisos, as rugas invisíveis e o invisível que aflora assim sem a gente nem perceber.
Estava pensando em você. Estava surpreso - como é possível? - com a sua delicada força em manifestar o seu amor. Quanto ainda tenho a aprender. Quanto ainda tenho a aprender. Ou não. Ou sou assim mesmo como sou. Ou sou assim, alguém tão medroso com isso de amar e ser amado, que a vida vai passando. Mas, quer eu queira ou não, vai passando e tropeçando e agora se me vejo aqui, todo cheio de meleca e lágrima, é porque seu amor deu um jeito de em mim se sitiar.
Hoje pego a força que um dia enderecei a você e a trago de volta a mim.
Um cansaço tão fundo me afunda. Meu horizonte não dura mais que poucas horas. Não morro, acho que não, não ainda, não agora. Porque estou ocupado cuidando da única coisa que me desloca: esse inchaço dessa estafa dessa perguntação se fiz o que era preciso ou se fiz o que foi possível quando fazer nunca me tinha sido um fardo.
Fiz tanto que me cansei pro futuro. Fico meio inerte em meio às palavras e livros e considero, alegre, o que ainda não veio.
Minha sensação de vida está fora daqui. Noutro lugar, noutro tempo, mas ainda com esse corpo tão cargado, tão fino, tão já ressecado.
Não se preocupe. Nada que aqui escrevo foi ou será apagado. Tudo é saldo do caminho. Tudo é resposta-pergunta sobre o que mudou, sobre o que foi mudado.
À distância, agora, brindo às feridas. Elas, hoje, são minha mais persistente companhia. Fico com elas querendo aprender de novo como faz para endereçar esperanças. No plural, vislumbro pontas e lanças que quando chegadas ao alvo irradiam um rio caudaloso de cuidados.
O mundo no pause. O mundo tirando férias dos atos e seus fatos.
Queria dizer isso. Isso que me vinha sem palavra pra direcionar cem sentidos.
Queria dizer que te amo. Sim. Que te amo muito. E que dizer essas palavras escritas, ainda que em silêncio, é o meu ato mais contemporâneo e destemido.
Obrigado por confiar no amor. Obrigado por desfiá-lo. Obrigado por parcelar, em doses inúmeras e tamanhas, a dimensão do afeto que hoje, agora, hoje é só agora, me possibilita chorar, sorrir e dormir.
Para amanhã começar tudo de novo, renovadamente.

Do seu,
Ameido

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Ela me disse sobre tudo o que sentia falta

E eu ouvi, atento
Para não antecipar gestos
Ou comentários que pudessem
Acalmar demais sua dor.

Ouvi atento, não chorei
Nem ri demais. Fui todo contido
Nisso de receber a dor do outro
Sem sequer se lembrar da própria.

Depois, escovando os dentes,
Pensei se aquilo que hoje ela sente
Falta em mim também nessa mesma
Intensidade.

Sorri espumante.

Não sinto falta da sua nuca
Nem do seu sorriso ou das músicas
Que você cantaria.
Não sinto falta do seu amor por
Meus cachorros. Sigo sem cachorro
Sigo sem seu amor não sinto
Falta.

Não sinto falta dos seus amigos
Animados e charmosos não sinto
Penso se isso é sinal de cura
Ou se é só o tempo que foi embora
E do qual, confesso, também não sinto
Falta.

Ouvi suas palavras com atenção
Naqueles tantos poucos dias
Disse muito ouvi bastante
E não sinto falta do que rompeu
Não sinto falta de acreditar
Em abismos soluços
Que minha vida depois de ti
Inevitavelmente iria se perder.

Não sei se pelo tempo ou
Por mim mesmo mas não sinto
Falta nada sinto quanto a isso
Mas sinto, olha, ainda sinto

Outras coisas
Outras letras
Refrões outros orientam meu corpo
Nucas outras sequestram minha língua
E a ânsia do meu nariz
Por outros cheiros.

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Roube como um artista?!

Não temos como controlar essa sua mania, esse seu vício, essa sua grande virtude.
Você rouba coisas que não são suas. Rouba e sequer menciona o ser roubado.
Já entendi, já entendemos, já foi o tempo em que isso me deixava preocupado.
Sabe por quê?
Porque assim:
quando você rouba o que não é seu, para se dar a ilusão de ser outro que você não é,
ainda mais distante você se coloca de quem você poderia vir a ser.
É tão simples. Tão forte. É quase uma maldição.
Eu escrevo. Você rouba. Eu não ligo. Rouba, rouba, pode roubar.
Nos dias que seguirem, por uns instantes, eu sei, você vai se sentir o cara
Dono de palavras que soam bonitas, mas que não saíram do seu próprio gesto
Sozinho, eu sei, já fiz isso (só que aprendi), sozinho você vai se flagrar no espelho
e certa noite vai-se acabar numa lufada de tempo
Vai se ver confuso, bobo, besta,se perceber tão tão supérfluo
Eu sei, já foi assim comigo certa vez
Ali
naquele instante
Aprendi
eu aprendi
que a vida não se faz à força
Aprendi a delicadeza
A delicadeza da fome
A fome do saber, sabe?
Aprendi como me tornar tranquilo
mais calmo, mais tenso, talvez, mais magro
para assim, tranquilo, sim, ver brotar a revelação de alguma descoberta.
Pode roubar, rouba. A sua ação
me faz cócegas de ameba.

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Aquilo que salva


Nem seria bem fumar todos os cigarros
Nem guardar outros mais para um depois
Não, não gostaria que usassem tantos nãos
Mas, não, a palavra é não
Não se trata de nada disso

Tampouco seria ficar inerte
Assim parado como quem faz prece
ao contrário
Não, isso também não
Nada assim, nada disso

Seria mais ou menos como equilibrar-se
sobre algo impossível
Equilibrar-se entre o não
e o sim, sim, isso mesmo
Nem sim
Nem não

Jamais talvez
Nada disso
Isso não

Seria como está sendo
esse instante duradouro
em que tudo acaba
e tudo nasce de novo

A vida, dizem, é o nome disso
A vida. Essa coisa horrenda
meio morta
meio sobrevivida

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Alguma frustração sempre é sinônimo de saúde.


Alguma frustração sempre é sinônimo de saúde. Quer dizer que você já não se engana assim tão facilmente. Quer dizer, se engana, mas reconhecer-se frustrado é coisa importante. Significa que você não é tão estúpido. Ao menos, não tanto.

Quero dizer que apostar as fichas, gastar as moedas, mesmo se endividar, tudo isso, enfim, denota vida, alguma potência. Por favor, sim, você precisa se orgulhar. Você fez gestos, dispôs sua energia em ações e movimentos que denotaram, o tempo todo, o seu amor. Agora, querer que tudo te responda na mesma nota é complicado. É aí que se frustra.

Veja esse fim de tarde. Ele encena com lentidão a derrocada dos seus desejos. Nem toda beleza tem força para te reter. Você quer movimento fora, sim, mas você quer o olhar vivo, o calor do peito, o insaciável mover dos dedos no corpo um do outro. Frustrou-se, viu? Já é noite e você ainda a espera do sol.

Vai demorar. Não digo bem que vai demorar a se curar. Isso já anda junto com você. Vai demorar a encontrar abrigo num jogo outro que não seja jogo. Que apenas seja. Virão muitas tardes com cara de manhã, muitos domingos fantasiados de quarta-feira. Virá de tudo um pouco e, talvez, numa dessas vindas aquilo que te venha seja justo como é. E você verá. Você verá.

Algo, um limite, talvez

E se vim
É porque posso
Vim porque quero
Porque gosto.

Não há culpa, mágoa
Não há moléstia
Vim porque prefiro
As horas ao seu lado
Do que gastas entre cigarros
E cervejas.

No entanto, agora, volto
Volto porque posso
Porque tenho
Porque quero.

Não há reclame algum
Sou quase todo satisfação
Mas penso ter chegado a um limite
Não sou dos jogos impunes
Não sou fã de criar ilusões
Não para mim.

Volto porque vim.
Vim porque sei como voltar.
Tudo estava já planejado.
Não vai doer
Voltar é como parte do básico
Um pouco como respirar.

Seu ronco silencioso
Meu corpo abrindo espaço
Na cama nova mas ainda
Apertada.

Há um limite entre nós dois.

Não vou atravessar mais nada.

Há um limite, talvez seja isso,
Um limite. Estou bem, todo bien,
Pero hay un límite.

domingo, 5 de agosto de 2018

A distância nunca foi pretexto para fugir.


A distância nunca foi pretexto para fugir. Ao contrário, sempre me pareceu um movimento para chegar mais perto. Se não para encontrar, ao menos para chegar bem mais perto. Como agora. Estou onde? Colado com quem me tornei. Com aquele que me foi possível e desejoso me tornar.

Quem? Pergunta indevida. Estou no lugar do carona na viagem dessa vida. Observo a minha presença oscilante mas presente. Ela não me revela certezas, mas anuncia gestos recorrentes. Como este, de parar um pouco, na chuva ou no sol, e escrever sobre o que se sente.

Reitero não ser fuga. Não é mesmo. É um modo meu, nem sequer inédito, de processar a vida de imediato ao seu tempo. Meu tempo. Nada de protagonismo. Os anos foram passando e fui compreendendo que se há esse papo de protagonismo ele existe sim, mas é todo acerca do mundo. Como o mundo assumiu o protagonismo de sua vida?

Como a vida passou por cima de você e te fez de transporte para aquilo que você hoje é e nem tem tanta certeza assim?

Quer sinal aberto ou fechado, a pista é disponível a um punhado inédito de asaltos. A doença aparece sempre que me percebo tímido demais em fazer gesto a partir de tudo isso que escrevo.

quarta-feira, 25 de julho de 2018

Morre gente o tempo todo.


Morre gente o tempo todo. Dizem isso. E morre gente mesmo. O tempo todo. Morre assim: vai ao hospital ver um negócio, ver se está com alguma coisa e pum! Acabou. Não voltou da triagem. Foi selecionado. Partiu. Morreu. C’est fini.

Morre o tempo inteiro. Gente? Morre sempre, desde sempre. Ele agora aguarda, paciente, o instante de fazer o exame. E se disser, o exame, não ele, e se o exame disser que a coisa está ruim, que o pulmão já morreu, ele faz o quê? Não o exame, ele mesmo, ele homem, faz o quê?

Morre só porque o exame dizia que tudo estava já perdido? Ou ainda pega um cinema, faz um sexo, sacia um vício? Ora, morre gente o tempo todo, não podemos perder tempo. Se tu sabes que vai morrer, colega, então anda, vai ao shopping e gasta todo o seu crédito.

Respira todo o ar que der. Veste roupa de criança e mulher. Come aquele bombom cheio de açúcar. Cheira o chulé do mendigo. Lamba o poste. Senta no queijo. Abre a garrafa e entorne tudo na gaveta de cuecas.

Vive, vai, desorientado. Porque ter feito tudo bonitinho não deu em nada. Em nada. Você acabou morrendo do mesmo jeito como sempre disseram que iria morrer.

segunda-feira, 23 de julho de 2018

O tamanho da sua responsabilidade.


O tamanho da sua responsabilidade. Ou o do seu cansaço. São semelhantes, talvez sejam até o mesmo, a mesma coisa, o mesmo peso, a exata gravidade que te puxa e traga.

Passeio por essa estrada e aos montanhas ao redor me observam. Não, eu as observo. Elas, comigo, nada querem. Sou menos que um galho, um graveto, coisa boba. Coisa pequena sobre a qual a vida anda. Passeio por essa estrada e as observo. Como são imensas. Sabem, talvez, de sua importância no universo? E se acaso nada soubessem, ainda assim, deixariam de ser tanto?

Olho para elas e uma paz me assola. Posso não ser nada do que acreditei precisar ser para ser alguém. Posso ser só um graveto perdido ali no meio daquele imenso mundo. Um graveto que, no máximo, conversa com formigas e com três ou cinco gotas que nele se apoiam para seguir seu curso.

Posso ser bem pouco e, ainda assim, continuar existindo? Um cansaço por ter sido muito gente grande já, um cansaço extermina meus dias mais lindos, meus afagos mais quentes. Posso não ser nada grave, nada demais, nada mesmo?

quinta-feira, 19 de julho de 2018

Sigo provisório.


Sigo provisório. Nada novo, no entanto, sempre tão exaustivo isso de se perceber provisório. O que poderia me dizer que fizesse sentido para além de mim? Faço perguntas surdas ao resto do mundo; ser provisório é saber que há o fim.

Nada me ocupa mais do que essa ignorância. Sigo com ela, mas, às vezes, estaco. Pergunto-me o que não tem resposta. Sigo vagando. Eu sou assim. Tão eu e tanto nada. Sou provisório em mim mesmo. A única coisa que não me larga é esse vício de escrever, escrever, quer venha alguém ler ou não. Indifere.

Sim, eu sei. Sei destinar a outro um gesto todo saído de mim. Sim, sei que posso. Juntar palavras e comover você, fazê-lo ir até um determinado fim. Mas, não. Por vezes, não. Nada disso importa mais. Resto agasalhado no frio que não me mata. Sobrevivo e para quem importa um ser, eu, sobreviver?

Numa tarde passam tantas coisas pela cabeça de um indivíduo. O que faz com que algo mude? Mudar é assim tão preciso? Sigo provisório mirando ao mundo e me assustando quando um carro atropela uma bicicleta. Nada novo, nada demais. Tiro fotos. Para quê? Para nada exceto aquele instante.

Se eu pudesse ser outra coisa, não teria imaginação para projetar. Sobrevivo, repito, sobrevivo. Ciente de que ao escrever eu desato um nó para noutro nó me encarcerar. Eita vida besta, meu Deus.

quarta-feira, 18 de julho de 2018

Tirar-se a própria casa.


Tirar-se a própria casa. Ser nômade, eu diria. Ver-se estranhado em cada coisa: na maçaneta, na trinca da janela, na altura do prédio, no silêncio acumulado dos corredores, enfim.

Quando te falta aquela meia, a caixa de fósforos escondida num lugar específico, o cortador de unhas e aquele comprimido precisa, quando te falta o senso do abrigo, o que fazer?

A possibilidade de perder um lar renova a disponibilidade de um corpo a encontrar lares outros, lar no mundo. Por certo não será como era antes, mas eis uma inevitabilidade, eis, propriamente, o brilho do jogo.

Sair sem volta. Vagar. Viver, costumam dizer. Viver sem saber do destino, sem nada saber sobre o quando voltar, volver, retornar. Só se pode ir, correto? Nunca se volta. Só se vai.

terça-feira, 17 de julho de 2018

Consumado. Tudo foi consumado.


Consumado. Tudo foi consumado. A força, a fé, a ansiedade e o cansaço. Tudo tudo. Nada restou. Não. Restou. Algo sempre fica, sempre sobra algo. Palavras, talvez, uma confissão. Tudo deu tão certo. Tudo que é tudo pode sempre dar tão errado.

Uma dor ocupa minha cabeça. Integralmente. Estala em silêncios e em todo e qualquer movimento. Uma dor em minha cabeça me lembra algo importante: eu estou vivo. É no desfazer desse corpo que me compreendo ser que existe, ser existindo.

Consumo. Existência. Confissão. O garfo quebrado sobre o chão dessa pizzaria me recorda alegrias que já não existem; aproxima memórias de uma infância cheirando a ketchup. O que posso agora? O que poderia eu poder tendo este corpo sido já tão usado, já tão corpo moído?

Asseguro-me na dor. Dói tanto. Estou aqui. Sempre morrendo, sempre nascendo, sempre nunca e nunca sempre. Nunca sinto a gravidade do desabamento. Sempre desabo inteiro e confiante.

Sou mais eu me deixando de ser.

domingo, 15 de julho de 2018

Onde estariam guardados os tempos passados?


Onde estariam guardados os tempos passados que não apenas e unicamente neste agora? Onde viveriam as histórias vividas que não aqui? Onde moraria a violência que julgamos ter sido exterminada?

Olho às coisas todas; atravesso as ruas e suas superfícies; permaneço em outro duração mirando um mesmo aspecto de uma específica arquitetura. Há tanto ali, em cada coisa, há tanto que não dizer sobre. A vida sobrevive alheia ao vivido.

Se fantasmagoria ou não, importa?, um gesto quando já terminado, independente da época em que foi feito, segue ecoando, segue transformando e agindo seu ato. As coisas continuam, nem mesmo se delas fizéssemos cinzas, nem mesmo assim deixariam de estar aqui.

Não, não, não é mera previsão dos destinos, nem teoria do Apocalipse. O que digo, o que sinto, é que a minha, a nossa, talvez, a nossa capacidade em dizer sobre a vida é pouco perto da própria.

Dizer é sempre menos que o acontecimento e, no entanto, continuamos. Continuemos.

quinta-feira, 12 de julho de 2018

Aquilo que comumente chamam de férias,



Aquilo que comumente chamam de férias, a última vez que tive foi quando era bem moleque. Aquele esquema de terminar um semestre da escola, descansar e retornar depois para o mesmo.

Faz muitos anos não tenho férias. De alguma forma, penso, nunca mais terei. Porque o meu trabalho anda muito junto comigo. Num simples olhar ao céu, eu sei, estou trabalhando. Numa breve conversa com um desconhecido, é certo, estou trabalhando.

No entanto, dessa vez, reservei um punhado de dias entre atividades de trabalho para restar, descansar e trabalhar. Não tem jeito. Não reclamo.

O ponto é: o que você trabalha além do seu trabalho?

Carão

E se te olho e me espanto
De antemão, peço desculpas
O espanto, esse meu espanto
É reflexo direto de uma fatalidade
Quando te vejo, esse seu carão
Quando eu o vejo
Ele mata a minha ideia do que deveria ser o mundo, as coisas todas e suas pessoas

Ora, eu te vejo
E me espanto
Que fazer?
Meu espanto é um aprendizado
Ele me ensina a ver mais
E com mais calma
Ele me ensina, você, seu carão
A morar na realidade, esta
Dessa sua cara grande
Que não é a do príncipe
Mas a que temos hoje

E veja
Veja bem
Lhe sou grato
Sou grato a vocês dois
Voce e seu carão
Não sei quem manda em quem
Mas ambos são lindos
Lindos
São lindos
É lindo
Você é lindo

E essa clareza
Sustenta as minhas forças
Pois se vamos beijar ou bailar
Beber ou nos drogar
É certo, já é certo
Estamos de acordo com o encontro que esta vida nos fez encontrar

Você tem um carão!
Que cara grande,
Que homem
Que graça
Sou feliz no tamanho do seu gesto
Grande
Imenso
Cara de amorzinho.

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Couro

Arranco?
Sim.
O que descubro?
Todo aquele silêncio cinicamente emudecido.
Como continuo? Outra pele, senhor? Seria possível?
Não, ele me diz. Ande sem nada.
Pelado?
Não.
Como, então?
Pleno e assumido junto ao que lhe restou.
As vísceras?
Não, estúpido. Os vícios.

terça-feira, 10 de julho de 2018

O que sobrevive em ti?



O que sobrevive em ti? Pergunto-me, sempre interessado. Já imaginando vidas outras que em mim continuam e se desdobram.

No que olho, não sei bem se vejo apenas o que há. Tenho a desconfiança sem comprovante de que há algo mais. Nem bom nem pior, apenas outra coisa, algo além.

Grãos. Penso em fuligem. Vejo poeira compondo, festivas, os tempos e destempos. Por vezes, acordo no meio da noite e me sinto radiante em um dia outro, solar, lá longe, do lado de lá.

Por que uma vida parece tão pouca para um tanto do que sentimos?

domingo, 8 de julho de 2018

Um receio sobrevive e se multiplica em mim.



Um receio sobrevive e se multiplica em mim.

Ele diz respeito à possibilidade de algum incomodo durar mais tempo em mim do que o tempo devido.

Sabe quando dura além do que julgamos necessário? Sabe quando a coisa que te ocupa começa a te fazer confundir os passos? Pois bem, é sobre isso que falo.

Alguns sonos poderiam durar mais tempo do que duram. Para que se consiga durar, vivo, sem estar propriamente preso ao dia a dia.

quinta-feira, 5 de julho de 2018

Imaginei que pudesse ser bastante sincero.



Imaginei que pudesse ser bastante sincero. Não que eu não costume ser. Mas, imaginei que pudesse exceder as medidas já acostumadas. Mas isso foi ontem. Hoje acordei imaginando outras coisas. Continuo, no entanto, querendo dizê-las. Todas elas, porém, nascerão aqui. Todas elas, por certo, são e continuarão sendo fruto do meu cansaço.

Fora da estação

E nem havia malas prontas
Só o que havia era um cansaço
De vida longa, grandiosa
Quase ancestral.

Ali estava aquele ser humano.
Era ser humano sim.
As coisas, se a ele olhassem, diriam
E3ser humano, por certo.

E nisso de esperar, a ansiedade
Furou o destino e o fez sair
Sorrateiro
Da pista.

Agora ele, o tal ser humano,
Do lado de fora da estação
Tão sem rumo
Tão sem compromisso

Tão livre. Estranho, pensou.
Ele pensa. No auge do seu esgotamento
Ele reconhece que dar um passo
Para fora da linha o salva de sua maior tormenta

Existir.

Existir como se tivesse em si alguma função definida.

Não sou nada, nunca serei nada
A parte isso, tenho em mim todos os destinos
Do mundo.

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Prática Perdão

e então te trazer para perto
não como quem pede desculpas
mas como quem sabe
que de fato será possível
fazer diferente

durar outros minutos
com a mão acariciando seu corpo
durar outros sorrisos
quando te fazendo rir
fosse por muito
ou pouco

não importa
invade, às vezes, sabe?
esse desejo nutrido
de te abraçar
sem vergonha
de um súbito casamento

acasalar?
nem me importa mais
porque sei que é mais belo
a claridão do seu silêncio

Pressão baixa

E vi-me ir ao fim de tudo
Sem pressa
sem preço
Fui inteiro
descendo rumo ao centro
da solidão
Exasperada solidão quieta
e tão colada ao mundo.

A vista nublada
A mão trêmula
Uma saudade do futuro
e mesmo assim
Sem pulso

Cruzei-me por dentro
tropecei em meus passos
desejei o fim de tudo
não de tudo
mas de mim
o meu fim
seria melhor?
Seria sim.

Um pouco de sal.

Apenas um tanto.

E tudo voltou
e se não desisto de mim
é porque ainda há o mar inteiro
a ser saboreado.

quinta-feira, 28 de junho de 2018

Olá and all other information

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sexta-feira, 22 de junho de 2018

sábado, 2 de junho de 2018

Ainda estamos dançando

Desço da condução. Estou no centro da cidade. São nove horas da manhã. O sol ainda não machuca. O céu está azul. Escuto uma música cantada por uma mulher. Da letra, entendo pouca coisa. Mas alguma coisa dentre tantas reverbera em mim de forma intensa e delicada.
Meus olhos então se enchem de lágrimas. Penso em você, Kekel. Penso que tínhamos quase vinte anos quando você decidiu ir embora e foi. Lembro daquele fim de ano em que corríamos alegres pelas ruas da cidade. Tento resgatar algum dia, tarde ou madrugada, em que dançamos juntos. Mas percebo que ainda a dança não parou.
Estamos dançando, minha amiga.
Tanto tempo já passou e a gente ainda enredado um no outro. Por vezes mais presentes, noutros instantes tudo solto. A beleza mora também no desencontro porque seguimos juntos. Dançando.
Quando meus olhos pesam, em praça pública, e o sol me acalma e expande, troco passos e forjo uma dança envergonhada que só mesmo a gente poderia assimilar.
Ainda estamos, nós dois, dançando. Dançando a morte e a vida da morte, sua vitalidade, nossas escolhas, os fins como princípios, eu danço tudo. Danço como quem perde, como quem sabe que perder é estar vivo.
Te perdi, minha amiga, mas feito o sol que ora vem ora foge, você segue comigo. E hoje, ontem, eu danço não para apavorar os meus medos, mas por estar certo que esse espanto, esse susto que não cessa, é também o nosso laço.
Estamos dançando, minha amiga. Ainda estamos. Fecho os olhos. As portas se abrem. Escorrem lágrimas mornas de sol. Tudo me completa e em mim cria abrigo.
Ontem, ao dançar sob o sol nessa cidade tão abrupta, mirei ao longe um prédio alto e de lá te vi se lançar. Acompanhei a imagem do seu corpo tombando para dentro do mundo. Este mundo, esse mesmo, sobre o chão do qual ainda danço.
Nós dançamos. Ainda estamos dançando.
E nada agora é sobre te amo ou mesmo sobre faltas ou saudades. Eu danço, Kekes, eu danço esse vínculo que, às vezes, me solicita atenção, me reorienta os passos, me pede pausa e me faz parar.
O dia está lindo. Eu olho ao céu e você reluz por todos os lados. Como não te ver? Como não sentir? Como não dançar sozinho com você?

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Acabamento

Nas pequenas coisas
Em coceiras localizadas
Nas pontas e nos fios
Na dobra das rugas
No embaixo do sorriso
Em tudo
Diria que em tudo
Se manifesta inteiro
Esse cansaço de faz anos.

Penso na delicadeza do tempo
Que acumulando-se
Vai compondo lento
E imponderável
Esse esgotamento.

Voltar-se aos detalhes
Para ver dor maior.
Coçar a pele até ver vermelha
A alma
Estafada.

Se não há só dor
É porque sobrevive plena
A esperança. De ser outra coisa
Ou antes
Apenas ser o mesmo
Mas de outra forma.

Muda.

Dias mais quietos.

Por que não ficar um pouco mais
Ali
Sem grandes revelações?
Poderíamos mudar o gênero do drama
Dessa invenção de existência?
Poderíamos desfazer os laços trágicos
Nem rir nem zombar
Apenas resistir
Como sendo resistir
Um modo ameno de ser
E aqui estar?

Tenho pensado muito sobre esta outra possibilidade. Não encontro se ela está antes ou depois de mim, mas sei que me envolve e solicita. Posso, então, ceder ao impensável? Posso existir de novo, renovado, dentro dessa mesma roupa que se tornou minha atribulada vida?

Queria sim, queria muito, a angústia do tempo andando colado aos meus suspiros de amor mal amados.

Queria sim, juro, queria que a minha ansiedade pela vida se convertesse, sem graça, em escuta: o que deixa de acontecer quando tudo está tão correndo assim?

Eu deixo de acontecer. Eu, escravo de uma dinâmica que, se um dia funcionou, hoje se move apenas para me moer.

Não quero mais. Não posso nem quero mais querer.

terça-feira, 8 de maio de 2018

William Shakespeare

Numa manhã qualquer, em sala de aula, uma aluna o perguntou algo: professor, como você faz para dar conta de fazer tanta coisa? Ele sorriu para ela. Costumava sorrir para tomar tempo pensando numa resposta adequada. E então ele disse: eu não faço tanta coisa assim. A turma inteira reagiu. É claro que faz. Ele pensou. Todos ali sabiam. E então ele tomou ar e disse: é verdade. Parece estranho dar conta de fazer tanta coisa, mas a questão não é essa. A questão está nessa expressão: dar conta.

O que é dar conta? É conseguir? É acertar?

Sempre acreditei que dar certo é dar gostoso. Os alunos ficaram em silêncio. Ele afirmou: não é sobre dar conta, é sobre dar gostoso.

Alguns riram. Outros abriram os olhos espantados. Dar certo é dar gostoso. Nesse sentido, interrompeu o fluxo, foi essa a sua pergunta?

A aluna negou com um assertivo não. Não? Não. Eu quis saber como você faz para dar conta de tanta coisa que o senhor faz.

Não me chama de senhor. Vamos lá: eu simplesmente faço. Nem sempre o melhor que posso, mas sempre faço. Não tenho muito tempo para pensar em. Eu simplesmente faço.

Definitivamente era uma resposta preguiçosa para uma pergunta tão indevida. Por que ele se sentia perseguido.

Na próxima aula vamos conversar sobre esses escritos de William Shakespeare, porém, não se enganem e nem me enganem, será junto com o cara e não só com ele, entenderam? Eu quero mesmo saber o que vocês pensam sobre as palavras desse que disseram ser um dos maiores escritores de todos os tempos.

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Esperânsia

O que esperar?
Desespero tudo.
Disse o cardiologista
Ansiedade é o nome disso
Disso o quê? Retruquei.

Disso...
Disso.
Disse ele
Você.

Respirei fundo e rápido
Olhei pela janela
Os exames sobre a mesa
Ventaram.

Isso...
Isso.
Disse a ele
É o que sou.

O sol lá fora estagnou.
As Vassouras pararam de tocar o chão.
Sinais de trânsito fecharam bruscamente.
Não houve atropelamento.
Estava tudo calmo
Na ânsia
Tudo ainda assim pleno.

Olhei-me nos olhos que me olhavam.

Pensei sobre o que não tem mais jeito.

O que você esperava?
A vida, o que te deu
Foi mesmo e apenas isso
Essa habilidade trêmula
De ser inconformado
Com o seu contorno
Suas maravilhas e depressões.

Ele me disse assim que me levantei
Ele me disse
Diogo, se isso é o que você é
E se ser você é o que apenas o que há
Então seja
Seja ansioso
Fume seus cem cigarros
Durma sozinho e acompanhado
Mas continue

Até tombar?
Lhe perguntei.
Até morrer?
É isso.
Sim, disse-me o doutor
É isso
É isso?
Que assim seja.

terça-feira, 1 de maio de 2018

Corte

Estranha essa habilidade
De arrancar sem medo
A dor que te ocupa.

A noite não teme morrer
Ao dia. Nem o dia soluça
Por escurecer.
Por que haveria eu
Pobre humano
Que enlouquecer?

As curvas das estradas
Dizem bem dos percalços
De um ou dois corações.

Acordo certo, por fim,
De que houve entre nós
A magia da beleza
A fúria de uma paixão.

Mas que tudo passa
Como muito já passou.

Libero o corpo para outros tropeços.

Não quero mais.

No quiero más.

domingo, 29 de abril de 2018

Avó minha,

Vejo uma senhora sentada num banco público. Lembro-me de ti, avó minha.
Meu rol de memórias tuas é tão pequeno, mas tão caloroso. Lembro-me pouco de seu jeito ao falar. Recordo-me quase nada de algum momento específico entre nós dois.
No entanto, te vejo com o pano de prato pelo sítio em fins de semanas intermináveis. Vejo a ti, também, adoecida e sentada à mesa, aguardando a medicação para cessar o câncer que em ti se multiplicaria e de nós a levaria.
Lembro-me, vó, de um dia que eu estava brincando no quintal e quebrei o braço ao cair da árvore. Ao gritar, chorando para ser socorrido, uma amiga de minha mãe veio até o quintal e me chamou a atenção. Disse-me que você estava doente e que minha mãe precisava apenas cuidar de ti.
Faz quase vinte anos desde a sua partida. Conservo em mim, a despeito dessas décadas, um amor a ti todo especial, amor ameno, amor sem muito conteúdo, mas pleno. O seu sorriso, quando me veio, fez-se ficar.
Não escrevo por saudade, vó. Escrevo para lembrar. Para lembrar que mesmo longe a senhora continua.

sábado, 21 de abril de 2018

Elogio ao Orgulho Próprio

Não será possível dar outro nome que não o seu próprio.
Sobre isso, que virá a seguir, não será possível dizer que não foi coisa sua
destinada a si mesmo.
Assim o é: e será preciso aceitar.
Alguma palavra de homem a homem
De você para você mesmo.

De todas as suas qualidades
a mais perigosa é essa de ser misantropo
de não se misturar tanto assim
Essa de querer muito ajudar o outro
qualquer outro
mas nunca ou quase nunca
se ajudar.

É escuro agora. Você na sua solidão forjada.
O que dirá a si mesmo?
Dirá mesmo alguma coisa?
O que você conseguiria dizer
e mais que isso
O que conseguiria receber?

Queria hoje te agradecer
em momentos como esse
por ter se tornado
quem é você
Simples assim
eu te agradeço a si próprio.

Não é feio
não fere a moral
qual moral?
que morra!
Agradeço a você
pelo caminho até aqui.

E te pergunto se dói
dói saber-se alguém que importa?
Dói assumir sua glória?
Ora
as mazelas você até que divulga abertamente
elas te dão força
Mas e suas maravilhas?
Elas não?

Seria preciso dormir com essa
dormir junto às palmas
dormir abraçado aos sucessos
são tantos
foram tantos
tantos serão
Qual é a questão?

Leu demais sobre ego e egocentrismos?
Morre de medo de parecer autoelogiativo?
Está ensimesmado?
O século vinte e um não está para isso?

Deixe o tempo estar a seu favor
um pouco
te peço
deixe-se elogiar
pelos outros
por você mesmo
Elogie-se, cara, ora!
Por que não?

A sua ação no mundo você alastra com alteridade
e preocupação
Não veio a brincar
já sabes disso
então qual é o problema
da autopromoção?
Você vai ter que se aguentar

do tamanho
que seus sonhos tão vívidos
fazem de ti
a cada passo
terás que aceitar
ser gente que faz com que coisas aconteçam
não pode nunca
nunca mais
te anular

porque você faz
fez
está fazendo
agora, por exemplo, agora
você se esfrega na cara
a possibilidade de mudar
o que antes era desse jeito:
lamúria por ter sido belo
desespero pelo sublime que é traço seu
qual foi, amigo?

O que você perdeu quando ganhou?
precisa perder?

Perdem-se maiúsculas e letras minúsculas
desordem na formalidade dessa casa cascuda
dos conceitos imberbes
Continue, eu te peço
continue sendo fazendo indo
e parando
sempre que preciso
para se abraçar.

Não é pelo abraço que não veio
não é mesmo pelo movimento dos astros
hoje você brilha
porque no escuro
abraçado em seu cansaço
ainda assim lava a louça
passa um pano no banheiro
tira a poeira do ventilador
ouve música com letra estranha
e sonha a vida presente
o tempo presente
o instante que nasce
- você sabe disso -
e morre
e em ti, poeta,
dura mais
dura mais porque resplandece.

Um brinde ao seu inesgotável compromisso com a continuação dessa história
a sua
que é dos outros
que é toda nossa.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

possível

Haveria a possibilidade de, num dia qualquer, retermos alguns acontecimentos numa duração mais alongada que a original?

Não se trata de medo. Perder já é fato. Mas, seria possível durar um pouco mais junto ao acontecimento? Para observar mais, aprender um pouco mais. Seria possível?


O cigarro apagou e o raio de sol que o deu essa pergunta acabou por desaparecer.

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Sufocamento

É quando uma alegria sem nome
Te engole o medo
E fica tu assim todo repleto
Sentindo amor pelas pernas cruzadas
E compaixão - profunda - pelo
Desaparecimento do tempo.

O que restou sobra vivo fora dos nomes.

A diversão do homem foi inventar sentido
Para o que sobrevivia sem contorno
A vida
Ela mesma
A vida
Deixou de andar por ter lhe faltado
Um conceito?
Uma biologia?

Não, nem nada
Tudo seguiu e segue
E nesta tarde (importa ser tarde?)
Sobrevivo inerte na ousadia de um verso solto

Sei que me posso mais como poesia do que como homem feito

Soluço dentro do inexorável que é
Estar vivo
Aqui
Agora
Antes
Amanhã

Importa?

Nunca existiu nada tão velho quanto o agora.