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sábado, 30 de dezembro de 2017

Absoluto despenteado

Manualmente
Escrevo com caneta preta
Sobre papel branco
Faço-me lembrar que nem tudo
É possível definir.

Afirmo em perguntas
Deve haver algo que me sobrevive, não?
Deve existir algo, algum respiro ou coisa,
Aquilo que move meu corpo
E agiganta meu ânimo.

Tão massacrado pelas desistências todas
Tão acostumado aos desmontes
E à contabilidade das corrupções.
Deve existir em mim ainda
Ainda um pouco de alegria, não?

Escrevo para não desistir dessa certeza turva
Para não me acostumar à névoa densa
Que alimenta o meu cansaço dessa
(e talvez) de outras vidas.

Entre vinhos, cervejas e cigarros
Germino uma fé num absoluto despenteado
Sei que nele não posso me segurar
Mas é nele e com ele que bailo.

Hoje, como em tantos outros agora,
Acalenta-me a impossibilidade importante da calma
Digo a mim mesmo
Calma, cara
É assim mesmo

Hoje chove nublado
Amanhã também
O sol, que assim seja, já te existe
Feito memória.

Nada a ganhar desse mundo
Apenas a vitória de saber-se perdido
Você, aqui e agora
Ali numa outrora
Em plena perdição.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Contento

Não mirei a árvore de natal
passei por ela quase sem percebê-la
Sei que ela está ali
no entanto, aqui, dentro,
Sou todo fim de ano.

Não que quisesse virar outro ano
não que não quisesse
É só que uma preguiça de tudo
orienta meus passos.
Estou cansado.

Sou todo cansaço.



Haveria lá na frente
alguma interpretação mais corajosa?
Haveria no adiante
alguma outra frase, outra alguma história?
Já nem me pergunto tanto assim.

A poesia invade o marasmo dos dias
tentando fazer da vida algo que se dê sentido.

Não vai dar, vida.
A sua perdição é, sobretudo, parte tua.
Nem sempre vai ser verão
nem sempre vai ser gostoso
Hoje, como ontem, amanhã, sem dúvida,
hoje tudo cinza
cinza bom, é certo
mas sem gosto
tudo sem gosto.

Miro pela varanda do quarto da infância e vejo nas árvores amarelas algo nunca antes percebido.

Elas estão aqui desde sempre?

Nunca as tinha visto.

Qual mistério sustenta sua força?

Qual raiz terá faltado em mim?

Meu sorriso não dura
meus dentes só choram
Nem sangue em mim despenca
tudo tão calmo, tão inerte
A contento dos tempos ruins.

Terá havido certa vez tempo melhor que o de hoje?

Terá existido algo que não apenas o presente instante?

Penso na sucessão dos séculos, nas viradas dos anos,
penso nas gerações passadas e ultrapassadas,
terá havido diferença?

A sensação é que ter sido humano é ter-se fincado no desacordo.

Queria sim ter tido manhãs mais amenas.

Queria ter durado sobre o colchão e ter feito do lençol enzima imagética.
Ter ido, nadando em plumas, rumo direto à escuridão dos sonhos.
Ter sido abocanhado pelo impossível e ter sido deixado em seu abandono.

Eu, homem já mais velho que criança, eu hoje penso
que a vida será por muitos e muitos anos essa repetitiva constância.

Devo voltar-me a isso?
Devo acreditar que fazer é fazer a diferença?
Ou posso me pendurar na sacada deste quarto e ficar
a contemplar apenas?
A duvidar não como quem desconfia
mas como quem transforma a irritação
em veemência?

Eu duvido inerte do abismo que é estar vivo.
Se faço força? Não. Nem raiva, nem bandeira, nudez nem preciso
Eu, o ciclo das águas, a morte que me chegará,

estou bem assim. Não tentem me mudar.

Costas no ar inerte

Pensaria, de imediato, sobre o destino
Na sequência, é fato, pensaria sobre o peso
eu o sentiria
sobre mim e sobre tudo
sobre mim me igualando ao mundo
Ordinário.

Depois abriria as asas
como que lençóis sobre o oceano de cimento
Bateria as asas
em profundo (e terno, sim, também terno)
descontentamento.

Virá alguém?
Ninguém me escuta.
Serei salvo?
Mereço?

Silêncio tremendo.
Ainda chove lá fora.
Salvação é mera ficção, dirão os que no futuro tiverem flagrado este momento.

Quando me quedo assim
de cabeça para baixo
Penso nos insetos que voam baixo
Penso na família
Penso no passado

Futuro deixa de ser enzima
hoje tudo sobre mim
as asas no chão
o ar inerte
Há flores no horizonte?
Tudo caído.

Eu vou até o bicho
ele segue batendo no chão suas asas
eu vou levantá-lo
Será que ele quer mesmo ser salvo?

Esse bicho sou eu, não sou?

Outra sua voz

Não, não a conheço.
Você, não, não sei quem possa ser.
Sua língua, é tudo sobre a língua,
Trepida sonora em meu ouvido matinal.

Eu tenho Flores na cabeça?
Se você diz, eu acredito.

Crédito improvável esse
De te ouvir sem te conhecer
E armar barraca em seu som.

Obrigado, estranho
Quisera que a gente se ouvisse
Falando rente em meio ao dia cinza
Que me desorienta.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Esquerdo

Deitado
Mão máquinas
Escrevendo
Desde o dia em que
Algo se deu
Entre o corpo
E a cidade
Desde então
Esquerdo
Esquecido
Espero que
Amanhã se encontre.

Virtuo
Oscilo
Offline é já uma opção
Eu, máquina
Eles, todos, também maquinam
Meu S2

Domingo há de ser melhor.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

1ª Semana do Núcleo de Dramaturgia SESI Cultural


Programação completa em
dramaturgiaemnucleo.com.br/semana.html

Repetição

Você sabe
Ainda continuo
Ontem também
Amanhã é certo
Tudo no mesmo
Mesmo ritmo

Porém
algo foi mudado
Se foi a confiança
se foi o tempo que passou longe
não sei
Algo aconteceu
algo está mudado

Uma paz
talvez, uma paz
Uma paz como nunca antes
me acalmando os passos
e pedindo
lenta
tranquila
Deixa ir, deixa acontecer

O sol no rosto
aquele dia
dentro do carro
indo em sua direção
e eu agora percebo
Tudo passa
até o sobressalto

Repito alguns gestos
repito aqui
dentro
no molde, na forma
no repetir mesmo
repito
alguns gestos
eu me procuro quando lá
te procurei
e nada

Agora
essa repetição
essa cisma
essa busca já ciente
de que nada virá
exceto o tempo
calor, sol
Canto nua dentro de casa

Poderia, se possível,
ser impossível
e o sou
eu Sou
agora
Pedra em fiapos
música em voz fina
alta
tão sem medo
tão preta escuta
escuta?

Eu vez ou outra
me encho de força
para quê?

Para continuar o caminho
apenas para isso
Continuar.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Rebeldia

Não antes pensava
Gesto louco
Faça brava e solta
Laminado olhar
Faltou ficar
Corte

Prove
Prove o que há.

Sua consciência
Seu propósito
Um sono estupendo
Por você
Me abandono

Não quero
Nem serve
Não serviria

Sua causa nesse abismo é muito ruim
Sua sina me dá azia.

Foge
Para longe
Some fundo
Dessa vista

Acabou?

Não quero mais esses dias
De pequenas guerras
Batalhas anemias

Que morta!
Morra! Morda!

sábado, 18 de novembro de 2017

Aquilo que ainda não

Não, colado estou

O que escrevo
isso que chamo de poesia
É só um modo outro
de andar o dia-a-dia.

Pouco, não?

Talvez.

Não dependo do seu olhar sobre mim,
sigo vago caminhando aberto
Em tantos caminhos impossíveis.

Escrevo uma poesia
um treco, uma coisa, sim, um negócio
Isto! Escrevo e, assim, posso continuar.

Continuar o quê? A vida?

Nem tanto, nem tão pouco.

Continuo sem saber o quê.

Distante
em linhas sem marcação
palavras pretas anunciam
- como que fiscais -
a minha perdição e algumas possíveis
transformações.

Por isso?

Para modificar
transtornar, sobretudo, para contrariar
aquilo que sinto
o peito
Este peito
aquilo que sinto
torno, pela poesia,
mais uma possibilidade
do que um gesto já todo feito.

Serve para isso? Você me pergunta.

Você não existe.

Eu insisto.

Hoje, hoje é já tantos anos,
hoje a poesia para mim é isso:
dizer e ser aquilo que ainda não.

Aquilo que ainda não foi
nem chegou
nem floresceu
nem andou...

Você, meu irmão

É difícil que brotem palavras
sobre isso que hoje
mais que antes
Resta soterrado entre nós.

Alguma relação possível?
Algum gesto? Confidência?
Eu não sei quem foi você
Você nem imagina quem eu possa ser.

Escrevo para desnortear
as palavras que saem de mim
sem que eu precise de você
para tocar seu coração.

O que foi você, meu irmão?
O que fizestes?
O cúmulo,
como pudeste?

E olha que nem fiz julgamentos
Fiz silêncio
acuado, me guardei de ti
Fiquei mudo.

Olhos, no entanto, meus olhos
não emudecem.
O pouco de você que eles
de fato
Viram

É tão já passado.

O toque
em tanto tempo
Se resume a um ou dois
abraços
mal dados.

O que nos aconteceu?

O fato é
que após o seu gesto
Não tive força ainda
para tentar gesticular nosso reencontro.

Você se priva de mim
Eu me privo de ti
os dois: privados
daquilo que não cessa de querer aparecer

a vida
nossa
compartida
Por que postergamos isso?

É medo de para sempre se odiar
ou certeza de que se nos encontrarmos
sem dúvida alguma
Iremos nos compreender?

O que não acaba

Muda
Sem dúvida
O tamanho. As intensidades
Mudam as posições
A duração cambia
E no fim
A gente goza.

Qualquer coisa a gente goza.

Haveria de existir algo além?

Nem antes nem depois
Digo além de nós dois
Além desses corpos cansados
Após a janta
Úmidos por tanto dançar
Deitados.

Haveria de existir algo ainda?

As coisas que você me diz
Não, elas não valem.
Isso é hora para falar?
Poderíamos falar como os dedos
As línguas e pelos?

Palavra me arrebenta.

Quero o silêncio barulhento de nossas asas em ninho apertado,
Esta cama
Aqui
Comigo
Quantos?

Quantos eus em quantos ocês?

Eita, vida, ardida.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Confirmação de Passagem

Tem que confirmar.

Eu vejo a confirmação
Ela explica tudinho
Só não dá conta
De me obrigar
A aceitar a viagem.

Está em minhas mãos,
mais uma vez,
A escolha em minhas mãos.
Tem que escolher?

Tem sim.

Escolhe, Diogo.

Confirmo essa passagem ou não?
Se não confirmar, ainda assim,
tudo deixaria de ser como está sendo
tudo deixaria de assim estar?

Medo não tenho
é só que essa passagem
me lança daqui
ao maior e mais violento
amadurecimento.

O amor
esse titã
Ele não cessa
sua malhação.

É cada dia mais forte
e mais gostoso
Mais suculento
e doloroso.

Aceito?

Quero.

Aceita?

Passar a te perceber, amor
menos como fato
mais como teor
menos como um porto
mais como uma viagem
Uma viagem

que passa
Ela passa
O amor
ele continua?
Continua
mas sempre passando
a mão
no peito
o pau
no beijo

Passa.
Continua.
Confirmo isso?
Você confirma essa passagem pela qual estás prestes a passar?

Para deixar que o amor esteja, para deixar que ele seja
No entanto, sem aprisionar
Sem querer reter a gravidade dos séculos
Sem querer congelar
no alto
no ar
Parado entre a vida horrenda
e a maravilhada
Parado não se pode ficar

Passa, amor
Volta
Suma
Fique
e descanse de mim
Me deixe de ti
um pouco ao menos
Me deixe descansar.

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Fundo de Tela

Sua foto no fundo da minha tela.

O que posso fazer?

Ver seu rosto adultera a ordem do meu dia.

Abro um sorriso.

Resmungo um amore mio.

Acontece...

Penso: para com isso, palhaçada,
tira essa foto daí,
mas sei
no dentro
eu sei

Ainda não é hora.

Conservo o seu sorriso
no fundo da minha tela
no dentro de minha vista
Horizonte delicado
esse
de amar
sem ser amor
o todo dos dias.

Poderia chorar
resmungar
Bradar aos deuses
que me deixassem amor
todos os dias!
Todos!

E então percebo

eu amo
sempre
o tempo inteiro

Sua foto me confirma

Amor não é coisa apenas toque

amor é hoje
a mim
mais ver seu rosto
e sentir
o que seu rosto-foto
no meu corpo todo
Implica.

terça-feira, 7 de novembro de 2017

O que descubro às vezes é que...

É mesmo preciso falar mais devagar

Ouvir mais, menos pensar

Os olhos, descubro, podem escutar
Os olhos que antes só interpretavam fatos
Descubro
Eles sabem também como abraçar.

Dentro
É domingo, sempre pela manhã,
Sempre um adeus a dar
Eu descubro
Que dar adeus é um pouco como
Se doer, se doar, se deixar

Ali
No outro
Ali, naquele hoje de novo
Aeroporto, eu fico
Porque você se fincou em mim.

Paixão juvenil na idade adulta é um dilema tamanho.
Onde está a força do meu corpo
Para aceitar a desmedida desse auto-abandono?

Eu me deixo, deito-me em você
Apertado em cama solteira.
Ali eu te mexo inteiro
Ali você me pede que coce aqui
E más abajo

E então eu acordo
Ciente, desde antes, que meus próximos passos
Me levarão para longe de ti
A cada segundo

E eu vou

Eu te abraço, você não parece saber
Como durar em meio a uma despedida.

Você me abraça, eu queria poder te tatuar
No meu dia a dia.

Entre nós não dizemos eu te amo,
Yo te amo.
Não dizemos.

Um medo, talvez, um fato, sem dúvida.

Saímos um do outro então.

Você parte prum lado e eu pro outro.

Eu volto a te olhar, mas você só segue.

Penso então que cada um ama do jeito que sabe e pode.

Obrigado por tanto.
Obrigado. Por todo.

Peluqueria

Y así podríamos quedar

Un con las manos
En los cabellos del otro
Sin embargo
Podríamos vivir así
Ojos sin palabras

Vínculo sin decir pasión
O amor.

sábado, 28 de outubro de 2017

Eita!

Está?
Sim, inevitavelmente.
Isso é bom?
É o que é.
Entendo.
Mesmo?
Sim, acho que entendo.
E o que mais?
Mais é muita coisa.
E o que mais?
Nem sei, cara...
Vontade de desaparecer?
Não, isso não mais. Eu tô aqui.
Bom.
Bom?
Bom, bom...
Sei...
Risos... Você insiste nessa afasia.
Ui. Palavra-conceito. Cuidado!
Me ajuda...
Não precisa... Estou brincando.
E a cerveja?
Ainda gelada.
Isso sim é bom.
É.
Sexo?
Tranquilo.
Amor?
Pelo mundo, pelos pelos, tudo...
Hum...
Hum... O quê?
Ouço música alta.
E daí?
Queria te conhecer.
Mesmo?
Sim.
Mesmo mesmo?
Sim sim.
Sei...
Ih... A gente é desconfiado.
Fale por você.
Eu sou o mundo. Neste momento.
Não!
Eu sou!
Não mesmo.
Ok.
Queria uma massagem.
Só você.
Para!
Eu hein... Me deixa...
Ok.
OK?
Ok. Eu deixo você...
Não...
Deixo!
Não, por favor, fica!
Eu parto agora. Amanhã é só você. Deixa eu me ir? Obrigado. Eu falo. Você escuta. Existe tanto. Nem sei. Mas é bom. É bom brincar de ser você. Você me entende? Azeitona na boca. Delícia tremendo, tremenda... Continue. Faz todo o sentido você ser assim.

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Extrato

Corpo moído

Por tanto sentir
nada mais ele pensa

Sobrecarga
paciente demência
O uso
o uso deste corpo
Quanta Opulência!

desintegro
deixaria o seu corpo
Mais atlético
pisotear meu coração?

sim, deixaria
sim, já disse,
eu Deixo

deixo de fora o cuidado
eu sem o arraso
adormeço

Arrase, pois, esse instante
deita aqui
sobre essa pele
aperte
morda
dance
Sobre mim
Dance, homem
Dance!

Prólogo -


Derramar.
Deixar o câncer tomar conta da casa.
Para entrar em contato com a coisa.
Para se contaminar.

Escolhemos o pior, talvez.
O caminho mais difícil.
Mas por que acreditar que algo ruim seja apenas negativo?
Este câncer, antes de tudo, é uma possibilidade.

Por isso, derramá-lo.
Por isso, se contaminar.
Para vivermos o problema bem de perto.
Para aprendermos a como – com ele – lidar.

Aqui estamos nós
Dispostos e disponíveis.
Aqui estamos nós: numa fictícia sala de estar.
Para quê? Mais que isso: para quem?

Ora, para vocês
E para nós também.
E apenas por um motivo:

Para vivermos juntos a possibilidade de outro possível.

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Resquício

Gotejamento dentro da cabana.

Seria afogamento
Não estivesse o solo deste peito
Tão indisponível.

Naufrágio impossível.

Fora, uma moça caminha pela cidade asfaltada.

Fora, o sucesso dos que venceram a vida.

Fora, ombros tranquilos e muita morfina.

Fora. Tão longe, tão perto, tão isso, tão cego.

Seria um bom jogo?
Saber-se distante da vida social?
Bom jogo seria isso mesmo: ficar quente
Só no dentro?

Imergir.
Não lutar, não correr, não ir.

Ficar, apenas, ficar.

Gotejar incessante.
O mundo te convida apenas aos jogos
De embate.

Não, hoje não quereria.

Chove.

Fica?

Fico.

Mesmo?

Sim.

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Possível Abrupto

Súbito estranho
Improvável aqui
Agora, o que dizer?
Você nasceu para mim.

Um óleo no rosto
Uma palavra, apenas uma
Uma irá, talvez, controlada
Nada abrupta, mas ali
Aqui
Ante meus olhos.

Você nasce não porque não tenha existido,
Mas agora eu conheço alguém
Convulsionada com os princípios.

Pergunta.
Você pergunta como pode assim
A vida ser.
Pergunte mesmo.
Pergunte e nisso eu vou
Com você.
Com você.

Vamos desbravar?
Vamos criar?
Eu estou aqui.

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Eu Era



Ah, vida virtual.

Como me cansa a sua ginástica.

Cansa-me a sua alegria

Exaure em mim minha penúltima graça.

Desfile da Opinião

Entidade tornada importância.

Cartório de atestados falsos

Sobre o existir.

Perdemos. O Capital, outra vez,

Ganhou o Game.

Resta reinventar. Sair do círculo

Ou junto a ele torná-lo inoperante?

Fomento ao horror

Enzima da intolerância

Ah, era virtual

Como é robusta a sua insignificância.


Na manhã seguinte

Com a queda de luz em toda a cidade

Você quica dentro de casa

Desconectado do instante.

Você percebe a indignação

De um corpo tornado Repasse.

Você se vê num vislumbre de espelho

Você nem existe

Você foi só Feed

E nada embate.

sábado, 2 de setembro de 2017

Deus

Dentro
O que há somos nós.
Tudo junto, indiscernível.
Dentro
Eu te peço que me deixe partir
Mas o seu amor
Sobrevive em mim
Para me proteger.

Por quê?
Por que o desejo infame
De te perder?
Você me persegue
Não porque há mal nisso
Mas porque assim é o amor.

Dentro
Oscilo o pavor e o cuidado
As vozes que me cuidam
São visíveis apesar dos olhos
Cerrados.

Que difícil romper o asfalto sobre o rosto.
Chorar, que difícil,
Agradecer, impossível.
Vamos tentar. Mas, vamos tentar.

Inevitável.

Uma paz brota. Alada, ela voa
Me convoca.
Eu vou. Perdendo algo para encontrar
Um Deus que não seja
Apenas eu mesmo.

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Específico

Ainda não.
Chego à porta.
Talvez agora.
Não sei.
Passam por mim todas as certezas
Acumuladas em quantos anos?
Quase trinta.
Trinta anos.
Três décadas.
Quase três mil certezas.
No mínimo
Tentar
No mínimo chegar à porta
E bater
E entrar
E beber
Engasgar
Deixa vir
Deixe estar
Em você agora junto a ti se abre
Aquilo ainda não vivido.
Específico.
Especial.
Como se chama?
Não forje nome a princípio.
Adiante, Diogo.
Adiante, meu amigo.

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Expurgo

Como que tangível
Esse isto
Indizível, porém
Eu sinto.

Pego sem ver
Toco sem nem encostar na coisa
Vou tirar, sacar de mim
Te expulsar.

Após tanto tempo
Eu sinto, eu sei
Você está saindo de mim
Porque já não há mais força aqui

Para você sugar.

Expurgo
Como quem se deixou usar
Expurgo
Eu te expurgo.

domingo, 20 de agosto de 2017

Limite

Haveria sim algum impedimento.

O excesso de revoluções
cansou o corpo.
O corpo, este corpo,
Ele não aguenta mais.

Sinuoso, observa
Os letreiros que informam
Atrações outras mais ousadas
Que aquelas hoje tão
Distantes.

Um estalo resignado salta destes lábios.

Haveria sim um limite
Um vago embaço
Parafuso que não fica
Nem sai

Haveria sim que se considerar
Já velho demais.

---

O entardecer sublinha este cansaço.
Haveria revolução mais plena
Do que se ter alguma consciência?

---

Eles conversam sobre os dias.
Falam de como teriam feito
Toda aquela história.
Falam, eles, do morno
Que preserva algum desejo.
Debocham, ácidos, dos que tentam
A todo o custo
Fazer o que num dia eles fizeram.

---

Haveria sim que reconhecer
O limite como linha do horizonte.
Nem corte, nem precipício
O limite como presente instante.

Haveria então que durar no seco
Saborear o desconforto
Dançar em sapatos
Esboçar pela voz o dialeto
Dos roucos.

---

Haverá um dia em que sim
A revolução terá sido nada mais
Fazer.

terça-feira, 8 de agosto de 2017

A questão

Seria um corpo?
Uma espaço para se deitar?
Seria uma sucessão interminável de beijos?
Seriam pelos?
Falta pelo?

Falta?

O abismo das revelações.
Seria isso?
O desejo de usar o desejo junto?
Junto a quem?
Tem alguém?

Falta o quê?

A noite acorda cheia de possibilidades.
Falta vontade.
Sobra cansaço.
Esperança?
Hoje não. Menos. Hoje menos.
Um sumiço? Repentino!

Nem sequer almejava que todos os dias fossem domingos porque também trabalho aos domingos.

Penso: como dar trabalho à pele?

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Sequestro

Algo foi tirado.

Algo foi arrancado, assim,
Sem algum mínimo cuidado.

Acontece, uns dirão.
Acontece ao menos uma vez
na vida.

Mas não. Não se pode ficar mudo.

Algo foi tirado de maneira torta
De maneira grossa, algo foi atravessado
e agora resta assim, sem rumo.

As ruas vigiam o homem que passa
Sem vontade.
Mesmo os pássaros em sua alegria
Contida, mesmo eles, eles sabem

Algo foi arrancado e sem horizonte
Já nem é possível saber o que foi perdido.

Uma vontade? Um viço?
O quê?

Jornais divulgam em vão
A perdição que dizem ser causa desta época.
Que época?

O homem que cruza as ruas
Entra em casa como se não morasse nela.

Haveria tristeza maior que ter sido sequestrado da própria vida?

Haveria paz maior que não se saber sequestrado?

Haveria algo perdido, algo que pudesse ser retornado?

O tempo, oh, tempo!
Faça-nos algo!

sábado, 5 de agosto de 2017

Esse instante

Eu me vejo difuso, mas retinto.
Poderia me dizer as palavras derradeiras
mas palavras, a essa hora,
Eu silencio.

Tanto há tanto tempo
Dizeres, determinâncias, discursos
E o cansaço, o silêncio perdido
E ele, eu, no mundo?

Se digo eu com estridente facilidade
Não é porque talvez queira atenção
Não é porque me dê mais valor
que antes, quando certo das minhas
Capacidades.

Hoje tenho bem pouco.

Não me engano.

Este corpo, agora, nesse instante
queria se possível o sono
O sexo lento
O suor concentrado
Sem força agora
É tão manhã que sol nem sequer amanheceu.

Esse instante pressupõe palavras densas
Sem esconderijo. Palavras confessas
Desfazedoras da confiança no destino.
Esse instante é horrível, amigos.
Toda a vida num segundo.
O que haveria mais importante do que esse segundo?

Estou-me em questão.

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Motorista

Ele dirige pela cidade
mexendo na barba com a mão direita.
Três movimentos para cima
Abrindo a barba
Um para baixo
Acalmando os pelos.

Ele estaciona
No meio da corrida
Os passageiros não entendem
Ele desce do ônibus
Compra um pacote grande de Fofura
e um copo de Guaravita.

Com calma, já dentro do carro,
Ele perfura o copo com o canudo
E passa a marcha.

Eu não sei o que faço.

Fofura
Bebida semi gelada
Marcha lenta
Quanto amor!

Existe ainda alguma delicadeza no homem da cidade.
Fome. Ele mastiga.
Eu não sei como lhe dizer.

Motorista, nessa noite, se você quiser
Eu faço uma massagem em você.

poderosa vida não orgânica que escapa


domingo, 23 de julho de 2017

Mais que nunca

Seria preciso desenhar o futuro
em caso de desistência
do instante presente.

Esboçado, com traços a lápis
talvez, diriam os homens da ciência,
seria preciso ir com prudência.

Seriam bem vindos os cânceres.
Todos seriam bem recebidos.
É tudo sobre eles.

E sobre essa dor.

Esta dor, um dos homens sinaliza
algo sobre a mesa branca.

Um músculo retesado
um pedaço de vida
Isso é vivo?
Se se mexe, podemos afirmar que vive?

Em silêncio,
eles observam confusos
a perdição de sua época.

Seria preciso acabar com a poesia
Ele afirma: é ela que nos desnorteia,
não sabemos andar sem metáforas.

Mas,
uma criança arromba a porta
e afirma:

Devolvam meu brinquedo!
É meu!
Devolvam!

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Talvez depois

Viria então uma tragédia
Possível, mas indigesta.

Algo de súbito mudaria
O curso dos caminhos
Desnortearia o desejo.

Não sabemos o que aconteceu.

O dia tinha sido ameno, mas
As notícias ganham corpo
E volteiam os mais sórdidos pensamentos.

Não. Não pode ser.
Ouviram alguém dizer.

Mas sim. Já estava ocorrido
Já tinha entornado.

O horror
Que horror?
Hoje caminha lado a lado.

domingo, 25 de junho de 2017

Êxodo

Tudo escorre.

Sem sentido nem direção
tudo explode, hoje,
tudo explode.

Com a calma cirúrgica de um ancião
ela mira o seu liquefazer.
Há tanto nisso que te escorre
ela te diz.
Você?
Você segue escorrendo sem nada reter.

A sua inconsequência
a sua inconsciência
a sua destemperada descrença
de que as coisas são o que são
e não apenas aquilo que, num dia,
poderão ser.

Você nada. Como reter?
Tudo explode tudo escorre
você sem compreender
É a sua ignorância que também vai
ralo abaixo
profundo
pro mundo

Ela te observa
você sem palavra.

Tudo sai tudo quer de ti correr.

Num instante relâmpago
você se pergunta a única coisa
que precisa para sobreviver:

por que foi que eu me tornei essa terra arrasada
esse terreno vago essa coisa insensata?

Mas é tarde.

sábado, 24 de junho de 2017

Caixa

Sem proteção
Sem reserva
Uma calma, talvez
alguma coisa outra
Outra mesmo
enfim
Não saberíamos precisar
apesar da necessidade.

Sobre a mesa
esta caixa
Vocês conseguem ver?
Eles se entreolham
como se nessa caixa
pudesse algo haver.

Não há.
Nunca existiu.
A caixa é um convite
para o mundo que ruiu
se refazer
se desfazer
e guardar - nela, sim, nela -
aquilo que talvez importasse.

Hoje é domingo
sábado?
Domingo?
Como lidar com a falta de sorte?

Amanhã o dia será penoso.

De antemão, eles preparam
as ciladas para o asfalto negro.
É tarde, sentem fome
sentem medo.

A caixa, porém, sobre a mesa
nada sente.
Ela sabe
sentir é depender.

Por quê?
Eles se entreolham confusos.
Por que, humanidade?
Por quê?

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Reescritura

Cinza?

Oh, não.

Cinza não.
Tinha outra cor ali.
Alaranjado verde
Meio assim confuso
Feito os olhos de algum
Amor hoje passado.

Dizia muitas coisas
O muro dizia.
Sem início nem fim
Muro ao meio
No meio dos caminhos
Eu fagrei.

Nada liso. Nada dado.
Tudo sendo refeito
Nessa cidade
Tudo em continuação
Nada parado

Como o meu amor por você.
Assim como o meu amor
Por ti.

sábado, 10 de junho de 2017

Alguma revelação sobre o Isto

Amor.

A princípio, apesar da beleza
Apesar dos sorrisos
Sempre um risco
Sempre abismo.

Amor sem ponto final,
No entanto, desfaz precipícios.

Amor reticente
Condizente
Amor contextual
Embora presente.

Eu confio, amor,
Que o amor não seja você
Nem eu.
Amor para mim, amor,
É habilidade para ser.

Estou amor.

Contigo e com outros mais.

Não me represse, amor,
Quero surfar nos corpos
Nos abraços quero deitar
E acordar, amor, trocando os lençóis
Para te encontrar.

Posso? Ser amor sem firmar sentido?
Posso eu? Amar você como um instante
E depois não mais?

Amor, amado.
Hoje eu te amo
Amanhã amo o outro

E no meio disso
Não há descaso.

Continuo disponível.

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Aquilo que você me oferece.

Penso sobre as flores.
Observo as que pendem
dos galhos que atravessam a janela
E floreiam o dentro cá de casa.

As flores, observo-as,
enquanto dentro de mim
um rio de palavras
corre e adultera

a margem do que eu já sabia.

Elas estão ali.
Preservam o já sabido
mas é em meio ao vento
que uma pétala toca a outra
e nisso abrem-se
sorrisos nunca antes vistos.

O seu amor, corazón
Faz em mim a mesma coisa.
Escreve outras formas de enlace
Me convida, sempre renovado,
ao encontro-embate
do abraço.

Penso nas flores.
Eu quase as chamo
para que invadam a minha sala
e me comprovem, de fato,
que há muitas formas
de ser quem se é
e de continuar amando.

Elas estão aqui.
Eu lá. Lá no longe
não porque fora daqui
mas é porque no longe
eu me vejo renovando
o que é para mim
aqui
agora
ser
e
estar.

Penso nelas. Penso em mim.
Penso em você.

Penso como quem dança.

Não há melancolia.

O amor - sem nome - que nos encontra
precisa sempre de novo nascer a cada dia.

É isso o que temos.

Que bello.

sábado, 3 de junho de 2017

Detalhe

Sigo um pouco vivo.

Eu fico

Parado.

Respiro, é certo,
mas permaneço quase imóvel.

Não me descabelo
Não perco o tino
É só que não vale à pena tudo isso apenas por você,
menino.

Nem é desprezo, ok?
Não é jogo nem tortura.

É só que quando a idade nos chega,
perde graça morrer um pouco a cada esquina.

terça-feira, 30 de maio de 2017

Lacre

Preparado o silêncio
Quase ensaiada as reações
Só que
Os olhos dum cruzaram os doutro
E então tudo desmorona
A paixão, bicha louca da porra.

Secou os olhos
Era já outro dia
Secou e guardou dentro
A neblina líquida
Para quê?
Veio um abraço mais forte naquela manhã
E envolto no embaraço
Chorou feito bode.

Bode chora?

Chorou.

De amor
De paixão
Dessa doença
Como se chama?

O outro.
Você.
O outro
Vos mice.

segunda-feira, 29 de maio de 2017

Advertência.

Escrevo "amor" como quem respira.

Nem percebo.

E mesmo assim
Bate o meu coração
Só porque, sem ver,
Transpiro.

Bastante.

Amor como Filosofia Prática

Pomposo título para dizer nada.

Quase nada.

Muito simples.

Como nunca antes, te amar,
Coloca-me novos limites.

Os mesmos, é verdade,
Mas tudo novo.
Porque não há possibilidade
De não ver a cilada em que estamos.

Falamos através de conceitos
Mas e o corpo?
Como ele fica em meio a tudo isto?

Amor,
Existir com você
É picotar a filosofia dos livros
Para fazer vendaval de conceitos
Florescer nosso dia a dia.

Melancolia

O que diz aquilo que diz a palavra que você encontrou para se dizer?

Algo mais, não?
A chuva não quer dizer só da água
Ela diz do acúmulo insustentável
E do desejo de precipitação.

O que diz essa palavra?
O que ela pode te dizer?

Penso em ti. Transporto-me ao seu abraço.
No laço, desfaço os ombros sobre erguidos
Meu sorriso vira rio
E corre uma delícia imensa
Através de mim.

Sem isso, quando sem isso, sim,
Obviamente, sou todo melancolia.

Mas, inda assim, eu sou
Estou aqui, não bem rendido
Mas em conversa com você.

Chamam vínculo
Nem amor nem paixão
Chama-se vínculo isso que atam
Nossas mãos.

O que diz a palavra?
O que ela tenta nos dizer, sim,
Mas, sobretudo, o que ela diz a você?

Diria sobre o fato
Novo
De que estamos um
Pelo outro
Afetados?

Diria, essa palavra,
Que faz falta frequentar esse engasgo?

Não falaremos sobre falta.

Você amanhece comigo
Sobretudo quando estamos distantes.

Vamos com calma, oh, moço.

A pressa é inimiga do instante.
E o que temos hoje,
Além da palavra por ti encontrada,
É só esse suspiro constante.

sábado, 27 de maio de 2017

Abandono

Cuidado!

Nem sempre é possível
Passar a roupa do corpo.

Nem sempre
Três refeições.

Nem
Bom sono.

Atenção,
Não quer dizer que é o fim de uma vida.

Não, cuidado! Tenha atenção!

Esse abandono seu
De si mesmo
É um modo
Sim, um modo
De dar-se atenção.

Nem sempre acolchoado.
Nem sempre a calmaria
Nem sempre o vento morno
E a garganta limpa.

Hoje esse abandono.

Quem se importa?

Esse abandono que domina
Os segundos.
Nem sempre é sempre
Mas hoje, ele te convida
A experimentar essa possibilidade
Esse cansaço de encaixar-se ao sol
Hoje não, hoje não virá.

Não haverá força.
Você deixa a coisa te abater.
Você já sabe que esse desconforto
Te participa,

Você mira através da janela e pensa
Como é cuidadoso se permitir se cansar
Se perder
Perder

Hoje, você perde
Para continuar perdido.

quinta-feira, 25 de maio de 2017

JANIS


La posibilidad

Chico, hay que comprender.

Lo que sientes
Es una posibilidad
Nada más.

Comprendo que sea intenso
y que no te puedes dar cuenta
Pero, mismo la realidad
sigue siendo juego de sentidos.

Una posibilidad.
Puede ser o no ser.
Puede hacer bien o algo así como
hacer nacer lo deseo de poner un fin
a todo lo que hay.

Una posibilidad tiene que ser
tanto posible como no.

No es un lugar donde se puede vivir.

Chico, atención: no hay fuerza y amor
en la misma frase.

Crise

Foi noticiada.

Não falaremos sobre.

De alguma forma sabíamos.

A crise é apenas o que existe.

domingo, 21 de maio de 2017

A calma do depois

Aqui estou novamente.

Dentro da minha casa.

Sozinho e tão povoado.

Uma revolução me impacienta
ela mora no meu centro esquerdo.

Calma, eu me digo.

Calma, nos diz a canção.

Como andar sem ser com os pés?
Por que andar e não ser avião?

Voar.

De aqui para alá

Daqui
para ti

Calma, Diogo
eu te peço

Algo se marca em seu corpo
sem que seja preciso definir
para sentir o que te afoga.

Morra um pouco

isso ainda é
vida.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Quisiera

Gostaria muito
De dizer da alegria
Imensa que impacienta
Meu peito nesses dias.

Gostaria - tremendamente -
De seguir este jogo lindo
Que tem sido imaginar a cor
Da sua cozinha.

Não sei de nada
Não posso saber de tudo
Mas conservo, bem calma,
A possibilidade bem próxima
Do nosso reencontro.

Gostaria de não antecipar as chegadas.
Gostaria de não achar que tudo isso
seja algo para além do que é.
Gostaria de não me casar com você.

E tenho conseguido, confesso.

Uma gripe amolece meu corpo
e me pede calma como se sentisse
Que me virá um afogamento.

Gostaria de ter uma boia,
Mas o que tenho é apenas
Este sorriso.

Vês?

sábado, 13 de maio de 2017

Cuidado


Ter cuidado
Ser cuidadoso
Agir com cuidado

é não antecipar os dentes.

Calma, rapaz.

Saboreie o instante.

Não há nada além dele.

sábado, 6 de maio de 2017

Sobretudo

Pense.

Às vezes, é o caso
de pensar.

Ação já tão condenada
pensar um pouco
Um pouco que seja
Parece revolução.

Cinza o céu tinge as cores todas.

Veloz o tempo fratura os abraços.

Abrupto o homem destrói seu outro.

Pense
Ao menos, hoje,
um pouco.

Que gesto fazer?

Quanto durar um silêncio?

Como ser específico o seu atravessamento?

A noite lá fora
parece ter pressa
A escuridão do seu dentro
é o que te espera.

Fique em breu
Despertado.

terça-feira, 2 de maio de 2017

Apenas para demorar no instante

É um desejo seu de não perder?

Perder eu vou. É outra coisa...

Desejo?

Sim, claro, não seria outra coisa.

De quê? Desejo de quê?

De durar mais um pouco. Aqui. Assim. Desse jeito.

Medo de perder.

Não é medo, por favor, me entenda. É só que há tanta beleza que eu queria me demorar mais nesse instante. Para ver melhor, sentir com outra calma.

Uma calma mais calma que a calmaria?

Eu gostaria. Sim. Que durasse mais, porém, não por medo do fim. Ele virá, eu sei, ele sempre veio. Queria que durasse mais para descobrir algo além disso que é tão lindo.

Vamos do início. O que é assim tão lindo?

Esta coisa, isto, isto que estou sentindo.

Amor?

Não, nada disso. É só como eu me sinto agora, apesar de tantos outros motivos para cair e nunca mais me mover, algo nisso tudo me faz estar assim. Você não vê?

Um pouco. Talvez, um pouco mais calmo. Não eu, eu digo, você, mais calmo do que sempre.

Também. Algo mais? Ou algo menos?

Seria preciso dizer outra palavra. Calma não diz isso que te escapa pelo olhar.

Viu? Tem algo mais.

Tem, sempre tem. Queria era conseguir dizer um nome.

Esquece o nome. Fica com isso.

Ele sorri leve e profundo ao amigo.

Isso diz mais que um tanto.

Alegria.

Palavra feia. Palavra boba.

Ah, alegria. Felicidade. Satisfação. Sei lá...

Então fique sem saber. Vai. Olha de novo.

Ele sorri novamente ao amigo.

Mora todo o céu no seu sorriso.

Eita... Essa foi a coisa mais linda que você disse desde quando nos tornamos amigos.

Culpa sua. Tenho até medo de te perder.

Como assim?! Não! Por quê?

Você esta irradiando algo que nem cabe aí, cara. É grande demais.

É porque não é só para mim.

Quer dividir?

Preciso.

Como faz?

Sorria comigo.

Eles se olham por uns segundos. Ele abre o sorriso antecipando o encontro que virá. Seu amigo, um pouco confuso, também um pouco envergonhado, aos poucos dá a ver a cor de seus dentes.

Faz uma tarde meio amarela meio escura. Eles riem em parceria. E é só isso.

Talvez, mais do alguma reviravolta, esse breve punhado de palavras esteja querendo te perguntar: e você, camarada, faz quanto tempo que não sorri para os amigos?

Simple

Você vê?

Estamos novamente
Um frente ao outro.

Teve antes? Teve,
Mas não importa.
Não hoje.

Agora, simplesmente,
O que temos é só mesmo isso.
E isso não é pouco.

Você aqui
Eu também
Nós dois amparados
Um no outro.

Simples, não?

Precisamos de algo mais?

Não, sinceramente,
Creio que não.
Estamos aqui.

E eu amo esse instante.
Simples.
Tão pleno.
Tão delirante.

domingo, 30 de abril de 2017

não há nada lá fora

Tanta tanta mazela
tanto risco em andar solto por aí
Tanto mundo se desmundando
Tanto verso que é tiro
verso adulterado
Tanto horror
hoje
como antes
Amanhã, o que lhe dizer?
Tanta criação horrível
tanto horror plasmado na superfície dos olhos

Difícil é isso de viver.

Difícil
se o mundo que se quer recriar
não nasce, antes, em cada um
No dentro
interior subjetivo
de cada um
Nascerá onde o mundo
que excluíram da vida
ao nomeá-lo sonho?

Ele nasce?

Tem raiz para ousar?

Ele frutifica? Como há?

Que mundo é esse que só existe feito queimação
impróprio mundo imaginado
mas todo desejo.
Mazela
Criação
eis um risco nisso
risco mesmo
de seguir como quem não se importa
de permitir
que te abatam
e você sem força para gritar

Parem! Homens, sufoquem-se!
Parem de exterminar a vida com seus cassetetes!

Estranho mundo esse que caminha entre abates.

Não teria solução.

Sebastian Wickeroth.

A vida, desde já faz tempo,

é indiscernível da complicação.
Seguimos, compartilhados
no espanto inexato
do presente doente e crente
de que um futuro lá fora
nos espera para a ceia.

Virá?

Risco é o futuro.
Horripilante constatação:
não há nada lá fora
é tudo coisa de seu dentro que dói
Não há nada exceto o agora
que morre
e só morre
e morre outra vez
e a outra vez mais
é sempre quase
é sempre o agora

fratura no tempo
espaço perdido
o agora
é só o que há
nem corpo
nem sentido

agora risco
traço agora
agora precipício
em si

dentro

profundo

pergunta uma emana

como recriar mundo
se tu não consegues nem
recriar a si mesmo?

Killian Rüthemann.

te assusta?
perguntas para as quais
tu não tens saída?
te assusta
enfim
a vida?

eu te vejo
vejo o cigarro
vejo o escárnio
pelo qual
profanas todo e qualquer beijo
para o começo
um beijo
eu vejo

vejo a sua facilidade
em tirar o corpo
é assim, não é?
vocês dizem isso
de tirar o corpo
de sair
de não se comprometer
de fugir

sem perceber
que fugir é também
um modo de viver

como você vive?

você me olha
com cara de quem ainda
não aprendeu a confiar
num poema

como?
eu te pergunto
vendo o seu derretimento

como?
diz, rapaz
diga-me sobre as suas habilidades
para enfrentar essa tremenda época
diga-me sobre o seu pacto
com o medo

com o medo

o que você faz?
como?
de que modo?
te interessa falar sobre isso?

você me olha
o cigarro ainda apagado
você o acende
imagino
e pensa
penso eu
acendo o cigarro não para me tirar do embate

isso é bom
é um início
é já outra tarde

o que você faz?

saio da clausura de meu apartamento
mudo de país, por um instante
uns dias, uma semana, quase isso

e daí?

escuta
saio da segurança
do conforto e das certezas
vou só comigo
para ver no outro que me estranha
se existo apenas para meu vícios
ou se posso também existir para
compor junto outro caminho

compreende?
você me pergunta
sem nem perceber
eu fico mudo
eu não tenho que te dizer
eu fico quieto
não como quem foge
mas como algo que
te convida a ir
e não mais a dizer

não diga

afunde

precipite

o risco é apenas este:

morrer como quem vive

ir como quem não se importa mais em ser.

ir como quem não se importa mais com o se.

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Sala de Casa

Não vai dormir?

Sono não me falta.

Falta?! Por que você ainda usa essa palavra?

É mais costume ao dizer do que propriamente trauma.

Espero mesmo que seja só o costume. Que já não é bom.

Demora um tempo até o sofrimento virar afirmação.

Explique-se.

Demora. Até você explicar ao seu corpo, fazê-lo entender que o sofrimento, apesar de genuíno, é despropositado.

E como você faz isso?

Gasta tempo. Tem que se deixar sobre o chão de casa por horas a fio. Mas sem relaxar. É preciso ficar atento. É preciso concatenar os fatos e fazer com que se perceba que apesar das belezas, apesar das revoluções, ainda assim, um corpo é sempre só. Só um corpo só. Ainda que acompanhado, um corpo é sempre só um corpo.

Teoria confusa essa.

Não precisa ser outra coisa.

Mas é clara? Eu pergunto: para o seu corpo? Ele, o seu corpo, ele entendeu?

Sim. Não tenho dúvidas.

Como você consegue?

Ele compreendeu e não precisou dizer nada. Balançou a própria cabeça, não em consternação, mas em compreensão.

Nem teve lágrimas dessa vez?

Nenhuma, acredita?

Acho precária essa sua situação.

E a sua não?

A minha?

É.

Ah, é outro tipo de precariedade.

Diga lá.

Não sei se posso.

Por quê?

Não compreendi de fato tudo o que estou sentindo.

Ah, então algo te falta?

Rancoroso você, hein?

Não, mas se escute: "tudo o que estou sentindo"! Tudo mesmo?

Não quis dizer isso. Foi costume. Como você disse anteriormente.

E o que mais?

Eu estou inflado. Estou completo. Essa é a minha condição mais precária porque me faz esquecer de quem eu sou, de como eu sou quando liberto de tudo isso, sem todo esse... Como se chama? Esse, não é amor, esse enamoramento todo, compreende?

Ele se deita sobre o chão da sala.

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Praça Pública

Como você está?

Pareço angustiado?

Não diria, apesar dos ombros altos.

Meus ombros?

Estão altos novamente. Excitados.

Não estão excitados.

Estão tensos. Preocupados.

São muitas responsabilidades.

É o que mais?

Nada mais. Tem algo mais além disso?

Tem tudo aquilo que julgamos desnecessário.

Vai me dizer que isso importa. Eu sei.

Sabe que eu vou dizer ou que importa?

As duas coisas.

Que coisas?

Sobre o que poderíamos conversar?

Você está apaixonado.

Um pouco.

Consegue medir?

Estou tentando não exceder os limites.

Há limites?

Sim, eu inventei alguns.

Para quê?

Não sucumbir.

Oi?

Estou muito apaixonado.

E não está sendo correspondido?

Estou.

Então? Falta o quê?

Ele aqui.

Ah... Entendi tudo...

Por que a reticências?

Quais?

Essas, na sua fala anterior.

Eu não usei reticências.

Usou sim. Deu para ver.

Certo, eu usei. Duas.

E quer me dizer o que com elas?

Que de novo não, né?

Não é de novo. É o mesmo, mas diferente.

Por isso você fala de limites, de não sucumbir, porque você já sabe onde tudo vai dar.

Eu deveria não sentir o que estou sentindo?

Você não deveria estar aqui comigo. Não sou uma boa companhia para amantes do amor.

Ainda nessa? Você ainda está nessa?

Estou.

É direito seu. Como é meu estar apaixonado.

Cada um tem o que merece.

É. Ou aquilo que quer merecer.

Tanto faz. Eu vou embora.

Vá...

Você usou reticências?

Usei. Para deixar a conversa em aberto e você poder voltar.

Obrigado.

Nada...

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Disrruptivo

Cambiei o destino previamente traçado.

Tudo seguia, tudo seguiria
um pouco mais
Porém, de fato,
Hoje tudo transtornado.

Agi como se não pudesse
esperar
Sem esperança, agi direto
Desfazendo o que mais amava.

Certo ou errado não fazem sentido.

O que sinto é maior que o grande
ou o imenso, que um pequeno ou um frágil
O que sinto agora, após tamanho desvio
que fiz para outra direção que não
Seu peito
O que sinto sobrevive cá comigo.

Lo que siento sobrevive.

Por mim
Por ti
Por nós quando formos nós
Novamente
Noutro abraço

Noutro agora

Noutro aqui
y ahí.

domingo, 16 de abril de 2017

Uma tristeza

Acontece, não?

O que fazer?

Costumas dizer que é importante
lidar com a atualidade do que tens
que é sábio perder os ideais
Viver com os pés no chão.

Mas,
e quando dói encarar a realidade?

Dói, apenas.

Tem que doer.

Você viveu o momento?
Viveu as coisas todas sem antecipar
este, agora, presencial, tormento?

Sim, mas não.
Não, mas sim.
Talvez.

Mais uma vez.

Eu perdi.
Eu o perdi.
Ele, o outro.
Eu, ainda hoje,
estrangeiro de mim.

Para Lucho.

sábado, 15 de abril de 2017

Hermoso

Sus ojos.
Deja que te mire ellos.

No sé las palabras exactas
Para decir todo lo que siento
Después de estar con usted.

Usted eres solamente vos.

Solamente.

Sobrevivo en silencio
Miro a la belleza de su sonrisa
Y el me dice:
"Gracias por estar con ustedes".

¿Algo mas?

No podría decir.
No importa.

Podríamos hablar de aviones
Yo allí y aquí
Estamos en el camino
sin nombre

y entonces,

Un beso más.
Y otro.

Aquí.
En el ojo.
Ceja.
En el brazo, el pecho
espalda
En todas partes
Hoy somos un cuerpo que viaja
y luego otro mundo se vuelve.

Nuevo.

¿Como se llama?

Este?
¿Qué?

Como llamar a esto lo que sucede entre nosotros?

Para Lucho.

segunda-feira, 10 de abril de 2017

introdução

ao menos
uma diferença
por um dia
que seja
ao menos uma
uma diferença.

deverás introduzir
a cada manhã
um gesto
que seja
apenas um
mas, diferente.

poderás saltar
dar um salto
dar um sorriso estridente
dobrar as pernas
como se quisesse
dar-se um nó.

de fato
não pode assim ser tão fácil
ver o costume te plastificar;
introduzir uma diferença
a cada dia:
eis o seu novo princípio.

para quê?
perguntam os céticos
em plantão online
sozinhos e ultra comovidos.

ora,
eu respondo sem metáforas:
é para duvidar
para duvidar de quem se é
para questionar não os motivos
mas os gestos.

questionar os gestos
os hábitos e suas morais
questionar não como quem espera resposta
mas como quem deita
ao longo da parede da cozinha
colado ao chão sujo de refeições passadas;

duvidar como quem inscreve neste mundo a dita febre
cousa louca e insensata.

ao menos por um dia
num instante
feito um raio
que foge do sol
e desnorteia a inteligência acostumada
eu te peço:

tome o café da próxima manhã
com a cadeira da cozinha
sobre você sentada.


anônimo

sábado, 8 de abril de 2017

Iago

Nem sei o que dizer.

Passei.

Vi por trás.

Cruzei a rua.

Deixei para trás.

Sentei na calçada.

Passou por mim.

Olhei.

Olhou.

Olhamos.

Seguiu mesmo assim.

Fiquei.

Olhou de volta.

Olhei.

Andou.

Olhou de volta.

Eu continuava a olhar.

Andou mais.

Fiquei olhando.

Olhou de novo.

Meio que sorri.

Parou.

Apaguei o cigarro.

Quantos metros?

Uns oitenta, cem, cento e poucos.

Ele veio.

Bebi outro gole.

Ele disse oi.

Eu também.

Iago.

Diogo.

Um beijo.

Outro.

Outro beijo.

Beijo do outro.

Disse adeus.

Disse tchau.

Passou assim.

Assim estou.

Beijado.

Estacione

Vem
Pare aqui
Ao meu lado.

A fumaça por vezes passa
Resta o silêncio
Entre nós
Querendo desatar.

Vento frio
Leve frio
Mas frio

Noite branda
Escura noite essa, não?
Por que não?

Confesso
Sua letra
Seu cabelo. Seu sorriso
Aquele abraço

A beijoca
Assim que se diz?
Aquele beijo estridente
Estupendo
Aquele
Aquilo
Isto
pois então

Fiquei demente.

Não pare
Não parte
Não vamos terminar

Continua
Mais
Mão no rosto
Abraço no laço

Não estacione
Vamos
Força

Até já, meu bem
Até já.

Subitamente

Tudo se choca
Mas nem tudo desmorona.
Algo fica, inerte e dolorido,
Acenando ao futuro
Outro possível que não o vivido.

Você estava lá
Lá você esteve
O baque o susto o tiro
Tudo é tão instante

Você está aqui
Aqui você estará
Uma noite ou duas
Quem poderá te dizer?

Inerte em poesia que machuca
Lentidão para quem não tem calma
Música longa para quem não tem
Escuta,
Pare
Um pouco, o corpo lhe pediu

Repasse para o fortuito tempo
A solução do seu desencadear.

Você ainda está vivo
Então viva o que a vida te dá.

quinta-feira, 30 de março de 2017

Poxa

gostoso você

você é bem gostoso

gatinho você

você também

então como faz

como faz

para a gente se comer

não sei

como faz

sem ter que saber

como explode

um no outro

e faz acontecer

aquela coisa

aquele treco

aquele eco de pele suada

brotando o vir-a-ser

como faz, moço?

como faz para a gente um no outro se meter?

o que resta

continuação, apenas

isso que segue
aquilo que cola
o que fica
e desenrola

fica apenas o resto
que sobra

apenas a ida
já indo
o avante
ao vento destemido

ventania
um silêncio quase sacro
um futuro velho
onde estaremos cheios de histórias para contar

em roda
por favor, eu peço
em roda
por favor, eu imploro

um futuro
em roda

quarta-feira, 29 de março de 2017

Estalo

Seria preciso escrever o mundo
Tal como ele parece ser.

Depois, com esforço,
Seria preciso desentender
Tudo
Desde o princípio.

Algum vínculo, um elo
Par de pernas
Algo reconhecível. Seria preciso
Não estranhar tudo, mas, antes
Reconhecer.

Jogo de espelhos.
Nada narcísico.
Há tanta coisa bela nesse mundo
Mas onde mora o precipício?

Seria preciso vagar até encontrar.

Nada para amanhã.
Hoje sobrevive inerte nosso mesmo
Nessa pança que pousa ao meu lado
Nessa música que nada me afaga
Nessa fumaça redundante e, sempre,
Tão distinta.

Seria. Preciso as palavras.
Não conseguiria dizer.
Por isso, ele continua.

Perguntas vãs

Disse que não
Que estava tudo bem
Que o sol acordava e dormia
Assim como eu também.

Quiseram mais
Quiseram tudo e ao fundo
Perguntaram sobre o remédio
Sobre o coração, sobre os medos
Todos os sustos.

Disse que não
Que não era nada disso
Que era só uma paz
Como nunca antes
Era paz o que acontecia comigo.

Não bastou
Disseram mais
Disseram sobre o cansaço
Sobre o câncer, o cigarro
Disseram sobre o mais que se esconde
No todo.

Disse, sem repetição, que não
Que não
Não se trata disso
De nada disso
Não, eu imploro, me escutem
Não é nada
E então

A noite veio
O dia tropeçou meu silêncio
Com sol e caminhão de lixo.

Não é nada
É só que a gente muda
Mesmo quando acha que será para sempre
AQUELE ISTO

NÃO
Não
Se acalmem, meus amigos
Eu só estou em paz
Antes comigo
Antes comigo.

segunda-feira, 6 de março de 2017

A possibilidade

Estava presente
Junto, ao lado
Sempre
Contemporaneamente.

Tentando não antecipar
O futuro
Ele segurava a poltrona
Como se nelas morasse
Sua vida.

Instabilidade.

A Palavra que agarra.

O avião rasgava as nuvens
Ele se perdia
Rumo ao dentro de si
Ele sabia
Que sim
Que poderia
Que Talvez viesse a ser rápido
Tudo muito rápido

Morrer

Muito rápido

Seria tudo como um susto
Seguido das ruínas
Para os que ficaram.

Depois que tudo se estabilizou
Ainda cruzando o ar
Pensou se era possível
Aprender alguma coisa
Com aquele breve e tremendo
Pavor.

Daí o avião pousou.

Depois

Você se encontra
Parado
Uma das mãos
Na testa
Apoiada

As unhas
Hoje limpas
Passeiam pelo rosto
Com a calma
De quem sobreviveu
Ao amor que morreu

As crianças ao redor
Te olham
Curiosas
Algo em você
As estremece
Seria a sua paz?

Seria o seu espanto
Em densidade
Concentrado?

Depois você perceberia
Que o amor acabar
É coisa própria
Da vida.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

sobre o desejo

por agora?

quase nada.
desejo apenas durar
nu
neste calor
em meio à passagem
das horas.

adiante?

é difícil para mim
projetar o que ainda
não veio.
prefiro, quase sempre,
não projetar.

e o desejo?

ele está aqui
ele sempre comigo está

não te alucina?

o quê?

não ter o que desejar?

desejo
sempre desejo
desejo o gosto agora já na boca
desejo o som
essa música
desejo estar aqui
com essas pessoas.
é preciso desejar mais?

não

não mesmo

desejo não é acúmulo
é apenas sabor.

certa vez

acreditei que a poesia só existira se houvesse uma grande dor me comendo por inteiro. depois tive certeza disso. noutro depois, continuei acreditante. ainda que trouxesse comigo alguma dúvida - não me dou bem com fatos - eu continuei movido. adiante.

aqui estou agora. certo de que só a dor escreve através de mim. mas, se não estou doendo assim, como fazer poesia? precisa ser feita, a poesia? eu preciso escrever? é preciso, talvez, desvincular dor de criação.

por isso sento a bunda nesta cadeira. acendido o cigarro, já meio embrigado, eu escrevo não bem uma poesia, eu escrevo sobre o escrever. talvez, mais do que a dor - eu agora consigo supor - a fascinação me desse motivo para um bom verso.

me perco das finalidade. poesia não serve para nada.

viver serve?

01 flagra


sábado, 18 de fevereiro de 2017

Uma deixa

É certo.

Nada está estático.

No gesto
Fazemos um laço.
O que houve?
Fomos juntos
Sobrepostos
Simultâneos
Inesgotáveis.

Um silêncio antes desse voo.

Uma paz, apesar de muita coisa na mala.

Uma paz que não esboça pergunta
Que se esqueceu das respostas.

Num instante
Suspenso
Eu volto a ser mundo
E ser homem
Se torna o menor
Dos tormentos.

Fico com as nuvens.

Resto só no vento.

A vida
É certo
Não precisa de tempo.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Porrada

Você ouviu o que lhe disseram?

Se sim, tenho certeza, você percebeu
aquilo tudo não era palavra.
Palavra palavra, palavra não era.
Nem vou dizer que era mais
Nem pedirei que comprovem aquela estranha consistência

mas,

uma pausa,

talvez fosse melhor recomeçar.

Você sentiu o que aquelas palavra lhe fizeram?

Se sim, seria uma pena imaginar onde você possa estar agora.
Sobre qual maca, desdentado em qual nível...
Seria uma pena
imaginar seu corpo antes tão exibido
assim agora tão ultrapassado
tão arrasado
tão falido.

Você sente o que houve?

Havia força.
Intensa.
Crua força intencional.
Havia um discurso.
Mas era tudo em ato.
Coisa que deveria ter sido um dia o nome que dizem ser poema.

Poema ali foi um soco.
Uma porrada.
O único e determinante
atual
Problema.

É essa a questão?

O que te houve quando o poema te há?
O que te ocorre quando o poema te soca?
O que te resta quando o poema te espanca?

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