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terça-feira, 30 de março de 2010

02:56

olha, eu não vou parar de buscar.

pode essa chuva cessar agora

pode o sol se antecipar

o meu sono ter ido embora

eu sinto eu sei eu já nem ouso duvidar

eu não vou parar.

porque é busca doentia

faz-se agora e fez-se ontem

faz-se nessa manhã que se anuncia

e por qualquer preço

e se diante do belo

ou se ante o absurdo

a tudo e todos para quem eu olho

o que se me devolve é o inseguro

clamando definição

clamando à complexidão

inata, destes mundos fantasiados

em corpos objetos sinas

em destaques,

eu não vou parar.

antes foi ruim.

agora me parece pior.

existe um gosto pelo precipício

que quanto mais se busca o fim

mas se enerva o destino,

eu estou cego

não por não ver

mas porque ver

meio que se tornou

destino

inevitabilidade

minha noção de tempo

e espaço,

ver se tornou meu domínio

onde eu resto

onde eu reino

onde eu persisto

onde acumulo.

aqui. onde eu acumulo.
hoje me parece
inclusive
ser onde mais tenho espaço.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Que não seja descrição.

Hoje a minha poesia quedou na primeira esquina.
Foi você passar por mim que o verso morreu.
Cravado em ti ficou
o verso hoje de mim se perdeu,
em troca, tive, infeliz
que me contentar com seu sorriso.

As coisas definitivamente se equilibram com a devida imprecisão.

Se antes em versos eu fazia e refazia o seu rosto
Hoje, quando o tenho em minhas mãos,
já não me restam porém palavras
e toda e qualquer tentativa de descrição
morre indefesa
jaz atropelada

pelo nosso amassar
pela nossa empreitada

Não me aparece outra opção.

Ou eu tenho você
ou eu tenho a poesia

Ou eu tenho sua carne
ou eu tenho lindas azias
e ondas sem fim adjetivando o destino
especulando os pelos
e refazendo o abrigo
que veja só

hoje

faz bem frisar
- eu não tive -,
posto você tenha passado pela esquina
e nem sequer tenha me visto
e nem sequer acenou
e nem sequer eu cheguei em casa
já depois
e fiz nascer poesia
poeminha
pranto bobo
bela agonia…

Tudo errado. Amanhã, quem sabe,
um beijo apazigue esta demência…

Amanhã, quem sabe,
estas palavras se reajustem
e façam nascer algo que não seja descrição
mas algo assim
feito leite derramado.

deux narcissisme

_ d i d i o s

não quer dizer auto-você-mesmo. não quer dizer isso. mas antes, pretende significar, o medo de se ter no outro e por isso, por isso mesmo, a tentativa última de em si conseguir se bastar. é disso que se trata. medo de se alterizar. medo.

domingo, 28 de março de 2010

ALLDiENCE

Você que vem até aqui
Vem para o quê?
Não creio que venha
para saber de mim.

Não. Desculpe a sinceridade.
Aliás, a culpe se necessário for.
Porque é isso, não?
Você veio se ver só

que em mim refletido.
Esse é o nosso senso de união.
Um vendo no outro o próprio umbigo.


E não há nada de errado.
Aliás, não somos o erro inaugural.
A gente só está tentando se mover.
Mas é difícil
por vezes absurdo
e não faz mal, olha
Pode vir até mim
Venha sentir junto a mim
todo o seu mal.


Façamos encontrar nossas pendências.
Vamos dar no decorrer das horas
tempo
para dançarem destemidas toda e qualquer infelicidade
nossa
para cruzarem imprecisas - mesmo - toda e qualquer uma
memória.


Assim nos daremos a possibilidade da existência.
Assim pelo outro nos daremos a vida
daremos a morte

daremos a persistência.


Deixemos os olhos abertos, pois então.
Nem muito cerrados
nem muito vagos
mas sim e somente sim
à espera de ocupação...

Empty Space.

Eu tinha que falar dela, e não de mim.
Tinha que desenhar seu horror, e não o meu.
Eu tinha quer ver o mundo com outros olhos
mas não mais os meus.


O que fazer, se sou eu apenas o que tenho?
Se sou eu o corpo a memória o espaço aberto
em jogo
imerso no tempo?


Tentarei. Devo tentar. Eu sei. Eu sim. Vou me camuflar
e ver meu desastre não a tempo de o dizer.
Verei o desastre interior
e no mundo vou buscá-lo
O que aqui pode tê-lo feito
nascer?


Ai, poesia infeliz e viciada
Existe algum outro nome que não seja poesia para dizer sobre esta ida
Sobre esta empreitada
Sobre esta qualquer coisa
Sobre esta psicologia baratizada?


Neologismos.
Não há saída.
Não há partida.
Não há nada
exceto
Empty Space.
              

A segurança do caixão sob a terra.

E mais uma vez você me pergunta o que pode haver dentro do meu silêncio. Eu não vou dizer. Eu poderia, mas certas coisas são boas apenas para se perder. E estamos tão situados, não? Não importa. Você sabe. Eu quero dizer. Dentro do meu silêncio há agora e sempre haverá você. Mas por quê? Seu rosto me mira pedindo respostas… Eu não sei motivo, não sei nada, afora o fato duro como pedra de ser assim. Nossa existência.

E depois me olha longamente enquanto caminhamos. Não sabemos bem o que devemos dizer. E isso é bom. Estamos conquistados. Perdemos a graça. E no entanto, persistimos. Tenho você para mim. Você me tem também em ti. Que guerra será preciso inaugurar para nos dar a sensação da vida? Vamos esbarrar as pernas, eventualmente, eu te peço, vamos nos bater, nos machucar. Isso a gente conserta em seguida com um beijo. Com um beijo. Mas é preciso pretexto para beijar. Não me beije sem motivo. Eu posso me apaixonar.

E olha eu aqui de novo sem você. A gente começou com tanta calma que eu aprendi a me respeitar. Eu aprendi a me ver sozinho. E isso hoje faz toda a diferença. Quero estar só, porque antes estive com você. Quis estar com você – somente – porque dantes estive sozinho. Isso é bonito. Eu diria solene. Eu estou dizendo coisas que não importam realmente. Mas que são com toda certeza reflexo exato deste encontro.

Nós não nos desentendemos. E isso me assusta. O equilíbrio. O encontro. Ele é capaz. E angustia, porque se passa uma vida inteira batendo cabeça por aí e quando se encontra – como agora – é como nascer de novo, noutro corpo, noutro lugar, noutra lógica. Dá para enlouquecer. Mas não. É isso. Assim será. Quero a paz para alisar seus cabelos. Quero a força para forçar seus músculos e fazê-los sensíveis novamente ao meio.

Nós tememos o equilíbrio porque estar equilibrado nos remete à segurança de um caixão sob a terra. Vamos jogar esse jogo de vez em quando fazendo curvas e batendo as partes dos corpos por querer. Vamos desequilibrar em algumas esquinas, para ter o prazer de se ajustar a tempo de se ver se ajustando e reconhecer, somos coisas bonitas. Plenas. Possíveis. Aladas.

Voe para longe. Eu deixo aberta a sacada. O peito aqui em aberto. Pousa nele tudo o que quisermos. Você. E outros. E outras. E outra vez, outro você. Radicalmente modificado pelo caminho. Mas pouse mesmo assim. Reconhecerei seus pés. E caso assim não o faça. Vai ser divertido ter que te descobrir de novo.

Nem todas as guerras se fazem com sangue. Algumas residem apenas sobre as peles. Sem perfuração. Sem buraco. Sem obstrução explícita. Fica a dica.

sábado, 27 de março de 2010

pequeno,

pequena
boniteza
me estranha o tempo inteiro
mas no olhar
reina singelo
sem gelo
afeto incontido
querendo gemer

divide comigo
sem meio termo
pedaços
da janta
do lanche
da vida
e do absurdo

pequeno,

és você hoje
o que de maior
encontrei inté agora
neste imundo mudo

e nem és bem maior
e nem mais seguro
e nem sou menor
ni menos turvo

sós somos assim
convencidos seres
e superiores desmedidos
somos amantes da biblioteca
e compositores do riso

inesperadamente
somos sóbrios
sonolentos
e juntos,
sonhamos.

a revolta das que não foram ainda

sumiram todas, isso eu sei dizer.

partiram deixando apenas o rastro
um resquício de seus corpos
como se juntas dissessem
o que agora poderá você fazer
sem nós para te socorrer
sem nós ao seu lado
para alimentar
suas catástrofes.

sim, eu sinto, eu sei
que elas se rebelaram
não outra vez pela poesia
nem pelo excesso de rimas
nem sequer pelo excesso
de ar

hoje elas se rebelaram
porque eu não lhes trouxe nada
outra vez
de novo.

eu não lhes dei face ousada
não lhes coloquei em risco
hoje nem ontem acho que nem sequer amanhã
se anuncia em nosso quintal
qualquer tentativa interessante.

e se olham
se testam
se xingam
porque hoje perceberam que algo me roubou de mim
perceberam hoje que fui de mim sequestrado
e que ficaram orfãs
hoje apenas crianças.

que fazer?

eu nunca as preteri,
mas, sim é verdade
hoje eu não troco este amor por nada.

reinventem-se, é o que peço a vocês.
mudem o tema
mudem a forma
a língua
o que for – não importa -

mas me deixem por mais tempo
viver essa alegria
essa coisa que nem de mim se vai
e que nem ni mim fica.

quinta-feira, 25 de março de 2010

onde ondamos

hoje o tempo não existiu.
pois não estive com você.

ainda estou parado.
quem sabe amanhã
ou amanhã seria ontem?
quem sabe
os segundos voltem a trotar
e as horas deste dia morto
corram todas apressadas
para dentro de um beijo

marcar,

o peito
o jeito
o meio

pelo qual
nós dois
nos fazemos existir
ser areia estar nu e nadar…

quarta-feira, 24 de março de 2010

PPP

Daí fica tudo assim
Qualquer movimento é terremoto
Qualquer piscada deste olho aqui
ou deste
é flerte tentativa tiro
é sedução

Daqui tudo seu é maior
Daqui eu escuto seu peito rangendo
Daqui eu olho e traduzo este segundo
inteiro, numa só palavra
É perdição.

Vem. Chega aqui. Olha no meu olho
Cola sua vista na minha
E vamos nos ver assim filtrados
pela cor diferente
pela lente ousada
sua
e minha
que vê desejo
onde havia apenas
tempo agindo.

Vês? Como assim de perto a gente é maior.
Como assim de perto o tremor é genuíno.
Ele dança.

Trepida.

Ele convida
Vem aqui e gaste seus segundos
gaste as horas
sue esta sua eternidade

Vem e gasta esse corpo
Que em primeiro plano
Em Primeiríssimo Plano
Clama baixinho à língua

                            pelos

pelos

pelos

                            dentes

pelas

carnes.

terça-feira, 23 de março de 2010

A Bem da Verdade

Dois professores conversam solitários numa sala de aula cujo teto possui uma infiltração que goteja a Lacrimosa do requiem Solti de Mozart. Não há mesa. Entram sorrateiros e sentam-se em carteiras escolares.

Recalcada – O que vamos dizer?
Recalcado – Não vamos autorizar.
Recalcada – Mas é preciso dar um motivo, eles vão desconfiar.
Recalcado – Você leu Deleuze?
Recalcada – Se eu li Deleuze?
Recalcado – É. Você leu?
Recalcada – Mas o quê?
Recalcado – Não importa o quê. Eu quero dizer…
Recalcada – Usar uma referência que eles não tenham, é isso?
Recalcado – Exato.
Recalcada – A gente sempre faz isso.
Recalcado – E sempre deu certo.
Recalcada – Eu acho que eles já começam a desconfiar.
Recalcado – De quê?
Recalcada – Disso entre a gente… Eu digo, dessa postura… Dessa preocupação, a bem da verdade.
Recalcado – Preocupação com o futuro deles. O futuro imediato.
Recalcada – Eu posso falar da lógica temporal em Deleuze.
Recalcado – Você domina?
Recalcada – Também não.
Recalcado – Perfeito.
Recalcada – Mas você não tem pena?
Recalcado – Eu não tenho é tempo para isso.
Recalcada – Seria bom vê-los brilhando, não acha?
Recalcado – É preciso sofrer primeiro. Depois se brilha. Comigo foi assim.
Recalcada – Mas você nem brilhou tanto, né?
Recalcado – O que é uma pena.
Recalcada – Mas é o suor quem brilha. Não o sujeito.
Recalcado - Minha casa tem ar-condicionado.
Recalcada – Na minha também.
Recalcado – Mas diga… Quem começa a fala? Eu ou você?
Recalcada – Às vezes eu acho que não vou aguentar… E lembro sempre daquela fala, “ai de mim”…
Recalcado – Eles te chamam de Medéia pelos corredores, você sabe, não?
Recalcada – Eu ouvi dizer que para eles você faz lembrar Ibsen.
Recalcado – Ibsen é um orgulho.
Recalcada – Medéia também. Sou reverenciada por ninguém mais ninguém menos que Sófocles.
Recalcado – Não se equivoque. Foi Eurípedes.
Recalcada – São muitos nomes para guardar.
Recalcado – E Sêneca, a bem da verdade.
Recalcada – Confesso que nunca li nada do Sêneca. Gosto dos clássicos.
Recalcado – Faz bem.
Recalcada – E você?
Recalcado – É claro que gosto dos clássicos.
Recalcada – Não. Quis dizer. O que você nunca leu?
Recalcado – Eu nunca li nenhuma peça de nenhum aluno que cruzou esta escola.
Recalcada – Não posso dizer o mesmo.
Recalcado – Você já leu alguma?
Recalcada – Apenas uma. A bem da verdade.
Recalcado – Ultraje. E qual foi?
Recalcada – A do menino. Cuja proibição de montagem daremos amanhã.
Recalcado – Então você leu?
Recalcada – Claro.
Recalcado – Como “claro”?
Recalcada – Alguém tem que ceder, não é mesmo? Estamos ficando velhos.
Recalcado – E eu nem li “Entre Quatro Paredes”…
Recalcada – O que foi?!
Recalcado – Eu reli “Entre Quatro Paredes”.
Recalcada – Aplicado você, não?
Recalcado – Na verdade, foi apenas para ter mais força na hora de destruir o projeto da outra aluna.
Recalcada – Você não perde uma oportunidade!
Recalcado – Ou eu faço isso ou seremos devorados!
Recalcada – Até que não ia ser tão ruim…
Recalcado – O que você disse?!
Recalcada – Eu disse que isso seria por demais ruim… A bem da verdade.
Recalcado – Até que a gente se diverte, não?
Recalcada – Sim, nos divertimos um bocado.
Recalcado – E o que você achou?
Recalcada – Eu nunca li nada do Sartre…
Recalcado – Não. Eu quis dizer. O que você achou da peça que o aluno escreveu?
Recalcada – Posso ser sincera.
Recalcado – Uma vez na vida, que seja.
Recalcada – Achei vanguarda.
Recalcado – Como é?!
Recalcada – Achei vanguarda, dignidade pura, ousadia, experimentação. Ele é do tipo iconoclasta.
Recalcado – Então vamos vetar.
Recalcada – Tem certeza?
Recalcado – Enquanto é tempo.
Recalcada – Mas às vezes a gente pode acabar atrapalhando um jovem artista com um destino brilhante.
Recalcado – É melhor que seja assim do que permitir que ele saia por aí dizendo que aprendeu tudo sozinho.
Recalcada – Nós estamos aqui para oferecer contraponto, sim?
Recalcado – Estamos aqui para ser do contra. Ponto.
Recalcada – Não estaríamos, assim, por acaso, quero dizer, talvez, um pouco, recalcados?
Recalcado – Não compreendo a noção de recalque.
Recalcada – É força de expressão. Eu quero dizer. Não estaríamos, por acaso, vetando o menino só porque ele está conseguindo aquilo que não conseguimos ter?
Recalcado – Ele não conseguiu nada ainda. E antes que consiga vai perder.
Recalcada – Eu preciso dizer uma coisa antes de partir. Tenho que dar ração aos gatos.
Recalcado – Diga então esta que, espero, seja sua última verdade.
Recalcada – Na verdade, não é nada meu. É do menino. Ele escreveu assim na peça…
Recalcado – Você decorou?
Recalcada – Achei bonitinho. E minha memória é ótima.
Recalcado – Sua memória é vazia. Pois diga!
Recalcada – Que seja, enfim… Escute… A personagem diz num dado momento: “Com certo tempo a gente se acostuma com o tempo. E passa a exigir menos mudança e mais contemplação. Aprende a ler um livro inteiro sem se aborrecer ou se achar devagar ou rápido demais. Com certo tempo a gente transforma o tempo em templo. E deve a ele toda uma devoção. Todo um respeito. Com certo tempo, o que a gente faz é dar as mãos ao inevitável”.
Recalcado – Você vai atuar nessa montagem?
Recalcada – Quem me dera ao menos uma vez…
Recalcado – A fala é bonitinha mesmo. Mas ainda assim é só poesia.
Recalcada – E qual é o problema?
Recalcado – Eu não me dou bem com poesia.
Recalcada – Mas por quê?
Recalcado – Não há parâmetro na minha vida para uma invencionice dessas.
Recalcada – Recalcado!
Recalcado – Recalcada!
Recalcada – Nos vemos amanhã.
Recalcado – Dá uma lidinha em Deleuze. Acho que concordo com você sobre o fato de nossos alunos já conhecerem toda a obra dele.
Recalcada – Menos a gente.
Recalcado – Menos a gente. Mas isso, ninguém precisa saber.
Recalcada – Mas e se nos descobrirem?
Recalcado – Vai virar dramaturgia. Tudo para estes jovens, no final das contas, vira dramaturgia.
Recalcada – Espero que eu ganhe uma fala no estilo “Medéia”.
Recalcado – Para de sonhar. E não se esqueça de ler o Deleuze.
Recalcada - Pode deixar. Vou baixar um resumo da internet.

Prego

faz dias que nada fica.
nem feito memória
nem feito cicatriz
tudo a qualquer tempo de mim se afasta
e nada sobra.

ventania sobre as coisas no quarto postas.
os livros impacientes
a poeira reinando e ausente
tudo em pleno movimento
exceto o íntimo
móbile inerte.

o que espera,
pergunto a mim.
e num silêncio movediço
sinto fome
sede e desejo
e nada enfim salvo aqui em mim
permanece.

o que espero,
pergunto a ti.
e resta nuvem precipitando
o seguir do dia e da noite.

nada difere.
tudo em abandono.

por que se enerva,
pergunto a mim.
porque se enervo,
pergunto a ti.

não quero deter respostas.

eu só pergunto.

eu só,
pregunto a ti.

segunda-feira, 22 de março de 2010

A La Tempestade

Será que eu consigo não fazer tempestade em copo d'água?
Será que eu consigo dizer "está tudo bem" ao invés de fazer cara de abandono?
Será que eu consigo não me inscrever no concurso "Quem Está Mais Cansado Nesta Semana"?
Será que consigo não encontrar perigo no dia-a-dia?
Será que consigo acreditar que é seguro o seguir?
Será que consigo não sofrer sem razão?

Amanhã quem sabe eu consiga.

Deita aqui em mim…

Amor?
O que é?
Eles não estão gostando do que estamos dispondo aqui.
Eles quem?
Eles… Não importa…
É claro que importa.
Importa o fato de não estarem gostando.
Do que estamos dispondo aqui, você diz?
Isso.
Isso o quê?
Do nosso amor.
E não estão gostando?
Acho que não.
E o que você quer ao me dizer isso?
Queria que você encontrasse uma solução.
Não há solução. A gente se ama desse jeito.
E os outros?
São ouvintes, espectadores, voyeurs…
Eles são voyeurs?
Sim. Nem todos dão as caras. A maioria suga você.
E você?
Sim. Eu também. Num movimento sem fim.
Mas por quê?
Porque dá prazer. Você não sente prazer?
Com você?
Não. Prazer em me sugar e me comer e por aí vai… Não sente?
Sinto.
Eu também sinto. Ao te morder e especular e espremer. Eu sinto prazer ao te escrever.
E os outros… Ao te ler, ao nos ler, assim, aqui, dispostos, eles sentem prazer?
Isso é característica da humanidade.
E você acha bom?
Se não fossem os outros nós dois talvez sequer estaríamos aqui.
Entendo…
E por que essa reticências no final da sua fala?
Como você sabe que tinha uma reticências?
Deu para perceber no seu respirar.
E agora?
Uma interrogação.
É óbvio. E nesta frase: estou tão cansada…
Outra reticências.
Errou! Era um ponto.
Não era.
Era.
Não minta.
Eu não menti.
Mentiu sim que eu sei.
Como você sabe?
Reticências a gente usa muito quando quer no outro se aportar.
Você está usando hoje?
Eu não. Você sim.
Que vergonha.
Deita aqui em mim.
Repete.
Deita aqui em mim!
Repete.
Deita aqui em mim…
Sim…
E os outros?…
Quem sabe se divertem…

domingo, 21 de março de 2010

as solidões,

quero encher

mas esvazio

toda vez que você me vem

não pela pele

mas pelo caminho

nebuloso da pensação.

nisso em mim te dissipo

testando possibilidades

fazendo mentira virar

verdade, virar outra

coisa melhorada

a isso de ter você

sem te deter.

quero preencher

mas agonizo

não consigo

é difícil mas assim

sim vai ser

toda vez que tentar

em mim te manter

e fazer ficar

e fazer durar

aquilo que só é bom

porque dura pouco.

aquele abraço

o tal carinho

o espaço que juntos dividimos

os corpos entregues

às solidões,

sem universo ao redor

sem céu nem estrelas

sem refeição

sem roupa

sem cuidado

entregues as mãos

restamos inertes

à parte

sem saber jogar

e não por temer

e não por não querer

mas porque nos cala a boca

a possibilidade esta

hoje tão concreta

de se poder se amar.

MAS,

e se não houvesse essa condição?

e se o bonde passasse e te levasse de mim?

e se o raio fizesse meu corpo viva chama?

se meu prédio caísse?

se a gente não se reconhecesse nem de perto

nem sequer a distância?

ia ser melhor assim?

não, né?

é o que me digo:

Então, Pare!

dê-se o tempo.

para a sede se refazer.

dar o tempo

da fome

o tempo

do beijo ressequido clamar novamente

pela presença.

chega de dizer

se ao menos eu pudesse…

porque eu posso, ué…

por que então esta agonia?

coisa boba

besta

tola.

portanto,

dá-lhe-me, oh tempo

espancamento via segundos

lançe sobre mim um prédio-minuto

faça sobre meu corpo desabar

uma hora suicída e aceleradamente

precisa.

quem sabe assim

GASTANDO-ME INTEIRO

hei de olhar para esta vaga

- nu peito -

e sentir saciedade

onde agora

resta apenas

esta vaga noção

de fidelidade.

revoada manhã


o café esfriou. eu levantei desliguei a cafeteira coloquei o restante do café na caneca. mas o café esfriou. é que eu vim para o quarto apoiei a caneca sobre a mesa e me perdi durante um tempo olhando para dentro. num tempo suficiente para o calor do café se esvair e eu, no entanto, persistir. nisso aqui. em mim. no peito. como se diz?

as formigas estão tomando conta do meu quarto. na tela do computador, sobre a mesinha de cabeçeira, outro diz eu abri a carteira e elas saíram aos montes. uma manada de pequenas formigas. uma revoada de pequenas famintas. saíram velozes e tomaram meu braço e depois a mão e, num primeiro momento, elas não querem nada. por isso eu as deixei percorrer meu corpo. controlando a impaciência diante do incessante trotar de tantas pernas no atravesser dos meus pelos.

as unhas sujas. eu não as consigo limpar. eu as corto. eu acho que preciso lixar. mas tenho sono. hoje acordei com sono. depois de dormir dez horas seguidas, acordei com sono. estou com sono. preciso comprar comigo uma briga. me espremer contra a parede e decidir meu destino imediato. o que eu estou fazendo? o que eu estou criando? como lidar com tudo isso que às vezes sem nem mesmo perceber eu trago junto a mim, eu disponho – sem ver – ao meu lado?

eu bebi o café frio. eu matei já umas cinco formigas. meu peito continua liberto continuam minhas unhas imundas. e eu aqui. buscando um título para a postagem. buscando algo mais para este parágrafo pensando na frase seguinte expondo esta criação que não é nada exceto o instante. que já foi. ficou na frase anterior. e não haverá articulação entre café formiga e unhas sujas.

eu provo o que há debaixo das unhas. seriam formigas mortas? eu provo o que se prendeu nos dentes. isso eu sei é o café amargo. eu provo a mim mesmo como estar preso num ciclo que sequer alguém compreende. por que eu estou escrevendo isso? não importa. mesmo. sou todo confusão.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Do Medo De


- Você tem medo de se apaixonar?
- Por que você tá me perguntando isso?
- Porque você tem medo de se apaixonar.
- Não, eu não tenho.
- É o que então?
- Do que você tá falando?
- Disso.
- Disso o quê?
- Disso aqui entre eu e você. Você não sente?
- Não há nada.
- E por que não há?
- Por que você me faz esse tipo de pergunta?
- Por que você nunca consegue me responder?
- Porque as nossas dúvidas não são dúvidas.
- As minhas são.
- As minhas não.
- As minhas são, não para você.
- O problema sou eu.
- Eu te ajudo a se responder. O que é? Diz.
- Eu não tenho nada a dizer.
- Certo. Amanhã a gente tenta de novo.
- Onde você vai?
- Dormir. Estou com sono.
- Você está fugindo?
- Não. Estou aqui. O que você quer?
- Não. Agora vai. Agora vai. Vai.
- Você está fugindo, é isso?
- Você quem quis partir.
- Mas estou aqui. Ainda. Diga.
- Dizer o quê?
- Algo sobre isso entre eu e você.
- Eu não tenho nada a dizer.
- É como se tivesse.
- É confuso.
- Isso já é uma bela tentativa. E eu concordo com você.
- Eu quero você.
- Isso é bem esclarecedor. Observe…
- Vê? Você não deixa uma fala passar sem querer tirar dela algum sentido.
- Isso te incomoda?
- Isso nem sempre vai ser possível. E quando não for, você vai se consumir…
- Tentando encontrar algum sentido que faça sentido.
- Isso é normal?
- Quando eu te aceitei na minha vida, para mim, eu achei isso já uma superação.
- Obrigado.
- Não é? Aceitar o outro em sua vida é abrir mão de um punhado de certezas.
- Certezas.
- Que às vezes a gente teima em conservar, escondidas que sejam, dentro do casaco, dentro da mente, em sonhos, em vícios, em gestos…
- O que eu estou escondendo de ti? Diga lá.
- Você está se escondendo de mim.
- Como assim? Olha, não é isso.
- Ah, não é?
- Não é assim.
- E é como?
- Eu estou confuso.
- Eu te ajudo. Me dá a sua mão.
- Olha, deixa.
- Me dá a sua mão.
- Mesmo. Deixa.

Olham-se.

- Por que é tão difícil se permitir ser lido, ser claro, ser despido? Diz, por favor. Por que você não pode me dar a mão e ver nisso um ponto final e não uma interrogação? Eu não te pedi em casamento eu só pedi pela sua mão. Para colocar ela aqui sobre a minha, para fazê-las se abraçarem, qual é a dificuldade? Eu te pedi um segundo eu nem sequer toquei no assunto eternidade. Por quê? É medo seu de em mim se perder? E se você achar bom, achar minha pele confortável, você tem medo de ficar dependente? E além de mim, mais de quê você hoje é dependente? Você depende de plásticos, de coisas, de vícios, por que não também me deixar ser outra droga outra fissura? No final das contas. Acho que você tem medo de costura. Medo de perceber que o fato de tanto assim estarmos nos espetando é unicamente porque… Porque queremos colar, enfim. Não diz nada. Agora sou eu quem não quer ouvir. Vai para casa, vai. Para a sua casa. Eu preciso amar essa incompreensão sozinho. Nos vemos amanhã? Não responda. Me liga. Eu venho até você. Durma bem. Sinta-se abraçado. A gente se resolve. A gente precisa se resolver. Isso. Isso entre a gente. Isso é bonito demais para se perder. É bonito demais isso tudo. Eu vou lutar, ouviu? Eu vou lutar por você. Para que não desistas daquilo que me parece – apenas me parece – mas importa para você. Desabitar, querido. O hábito, desabitá-lo e deixar o peito feito espaço aberto para o nosso ineditismo. Igual a de tantos outros em tantos outros tempos. Mas estreia aqui em nós. Estreia feita pelos dois. Vai dormir. Você está caindo. E eu também.

quinta-feira, 18 de março de 2010

…TRANSFERêNCIA

_
não. ela não desceu o quintal correndo e escorregou rasgando o joelho. não. isso seria fosse ela ainda infância. isso seria fosse ela não toda já tomada pelo complexo. tomada por édipo.
enfaixada. presa. controlada. o desejo nela resistindo, persistindo feito fala. incessante. incapaz de conter. sangue jorrando quer simplesmente dizer. estou viva. sou capaz de morrer. estou viva. mas não quero mais que venha me morder.
numa mão o silêncio na outra o queixo ressentido. o queixo recém-batido, recém-magoado. recipiente tranquilo para o soco para a mordida não para os teus beijos, pai. não para os teus beijos. não mais.
espuleta. inferno. desembestada. infeliz. diaba. peste. insuportável. estrela. esbórnia. aberração. susto. soluço. arroto. arrependimento. erro. erro. filha da puta. filha minha, mas da puta. igual a mãe. do que mais te chamar. a ruína é seu nome.
tirou a casquinha. como se quisesse provar a si mesma. como se quisesse dizer ao corpo veja como és forte. e era. era forte. apesar de não se permitir o cicatrizar. era forte na torrente coagulante tingindo a vermelho a barra das saias. hoje diminuídas.
__
você pode me bater de novo. nisso de repetir eu vou aprender a amar essa dor que ainda dói. você me ensinou que se acostuma pai. bate de novo que eu aprendo. não desiste de mim. eu sou nova, consigo aprender, minha pele já nem tem tanta marca assim.
exceto os joelhos. abaixe.
maçã purifica o gosto amargo da vida.
não fale enquanto come.
você…disse que…minha voz era…bonita.
mas não fale.
ou o senhor vai…fazer o quê…? furar…meus olhos?
torcer seu outro tornozelo.
já está…torcido. foram…os dois.
você não tem vergonha?
a dispensa…aqui de…casa está…vazia…não tem…nada. agora somos apenas eu e você.
sua mãe, onde está?
…no seu estômago…mas inda…restam cabelos por toda…casa.
eu tenho nojo.
quer…que…eu…pare?…
não. só não fala. não fale mais.
…aham…
___
o que eu faço agora?
agora é hora da sesta. vá brincar.
eu estava me divertindo.
não posso continuar. preciso ficar sozinho.
tem como tirar sua cabeça?
como é?
para ficar sozinho seria preciso não ter cabeça.
o que você está lendo?
seu corpo, apenas.
pare.
de ler seu corpo?
de tê-lo.
lê-lo?
tê-lo.
é minha única noção de família, pai.
seja orfã, eu te peço.
seja fiel, eu te peço.
não me peça nada.
você não pode fazer mais nada por mim?
não posso. tudo o que eu faço é por você.
quanta conversa estamos tendo. me surpreende. sinto que estamos vingando outra vida.
vingando.
vergando.
para de olhar.
eu gosto.
pare.
eu gosto.
pare.
eu poderia morder.
não.
então eu olho. porque eu gosto.
quando isso vai acabar?
não sei. você tem prazo de validade?
não.
pretenso e eterno. deixa eu ver.
pare.
não aqui.
pare, por favor.
nem aqui.
eu te peço pare por favor.
quando eu nem sabia falar eu te falava essa mesma frase. e nada. por que haveria eu de me comover? a desgraça é sua.
não se faça de sofrida.
quem sofre hoje é você.
não me faça de sofrido.
eu faço de você o que eu quiser. deu para entender?

eu gosto dos seus peitos. são fortes mas tímidos. eles tem medo de alguma coisa. você tem medo, pai, de quê?
não me chame de pai.
pois é. tem medo de quê?
da morte eu não tenho mais. se é o que você está esperando eu responder.
as maçãs temem ser mordidas.
o quê?
as maçãs. eu disse que elas temem ser mordidas.
deixe eu morder.
a mim?
a maçã.
não posso. é a única que restou.
eu tenho fome.
a dispensa está vazia.
eu tenho sede.
quando eu tiver vontade de urinar eu te aviso.
no que você se transformou?
num espelho. você não se reconhece? sou sua versão melhorada. tenho esta linda e vaga ferida por ti apaixonada.
não fale nesses termos.
ninguém nos pode ouvir.
não é pelos outro. é por mim. eu não aguento mais. mate-me, por favor.
estava esperando você pedir.
____
deu-lhe a maçã na boca.
ele a mordeu. ela segurou seu maxilar num abraço fraterno. eterno.
seus olhos viraram. volveram para dentro. voltaram para fora. não encontraram nada.
ela deu tempo. tinha tempo. não para mastigar. mas para que ele não sentisse sua falta enquanto lhe faltasse o ar.
não saberia escrever se ela chorou ou não. mas enquanto o sufocava deixou que a urina morna de si sobre o pai escapasse. feito criança mijando sobre a família. ela ficou sobre seu colo. enquanto ela agonizava ela simplesmente por ele se enternecia.
_____
levantou-se. horas depois. a umidade entre os dois ressequida. feita memória.
deixou a maçã sobre o colo do pai. sobremesa aos vermes, pensou.
não. ela disse: sobremesa aos vermes.
e saiu em direção ao quarto,

para recolher os cabelos da mãe.
ventava muito neste dia.

a partir da fotografia de DANI RIBEIRO.
clique sobre a última imagem para vê-la em maior resolução.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Inserir


Olha, eu olho lá para fora
E o sol está surgindo
Rompendo aos poucos essa preguiça
Essa atmosfera impregnada pelo hábito.

Eu a reproduzo.

Acordei tomei banho
Mas troquei a toalha
Fiz café e ao invés de pão
Hoje eu comi uma torrada
Sentei-me diante do computador
E fora e-mails
Fiz nascer poesia.

Existe sempre alguma tentativa
Que desordena o já vivido
E mesmo as rimas

mesmo as rimas,
às vezes precisam se pôr em risco
sem medo de flertar
com a destruição.

Olha, eu olhei de novo lá para fora
E o sol já está gritando
Rompendo aos poucos essa preguiça que é do mundo
Porque sinceramente

dentro,
aqui dentro
Sou todo máquina
Todo construção

Eu Estou Amando.
E este é o meu hábito
Seria minha condição?







Não. Não me diga não.
Deixe-me enganar
como fiz hoje com o guarda-chuva
que acreditou – por uns segundos -
que haveria passeio nosso
que haveria comunhão,

Não.

Não diga nada.

A gente há de aprender jogando.

IF I COULD ESCAPE


quando estou com você não há falta.

quando estou sem você há falta, há.

quero estar com você.

quando estou com você não penso em você.

quando estou sem você sim eu penso, em você.

quero não pensar em você.

quando eu te beijo o tempo passa veloz.

quando eu não te beijo a vida dura, eternidades.

quero morrer
em dois segundos
dentro da sua boca.

domingo, 14 de março de 2010

O amor seca as linhas…

Não tenho aqui a pretensão de lhes dizer verdades. Mas para mim, o que faço aqui ao me expor e contar e multiplicar meus meios, meus enredos, bom, eu preciso dizer: isto tudo clama à sinceridade. Tem que ser como a sensação como o sentido quando vivido. A minha vida aqui não pode ser menos do que tem sido. Não. Não vale a poesia. A poesia, quer dizer, acaba não valendo a vida. E quando foi que eu me enganei que valeria?

Durante um tempo, sim, valeu. Serviu. Troquei um você por mil esboços imprecisos. Troquei minha raiva na proliferação dos versos. Criei palavras novas para dizer a insônia, o amor, o sono, a doença, a devoção. Mas não. Hoje não. Em vão elas aqui se comovem a troco de quê? A vida lá fora anda tão promíscua, o que fazer, fazer poesia? Tentar pelo simples retomar a ordem do dia? Estou perdido. Preciso aqui me encontrar.

O café escorre para dentro. Como sempre fiz. Como sempre, azia. Encontrei você um dia e hoje não me encontro sem você. Como pode isso? Como pode ser? Percebe? A poesia que em mim ousava, brincava, ora surgia ora desaparecia, deu-se hoje por terminada. Eu me pergunto:

o amor seca os versos? E se falta este amor, por causa disso, a poesia é então multiplicada?

Encerrou expediente. E eu assim, sem poesia nem você, eu assim sem os dois sou o quê? Eu não sou nada. Sou porto prenhe de belo desespero. Eu sou tentativa inerte. Sou busca findada. Eu estou torto. Sozinho o final de semana inteiro dentro de casa, mas indo. Cá, indo. Voltando. Sorrindo. Testando. O quanto de vida inda resta aqui em mim.

Olha, não tem sofrimento nem nada que pese. Estou leve e isso poderia ser de estranhar. Mas é que a pressa se perdeu do tempo e eu não a conto mais. Eu a disponho aqui. Agitada na profusão dos versos. Eu a coloco aqui diante de mim e a reinvento. Eu hoje danço dentro de casa. O mundo lá fora caindo e eu aqui só, sorrindo. Feliz por esse tempo no qual não há nada exceto eu comigo mesmo.

Foi você. Sua ausência hoje me fez me ter. Que bonito isso. Por você eu vir a me descobrir. Obrigado por insistir num tempo a sós. Quer dizer, num tempo, os dois, assim separados, a sós cada um com a sua profunda e imensa solidão. A gente é carente, você já percebeu? Você se assumiu, assim, carente? Você é. Eu também acho que eu seja assim. Ah, sim. Eu sou. Mas me diz você. Eu sou?

Quantas descobertas para os dias em que enfim estivermos juntos outra vez. Anote-as.

Sorria, você está sendo vendado.

catástrofe09

e para não ver a ruína: construção
para não ver a propina: comissão
para não ver a escória: a ilusória ficção
nela ali prostrada
rindo no seu silêncio velada
querendo se possível dizer
COMPRE AQUI
COMPRE AQUI
COMPRE EM MIM AQUILO QUE PODE QUEM SABE SER VOCÊ

mas que não és, ela reitera
sua nudez fria nudez anti-matéria
é o que pode agora unicamente restar
o redor cheio de braços
as pernas fora dos saltos altos
os dentes fora das bocas
os cabelos fazendo furacão em meio aos ventos
ela perdura ali sorrindo
ela ali sorrindo acentua o meu
o seu
o nosso – comum – tormento

FOMOS VENDADOS.

vendidos e sacrificados.

mas por quem?
por quê?

a culpa não está fora. culpa é coisa nossa,
capaz de nos gerar e gerir e deter.
ela ali parada me disse sorrindo sem fim
a culpa não existe
culpa é coisa que inventaram para vender
para vendar isso em mim assim representado

compre a sua paz

compre seu escapulário

seu escape

sua válvula

seu vibrador

compre em mim sua presença

compre em mim a função de um seu amor

compre tudo tudo pode em mim pedir eu dou

pela bagatela de sua felicidade

ela é também inventada

ela e toda essa cidade,
hoje são ruínas

 

e ruína hoje não é somente metáfora.

catástrofe09

sábado, 13 de março de 2010

Clareza

 

É possível amar a perdição?
Sim.

É possível juntar as mãos?
Sim.

É possível dar e receber carinho?
Sim.

É possível sorrir ao te ver sorrindo?
Sim.

É possível ficar horas seguidos assim grudados?
Sim.

É possível te hospedar em mim?
Sim.

É possível ser porto para suas lágrimas?
Sim.

É possível esta possibilidade?
Sim.

É possível que as coisas tenham se encaixado?
Sim.

É possível o sexo?
Sim.

É possível intimidade?
Sim.

É possível preocupação?
Sim.

É possível o mundo, é?
Sim. Desde que com você.

E por que isso me assusta?

Talvez porque eu esteja gostando.

terça-feira, 9 de março de 2010

FORMATAÇÃO

 

A comunhão nem sempre me apraz.

Eu queria ser ditador e dizer quem fica

dizer quem vai

dizer quão forte e longo deve ser este abraço que agora

não mais.

Ai, não mais.

Aceitamos a pausa, aceitamos o horário para o recreio

mas dentro dentro quero-o inteiro ao seu lado

o tempo inteiro em ti colado

a comentar sobre a saúde dos outros

sobre seu infortúnio

sobre suas perdas

e meus prantos

Precisa haver em nós uma discordância quanto à separação.

Precisa haver comunhão para a leveza,

o peso em nosso esquema é restrito ao jogo

entre os corpos

pois não antecipemos o sobre

nem o sob

e façamos então durar

Este profundo desejo de um com o outro

ser

estar

permanecer

-

EM NEGRITO MARCAR.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Desmonte


Restou o plástico
entretendo as formas sobrou
o ferro o aço o tijolo ameaçado
A natureza mórbida resvala aqui
e ali, em todo caso
é pedaço
Para constar.
Ele abriu a janela
as cargas vieram até ele se encostar
as paredes recém-tremidas
- agora estatizadas -
mas maculadas pela rima feroz
das importações socando o concreto
fazendo compasso impreciso mas
direto, exportação fazendo
protesto!
Quero ficar não quero sair não quero mais me vender
Olha ela ali, a única
Restante,
Árvore símbolo, cravada hoje
ainda que também inoperante.
(Mas nos serve,
nos servirá
deitando os galhos sobre o relevo acidental
as folhas protegendo do sol a medíocre urbanidade
Ela fica, persiste na composição do destino
A árvore ali parece dizer
Estarei aqui sempre que preciso
Mas,
ela diz: mas,
não consuma nada além dos meus frutos
não consuma o meu corpo
não faça dele desenho obtuso
falsa arte leviandade explícita
poetize-me com seus artistas,
mas deixe-me onde agora não estou.
deixe-me com meus braços cravados no chão que hoje eu perdi.
Eu também perdi o chão.
E a nossa intersecção hoje é apenas esta:
homem e natureza
um do outro perdidos
sem base
Um fazendo de chão o teto do outro.
Flores saindo de bocas
E veias rompendo a terra.
Que estranha e sincera miséria
a nossa.catástrofe04

domingo, 7 de março de 2010

a confissão dos corpos

 

Há comoção interna
Vontade inerte de cair e se deixar rolar.
É o seu abraço que não está aqui
É a percepção sincera de que estou amando

de que estou indo
estou sim me despedaçando.

Só que é gostoso.
É bom. Doce. Sutil
esse despedaçar.

O corpo aqui embriagado
sonhando com seu cheiro
sonhando em fazer laços
das pernas
dos pelos
das nossas dúvidas sobre o mundo
que hoje fizeram nascer poesia.

É a coisa mais linda que posso escrever.

É feita por ti para ti para ser retrato
fiel deste estrangulamento
oh, momento
que não vai e nem fica
oh, toque
porque você não me vence
e sobre mim se eterniza?

Eu não vou ligar. Quero ser de alguém que não mais só
de mim.

Estou embriagado.
Metáfora vinho tinto para seu beijo.

Eu me enrolo todo
enquanto não tenho em mim
aqui
tão certo
o seu jeito,
lançado sobre a cama quebrada

esperando a comunhão

esperando a confissão dos corpos.

sexta-feira, 5 de março de 2010

chá preto

 S6300040

paro agora
para trocar o café
e nisso não se reconhecer
por demais, desesperado

não se angustie
o tempo caminha junto ao seu lado
para confirmar seu temer
para alternar os seus sonhos
e certo dia assim, puf
te fazer num sonho amanhecer
e assim seguir
seguir como quem avança porque sabe
nosso destino é mesmo ir.

eu paro agora.
paro pois para partir
para começar agora eu estaco
eu me olho neste espelho
eu me embalo,

sim, garoto
não há desistência
não há cissão
você está se fazendo
se montando
isso é ruim sim isso é bom
e como se se quisesse fazer dormir
você se diz
navegar é impreciso
viver, mais impreciso.

qual mistério queres revelar
se já o mundo se enerva em misteridão
em escuro difuso
em adjetivos escusos
que neblinam inda mais sua lucidez.

quais mistérios quais?

quinta-feira, 4 de março de 2010

O Jogo da Toalha

catástrofe01
Ele não se deu o tempo de pensar. Ela ali sentada sobre o controle da televisão. Ela ali de toalha. Será demais pedir licença para pegar o controle? Seria demais. Ela permaneceu paciente. O nervosismo não era nela. Era ela pura provocação. Vou ficar sentada sobre a toalha até que ele venha e meta a mão. Se eu pedir licença ela vai se importar? Ela vai se fazer de besta ela vai se ferir se magoar? Fico. Duro. Eu estou olhando para a cara dele olha lá e ele nada e ele nada mais uma vez ele nada então vamos ver quem consegue ser nada por mais tempo vamos ver se eu não vou ganhar. Nada. Ela só me olha. Não faz nada. Caralho, isso é provocação. Por que motivo essa mulher fez isso? É muita necessidade! É precisar chamar demais atenção. Caralho! Mostra que tem caralho, então! Mostra! Escrota. Viado. Escrota! É isso que ela é! Viado! Viadinho... Caralho! O que fazer? Eu fico. Eu fico. Vamos lá, nem pisca, olha isso. O jogo com a toalha funcionou ele nem pisca deve estar com medo sabe que sou bem uma torrente teme não me aguentar. Escrota. Teme alguma coisa maior que ele algo capaz de engolir. Ela provoca. Ela provoca. Depois não aguenta! Eu vou ficar. Estou pensando acelerada assim mas tenho certeza que minha cara nem mexe nem faz sombra ou protesto. Eu fico. Ela persiste. Como pode? Não vai mexer? Como consegue? Como ela consegue? Como ele consegue? Não vai mexer. Caralho. Inferno. Eu quero ver a televisão. Eu não quero outro tipo de situação. Aqui em casa hoje não. Aqui em casa hoje vai ser televisão. Televisão. Já foi o arroz. Nem teve feijão. Não quero mais nada. Não quero. Quero sentar no sofá e ver meu programa de TV. Sai daí! Está querendo dizer alguma coisa. Eu sei. Quando começa a mexer a testa assim desse jeito é porque quer falar mas não sabe dizer. Diz, escroto. Diz! Fala alguma coisa, porra. O que você quer? Diz nada. Hein? Nada, diz nada. Vou ficar. Vai ficar aí a noite inteira. Olha que merda, nem mexe. Nem mexe. Caralho! Quer xingar, quer? Quer dizer que eu sou isso e sou aquilo e o que mais? Você é frouxo incapaz de me dizer sequer uma novidade. Então vamos ver como reage, o que vai fazer? Quer ver sua televisão? Quer? Então vem aqui para cima de mim porque pra ligar essa porcaria vai ter que me comer. Não quero. Não vou. É isso o que ela quer. Não vou nem quero nem vai resolver nada. Eu fico. Eu fico. Eu ouso. Levantou a perna. Caralho, não pisca. Nem mexe. Fica. Mexi a perna, escroto. Abri as pernas para você. Faz alguma coisa. Não mexe, não mexi, será que deu para ver. Piscou que eu vi. Piscou que eu vi. Não vai resistir. Não vai. A perna em cima da mesa. Eu tô vendo. O olhar. Onde você vai com esse olhar? Fala alguma coisa! Vai ficar parado? Então eu danço pra você, infeliz. Eu danço! Olha isso! Abusada. Ela tá me fazendo sala! Ela tá me fazendo sala na minha casa na frente da minha televisão. Ingrata! Infeliz! Esposa! Caralho! Eu vejo o ódio preso dentro dele preso dentro da boca. Eu sinto o cheiro. Eu vou ficar parado! Eu fico! Quem sabe ela não se manca e me dá o controle? Agora eu vou te revistar, senhor esposo. Eu vou te revistar! Chegou do trabalho. Comeu a janta que a escrava fez. Eu saí do banho. Eu saí do banho que eu tomei por sua causa e você vai continuar com essa cara de mal amado?! Vai continuar porra nenhuma! Vai ter que me engolir! Caralho! E se eu olhar agora para a sua mala, hein? Você vai dizer alguma coisa? Vai fazer alguma coisa? Vai brochar? E se eu olhar? Cadê a felicidade? Cadê a virilidade a energia? Gastou com a Selma, foi isso? Gastou o rodo limpando a esquina?! Ela tá falando! Diz alguma coisa! Ela tá com a cabeça quente! Ela está falando com ela mesma. Caralho, essa mulher enlouqueceu! E não vem me chamar de louca! Não vem porque motivo eu tenho eu provo pra você que um mais um é dois e não três. Quem é a fulana, diabo? Quem é? Parece com a outra da televisão? Eu fico. Eu fico aqui a noite inteira. Eu não saio. Eu enfio esse controle inteiro dentro de mim. Eu me acabo na sua frente. Eu caso com este pedaço de plástico faremos juntos comunhão de bens. Não vai dizer nada? Anda! Falou! Anda! O que eu faço?! Anda, me dá logo esse controle porque hoje é dia de eliminação. Toma. Jantou direito? Aham. Tava boa a comida? Faltou feijão. Tava dentro do forno. Não vi. Quer que eu esquente? Deixa eu ouvir! Olhar para a televisão. Olhar para ele pelo reflexo da televisão. Olhar para a televisão. Olhar para o reflexo dele na televisão. As imagens distraem a gente. Eu gosto quando escurece a tela. Distraem os problemas. Quando a tela escurece eu vejo o rosto dele. Como pode uma mulher dessa? Vou esperar dar o intervalo e vou dormir. Caralho... Ela pousou as duas mãos sobre o colo. Ela desistiu de mim.

A partir da foto produzida por Dani Ribeiro.

quarta-feira, 3 de março de 2010

C H A G A

           
Não há neblina. Tudo está claro.
As luzes da casa estão apagadas
mas não haverá tiro bomba nem colapso
pois dentro de minha boca há uma maçã
apenas, não uma granada.

Acalme-se.
Essa guerra que estamos vivendo dizem se chamar o amor.
O nome te ajuda a entender o que é?

Não?
Não. Imaginei que fosse piorar.

Bom, portanto serei explicativo:
aquilo que você atirou no meu peito
aquilo que aqui em mim você enterrou
exato
aquilo - isto - enfim,
pois então,
em virtude daquilo ou disto
algo seu em mim fincou
virou âncora
fez de mim porto inseguro
mas algo em mim se traduz destemido
eu suporto eu quero o ineditismo da situação.

Mas, ajude a controlar o fogo.
Não quero explodir.
Eu não quero.

Quando você chega?
Você chega quando?
Eu descobri o que era.

E o que era hoje ainda persiste
E é chaga, amor
Isso entre a gente
tem por nome chaga.
                

terça-feira, 2 de março de 2010

Convite ao Embate

                        
Havia ficado impactado com a fome de preenchimento
do mundo, eu havia ficado perplexo
em como se abriu pela base
e como se deixou cortar
nos convidando:
venham a mim se curvar
deitem em meu seio
façam-me
de novo
planície inabitada.

E havia no mundo uma multidão
havia no solo um genocídio
havia pele cabelo cabeça
não houve comiseração
O mundo abriu sob nós seu abraço
e nos convidou ao esmague:
juntem-se-me
juntem-me às partes.

Planície revoltada
Terra seca gangrenando horror
Ele ousou pedir união
E tudo ruiu
E tudo rachou
os prédios as vias famílias
tudo soterrado
tudo morrendo pela terra
tudo chocolate granulado
e havia sangue
mas havia sangue
não era calda de morango
era rio caudaloso
aura do humano
se liquefazendo
em postumidade.

E hoje uma criança perdida reapareceu
Está de pé, com os pés tímidos
descalços
Ela sobrevive com as mãos na barriga
com os cortes cicatrizando
de tanta poeira
de tanto silêncio
Hoje é ela só na planície inteira
Morreram-se quase todos para amenizar o buraco
Já não é tanto assim
ela pensa sem pensar
ela olha o redor
tudo é vazio
a obra deve estar quase terminada
A mídia já nem fala em sua dor
De sua dor a mídia nem fala nada
não porque suas lágrimas secaram
mas porque pela lágrima ela mata a sede

E neste momento
outra criança
é soterrada
Jaz refém do abraço opressor
quem dera fosse da mãe
e quem dera do tio primo irmão avô
abraço mais concreto que estes
só do muro sobre ela veloz
muro-esmagador.

Persista. Eu lhe peço.
Sonhe as estrelas.
Eu vou esboçá-las aqui.
Eu vou esboçá-las aqui.
Peça ajuda em silêncio.
Peça ajuda em silêncio.
Não abra a boca
a terra quer te engolir!

Até que alguém lhe pegue pelas mãos
e lhe lamba os olhos ressequidos

retirando de ti a respiração opressa

e instaurando o equilíbrio
a paz
o equilíbrio
a paz
que não veio até agora.
Que não veio.
Que até hoje parece não querer
vir.

Mas que existe.
Dure. Ela há de chegar.
           

A metáfora do coração

                 
O que se faz na guerra
é metáfora do coração
Quer corpo mais morto
do que este
músculo retorcido sem ar
jaz fuzilado
no pátio do peito
jaz peito meu
putrefato.

Não é poesia é condição
Existir por vezes é o cúmulo
é o absurdo máximo
parece invenção.

Avançam os tratores de tiros
para que descansem sobre o solo semi-germinado
a carne
o horror
extermínio:
somos em nós mesmos o fim e o começo.

Abatem-nos os canhões
será melhor assim: o peito agora calmo
podendo ser verso
podendo ser resto, sim
não nos resta problema algum enquanto mortos.

Vamos germinar de novo esse solo e fazer o amanhã nascer tentado.
Tentado ao fim novamente.
                

segunda-feira, 1 de março de 2010

CATáSTROFE

                
Farei o inevitável:
Ousarei beber logo esta poça
que se enfurece mais a cada dia.
O inevitável:
correr solto entre a fiação eletrizada
correr descalço entre a malária
dispersa nas praças.
Farei o preciso:
ser alvo para o perdido
ser porto para balas
ser corpo para o ruído
ser humano ser falha.
Comigo agora isso é preciso.
Comigo agora fui tornado.
Fui deposto da ingratidão de olhar o mendigo
e seguir - eu paro - agora eu paro
agora devo eu - mesmo - persistir:
não sei por qual motivo
não sei nada a princípio
mas é preciso sujar
Colar a alma
beber o desencanto
cantar a reuína
beijar à boca o cancro
Sim, o cancro!
Façamos.
Juntemos.
Pele e pele formam nova planície
Novamente preste a rachar
Pele e pelo são capaz de costura
eles devem se encontrar.
Dilacerar-me.
O inevitável eu farei:
tombar antes pelo jogo
tombar para conhecer o mundo
que hoje ameaça
me exterminar.
Vamos juntos.
Vamos juntos.
Quero contigo tombar.
            

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