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quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Suores

esse tal desejo se quebrou  tanto o usei
Precisei cansar-me
Em primeiro lugar
De só a ter para mim,

E em segundo,
Cansar-me também
De só em você me ter.

Agora aprendi
O prazer inigualável
De poder te ter
E não te tendo
Ainda assim
Livre me ser,

Aprendi só agora
O saber-se livre
E também que caso
Dependa de mim
Posso eu de você
Não depender.

Agora sim,
Posso outros braços colher
Outros beijos tecer,
quebrou-se  em mim pedaços
Em outras camas
Posso eu agora romper
Esse desejo reservado a ti
Esse intenso desejo
De vendo você em mim
Ir ao fundo e me entender.

Agora não,
Não é somente com você
Que compartilho meus trilhos
Meus medos
Meus sorrisos,

Há outros seres
Outros seios
Outros pedaços
- uns sim, passageiros -,
Nos quais me deitei
E que agora,
Reivindicam com sede
O cheiro do meu suor.

Estou colando
Em outras peles
Que não a sua,

Desovando em outros ninhos
Que não no seu,
Nebuloso mórbido e
Silencioso
Espelho para a alma.

Precisei-me gastar em você,
Sobre a sua forma
Para desnudo me ter
Medindo o tamanho
Do corpo
Tocando a textura
Da pele

Para ver-me agora assim,
Absorto diante da minha
Camaleônica
Multifacetada
Linha de gracejos.

Eu precisei me desentender
Com você, apenas
Para nisso encontrar
Minhas iras
E nelas revelar
Outras milhas
Que adentram minha
Profunda agonia em ser.

Agora, sim
Desejo outros fins
Pois o começo em ti
Eu tive,

O começo, em si
Detive.


 e agora  você precisa juntar  tudo  e redispor em mim  outro arranjo de dores

E a seguir,
Ao ver em meus olhos
Outros refletidos
Saiba que são outros inícios
Nos quais vou me ter
Até que feito isso
Possa eu de você
Independer
E sendo assim
Ser-me o que você, sobre ti,
Ajudou-me a conhecer.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Morrer, portanto viver.

Possa eu viver
Ainda nesta vida
Anos demais
Em poucas horas.

Possa eu correr
Ainda neste dia
Horas além
Das permitidas.

Possa eu amar
Sujar-me
E me arrebentar

Estrepando-me
Entre muros vizinhos
E murros precisos
E suando entre beijos que eu não queria dar,

Eu espero
E peço
E corro atrás
Do que possa ainda me invalidar
Do que possa ser excessivo
E que me machuque
E me faça sangrar.

Pois
Eu cansei das linhas
Eu cansei do contorno
Eu cansei de só cansar
Eu por isso, desejo
E quero no dia seguinte pegar
O telefone
E nele o número
De um desconhecido ser
Discar.

Quero com outros corpos me encontrar
Quero neles beber
E a eles, saciar.

Eu quero-o, hoje.
Pois é somente hoje
Que meus verbos são ação
É somente hoje que tenho certeza
Sim, bate-me o coração.

É somente hoje que posso ler aquele livro
E somente hoje que posso eu, me lembrar,
Do que eu fui,
Pois hoje é preciso ir adiante
E saber-se antes
É uma maneira de seguir.

Que eu não queira morrer,
Apenas.
Mas que queira,
Sim,
Morrer por tanto viver.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

O meu amor está fatigado

O meu amor está fatigado
Cansou-me o corpo
Tanto o fez respirar
Demais
Ou pouco.

Fatigou-me o pensar
E já não sei mais o que é seu rosto
Pois tão belo quanto o vivi
Também diversos foram os meios
Pelos quais me fez te beijar.

O meu amor não soube perder
E por isso, não tendo você
Tragou-me na dor
Por não poder em mim se ser.

E na dor, meu amor me matou.

Cegou-me o olhar
Quando diante de pequenas outras rosas
Eu não as pude diferenciar.

Matou-me os meus sentidos.
E já não mais sei como proceder
Como determinar
O que eu sinto
Do que outro me faria apreender.

Pois o amor facilmente se converte.
E se a sorte do dia não o favorece,
O sorriso ironiza o tropeçar
E o charme do titubear
Vira a grosseria do não se saber posicionar.

Fatigou-se, esse amor.
No tempo em que exigiu de mim resultados.

E assim, posto amor vencido
Agendo na vida o mesmo espaço
Noutro tempo amadurecido.

E quando a frente chegar
Melhor e por outros amores mais fatigado estarei
Conservando na memória
A imprecisão dos olhos seus que, hoje
Por tanto te amar,
Acabei por esquecer.

sábado, 19 de janeiro de 2008

Café aos pedaços

Encontraram-se na cafeteria. Era tarde. Tarde chuvosa, daquelas em que os pés se molham por inteiro. E a paciência oscila como numa corda bamba, entre se perder por completo ou apenas balançar, estremecer.

Então, ele entrou. A porta da cafeteria era de vidro, lustrado. Ao cruzá-la, ouviu aqueles pequenos sinos que diziam a todos no café que ele estava ali. Que diziam a todos: "olhem, o sacana chegou. Vamos ver se é ele o responsável por aquela moça que já engoliu vários sachês de sal".

E era. Ele era o responsável por aquela lástima que se desprendia sob lágrimas, inúmeras lágrimas, do olhar doce e ferido da moça de mãos trêmulas. Avançou e, agora, sentava-se ao lado dela, digo, a sua frente.

As mãos dela realmente tremiam. Os dedos tentavam afastar deles mesmos os resquícios de sal. Mas não conseguiam. Então ele agiu, esticou também suas mãos sobre a mesa e comprimiu as duas outras, perdidas. Por um segundo ficaram ali, deitadas, ouvindo-se, enquanto o calor entre elas se dispersava através do mármore da mesa.

Ele estava mais justo, naquele dia. Foi então o primeiro a falar. Pensou que ela não teria nada a dizer, que he restava apenas chorar. E ela não pareceu desmenti-lo, pois conservava no gesto uma tristeza delicada de se descrever (exceto talvez para os curiosos que, naquele dia, tomaram mais cafés do que o normal).

Disse: "já não podemos reverter nada. Mas tem uma coisa que eu gostaria de tentar, se não reverter, pelo menos resolver...", silenciou e voltou preenchido de novo ar, "é que me faz mal te ver assim", disse "mesmo", suspeitando que ela fosse duvidar.

Na altura em que estava, na umidade em que se afogava, não poderia discordar que sua presença fosse realmente dolorosa de se ver, de se compartilhar. Por isso sentiu mais dor. Ele voltara ali para dizer, depois de tudo, que incomodava vê-la assim. Pensou, contando segundos como lágrimas, "eu sou assim. Não há outro assim. Assim eu sou e é desse assim que ele não gosta".
Suspirou. Ele apenas observava o tempo secar as gotas que desciam leves, daqueles olhos que diziam tudo sem dizer nada. Ela puxou suas mãos de volta, ele cedeu. E então a bondade reverteu-se em ironia. A imagem que formavam para quem quisesse ver, era a dele, de mãos esticadas, rumo à moça que limpava os olhos e fazia-se bela novamente.

Foi um silêncio em toda a cafeteria. Ela se levantou. Como se tivesse sido esvaziada do resto de amor que parecia, minutos antes, romper-lhe o peito arfante. E ele permaneceu calado, porque não havia nada a dizer. Era ele quem deveria amenizar a dor dela. E ela, no entanto, parecia curada.

Então o garçom veio. Sabe-se lá se foi combinado ou não. Trazendo uma xícara branca dentro da qual café preto fumegante volvia sem parar. Não sabemos também se o garçom sentia pena da moça, ou se estava seduzido pela repentina mudança de sorte da mesma, mas de qualquer forma,
suas mãos cederam e a bandeja com a xícara branca com café preto também cedeu.

Foi o tempo de se virar. E virando contra a mesa, o café foi derramado. Foi no tempo. Ela voltou o olhar. O homem sentado com as barras da calça encharcadas, agora estava paciente. Esperava o café descer-lhe o colo até repousar na sua porção ferida.

Piscou os olhos e lançou sobre a mesa o dinheiro do café. Em seguida, muitos goles foram dados. Uns ou outros tragaram. O garçom, assustado, tentava secar o colo do homem sentado com sua flanela, ao mesmo tempo em que só tinha olhos para aquela.

Os sinos tocaram. A moça partiu. Ele sentado à mesa cujo mármore esfriara, se sentiu estranho. Pediu outro café. E quando ameaçou juntar as moedas sobre a mesa para pagar as bebidas, o mesmo garçom da bandeja que cedera falou:
"fica por conta da casa".

E num gesto comovido e discreto, escondeu dentro do bolso úmido da calça, a última importância que seu ex-amor lhe dera. Era ele ali, um mero servo de amores passados. Um homem solitário debruçado sobre a mesa de uma cafeteria. Quem entrasse, indagaria: "quem será a responsável por aquele rapaz que já tomou xícaras de café?".

E não havia ninguém. Agora, era ele ali e o sol lá fora. Ambos tímidos no amanhecer de outra tarde que adormecia.

A Limpeza das Horas

02:19. Madrugada. Frio que pouco incomoda, mas que o faz, mesmo assim.
Meu corpo dorme. Encontrando em posições desconfortáveis a morada para o seu sono. O sono de suas partes, visto que umas dormem, enquanto outras resvalam. Meu olhar, inquieto, tenta manter-se desperto. Entretanto, sei que dorme. Aceso, ele dorme. Como um acesso ao mundo através de portas redondas pintadas monocromáticas e 24h. Sou madrugada, eu já o disse. Entretanto, o que faço acordado?, é a pergunta que persiste.

Os olhos demoram a acordar. Sempre o fazem depois de tudo acontecer. E nesse dia não foi diferente. Quando era necessário enxergar, eu não pude. Simplesmente, não consegui, ainda que com meus olhos abertos. E depois tudo passou, como sempre ocorre. Tanto aquilo que eu queria ter visto, bem como o susto que levei exatamente por não tê-lo feito, tudo isso havia partido. Se fora. E o que restou, perdido naqueles instantes do tempo, a eles pertencem. Como os ponteiros cabem ao relógio, não cabe a mais ninguém, exceto ao tempo, a limpeza das horas que ele mesmo consome. Com sua avidez habitual.

11:16. Manhã. De pouco sol, muito pouco sal.
O corpo e seu olhar já acordaram. Quase que ao mesmo tempo, como bem se sabe. Mal se acorda e logo se nota que chegará atrasado. Entretanto, hoje, a manhã que veio trouxe consigo apenas uma pitada de sal, que deve dar conta de todo o dia. É pouco, pouco sal, repito. Por isso, sempre quero jogar-me em meio às ondas do mar que, de contínuo, avançam sobre a terra. Proclamando o seu futuro.


Esse trabalho pertence ao tempo, a saber, o de limpar os restos das horas consumidas. E é um trabalho bem mais pesado do que se pode imaginar ao ver os ponteiros dos relógios do mundo inteiro avançarem sem resistência. Por ser pesado, sabe-se logo, que uma imensa força realiza esta tarefa, a de limpar o que restou aos pedaços após passada uma hora, um segundo sequer. E por ser pesado, como estava afirmando, sabe-se que nem mesmo retirando todas as baterias e pilhas, sabe-se que nem mesmo assim, as horas deixariam de estar limpas.

O que há é uma espécie com transtorno-obsessivo-compulsivo, de limpar-se passado cada momento. Uma espécie, em evolução?, que dentro do próprio ato temporal, a contagem das horas, deseja manter-se limpa para a próxima medição. Há um desejo de que o próximo jamais perceba que as horas futuras são aquelas já passadas. Uma vontade grega no caminho da astúcia humana. O eterno-retorno. Um personagem redondo, sem arestas, sem excessos ou abandonos. O que há, nesses exatos instantes, é uma série de segundos não mais perdidos, não mais passados, mas apenas futuros, reciclados.

01:52. Outra madrugada. Venta muito. Toda natureza morta faz um som boboca.
Escrever sobre outra madrugada é escrever sobre a madrugada anterior. Por sobre ela, pois as condições climáticas são outras. E agora, há tanto vento, que sinto calor por ter me trancado dentro desse cômodo, evitando a revoada dos objetos domésticos, que decidem dançar e cantar quando há brisa. Preciso privá-los dessa liberdade. Pois se começam a fazer barulho, dançando e cantando ao som do vento, silencio-os porque temo o que os vizinhos possam traduzir dessa sinfonia tardia. Tradução cega, diga-se de passagem, visto que ao acordar, ainda mais o vizinho, já se sabe o que ocorre com seus olhos.


Mas, falava sobre as horas, e sobre o seu insuportável senso de limpeza. É um vício tão evidente, o de limpar-se depois de morrer, que o tempo deixa claro que ele passou mas que já está à venda de novo, fazendo ponto, atrás de um ponteiro novo, ereto no começar de outro dia. Mas não me diga que tempo é dinheiro, porque eu ainda não consegui comprar nem mesmo um par de horas novas para nelas agendar meu almoço e minha janta, tão em falta, ultimamente. Não me diga que tempo é dinheiro, porque se isso fosse verdade, aqueles relógios que ficam apitando, desesperadamente apitando, em plena avenida central, não estariam ali. Não por aquele preço.

No entanto, eu afirmo que o tempo passa e junto a ele, a sua mão também, devorando tudo em seu caminho. Hoje, olhando mais de perto as sujeiras das minhas unhas, revendo antigas cicatrizes que ele mesmo eternizou em meu corpo, foi somente hoje que eu estive certo que, a cada dia, ele passa. Como um ferro de passar roupas, mas que serve também para bronzear a pele, para assar a carne do sanduíche. O ferro para secar o livro molhado. Um ferro nem leve nem pesado. Na temperatura ambiente, no tato adequado. Dançando num movimento uniforme, como o do operário em sua rotina angustiante, criada por entre os baques dos materiais cortantes, que ele, habilmente, sem atraso ou cheguei antes!, manipula de forma eficientemente elegante.

Pergunto. Para onde vão as horas passadas? Em que vão se meteram que não as encontro? Não mais me sirvo das recordações de papel. Fotos, jornais, os filmes que nunca vi. São simulacros, vinho ao virtuoso. Nem cheiro adianta, porque ele se perde com o vento. E hoje venta tanto. Quero saber se elas transcendem. Se as horas que passam estão escondidas num lugar especial, aguardando um dia do fim do mundo para voltarem todas contra o tempo opressor. Ansiosas pelo regresso, trazendo consigo pedaços de cada abraço, de cada beijo, de cada filho que ficou. E o meu avô? Por acaso, nesse dia em que o mundo acabaria, voltaria ele, ainda que taciturno, imerso nas horas que um dia o tempo de mim levou?

11:19. Estou agasalhado. Lá fora, há um sol que não via há dias.
A manhã já vai se dissipando e é assim mesmo. Mal acabo de levantar e o dia já corre como se algo o espreitasse, querendo roubar o seu posto, toda a sua intensidade. O dia está correndo. Mas, de quê? Para quê? Eu continuo sem entender. Vou escrevendo sobre algo que, com o passar de si mesmo, pintará tudo com a cor inconfundível da memória. E mais tarde, numa inesperada restauração das lembranças já desgastadas, uma preta mão surgirá, pintando tudo de esquecimento, de passado. E é assim mesmo, por isso escrevo.


Estou atrasado. Não somente para cumprir todos os estudos programados. Também me desloco perdido dentro da vida, por entre seus espaços. Eu poderia mudar minhas horas. Alterar os minutos do relógio digital, voltar um pouco o ponteiro do relógio da cozinha, engordurado de tempo. Eu poderia, por motivos estéticos, não deixar que os segundos do meu relógio de pulso passassem dos dez primeiros. E assim, contar o mundo de dez em dez. Sempre na iminência do fim. Eu poderia alterar tudo isso, pois está tudo em minhas mãos. E dessa maneira questiono a vitalidade de algo intangível, mas que jaz como um morto-vivo sobre nossas costas. Chegar ao local marcado, dez minutos antes do horário em que parti atrasado. O que é o tempo, senão a fôrma incapaz de determinar o minuto exato de passar o café, beijar uma boca e de acionar uma bomba?

23:20. Minha coluna dói. Tudo parado. Às vezes, ouço o barulho de um carro.
É noite. Sabe-se pelo horário que escrevi. Entretanto, sem determiná-lo, saberia somente por estar escuro, que já estamos próximo do dia seguinte? Interessante. Sinto dores corporais que com o passar do tempo, espero eu, se tornarão amenas. Entretanto, há uma dúvida: minhas dores pararão através do tempo, ou em virtude de sua passagem? Limpe-se, limpe-se, maldito! Surgirá um dia em que seus ponteiros, como escravos que se rebelam, atravancarão suas próprias engrenagens torturantes.

Volto a esse texto, vários dias depois de tê-lo iniciado. Continuo sem tempo. Entretanto, dessa vez crio imprevistos para fugir da rotina, autoritária em demasiado. Durmo pouco, mal me alimento. Minha saúde é apenas estar vivo, nesse momento. Dorme-se um pouco mais e o corpo já ressurge moído, não se descansa, não se refaz; cumpre apenas um programado, no qual o sonho é proibido e o sono, trabalho forçado demais. E o que escrevo, muda essa condição? Faz-me voltar às horas, as quais me faltam sem interrupção? Por quê escrevo? Se isso amplia o que eu sou, mas também me reduz diante da forma e do volume que meu corpo tomou. Lutar com o tempo é achar a cura. Contra o tempo, seria loucura?

Anseio um momento futuro. Com riqueza nos detalhes, desenho o espaço, pinto as cores, esboço os rostos, expressões e faço presente a pulsão do imediato. Fecho os olhos em busca de uma poesia invisível e me movo através de alguns segundos que, para mim, só existem realmente se forem hipotéticos. É o tempo que destrói tudo? Ou nós mesmo que nos consumimos aos poucos, vivendo o próximo aniversário e quase nunca o presente minuto? É o tempo? Pois se o aceito como o meio destruidor, intangível que seja, então caminhando inversamente, recebo algo que constrói o que sou. É o que mais importa. Saber-se por inteiro. A todo o momento.

23:25. Sinto saudade. Dos amigos, da família, de algo que não tenho, que me falta.
Outro fim de dia ou de noite. Há vontade de voltar no tempo para colher mais abraços de quem hoje não consigo mais abraçar. Abraços poderiam ser como vestes, que mesmo amassadas pelo tempo, sempre podem ser vestidas. Não me importo que estejam amarrotadas, desejo apenas sentir-me acolhido em meio ao frio. Às vezes, quando preencho-me de ar, sinto que consumo alguns segundos da vida. São saborosos.

Penso em tempo pois penso na morte. E pensar na morte não é ser mórbido nem gótico, quiçá suicida. Penso na morte pois sou generoso. Não creio que ela pense em mim. Se o faz, imagino que seja apenas para planejar o tato com o qual me espremerá. Penso em morte e chego ao tempo. No passar dos segundos a vida se consome. Sem eufemismo, pois a cada segundo morre-se um pouco. Não sei ao certo o que significa viver. Não vivemos. Nós morremos. No tempo presente. Nós morrendo. Numa ação ininterrupta: vivemos morrendo. E é na morte que se vive. Agora e na hora de nossa...

05:24. O relógio está errado. O que importa? É manhã.
Em qual relógio devo acreditar? Será naquele que não conheço ou justamente naquele que ganhei quando criança, e que mesmo hoje, sem pulseira, ainda conservo guardado dentro de um relicário. Em qual relógio acreditar, quando percebo que a língua de um é o inverso do outro, quando percebo que na hora em que um faz uma volta, o outro já fez algumas pausas e espera ansioso, atravancado em seus ponteiro, para mover-se de novo.


Nessa manhã acordei em paz com o mundo. Desprendi-me das horas, despreocupei-me com o relativo atraso e cá estou eu, escrevendo em pleno momento de tomar um banho, ir ao banco ou fazê-lo ao contrário. Qual relógio seguir quando nenhum fornece o tempo dentro do qual procuro me adaptar? Qual tempo aceitar sem que para isso seja precisa subjugar-me as suas artimanhas? É preciso saber contar os segundos como quem conta os grãos de feijão, retirando-os do cesto os claros demais ou manchados, e deixando apenas os pretos mais lindos e saborosos.

01:18. O tempo vem como a morte. E como ela, também passa.
E as pessoas vão. E eu não quero mais falar disso, pois como o tempo, ela aí está. Hoje, encerro essa limpeza. Permito-me sujo ficar, viver assim e sendo assim, respirar. A sujeira que possuo é a do mundo, do seu tempo. As horas que se limpam deixam resquícios para que possamos aprender, apreender e recomeçar a ação no seu devido, outro, momento.

Quando começei a acompanhar a limpeza das horas, tinha mais amigos do que hoje. Alguns se foram junto às cinzas de seus tempos. Outros permanecem. No entanto, eu, continuo aqui, acompanhando o entre uma coisa e outra. Entre um ir e vir e voltando, penso eu, também posso rir. Olhar para essa trágica capacidade de se acostumar e ser-me de novo, como desejo passar. Os anos passaram, os dias também, as horas, sempre as horas... Eis-me aqui, sujo do mundo. Feliz, pois sujo desse mundo.

Esté texto foi escrito durante três anos, apenas para contabilizar o seu tempo de vida. Agora, persistirá na imortalidade virtual. Entrou para a Academia...

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Seu nome era Rita


Era, porque
Jogou-se do alto do prédio que um dia o pai
Construiu e assim
Morreu.

Mas o pai também morreu
Junto com a mãe
Um pouco antes de Rita
Morrer.

Os pais não sabiam que ela ia se matar.
Porque eles morreram antes.
E ela não fez carta de suicídio
Não tinha paciência para escrever.

Ela não fez o seu currículo
E logo não o distribuiu em loja alguma
Conseguiu um emprego numa
Lanchonete
Dizia que queria a cozinha
Mas só conseguiu o trabalho de
Entregadora
De caixa de pizza.

Era lerda, coitadinha.
E mesmo assim era quem ia
Da lanchonete até a casa
Do comprador
Da compradora
Até se fosse de sua vizinha
O atraso aconteceria.

Rita também era Pedreira
Desde criança foi chamada assim
O pai era pedreiro e criança é literal
Viu o pai com um tijolo
Achou que a filha era igual.

Rita Pedreira virou nome.
Era assim chamada
Gritada
Vaiada
Involuntariamente alguém que não se dominava
A culpa era dos outros, coitada.

Porque Rita era mulher do bem.
Tinha lá suas calmas
Seus tempos e medidas acertados
Eram menores, sabe-se bem,
Do que o normal,
Mas isso era normal,
Se bem que só para ela,
Tudo bem.

Rita Pedreira aceitou-se como pedra!
De tanto ser vaiada, gritada, espremida e modulada
Virou a pedra que todo dia estava parada
No meio dos caminhos
Atrapalhando o percurso de uma gente que corria
Corria tanto
Que a fazia enjoada.

Rita, coitada, estava cansada.
Não de correr, não de varrer, nem mesmo do cheiro da pizza
Que já a impregnava.

Rita estava cansada
Era de ser pedra!
Ora essa, ela mesmo dizia
Chega uma hora que a gente fala
Eu tô cansada!
E resmungava um Ah! interminável...

Rita um dia foi fazer uma entrega
Estava transtornada
Saudade dos pais
Cansaço existencial,
Não sabia que era esse o nome,
Mas era o que sentia
Cansaço,
Quase uma preguiça
De ter que curar tudo o estragado em sua vida.

De ter que buscar no passado,
Tudo o esquecido
Tudo que desmentisse
O que diziam que era ela
Assim, uma pedra.

Acontece,
Que por força do destino
Ou por vontade do senhor Jesus, que Rita lá não acreditava muito
Então
Em virtude dessas virtudes
Enfim
Rita acabou-se por ser o que se não era:
Uma pedra.


Pensou, pensou, refletiu, chorou, gritou
Tudo isso no dia em que esbravejava sem ser escutada
Pois subira no topo do prédio
que um dia o pai preenchera de argamassa.

E lá no alto, concluiu
Rita Pedreira Desafortunada
Que pedra não chora
Que pedra não fala
Que pedra, pode ser
No máximo, bancada.
Que pedra, na pior das hipóteses
- a dela -,
só poderia ser jogada, arremessada...

E assim jogou-se do prédio alto,
Louca para espatifar-se em mil pedaços
Deixou nos instantes seguintes ao pular
De ser Rita Pedreira
Pois não conseguiram reunir todos os seus pedaços
- escreveram os jornais -, na tentativa de encobrir o fato
de ninguém os ter procurado.


terça-feira, 15 de janeiro de 2008

O que há de novo ao meu redor

ainda é o mesmo
mas é permitido agora
ao meu olhar
ver com outros olhos.

de novo
ao meu redor
aquelas mesmas teias
no entanto
olhando-as agora
me parecem mais fortes
feito veias
nas quais corre a vida
até secar.

ao meu redor
o mundo diz ser o mesmo
o meu olhar porém
menos conformado
teima olhar diferente:

vê sangue onde flora perfume
e morte onde havia
seu eufemismo
solene, eufemismo
do morrer-se um pouco a cada dia.

haver de novo
para certificar-se dessa existência
dessa presença
desses corpos saltantes
que pulam e se jogam
até desaparecer.

o que há de novo ao meu redor
é tudo aquilo que escolhi não ver

que escolhi não ser
que escolhi,
mas que agora
a mim reinvindica
sua existência
seu insistente pulsar

e não mais chorar
e não mais sangrar

viver na totalidade do se despedaçar
a morte não como fim
mas como curso
dessa vida que se diz
e se dizendo
jaz de novo ao meu redor.

meio do mês

não desejaria felicidades para este ano
mas sim totalidades
e não mais pedaços
e não disfarçes

ou um beijo
ou um inteiro
não mais metade
não mais salto
e incompletude
não mais meio

desejo inteiro
como direito
como carência
como defeito
de não saber amar aos poucos.

a terra continua em transe



há muito do quem sou perdido por aqui...

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