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terça-feira, 31 de julho de 2012

mais uma criança com cheiro de mundo ---


acesse: http://mostrahifen.blogspot.com.br/ ---

onda

sento e escrevo rapidamente o que me bate.
poderia talhar a pedra
e fazer do livro
real embate.
mas não,
não sei disciplina
sei apenas
adeus lento
à redundante
auto-comiseração.

é só como eu me sinto

http://dc471.4shared.com/img/rOwPBO4X/s7/Imagem-Arrebatado_-_by_AL_.jpg

translado ao espelho

http://2.bp.blogspot.com/_-e7rOV5Y8rY/TRo23cq4EhI/AAAAAAAAABU/vC_gI2SMkIc/s1600/Irremedi%25C3%25A1vel.jpg


fria incerteza

está dura
consumada.
eu já sei a resposta
eu não adianto mais
eu me perdi
da possibilidade
de nada saber
de apenas viver
a me embriagar
esquina à
esquina.

tortuoso dia,
por que me fere
com sua realidade
despida?

se abro os olhos,
vejo íntimos
gritando seu socorro
em silêncio
mentido.

se fecho os olhos,
pior,
dentro de mim
o mundo pede abrigo
e me dói as pernas
ter que aguentar esse jogo
sem juiz
nem tempo.

vivo de acréscimos,
hoje apenas.

me dou mais uma chance
para ver se me tranquilizo
na incerteza fria
que é saber
se tratar de tudo isso
meu destino.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Shape

Pisei sobre um lápis.

A ponta não quebrou.

Sentei-me a cadeira.

E pensei:

Lá vou eu escrever para bater meus próprios recordes.

Lá vou eu escrever
para acumular poesias,
enquanto azia mesmo
Enquanto azia,
mais em mim se faz a cada dia.

(quem me olha)

Pensei que já é hora de mudar alguma coisa irremediável na minha vida.

Pensei se devo parar com as drogas

Pensei se não seria o caso, simples, de abortar o meu sorriso

A ti, destinado

Pensei muito, como se vê

E cheguei a seguinte conclusão:

Essa coisa irremediável tem por nome a própria

vida

.

Matarei o vício quando cruzar o céu e estancar sobre o concreto

cimento

de cada rua

de cada esquina

e rima.

A borracha descansa ao lado da caneta.

Nada se podem, uma com a outra.

A primeira descansa

Enquanto a outra quer dançar.

Desveste a tampa

Descasca o rótulo

A caneta impera sobre a madeira da mesa

Querendo dançar a palavra “ópio”.

A borracha, na sua indiferença sepulcral

Suja de mãos que a usaram

E fizeram pó

A borracha

É um ser incomum

É um ser feito a infância

E arredio a certeza de um tempo.

A borracha

É cama para os seres em tentação.

me distanciar de mim

A cerveja estava estragada.

Eu não soube disso antes.

Eu soube disso agora, apenas

Mas a consciência para o hoje

Só desembarca amanhã,

Feito novidade.

A cerveja esteve podre dentro do casco envidraçado.

Eu bebi até o fim

Querendo me distanciar de mim

E voltar

Para o líquido

Amniótico

Da mãe

Pássaro.

Que triste a sua história.

Um dia alguém poderá até me dizer.

O amargor do não vivido

Se converte em estrela sem tradução

Previsível.

A rua chama o carro

As linhas medem os ritos

Eu não sei

Por vezes

O segundo quer calor

E vira filme.

Eu queria

Voltar a você

Encostar no abraço

E me esquecer.

Eu queria em ti,
me esquecer.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Fôrma


                Eu viro a taça até o vinho acabar.
Eu sinto o gosto das uvas mortas,
eu as quero provar.
Eu provo.
Eu descubro: que tudo está mesmo morrendo.
E que isso, pode, ao menos, ser prazeroso.

No Doubt


Se você perguntasse aquilo que sabe
– vai me perturbar –
Você perguntaria mesmo assim?
Se me visse com os olhos lá longe
com o peito ruindo
cansado
Mesmo assim,
você me convidaria ao esporte?
Se um dia,
eu lhe dissesse não posso,
não por não poder
Mas dissesse não posso
Porque não posso com isso
não posso com seu convite
Mesmo assim,
você insistiria em me ter
com você?
Nosso fim é romance inda não esboçado.
Espero durar o suficiente ao seu lado.
O suficiente.

Aquilo que nunca era.


Então os poemas me olharam.
Todos.
Foram todos que olharam minha face sonolenta
E ao mesmo tempo
Todos
disseram:
É esse,
É este daí,
É este o cara que nos faz e põe aqui.
Por um segundo não acreditei
Mas no segundo depois,
eu neles me vi.
Todos.
Ao ar lançados.
Voando no tempo
sem corpo,
Sob o risco iminente
de serem apagados.
Olharam-me
todos eles me olharam,
E então,
Descobri outra grande revelação:
a cerveja está me afastando da poesia.
Já o vinho,
não.

Sempre me esqueço


Poderia ser sobre qualquer coisa,
a ira que o mundo em mim procria
É imensa e capaz de matar
Tanto o mundo,
quanto a sua apatia.
Mas com calma
eu destilo sob verbo-forma
A possibilidade de fazer deste balé dos dedos
Outra coisa mais proveitosa,
Outra obra mais rancorosa.

Talvez quem sabe


Se se morre de amor?
Não sei. Nunca me fui
ao caso.

O dia em que...


Toda noite eu me digo,
Hoje vais dormir cedo.
Já são 01h35 nesta hora em que escrevo.
E mesmo assim,
nenhuma poesia teima em me visitar.

Riqueza


Enquanto sofro a quantidade,
o mundo chora o pranto rico de suas possibilidades.
Enquanto me gasto sem fim e me ralo sem comiseração,
a possibilidade de ser gênio me engrandece,
só que não.
Eu queria, mãe, ao menos
ter quitado o gás desse mês.
Poderia assim usufruir deste ar,
e me deixar um instante.
Eu já nem sei.

mão dupla


Hoje quase morri.
Sem poesia que salvasse o instante.
Corri meia rua para fugir de um súbito assalto.
Mas não vi.
Não vi.
Que pela outra meia rua
os carros vinham do outro lado.
Pausei os passos.
O ônibus cheirou meus cabelos.
Pensei,
poderia ter morrido.
Mas não foi dessa vez.

Line


Engordo e emagreço,
Como se testasse no corpo
O peso capaz de amortecer
Uma
Ou outra
Queda.
Mais magro
Ou mais gordo?
Mais linha
Ou mais curva?
Mais você
Ou menos eu?
Dá no mesmo nó.
As palavras voltaram sozinhas para casa
Você voltou de táxi
E eu fiquei
Pela primeira vez
– inédito – querendo morrer
Atropelado.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

relato ---

me dei a obrigação de durar um pouco mais sobre aquilo que facilmente me comove
e que facilmente de mim eu afasto.
cansei de falar bonito.
minha prosa de fato é incrível.
eu sei.
mas quero usar tudo isso
para cavar abismos
e plantar soluções.

estou me irritando de uma forma que não pensei fosse possível.
por isso me obrigo ao cansaço
por isso me esfrego a face em frente ao tiro
que seja
que morra
que eu morra
o meu cansaço não tem jeito
eu não quero fama
nem muito dinheiro
eu quero dizer
que apenas
a morte
é o tiro
certeiro.

por isso vago
e aproveito a vaguidão dos dias sobre este mundo
eu vago tranquilo do tombo
porque o tombo é o tudo
é o que pode haver
não
não me estranhe
não simplifique
apenas fique ao meu lado
hoje
que seja
fique ao meu lado e venha perceber
como não há muito mais coisa para além disso.

criei já meus filhos.
e outros não cessam seu nascimento.
criei todos eles e ainda agora
junto a mim
e aos outros
eu os tenho.

o trabalho não vai cessar.
mas os olhos
a vista
tudo se parte
e ao meio
fica.

eu quero dizer
que a minha morte
talvez como a sua
é uma questão
de segundos

sejam eles poucos
sejam eles
muitos.

calor

sinto um calor agora
estou pensando se devo me escrever a mim mesmo
se devo escrever
sobre este momento
para amenizar um pouco
a sensação de ver tudo indo
e eu ficando,
perdido e desorientado.

eu pensando se devo fazer poesia ou trabalho
se um dia conseguirei ser o que sou
sem que para isso eu precise me mutilar a cada passo
dado
não sei
sorteio o meu destino
quero ser mais tempo
e menos espaço.

estou quente
a camisa preta assegura o calor que quero perder
mas se fico
nisso aqui entretido
pois se fico
conservo ao corpo
a irritação que nunca quis deixá-lo esquecer.

eu sempre querendo me judiar e me fazer comigo mesmo aprender.

eu querendo sempre me fazer maior e mais forte que o tempo.

estou cansado
e tanto ainda por minhas mãos acontecendo,
tanto me esperando
tanto me puxando
me amando
tanto me comendo,

queria hoje, mãe, de novo
ser música

ser salto e voo
ser pulo e todo

as palavras morrem fáceis na minha mão
o que desejo delas
é improvável

elas me olham
neste instante
e eu sei
querem me dizer
as palavras querem
me dizer:

você hoje
assim como ontem
não terá solução.

contente-se em estar vivo
e ter pernas para ir à janela
e fazer o vento entrar.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Epifico

Toda vez que o silêncio me chega
E frente a ele eu não me comisero
É pois como se no invisível do encontro
O baile "eu nu mundo"
Despisse seu ornamento aderido
E fizesse da fala

Apenas arrepio longo e vigoroso
Choque brando
A mover pelos
E agir abortos,

haverei então de brindar o mundo
com densidade de lágrima
Brusco atingida:

Haverei de tocar o mundo
Por inteiro sem mover o olhar
nem mais rima

O mundo por vezes me habita
E nele é onde por vezes
Eu quero durar.

Bétula

Olho o sol
Hoje
Não como antes
Cruzo a vista ao todo visível
E ele me atravessa
Me agiganta
E embriaga.

Que força escorre em sübito olhar
Que traço invisível
E torto
Rodeia o instante preciso no qual o corpo reluz seu repentino arrepio

Fico
Ali eu fico
Num movimento
Preso e querido
Eu fico

Pois o céu fica acima da cegueira
E tem pele textura de planta.

terça-feira, 17 de julho de 2012

informe

no mês junho de 2012

o autor deste blog engordou alguns quilos

isso é motivo de comemoração

 

motivo da engorda:

troquei a marca da insulina e tendo que comprar uma insulina mais cara, parece que a coisa toda funcionou dentro de mim

 

sem mais.

domingo, 15 de julho de 2012

Crossin'

Laranja te vejo
Ligeiro e perplexo
a sua calma recebe o mundo
Hoje
inteiro.

Que poesia é a sua certeza da morte.

domingo, 8 de julho de 2012

antes de dormir

o doce mastigo
bocejo o sono
da semana
ainda não consumido.

estou tão cansado
que faço do cansaço
certo abrigo.

mas confesso:

queria nascer o amanhã
envolto em café de mãe
e perdido em surpresas
do periódico
que inda nem veio.

ah, vida

se eu te pego

nem sei como nos daríamos.

terça-feira, 3 de julho de 2012

o filho mais novo é sempre o mais abusado


Primavera leste é uma peça-enigma. Eu nunca a entendi. Ela desafia meu entendimento e, sobretudo, minha ignorância. É filho que nasceu de súbito, me fazendo perfurar o tempo em busca das palavras mais afiadas, sem medir dia frio noite ou calor. Nem sei. Tomei tanto café. Respirei tanta fumaça. Que nasceu uma peça fria e maniqueísta. Um tiro no pé. Cheio de pontos. Mas sem reticências para os costurar. Nasceu de novo e mais uma vez feito tentativa. Sobre esses três jovens protagonistas: eu tenho pena deles. Pena de sua burrice. Ou pior: pena de sua consciência não todo atingida. Sobre essa professora: queria que todos fossem assim tão ousados. Minha heroína desenhada a lápis HB. Um esboço sincero duro e sem medo de ser lapso. Primavera leste nasceu ontem para brindar o amanhã que ainda não veio. Mas sobre o que mesmo que eu estava escrevendo?


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segunda-feira, 2 de julho de 2012

UMA MONTAGEM INÚTIL, MAS ABSOLUTAMENTE NECESSÁRIA


Sobre o espetáculo “A Cantora Careca”, de Eugène Ionesco, com direção de Júlio Castro, apresentado na Mostra Mais 2012 do curso de Direção Teatral da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em junho/julho de 2012*.
Por Diogo Liberano**.

Escrita em 1950, na mesma época em que o dramaturgo irlandês Samuel Beckett escreveu a sua obra máxima “Esperando Godot”, “A Cantora Careca” do dramaturgo nascido na Romênia, Eugène Ionesco, apresenta um drama insólito sobre a solidão humana e, por extensão, sobre a possibilidade de faltar sentido a nossa existência. Em cena, um casal de ingleses (o Smith e a Smith) recebe para um jantar em sua casa outro casal inglês (o Martin e a Martin). Tal encontro, que não chega a um jantar propriamente dito, acaba por evidenciar os esforços distintos e desesperados por meio dos quais as personagens tentam assegurar não apenas o sentido, mas também sua própria existência.

Nascida como exercício de encenação na graduação em Direção Teatral, a montagem de Castro coloca o jogo atorial a serviço direto da dramaturgia de Ionesco. Não há duelos entre texto cênico e texto dramático. A encenação se constrói visando o drama expresso nas palavras: o que não é pouco e, sobretudo, não é fácil. A composição cenográfica (apenas cadeiras cobertas por capas escuras e acinzentadas), espacial (uma área cênica retangular com tipologia italiana) e mesmo da iluminação (marcada por uma luz aberta, que oscila entre ligeiros breus e momentos claros), colocam em evidência os corpos dos atores que, do início ao fim do espetáculo, são o caminho pelo qual nos guiamos e por meio do qual a dramaturgia consegue alçar voo.

O que parece estar em jogo nesta montagem é um desenho da própria existência humana enquanto tentativa de deter algum sentido que lhe dê chão e norte. No entanto, para que se evidencie a busca pelo sentido, Ionesco apresenta personagens no encontro com a falência de seus valores e lógicas (já arraigadas também em nossa consciência). Ou seja, ao invés de apenas destruir certezas e dogmas, a dramaturgia busca falir todo e qualquer sentido justamente ao confrontá-lo com a rigidez de seus limites, com a pobreza de suas próprias certezas. Assim, ao apostar numa encenação que consegue articular um bom desenho vocal entre seus atores, ao mesmo tempo em que um desenho fluido da movimentação cênica, Castro traz à cena um exercício que nos possibilita fruir esta excelente obra da dramaturgia universal.

Oscilando entre o preto, o branco e o marrom, resta aos figurinos conferir aos personagens uma caracterização austera, que por não se perder em excessos, evidencia de maneira representativa e sutil a proposta do dramaturgo. No centro da ação, esparsas movimentações de cadeiras e mesmo dos atores (que estão sentados em boa parte das cenas) desorientam a evolução da dramaturgia e nos permitem, assim, eventualmente sair da ficção para nos percebermos – como as personagens – sempre obstinados numa tentativa de organizar o fluxo de sentidos que segue surgindo e morrendo, em violenta aceleração, a nossa frente.

O que se anuncia então é a incapacidade humana de lidar com aquilo que se escreve por fora das linhas do sentido: a coincidência, o acaso, o devir, a surpresa e o desequilíbrio. É como diz o casal que se esqueceu casal: “Que curioso! Que estranho! E que coincidência!”. O ponto mais crucial, a meu ver, é observar como Ionesco opera a sua destruição do sentido sem que para isso seja preciso ser ilógico. Sua dramaturgia age potência ao trazer para o embate categorias que aprendemos a tomar como antagônicas: teoria, prática, ciência e experiência. Somos cartesianos ao extremo, só damos por existente aquilo que podemos provar. Ionesco sabe disso, naturalmente, e então leva ao máximo a máxima de Descartes: se penso logo existo, talvez por tanto pensar, deixo de existir, tamanha a odisséia que é o pensamento. Isso parece ficar evidente na evolução da dramaturgia. Há uma cena em que os casais discutem sobre a campainha que toca. Num dado momento, já não importa chegar a alguma explicação sobre existir ou não alguém que toque a campainha, mas sim se perceber vivo e presente enquanto autor de qualquer elucubração do pensamento. É preciso pensar para existir. Independente do que se pense.

A montagem, sem dúvida alguma, nos rende uma série de questionamentos quanto a nossa própria condição. Ao mesmo tempo em que rimos do absurdo de uma discussão (como, por exemplo, a conversa entre o casal Smith sobre o casal Bobby Watson e sua família de mesmo nome), ri-se também do absurdo ao qual estamos amarrados: a contradição da condição do homem que tenta ser repleto se enchendo de capital, conhecimento e caviar, ficando sem dúvida alguma ainda mais pobre, mais prepotente e parrudo. Em cena, os seis atores (os casais Smith e Martin, mais a empregada e o bombeiro) brincam a grande ironia de Ionesco, que localiza na nação inglesa o auge e a própria derrocada da civilidade humana. Os atores dão corpo a personagens incapazes de ser afeto e espaço à diferença (seja esta diferença apenas a de um bombeiro ou empregada doméstica), porque se movem pelo que já foi dado e não pela experiência do caminho.

Aprisionadas nesta busca (por lógica?), as personagens clamam, como fazem as crianças, por algum divertimento ou fábula que as possa tirar do marasmo (ou forca) de sua condição. O desenho de civilização que se evidencia a partir da obra de Ionesco (talvez um desenho turvo da realidade que nos brindou com ditaduras, fascismos e guerras) poderia ser quase um acidente, quase uma distração do homem que ao invés de permitir que a vida lhe fosse passagem, quis ancorar seu movimento e transformar seu tempo em verdade, em sentido-âncora. E, portanto, responde-se a tal ousadia como num desfecho trágico: via destruição e sofrimento.

Resta o corpo esgotado. Resta um corpo sobre cadeiras que já não sabe dançar. Que não responde ao tremor. É curioso porque ao mesmo tempo em que me fez falta ver o texto de Ionesco incitando o corpo dos atores para além de sua partitura vocal – ao mesmo tempo – me pareceu que o corpo engessado em sua inércia é também constitutivo desta realidade onírica e fantasmagórica que é ser humano. O corpo desaprendeu a jogar e se sentou. Sentado, o corpo se dispôs a falar, mas mordeu a própria língua e engasgou. Já não há nada ao redor da mesa de jantar, exceto um punhado de humanos a mirar seus pratos sobre os quais suas línguas se contorcem solitárias, fora do ponto e sem tempero.

No tocante à encenação, cabe destacar alguns pontos que me parecem determinantes em se pensando a fruição do espectador e do próprio jogo cênico. Em primeiro lugar, no início do espetáculo, vemos certa aposta num desenho formal dos movimentos por meio dos quais cada ator se dirige ora para a platéia e ora para o seu parceiro em cena. No desenrolar da encenação, porém, tal rigor parece se perder ante a profusão textual, sendo substituído por um esmorecimento físico que acaba por naturalizar o jogo cênico e dificultar a expressão daquilo que vem se acumulando desde o início da peça. Fiquei me perguntando para onde tais elucubrações do sentido se dirigem: apenas para o público (enquanto ficção) ou também rumo ao corpo dos atores? Em seguida, creio ser determinante investigar ainda mais o tempo-ritmo da encenação para que se traga às cenas um andamento que não seja pautado numa tentativa real – por parte dos atores – de assimilar as incongruências que a dramaturgia intencionalmente propõe. Quero dizer, por exemplo: na entrada do senhor e da senhora Martin, já é sabido que estes formam um casal, enquanto eles manifestam, nas primeiras palavras, se desconhecerem. Como podemos sustentar o jogo deste reencontro se as personagens parecem não se conhecer, mas para nós – espectadores – tudo já é sabido desde o início? Em outras palavras, questiono: interessa que o tempo das ações/reações seja plausível à ficção ou que seja capaz de evocar no público alguma reação àquilo posto em cena?


Por último, cabe fazer uma provocação: ao contrário dos 60 minutos cartesianos apresentados na Mostra Mais 2012, o que pode significar a escolha desviante da divulgação virtual do espetáculo? Criada a partir de uma foto da cantora pop-contemporânea Britney Spears, com a cabeça completamente raspada, sobre a qual o título da peça “A Cantora Careca” se evidencia em letras garrafais, fico me perguntando se haveria em tal peça de divulgação algo que a cena não foi capaz de catalisar? Seria uma mera provocação a partir do título? Ou seria um jogo que se pretendia ser desdobrado em cena, mas que não pôde ser vingado? Aqui escrevo tal provocação por ter me sentido convidado, mas em seguida, repelido à possibilidade de experienciar a dramaturgia de Ionesco a partir de uma realidade mais contemporânea a nós do que ao dramaturgo já falecido.

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"A Cantora Careca", de Eugène Ionesco
Direção: Júlio Castro
Orientação: José Henrique Moreira
Assistência de Direção: Manuela Muzachio
Tradução: Yves D’Olivier
Elenco: Marianna Mugnaini, Miguel Araujo, Nadine Fuchshuber, Natã Lamego, Paloma Dantas e Pedro Pedruzzi.
Cenografia: Vinícius Lugon
Assistência de Cenografia: Jéssica Trindade, Rafael Gonçalves e Rebeca Banus
Orientação de Cenografia: Andréa Renck
Figurino: Estéfany Rocha
Assistência de Figurino: Gabi Moffati, Gabriele Lima Neto, Leandro Vinícius
Orientação de Figurino: Maria Cristina Volpi
Sonoplastia: Tarso Gusmão
Design: João Pedro Orban

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* Neste blog postarei exercícios de crítica teatral a partir dos exercícios de direção apresentados na Mostra Mais 2012. Mais do que afirmações fechadas e pretensas verdades, o que se anuncia é o desejo de encontro reflexivo entre obra e espectador.
** Diogo Liberano é ator, diretor e dramaturgo. Graduado em Artes Cênicas: Direção Teatral pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) é também diretor artístico do Teatro Inominável, companhia teatral criada em 2008 no Rio de Janeiro pela qual dirigiu os espetáculos NÃO DOIS; VAZIO É O QUE NÃO FALTA, MIRANDA; COMO CAVALGAR UM DRAGÃO e SINFONIA SONHO.

domingo, 1 de julho de 2012

Sutura

Corrompe dentro
Casaco rasgo
Abismo sem fundo
é o que trago.

Peito profundo
Seta com rumo
Ascendente
ao precipício:
Escrevo
Como faz o bêbado com seu vício:
Sem amar o tempo.

Hoje durmo
Agasalho ao relento
Dor dormindo quente
Sob sorriso duro
e inseguro tormento.
Tudo dura quando a chuva
É só lágrima.
Quando o tempo
É apenas vento.