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sábado, 30 de outubro de 2010

Ares

eu nunca quis isso
não se trata desse objetivo
me perdoem
mas comigo não é assim
o meu prazer reside aqui
basta ser
aqui
neste lugar

não vem com essa de trauma
de recalque não vem com essa
está bom assim
está leve
duro e parceiro
do esquecimento

está limpo
seguro em cada risco
preciso em cada desalinho
sim, eu sou isso

e te digo mais:
me faz bem
venho aqui
e me digo ao ver eles correndo soltos
sem medo de se perder

filhos, podem seguir
eu espero vocês
numa curva dentro de um ônibus
num barulho que não veio
numa queda mais lenta
que o desejo
filhos, vocês me voltam
sorrateiros

por isso,
partam
que o nosso esquema
se alimenta
ao menos de saudade.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Me Doo

senta aqui, não tem pane. a gente só tá aqui por causa disso mesmo. disso que ainda nem sequer fizemos. sim, eu não vou falar as palavras que reduziriam, sem dúvida, esse nosso momento. escuta essa música. não é foda? eu queria ter dito fofa, mas tudo bem. eu não estou confuso. meu coração tá querendo explodir, mas é por você. não vai jorrar sangue se isso acontecer. vai jorrar alegria. vai jorrar uma puta energia que ninguém viu na vida. vai ser um descontrole, por isso vamos com calma. para que o descontrole possa durar. olha eu aqui. do seu lado. nessa cama imensa. como ficamos pequenos, não? eu te achava maior. eu sem dúvida fiquei menor ao entrar aqui. é que sabemos o que queremos mas a língua se enrolou. eu aqui te falando disso para evitar falar a palavra amor. ela sem dúvida simplificaria todo esse horror que a gente tá vivendo. viu no que dá? eu quero ficar aqui e me sentir doer. tá tudo certo, eu gosto. eu sinto falta. de ver meu corpo ir morrendo na sua boca. de ver meu corpo rangendo por causa do amor. ele grita, você ouve? é impossível não ouvir. ontem sozinho eu fiquei pensando. por que está tudo assim tão quieto? era porque você não estava aqui. e eu depois fiquei fazendo ficção, tentando imaginar o que o meu corpo queria dizer com todo aquele silêncio, com toda aquela prosa cosida. sabe? eu quero ficar e escutar isso de novo. e tá tudo certo, porque eu amo o jeito que a gente se ama. eu amo. sabe? eu falo muito sabe, né? não precisa responder. eu aqui te olhando nos olhos e me envergonhando vale muito mais do que saber alguma coisa. e se eu tanto te pergunto sabe, eu acho, já deu pra ver que eu não sei, né? eu quero ficar, quero queimar aqui, porque eu gosto do jeito como isso dói. eu gosto do jeito como isso pode doer. e eu me doo. por mim por ti por nós dois por tudo isso que disse antes, eu me doo. sem medo. sem nada exceto esse ir. que vai. que não quer cessar. que cega que puxa que traga que pode acabar, mas... que não importa. que não importa afora este ser e estar. eu gosto. eu quero ficar.

cravo

é só uma pinta que não quer sumir
um corte que fica e persiste e se crava
eterno
sobre esta pele

é um pêlo
um dedo
uma unha feita história
deste presente
hoje assim no corpo referido
não tão mais passageiro

eu falo do corpo já ido
do corpo passageiro
dentro do qual me vou caindo
e nele assim indo
incontido
tropeçando no seu risco
no seu trepidar sobre a beleza
imatura
incapaz
impura

manchas, disso que falo
manchas de mãos de beijos de amassos
manchas do sexo hoje inda não todo lavado
do queijo
dos gostos do vinho
das uvas
contatos

eu hoje olho meu corpo
e não sei mais carícias
falo pelo soco
que me arruína
falo pelo tiro
que repete a rima
e não me deixa cindir
não me deixa cindir à completude

sou pedaço mesmo
sou parte sem dúvida eu sou
isso
corpo ido no tempo
em que o outro
corpo
quis ser corpo estado
quis ser corpo raíz
eternizado

eu não
eu já fui
eu continuo indo
eu estou perdido
gastando a pele
para sentir o sentido
da vida

sim
e ir enfim
morrendo com qualidade

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

POAZIA

Foi só porque me desprendi.
Foi porque deixei tudo como está.
Foi porque não quis conservar o que já tinha.
Foi porque amanheci com fome.
Foi porque gozei em excesso.
Foi porque dormi demais.
Foi porque cruzei a linha.
Foi porque senti faltar ar.
Foi porque encenei um suicídio.
Foi porque amanheci despido ao seu lado.
Foi porque não bastou.
Foi porque a coluna dói.
Foi porque um grito.
Foi porque me dissipo.
Foi porque desautorizo.
Foi porque tudo é isso.
Foi porque quis sumiço.
Foi porque não sei.
Foi porque queria não saber.
Foi porque Falo.
Foi porque eu li.
Foi porque um filho que nunca tive.
Foi porque tem que ser.
Foi porque não.
Foi porque estava aberta a passagem.
Foi porque me atrasei.
Foi porque joguei a toalha.
Foi porque a caneta secou.
Foi porque o papel em branco se molhou e virou rocha.
Foi porque eu te conheci antes de me conhecer.
Foi porque um porquê.
Foi só porque foi,


e por tudo isso e muito mais ou menos,
continuo eu indo e ela sendo
presos juntos nesse interminável ato de buscá-la,
ela ah!
ela oh!
ela eu,

PQP

ele poderia ficar
tentado sobre os segundos
perseguindo a escuta
perfurando o íntimo
e decifrando
EL ENIGMA

ele poderia se abster
do mundo sim de você
poderia ficar tecido
nessa ida
nessa busca
no incessar
poderia ele ficar preciso
na poça que o reflete
nisso, repito, nisso
de se ABISMAR

poderia ser só aquilo
ser seu silêncio se te visse
ser seu bater se te sentisse
ser parte essência
do risco
o corte do dente
o brilho da fuga
um rastro de vento

ele poderia ser
sua AURA
não tivesse ele mesmo
por ti sido reproduzido
em seus outros
volteios
e flertes
ao redor do globo

por que piscas tanto?

dead is it

sobrevivo no que consome
no desastre
na destruição do rosto
do corpo e peito,
enfim

hoje o tempo que sou
é só por conta do mal
feito a mim.

sobrevivo não resistindo
mas como quem soma
à morte a própria face
e a revela em sussurro
nasci para te amar
como vai ser?

eu por cima ou você por baixo?

domingo, 24 de outubro de 2010

Suicide is painless

Insatisfeito consigo mesmo ele desceu novamente as escadas. Sentia-se óbvio, desprovido de qualquer tentativa que não fossem as mesmas. Por isso, fez de novo o café, de novo o fez jorrar para dentro da mesma caneca (que de dentro já clamava pelo mesmo café). Parou um segundo e pensou novamente entristecido. Eu sou triste. Eu sou redundante. Eu já sou isso.

Sentou-se no banco amarelado do quintal. Via na rua o transitar dos carros e das pernas. O café o acompanhava enquanto a cabeça tranqüila lhe assegurava a espera. Esperou mais um pouco. E veio. Sinalizou sacudindo o embrulho na mão. Ele se levantou. Entrou em casa e apoiou a caneca sobre o primeiro móvel. Saiu, a porta já aberta, saiu e foi até o moço do boné.

O senhor é... Eu não sou senhor... Ítalo... Não precisa dizer o nome, eu não gosto. Bom, certo... Essa pessoa mora aqui? E estendeu o pequeno embrulho em direção a ele que sem olhar disse que sim. Tem certeza? Eu disse que sim. Então assina aqui, por favor. Pode rubricar? Não, por favor, assina como é na sua identidade. Eu não tenho identidade. Então você poderia chamar alguém? Eu estou só em casa. Então eu volto outro dia. Eu assino. E o fez. Certo. Certo, disse o entregador meio querendo rir meio querendo debochar da grande revelação que tinha sido descobrir que o menino da assinatura era o próprio destinatário. Certo. Você me daria um copo d’água?

Os olhos pararam. O filtro da cozinha quebrou. Pode ser da pia. Não se bebe água da pia. Eu bebo. A pia também quebrou... O filtro e a pia são uma coisa só. Certo. Eu fiz café. Café? Café. Café. Você quer. Eu acho que sim. Você se importa? Não. Fui eu quem fez. Avançaram em direção à porta de entrada.

\

O menino insatisfeito ganhara dois embrulhos naquele dia. Um dentro do qual já sabia o que tinha. Outro que secretamente desejava que fosse mais determinante que o primeiro. Você precisa tirar os sapatos para entrar em casa... É um costume. Você está calçado. Eu sou de casa, você não. Certo. É com visitas. Você não é visita. Tira. Minhas meias... Também as meias. Certo. Agora pode entrar, disse ele depois de ver os pés do homem se desamassando para voltarem a respirar sobre a madeira corrida e polida.

Seus pés estão suados. Eu posso limpar. Não disse isso, disse que seus pés estão molhados. É suor. Eu sei. Eu trabalho andando. Eu sei. Certo. Os dois se olharam. Havia um não saber tão genuíno naquele encontro, que ambos talvez tivessem pensando, não há mal algum em levar isso adiante. E não havia. Olharam-se mais um tempo e o menino da casa seguiu em direção à cozinha, parou e voltou. Pegou sobre o primeiro móvel sua caneca e voltando à cozinha a completou. A caneca. Devolvendo a pequena garrafa de vidro esvaziada à cafeteira elétrica.

Quer sentar? Toma. Obrigado. Eu usei a minha caneca porque não quero sujar louça. Não tem problema. Você não tem nojo? Não de você. Por quê? Porque você é gente, né? Assim como eu. Certo. Talvez sim. Ele aproximou a caneca da barba, depois a boca e por fim – não havia trecho em branco no qual pudesse pousar os lábios e descer o café – a sede. Não tem açúcar. Eu não sei onde fica. Você mora mesmo aqui? Não. Perdão, disse o do boné afastando a caneca da boca, o senhor poderia me mostrar sua identidade? Depois. Eu não posso fazer uma entrega urgente para uma pessoa que não aquela destinada à entrega. Sou eu. É para mim. Sou eu. É meu. Eu quem pedi, eu quem fiz a compra. Você só entregou. Pode abrir, você quer abrir? Eu sei o que tem ai dentro.

Eu não vou abrir. Pode abrir. E se você não souber o que tem? Eu sei. Tem um presente de aniversário. Para você? Sim. Para mim. Eu me dou meus presentes. Eu faço aniversário hoje, obrigado. É sério? Sim, aniversário é aquela data na qual você nasceu e que todo ano se comemora novamente, mesmo quando não se sabe o motivo. Você está comemorando, pelo visto. Comprou presente e tudo. E tudo o quê? E tudo é o que se costuma dizer. Eu não digo isso. E tudo quer dizer que você está fazendo tudo para o seu aniversário. Ah, sim, de fato. Eu comprei presente, agora com você estou brindando a minha vida e em seguida, c’est fini.

Quê? Eu disse que em seguida se acabou, é o fim, ponto final. Entendi. Obrigado pelo café, eu não posso demorar mais. Pena. O que foi? Você ouviu. Você disse pena. Pena. Eu não posso ficar mais, apesar de você ter sido gentil comigo, as pessoas quase nunca são, às vezes nem água nem obrigado nem nada. Você me serviu café. Obrigado, mas não posso demorar. Eu disse que o presente que me dei é uma pena. Uma pena?! Sim, daqueles que se usa para escrever. Que nem nos tempos antigos. Isso. Legal... Você escreve?

\\

E então ele abriu a caixa. Retirou a pena. Deu ao outro. Este a olhou durante certo tempo. E depois se olharam só os dois. E o que estava com a pena, segurou-a com uma mão enquanto o outro braço estendia-se até a frente. Comprimindo as mãos, fez o sangue correr pelas veias e sim, ia começar mais um de novo novamente. O outro só via. Era único, não era caso para segurar o fluxo do outro já tão assim declaradamente decidido. E então perfurou aqui nessa região perto do pulso. Perfurou lento e fez-se em córrego o sangue vermelho tão preto de tão escuro. Fez-se sangue em silêncio e os dois se olhavam, meio que se encontrando ali juntos naquele momento único que se perderia dentre alguns segundos. Logo após o bater de algumas gotas sobre a madeira branda da sala.

\\\

O carteiro foi até ele e desperfurou seu pulso. Com força apertou as mãos sobre o furo e tentou reter o sangue já tornado cicatriz novamente. O jovem estacou no meio da sala enquanto o do boné tentava tirá-lo de casa. Eu estou bem, mas pode continuar a me apertar. É bom, me dá sono, vai sarar. Nos olhos do outro o seu semblante foi se aproximando e virou abraço. O furo agora seguro entro os dois peitos sem pingar nem doer. A camisa amarela e o boné suado frente à surpresa de ser único cada segundo ali compartilhado. Disse ele ao ouvido do desconhecido uniformizado, eu fiz uma tarde ser nova, ainda que muito igual. Você não precisa?... Eu estou bem, mas se você quiser ficar, eu posso pegar água da pia do banheiro e deixo você me fazer um curativo. Você é quem fez a diferença, no final das contas. Você é quem me fez a diferença. E olharam-se novamente e não mais pela primeira vez. Ei, fica tranqüilo, eu não estou te pedindo em casamento, não quero seu beijo, não vou te agarrar, eu só queria a sua companhia enquanto essa tarde passar. Mas você tentou se matar! Não, eu fiz um furo no meu pulso com esta pena. Para quê? Para me impressionar. Para ver o sangue. Você viu como é escuro? É bonito. Não é nada demais. Eu não queria te assustar. Você tem cara de quem não se assusta com qualquer coisa. Isso não é qualquer coisa. Medo de cachorro, você tem? Não, já acostumei. Eu também já me acostumei. Com muita coisa, com muita dor, eu me acostumei demais com muita coisa que hoje o que eu busco é somente aquilo que eu não sei, sabe? Sei...

\\\\

E voltou outro dia, com uma caixa um pouco menor. Sacudiu-a enquanto o corpo do outro se enrijeceu profundo sobre o banco da varanda. É para mim? Sim, está aqui seu nome que você não gosta. Não precisa dizer. Eu não disse. Não precisava. Não vai abrir? Eu não encomendei nada. Mas é para você. Pode mandar devolver. Sério? Sim. Não tem remetente? Não. Então joga fora, não tem como? Fui eu. Eu o quê? Eu quem lhe enviei isso aqui. E o que é? É para ti. Para mim? Abre. É brincadeira? Abre. É doce, eu odeio doce, é doce? Só vai saber se abrir.

\\\\\

E me deu esse estilete, que desde então, só serviu para abrir cartas e para me lembrar daquelas poucas visitas, das quais eu não guardo nada exceto aquilo que já sei.

ESC

Durante quanto tempo eu deverei ficar calado para aprender a me dizer?
Sério. Eu me perdi de mim nessa profusão de versos que não dizem nada além de dizer.
Penso, sincero, será que me destilo ao mundo a cada verso meu lido
Será que sobrevivo mudo em você que me lê impreciso.
Não tenho pretensão de totalidade
Escrevo justamente pela falta da eternidade
Escrevo porque sei o que possa ser transitoriedade
Escrevo porque há sempre esse vagão após todo e qualquer por quê
Eu hoje aqui escrevo para tentar dizer
De forma que me agrade
Isso tudo que eu nem sei o que é
Mas que sobrevive em mim
Feito um por quê?

ELOCUBRATIONS,

Antes de sentir
Eu já fiz poesia.
Antes de sumir
Já disse a volta.
Antes de sair
Já marquei chegada.
Antes de subir
Já apertei a campanhia.

Nada meu acontece de imprevisto;
Eu desaprendi a ser surpresa.
Calculo o piano as batidas o risco
Nada excede, eu não soube errar
Por isso hoje quando penso em você
me consumo inteiro por não saber
como pode uma coisa na vida
simplesmente nada significar
além
deste tolo não-saber.

Você é uma incógnita,
Mas o problema sou eu.

A solução é fazer de ti letra legível
E perder seu encanto.
A solução é amar o seu mistério
E seguir aos trancos
E amando.

inflamável canta

Pele inflamada clama
Por solução repentina que prorrogue seu fim,
Pele inflamada clama
Por toque sem jeito,
por tiro abre-peito
por toda e qualquer sedução
que vede o interior e impeça
a torrente.

Mas se assim não se fizer ouvir,
Pele inflamada canta
a sua dor de existir
Pele inflamada canta
o risco
a tosse
o cisco
o medo de te contrair 
 para dentro
E nunca mais te fazer sair
E nunca mais de ti se livrar
Pele inflamada inflama
E não para de se empolar
Pois pele inflamada informa, parceiros
Passem perto ou longe
todos aqueles seres que queiram
ou não
Se contagiar.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

can you meet me anyway?

estou trêmulo
sobre a mesa a caneta
sobre o chão os meus pés
dentro de mim
o que há?

estou tranquilo
adiante a janela
ao redor os objetos
fora de mim
onde está?

isso que não encontro
e que é capaz de fixar
isso que não encontro
e que é capaz de fazer
ir, mas, sobretudo
fazer voltar.

não estou dizendo muito
não é essa minha intenção
estou dizendo este tempo
exato
no qual hoje agora sou todo confusão
mas não
tempo no qual também sou belo
pois tenho hoje
- mais do que nunca -
me permitido a comunhão
me permitido perder esse mesmo tempo
em encontros
em encontros
em sentar
ao seu lado, amigo
ao seu lado, minha amiga
e deixar o tempo sem pressa vir nos abraçar

isso me faz ser perdido
isso me faz ser sentido
corpo pleno
palco propício para o que há.

estou trêmulo, eu sinto
é o auge da falta
do toque
do papo
do teatro
do conversar.

como isso vale, hein?
eu não fazia ideia.

devo ir.

olhooteu

Pois se agora ele fecha os olhos
Não é por medo de ver o que está a sua frente
Não é por vontade de dormir e não mais acordar
Se agora ele fecha os olhos
É para que a noção de beijo
possa durar inda mais,

Sim, eu sei
Porque se agora ele permanece despido
É para sustentar o tempo em que estiveram reunidos
Não quer dizer sedução
Não quer dizer pré-banho

Quer dizer apenas que ele está descobrindo
porque amar e ser abandono é algo assim tão semelhante.

Eu sei, todos sabem, mas ele ainda não
Ele ainda persiste lerdo nos segundos
recebe tudo feito revelação

E se piscas quer entender o motivo
E se pesa o semblante quer descobrir o culpado
Ele hoje se fecha os olhos inda agora quando esctreve
é para não ver nas letras a solução final
é para não transformar seu lindo destino
em somente peosia.

Ele precisa abrir os olhosm
mas só o fará, quand oesvirver ocê
aqui

na nossa frente.

domingo, 17 de outubro de 2010

Reunião na sala de estar

- Filhos, prestem a devida atenção. Hoje eu queria não ensinar nada a vocês. Eu queria apenas que a partir da minha fala vocês pudussem se olhar, com a devida calma e curiosidade. É que tenho percebido entre vocês uma impossibilidade na fala. Uma vergonha que consome a vossa energia. Eu sei. Vocês saíram daqui, estão vendo? (As crianças desviam o olhar do pai, envergonhadas). Estão vendo? Não, não estão vendo nada além dos próprios olhos. Tudo que o mundo lança a vocês, vocês de súbito se privam de ver. Era sobre isso que eu queria lhes falar hoje. Vocês precisam se atirar, precisam ser precisos no tiro, ainda que venham a errar bastante nesse início.

- Vejam bem, vosso pai vos fala: a sua fala está empolada. Está imprecisa. Não atinge ninguém nem chega à nada. Eu sei que é duro ouvir sobre a própria ineficiência, mas tentem visualizar nisso uma potencial mudança. Uma chance de amadurecer. Eu permito que falem quando tiverem vontade, que cuspam o que quiserem cuspir, mas peço ao menos que cuspam na cara, que gritem todas as letras e pontos. É pedir muito?

(Um dos filhos esparrama-se inteiro pelo chão).

- O que é isso, menino? Não adianta dar show que a mim você não engana.

- Eu estava tentando ser concreto.

- E se jogar assim no chão é ser concreto?!

- É melhor do que ser hiperbólico como o senhor, vocês não acham?

(Todas as outras crianças consentem timidamente e, uma a uma, esticam-se sobre o chão da sala).

(O pai, inerte, pensa: Terei que pisar em meus próprios filhos para sair do lugar. Pois que assim seja).

- Preparem-se, crianças. O recreio acabou.

Romance Perder

Rick - Você dormiu bem?
Elena - Apaguei. Completamente.
Rick - Eu vou fazer um café.
Elena - Eu acordei mais cedo, tomei banho, já comi qualquer coisa.
Rick - Que coisa?
Elena - Alguma coisa.
Rick - Alguma coisa o quê?
Elena - Não importa. Já foi digerido.

Sentam-se junto à mesa.

Rick - Você me disse que não ia mais fazer isso.
Elena - Isso o quê?
Rick - Facilita.
Elena - O quê?
Rick - Você sabe.
Elena - Eu sei.
Rick - E por que fez de novo?
Elena - Talvez porque não soubesse que iria fazer.
Rick - Quer dizer que fugiu ao seu controle?
Elena - Eu não tenho controle.
Rick - A desculpa é ter fugido do seu controle?
Elena - A desculpa é ter fugido de você.
Rick - Como é?!
Elena - É só você… Quem me pode controlar.
Rick - Ah… Certo… Deus…

Levantam-se, ele primeiro ela em seguida. Contemplam a janela do dia recém-nascido.

Elena - Está um dia bonito.
Rick - Feliz aniversário.
Elena - Foi ontem.
Rick - Não tem problema.
Elena - Obrigada.
Rick - Não tem que agradecer.
Elena - Você sempre diz isso.
Rick - É porque não tem que agradecer.
Elena - Eu gosto.
Rick - Você sempre diz isso.
Elena - E às vezes nem gosto tanto assim.
Rick - Assim como?
Elena - Como agora.
Rick - Certo. Eu devo ir. Você vai ficar bem?
Elena - Eu vou ficar.
Rick - Bem… Certo, então. Eu ligo mais tarde.
Elena - Certo.
Rick - Você vai atender?
Elena - Se eu ouvir tocar, eu atendo.
Rick - Então ouça, por favor.
Elena - Vou me esforçar.

Ele sai pela porta da cozinha. Ouve-se ao longe outra porta ser batida.

Elena - Qual é a razão disso? Tenho a sensação de ser uma criatura criada para motivo qualquer. Tenho a sensação de ser experimento, diversão, para um deus divino qualquer que manipula minha cabeça e me faz dizer aquilo que não diria caso fosse eu alguém normal. É estranho. Essa sensação de pertencer a outro e não a si próprio. Agora ele se foi e sabe-se lá quando vai voltar. Sabe-se lá se irá ligar como disse. Sabe-se lá se da próxima vez - e se próxima vez for existir - sabe-se lá se será o mesmo ou simplesmente semelhante a este que acabou de sair. Que estranho tudo isso. É muito estranho. Não temos propósito exceto um prazer momentâneo. Um prazer ralo que se vai no trotar das linhas. O que eu estou dizendo? Isso não é meu. Isso eu nem sei o que é. Que estranho. Cada vez mais eu acho que me perdi nos outros que não sou mas quem gostaria de ser. Me perdi nos romances que li, nas poesias que inventei sem escrever. Me perdi por ser metáfora. Perdi partes inúmeras em metonímias, deixei jorrar sangue via hipérboles e agora resto só, ante a essa janela que ninguém vê, exceto eu e meu esforço e minha crença e minha fé e minha paciência: para criar tudo aquilo que me faz falta.

Hoje faz um dia bonito. Mesmo. Feliz aniversário, para tudo aquilo que nasce agora e não precisa de pernas para andar. Feliz aniversário aos sentimentos, aniversário ao momento, à realização plena dos segundos, aos tormentos passageiros e aos amores autoinflamáveis. Aniversário ao silêncio por entre as coisas e ao… Achei que fosse. Achei mesmo. Gostaria que fosse. Gostaria mesmo que o telefone tocasse. Eu não sei meu número. Mas gostaria mesmo assim que a tarde me invadisse e me tirasse de mim. Eu estou ouvindo, pode tocar. Eu estou te ouvindo, pode bater na porta. Eu vou me abrir.

Peso

Penso
sobre as partes em separado
sobre o arranjo assim costurado
pela força
pelo jeito
pelo qual você se aglutina a mim
a fim de fazer recreio.

Penso
(é tudo passageiro)
como se acomodam os sonhos
como se amenizam os medos
quando
tenho você sobre mim
(sempre passageiro)
você sobre mim
esmagando minhas vagas
soterrando desesperos.

Penso.
Eu peço
Teu peso.

E fico nisso inerte
aguardando ser terreno
aguardando seus volteios
para recompor sobre mim
a sua forma de ser presente
(ainda que também assim
passageiro).

Penso, peso, fico, vago
Fora isso não sou nada
Sou ser todo comprimido
Espero impaciente o destino
das gramas
dos quilos
o selo encontro dos mamilos,

Eu peso, logo, existo.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

a minha criança

ainda está aqui, certo?
ela ainda sou eu
ela hoje usa barba
minha criança hoje faz
como se não soubesse
ligar coisa à palavra.

ainda não sabe dos riscos
ela ainda não sabe das horas certas:

nem para o café
nem para o almoço
nem para os remédios
muito menos para o sono.

mas sonha, viste? ela sonha
e tem pesadelo
tem medo e receios
mas sempre vai
sempre se lança
o que pode haver ali adiante que não surpresa?

ela ama a insegurança.

e se paro agora e olho aqui dentro
não encontro nada guardado
a minha infância está toda aqui fora
se perdendo junto ao tempo
se dosando para que ao fim de tudo isso
ainda me reste um respiro
um pedaço de moletom
um tempo específico
um desejo secreto nos olhos
um cândido dromedário.

a minha criança está aqui comigo
e não fosse eu ela
eu não seria ainda
algo capaz de valer toda esta pena.

pavor delicado

ontem a essa hora eu tinha tanto a dizer
me contentei em chorar quieto
guardando mais em mim isso que ainda agora quer partir
mas não sabe andar.

um pavor delicado
uma quentura branda e capaz de cegar
é o que dentro revolve em ondas
que não sei domar
que não sei silenciar
porque se dentro gritam assim
por que deveria eu mesmo as calar?

não,
é solene. é tristeza que pergunta ao mundo
ei, cara, para onde estamos indo?

é solene, eu repito
é um não-saber que se conserta num vinho
com amigos
num queijo pela manhã sendo mordido
num sono profundo que me apaga um segundo
este mundo

preciso,
não deixo jorrar todo o abismo
dentro de mim ainda algo pulsa
querendo jogar-me do alto
querendo me fazer ser menino
aleatório

capaz de flertar com o mundo
sem cerimônia de perda
ou medo de retaliação.

eu volto
passada a última noite
e ainda estou aqui
os olhos já secos

administrando a rouquidão
do peito
sobre este mundo
apavorado.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Tombares

Como nunca antes
Tudo agora está mesmo
Nebuloso,

É difícil ver com clareza
O caminho não se revela
Resta o ser agonizando
Tentando ser um só.

O caminho como nunca tortuoso
No caminho como nunca saltam corpos
Não para o se perder
Saltam corpos no caminho
Como fossem corpos balas
Como corpos pudessem ser
Ao mesmo
Quem atira e quem mata.

Não é tão simples assim
O dizer.

Nas palavras morrem sentidos
Com os quais só mesmo
O silêncio é capaz.

Seguir tentando
Oscilando o corpo entre um
E outro
Tombo.

Medo.
Do que no tempo é capaz de morrer.

Não sendo ele quem mata
Mas sendo tempo o espaço
Do matadouro

Tempo-espaço propício para o choro,
Eu não quero mais.

Medo.
Neste segundo e num outro,
Passageiro.

Origem

Dou-me o tempo de uma música

Apenas

Para vir tentar dizer

Alguma coisa que valha

Isso que nem por inteiro é possível

Compreender.

 

Eu fiquei me perguntando

Quando caímos na cilada do amor?

Porque depois, eu devo dizer

Tudo a isso converge

E é impossível pensar na vida

Sem amor dizer

Sem amor fazer

Ou pelo menos

Sem ele sofrer.

 

É só o tempo de uma música

Depois eu abandono a tentativa

Eu abandono a mim mesmo

E deixo que a estrada me diga

Quais caminhos escolher

Quais olhos deverei ver

Se quiser em mim deter

Outros peitos

Outros amores,

Amores sempre hei de deter.

 

É um risco que eu estou tomando

Tirando

Arrancando

Para todos os lados que eu olho

Eu me surpreendo com o tal do amor

Porque ele é tudo

Ele é tudo

Você me entende?

Tudo.

Entende?

Tudo.

 

Entende?

Você

Entende o que eu quero dizer?

Para qualquer lugar que eu olho

Eu simplesmente estou pensando

Em você

Sobre ti

Tudo em mim se derruba

Tudo sobre ti se acumula

Sem você saber

Sem você imaginar o tamanho desse peso

Que virou meu amor

O tamanho desse peito que cruza por você

E você

Descrente

Sequer pode compreender

Que peito inchado desse jeito

só pode ser mesmo por você.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

per-for-man-se

se eu tremia? sim, eu tremia.
se fazia frio? sim, ao menos dentro das minhas mãos
ao menos dentro delas sim fazia frio
fazia muito frio

se eu sei o que foi? não, não saberia
nem soube antes nem na hora nem no instante
fui desfilando o não-saber como música tema
da minha atual agonia

mas boa, sabe?
agonia que desvenda
que eletriza
agonia que te serve primeiro para firmar
que há vida
corrediça, sim, corrediça
mas há vida
compaixão entre as partes
refazendo sempre mais e mais rimas

deixe
deixe que olhem
deixem olhar o susto
eu exponho meu corpo
neste e noutro segundo eu exponho
pois da exposição ganho mais de mim
consumo meus medos
relativizo meus freios
e fico incrível

justamente por não sê-lo
justamente por ser cru
estar nu
ser a febre
o asco
a acne
sem beijo
tudo isso
assim
também
eu sou
posto passageiro

sábado, 2 de outubro de 2010

não há lugar para o tempo, por isso ele corre, está em busca

nao-lugar-03 nOLIUGe nao-lugar-01 nao-lugar-02

essa gravação é impossível

queria ser tão concreto
mas não consigo
o som lá fora me perfura
e eu não posso me deixar
assim
desesperado a procura de algum história.

não se assuste
está tudo bem, a vida é boa
não consigo
creditar
escrever
não consigo ser isso
que estou sendo
isso assim aqui disposto frente a vocês.

dentro de mim o sangue corre e dele evapora
toda gota de energia
todo desejo de loucura

não, não é o meu novo projeto
(censuro-me)

é assim como a vida em mim se deu
aqui a disposição obedece ao início da roda

sim, muito cedo
acordo às 05h30

e estou só, querendo dormir
abraçado ao meu próprio meio
e escrevo eu tô só
mas isso é automatismo
isso é poesia viciada
que volta todo dia

ao menos uma vez
vem ela toda usada, batida da rua
atirada

vem o verso maldito do ser só
da solidão inevitável
e creu
agarra-se a sua obra
as suas linhas
como eu em busca de um sinônimo para o sinônimo

gaga

daqui a vinte anos, lady gaga estará gaga

_under drugs

se ele está em cena, a cena acontece

ele é foda de presença
ele faz um número

vestido de

travestido, né?

só que esqueci o nome

enfim

a diva

fazendo uma dublagem

o número que ele faz
ele respira junto com a música

what i was saying?

ah, yes
when you’re felling alone
those angel voices

tira isso

tira

gente

ele fica inventando tudo assim na hora
olha o que ele escuta

a lady gaga tem um lado cardinal

marginal

dá um blue

um blues!

o cê é o que emplaca

com certeza, antes disso foi jóia
aquele que tem talvez moreno
ele vai falando do filho
meio

parece a construção
muito construtivista
essa coisa de mexer com as palavras

ele acha que uma talvez júlia pode ser uma não sei porque
um peido

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