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domingo, 25 de junho de 2017

Êxodo

Tudo escorre.

Sem sentido nem direção
tudo explode, hoje,
tudo explode.

Com a calma cirúrgica de um ancião
ela mira o seu liquefazer.
Há tanto nisso que te escorre
ela te diz.
Você?
Você segue escorrendo sem nada reter.

A sua inconsequência
a sua inconsciência
a sua destemperada descrença
de que as coisas são o que são
e não apenas aquilo que, num dia,
poderão ser.

Você nada. Como reter?
Tudo explode tudo escorre
você sem compreender
É a sua ignorância que também vai
ralo abaixo
profundo
pro mundo

Ela te observa
você sem palavra.

Tudo sai tudo quer de ti correr.

Num instante relâmpago
você se pergunta a única coisa
que precisa para sobreviver:

por que foi que eu me tornei essa terra arrasada
esse terreno vago essa coisa insensata?

Mas é tarde.

sábado, 24 de junho de 2017

Caixa

Sem proteção
Sem reserva
Uma calma, talvez
alguma coisa outra
Outra mesmo
enfim
Não saberíamos precisar
apesar da necessidade.

Sobre a mesa
esta caixa
Vocês conseguem ver?
Eles se entreolham
como se nessa caixa
pudesse algo haver.

Não há.
Nunca existiu.
A caixa é um convite
para o mundo que ruiu
se refazer
se desfazer
e guardar - nela, sim, nela -
aquilo que talvez importasse.

Hoje é domingo
sábado?
Domingo?
Como lidar com a falta de sorte?

Amanhã o dia será penoso.

De antemão, eles preparam
as ciladas para o asfalto negro.
É tarde, sentem fome
sentem medo.

A caixa, porém, sobre a mesa
nada sente.
Ela sabe
sentir é depender.

Por quê?
Eles se entreolham confusos.
Por que, humanidade?
Por quê?

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Reescritura

Cinza?

Oh, não.

Cinza não.
Tinha outra cor ali.
Alaranjado verde
Meio assim confuso
Feito os olhos de algum
Amor hoje passado.

Dizia muitas coisas
O muro dizia.
Sem início nem fim
Muro ao meio
No meio dos caminhos
Eu fagrei.

Nada liso. Nada dado.
Tudo sendo refeito
Nessa cidade
Tudo em continuação
Nada parado

Como o meu amor por você.
Assim como o meu amor
Por ti.

sábado, 10 de junho de 2017

Alguma revelação sobre o Isto

Amor.

A princípio, apesar da beleza
Apesar dos sorrisos
Sempre um risco
Sempre abismo.

Amor sem ponto final,
No entanto, desfaz precipícios.

Amor reticente
Condizente
Amor contextual
Embora presente.

Eu confio, amor,
Que o amor não seja você
Nem eu.
Amor para mim, amor,
É habilidade para ser.

Estou amor.

Contigo e com outros mais.

Não me represse, amor,
Quero surfar nos corpos
Nos abraços quero deitar
E acordar, amor, trocando os lençóis
Para te encontrar.

Posso? Ser amor sem firmar sentido?
Posso eu? Amar você como um instante
E depois não mais?

Amor, amado.
Hoje eu te amo
Amanhã amo o outro

E no meio disso
Não há descaso.

Continuo disponível.

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Aquilo que você me oferece.

Penso sobre as flores.
Observo as que pendem
dos galhos que atravessam a janela
E floreiam o dentro cá de casa.

As flores, observo-as,
enquanto dentro de mim
um rio de palavras
corre e adultera

a margem do que eu já sabia.

Elas estão ali.
Preservam o já sabido
mas é em meio ao vento
que uma pétala toca a outra
e nisso abrem-se
sorrisos nunca antes vistos.

O seu amor, corazón
Faz em mim a mesma coisa.
Escreve outras formas de enlace
Me convida, sempre renovado,
ao encontro-embate
do abraço.

Penso nas flores.
Eu quase as chamo
para que invadam a minha sala
e me comprovem, de fato,
que há muitas formas
de ser quem se é
e de continuar amando.

Elas estão aqui.
Eu lá. Lá no longe
não porque fora daqui
mas é porque no longe
eu me vejo renovando
o que é para mim
aqui
agora
ser
e
estar.

Penso nelas. Penso em mim.
Penso em você.

Penso como quem dança.

Não há melancolia.

O amor - sem nome - que nos encontra
precisa sempre de novo nascer a cada dia.

É isso o que temos.

Que bello.

sábado, 3 de junho de 2017

Detalhe

Sigo um pouco vivo.

Eu fico

Parado.

Respiro, é certo,
mas permaneço quase imóvel.

Não me descabelo
Não perco o tino
É só que não vale à pena tudo isso apenas por você,
menino.

Nem é desprezo, ok?
Não é jogo nem tortura.

É só que quando a idade nos chega,
perde graça morrer um pouco a cada esquina.

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