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sexta-feira, 28 de abril de 2023

Línguas mordidas

Tanto falaram sobre
a importância categórica
do desejo oh desejo
tanto disseram
naquela tarde
regada à álcool
que é estranho
vê-los assim
agora
tão
impedidos

É como se a fotografia
vazasse como se o meio
quisesse ser princípio
como se no fim da jornada
ainda tivessem tantas
questões
entre
abertas

É estranho
que a defesa feita
da ordem do dia
que ela seja assim
tão
provisória
mente

É estranho, perdoem-me,
é mesmo estranho
que vocês falem tanto
e agora estejam
assim
desnutridos
sem palavra nem viço
completos
idiotas
com as línguas
mordidas

Vocês sabem, os senhores,
sabem que do desejo
não haveria fuga
mesmo assim
tentam curvar
a angular esquina
fazendo voltas
e rodas e festas
e turvam tudo
com esse discurso
que tentar consertar
o que já é
e sempre se soube
ser
precipício

 

Sobra

Tempo para ver
no tempo
o tempo não correr
mas caminhar
sôfrego
lado a lado

Restou ar
para ver os meninos
no parque para ver
os cães e seus cocôs
para tanto e tudo
para sempre
até a morte

Restou força
para pernas cansadas
e bolsas para compras
e vento para o calor
e calor para o arrepio
que viria de um frio
um passageiro
frio

Não haveria paisagem
onde sua paz pudesse
vingar
Estragou-se tudo
nisso de tentar se
consertar
Melhor seria, ou mais
ágil, seria ter se deixado
rachar
 

segunda-feira, 10 de abril de 2023

Armário

Não imaginei que voltaria ao armário.

Por certo, vou ao armário por motivos
bem distintos da pregação comum. 

Guardo-me no seu bem fundo
para não mais machucar
Os homens que me procuram. 

Fico quieto, a dosar
a vontade de sair
e o risco de te machucar, 

Outra vez. 

Se há doença ou não, 
Se é crime ou já prescreveu, 
Não ouso saber

Sinto-me tão cansado 
Que talvez mesmo aqui dentro
Eu consiga dormir envergado. 

A época me insiste e testa, 
Esse instante me azucrina:

O serás triste no amor
Ou será triste na vida. 

Nunca antes estive montado em equação tão estranha. 

Lembro de ti quando me disse
Que você aprenda a ser amado
Que aprenda a se deixar amar

Pois o relógio quebrou
Já faz dez anos
E eu nada
Eu nada
Nada mesmo 

Eu estou no armário.