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sexta-feira, 30 de julho de 2010

pipoque-se

pipoca, você salvou o meu dia.

mastigo seus milhos não todo estourados. sobrevivo nesse gosto meio opaco meio salgado.

os dedos transigem sobre as letras do teclado e nenhuma palavra é tão seca assim, estão oleosos.

quero mais. salvaste meu dia. olho agora de soslaio e descubro: há uma pipoca no chão
ainda não comida.

 

enter.

 

já não há mais. continuo nos milhos. que beleza, que suplício. escrevo numa só mão, enquanto a outra agita-se entre o pote de vidro e a boca. os dentes no auge de sua força. rompendo milhos, mil milhos, a língua sugando o sal e fazendo pressa nas letras que ambicionam dizer sobre isto, sobre este encontro, sobre esse início de madrugada que já se desesperava e ia se perder.

mas, não! ainda os mastigo. e deixo que um ou outro escape ao chão e vire segredo.

é o mesmo cd tocando desde cedo. mas você, pipoca, você veio e me levou com você. sem chance de retorno. eu só volto, porque volto agora melhor.

os últimos milhos mordidos. os dedos feito crianças se limpando no moletom preto antigo.

que prazer, pipoca.

uns morrem para que outros continuem vivos.

espero servir de morte para que alguém um dia permaneça vivo.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Se o Fim

Esgarço.

Na infância era a genitália,
na adolescência foi a cor dos cabelos e as linhas dos sapatos
na vida adulta, esgarço eu o tempo
Tentando me manter dele sempre ao lado.

Mas agora… Agora…

Que difícil têm sido existir sem exigir de si próprio uma intervenção cirúrgica.

Que difícil a vida sem corte ou agulha e costura… Tenho medo de gangrenar, ao perceber que o meu corpo também se acostuma. Que meu corpo, também se autopieda,

e Autocomisera,

e dilacera-se,
automaticamente
no tempo de acender e fazer incompreensão virar cinzas.

[ApArEntE]

Sim, estou seco de sangue
Não tenho lágrimas nem para mim
nem para o bicho atropelado na saída do prédio.

Estou seco, vendido, sem máscara nem acentuação
a rima bate em mim e eco
sem fim
fazendo tudo metaforizar um desejo de sumiço
Desaparecer.

Não tenho lágrimas para mim mesmo. É isso,
é hoje sem dúvida o que está doendo
e dói sem fazer rangido
dói hoje conformado
todo o meu corpo
Eu não tenho solução no horizonte
E no entanto tudo está bem
tudo está morno

Acho que é só o cansaço.

 

 

 

Queria poder desenhar a vida, como se faz com as cenas de teatro
Queria poder mudar a intenção, ainda que a ação fosse sempre e outra vez a mesma

Esse ir, se desfazendo em meio ao tempo, lançando o corpo solto no espaço
e respirando, como se quisesse enfim ficar cheio de vazio

Repleto de qualquer coisa
Repleto de alguma coisa.,

domingo, 25 de julho de 2010

o filho mais novo é o mais terrível...

e não cansa de me dar trabalho. por que fazê-los? acho que para olhar seus olhos e reconhecer – de vez – o quanto somos – fomos – autoritários. filhos, os melhores que eu tive, vocês são cheios de defeito e eu, sou hoje ainda mais repleto. não cansem de quebrar. estarei aqui de novo outra vez agora pronto a costurar, cada pedaço, cada parte. podem brincar. eu preciso me acostumar com suas idas e não voltas. acostumar com seus gritos de brincadeira, acostumar com a rima da sua prosa. eu preciso, filhos. aquilo que só vocês podem me dar.

01

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Testamento

Ele disse a mim mesmo:

quero fazer poesia nos próximos nove mil dias
e depois? eu o perguntei
e depois: disse ele convicto
Poderei então morrer de amor,
assim como morrem os homens nos livros.

T E N TAÇÃO

não consigo partir, disse o menino olhando a tela arranhada
não consigo, não posso, nem quero, refez a rima
no olhar, as ondas iam e vinham
e do outro lado
ela não percebia nada

sua voz em bytes
sua pele em pixels
nosso amor renderizado
nosso amor em zip
em mov em jpeg

não consigo ficar, disse a menina olhando para ele de dentro da tela já embaçada
não consigo, não posso, nem quero ser alvo da mentira
no olhar, em fade foi sumindo
primeiro a pupila
depois a retina
depois sumiu o resto
o rosto
sumiram-se todas as rimas e ele
persistente
gritou!

não consigo partir, não consigo o amor

a conexão não tinha caído
a velocidade era a maior desde então
era só que ela lá e ele aqui
não conseguiam ser de fato união

e cansaram da vitória dos que estão longe e se amam
cansaram dos telefonemas, de gozar junto, mas à distância
e cansaram de imaginar
tinham a cabeça pesada
os sonhos confusos
a realidade inexata

não viviam de fato a vida tal qual ela era.

a vida tal qual ela era, não era algo que se devesse viver:

ela saiu do quarto e desceu as escadas
ele chorou copiosamente e sentou-se à cama

e então veio o tempo
e ela chegou ao térreo
e ele parou de chorar

prontos, para começar tudo de novo.

f l e r t e

Quero
e nisso ao pensar
nem espero
trago para dentro de mim
seu corpo feito neurônio
despido em meio a outros sexos
que não somente o meu
que não somente os teus

Revelo
a mim a mim só a mim
como sou sujo porco imundo
perdendo-me em você
refeito ao cúmulo
apenas para satisfazer
minha incompreensão

Se vens ou fica
se vais ou parte
eu não sei não quero saber
em mim eu recrio tudo aquilo que me invade
em lance
na esquina

em mim eu dou tempo para as ficções mais desmedidas
todas testam em mim sua plausibilidade
ou não, eu veto
o comum
o simples
eu não quero

sou fã das grandes alegorias
sou fã do jogo improvável
que consegues fazer com as mesmas rimas.

Quero
e nisso de te querer
de mim eu me solto
de ti me liberto

querer é o verbo mais livre
é a rima mais fatigada
todo mundo usa
e mesmo não a sendo

lá se vão os olhos fechando o horizonte
e concretizando em pensamento

aquilo que ainda hoje eu
espermo.

sábado, 10 de julho de 2010

Circulação

Diga outra coisa, sobre outro assunto, use outras palavras, por favor, eu te peço: não aguento mais a conformidade de nossas coisas, a conformidade de nossos desejos. Tudo atira para o mesmo buraco e com o tempo o buraco vira fossa, vira precipício, nele eu caibo inteira. Ela o diz. Ele a olhando. Não tinha que ser assim, não precisava, não precisa, ainda há tempo… O que você quer? Ele nada diz. Nada? Ela o pergunta. Ele fica mudo, não precisa falar nada porque sabe que ela… Você é incrível, sabia? Melhor! Você é impagável? Será mesmo que vai durar muito tempo preso dentro dessa resignação orgulhosa? Não vai quebrar, não vai sair para passear, onde está você dentro desse você que escolheu ser para amenizar o percurso? Desculpe-me. Você deveria ter sido mais prudente. O tempo avançou, você sabe, ele não para. Ingênuo. Se olham, talvez pela última vez, é só que você nunca existiu de fato. Apenas ficou alimentando em si um futuro que agora acabou de chegar. Portanto, eu me despeço. Não dava mais para continuar contigo. Está cada vez mais pesado e gordo. Está cada vez mais estático.

Avançou até uma gaveta e dela retirou um martelo. Espatifou num só tiro o porco de cerâmica todo pintado. E fez jorrar sobre o chão da sala um rio de moedas, hoje, já nem mais em circulação.

O tempo tinha mesmo passado. Os sonhos não aguentam muito se trancafiados, descobriu, antes de tomar o banho para dormir e perceber mais do que nunca que sozinha estava. Sem porco, sem sonho aprisionado, sem destino sendo feito, alimentado…

domingo, 4 de julho de 2010

Ela deu o PLAY

Ela o diz, eu queria ter tudo escrito, para te explicar, te fazer entender. É tão claro, meu amor, não duvide disso. Eu vou conseguir acertar tudo só preciso de um pouco de calma.

Ele de pé sem mover um músculo.

Quero saber o que vai ser de mim quando você se for. Quero saber que destino pode haver lá na frente, ainda escondido, ainda incapaz de ser dito, qual?

Eu não aguento, ele disse sendo por ela imediatamente silenciado.

Fique assim. Não fale nem se mova. Vamos fingir que eu estou só. Eu quero saber o que possa ser isso.

Você não está só.

Mas e se estivesse?

Não estaria comigo. E eu estou aqui. Anda, me deixa sair.

Você não pode falar.

Eu posso, não falo porque você pediu…

Eu te peço.

Não. Eu cansei. Eu não vou tentar prever o que não sabemos se virá.

É um jogo.

Eu cansei de jogar. Quero partir. Por favor, me solta.

Não te interessa?

O quê?

Saber o que possa ser a solidão? Saber com força, saber de verdade o que possa ser a solidão?

Não. Não me interessa. Eu tenho você. E você a mim. Que papo é esse, eu já pedi, me solta!

Pois vamos supor a partir de agora que sou eu quem parte. E é você quem fica.

Chega!

Eu vou sair, descer as escadas, dobrar a esquina… E você vai continuar aqui preso, algemado nesta cama velha e pesada, cama da sua avó, se lembra? Eu vou, antes de sair, regar as plantas, dar-lhe um pouco de água, eu vou ligar o som e deixar bem alto tocando aquela música que tanto lhe traz graça… Para que possa durar por mais tempo sem mim.

Ele respirou fundo e abaixo a cabeça. Ela de súbito foi ao aparelho de som e deu o play.

Foi à cozinha, voltou com um copo cheio de água. Lançou para dentro da bromélia. Estava sedenta. Bebeu tudo. Nada para ele sobrou. Cruzou a sala bateu a porta e ele em silêncio, tentando acreditar se aquilo era aquilo ou era um sonho um pesadelo uma coisa qualquer, dessas assim, sem explicação.

sábado, 3 de julho de 2010

Alexandre,

Cansou de ser mijado. Cansou de não ficar quebrado. Cansou de sequer estalar sob o sol. Cansou de ser alguém poroso. Cansou inclusive dos flashes, apesar de não ter contraído nenhum problema de pele com tanto foco foto aperto e abraço. Alexandre cansou de ser tema de músicas. Nunca as ouviu. Cansou de imaginar os filmes que protagonizou. Cansou de servir de mote, cansou de fazer pose cansou do tamanho sempre igual da sua genitália. Cansou de ter sido desde cedo depilado a laser, porque nenhum pêlo retornou, a meleca não escorreu, o xixi não desceu e a barba nunca lhe veio, como pode? Começou a suspeitar. Trata-se de um fato. Fato são coisas assim tão concretas como pedra. Pensou nos amigos que já teve mas que o abandonaram quando vinha a chuva ou o sol a pino. Pensou nas moças que acariciaram seus mamilos, sempre endurecidos. O que poderia ser a experiência de ter o corpo mole e cansado? Ele nunca o soube. Um homem sem ereção, destituído da vida, mas a ela completamente atado. Pensou que os deuses haviam se voltado contra ele! Mas assim como ele os deuses também estavam presos, capturados. A ele foi proibido ser processo, ser caminho, ser outra coisa que não modelo. Ele teve que desde sempre ser resultado. E cansou, gente, de fato. Cansou dessa lindeza, desse rococó nos cabelos e nos pentelhos. Cansou do seu corpo, da tanga, dos sentimentos endurecidos, das veias secas e do sorriso contido. Quis gritar, quis morder, quis trepar, mas não sabia o que nada disso podia ser. Não sabia. Alexandre estava destinado a este fim sem conclusão. Estava destinado a sofrer sob a luz e também na escuridão. Até hoje, quando vim aqui escrever pedindo aquilo que persiste duro em cada gesto nele frisado: alguém me quebra! Alguém me chuta! Alguém me chupa até me fazer sair do lugar, alguém me come, alguém põe fogo em mim!

EU NÃO QUERO MAIS SER PEDRA! PREFIRO SER PÓ E CONSEGUIR VOAR. EU QUERO CONHECER O MUNDO QUE ME DISSERAM TER CONQUISTADO. EU QUERO IR AO CINEMA, AO TEATRO, EU QUERO COMER UM MC DONALD’S. EU QUERO SAIR DO LUGAR!

Bom, fica a dica para aqueles que se sensibilizarem com a causa. Alexandre nunca comeu almôndegas. Basta quebrá-lo e levar uma parte sua para passear. Ele me disse, sem falar nada sem sair do lugar, ele me disse: me deixe morrer, estarei mais vivo do que se possa imaginar.

Nosso Maior Fato Consumado

Algo que te fizesse bem, ou mesmo mal, não importa, sobrevive apenas a importância deste gesto, saindo daqui indo rumo a ti, por você produzido, para você destinado. Assim, direto, feito seta com flecha e cravo. Feito tiro de festim florido, tiro carícia, forte e pesado, todo assim cosido no fato maior nosso consumado. O que eu poderia te contar, a uma hora dessas, que te fizesse sorrir? O que te contar, qualquer coisa serviria se eu viesse a ter certeza, que o que dissesse seria, enfim, capaz de te fazer gelar. Sentir frio. Fome. Medo. O que eu dissesse viesse assim e puf!, te fizesse correr, morrer, gritar, chorar. Ou não.

O que poderia dizer a você que o fizesse continuar assim, atento, lendo seu livro nesse silêncio que agora você me pede ao me deixar trancado neste quarto entretido entre as palavras que escrevo para não gritar a você?

O que eu poderia te contar se de repente assim você se erguer dessa poltrona e de mim se aproximar? Que revelação eu seria capaz de lhe entregar se você vier agora, neste instante, e entrar no quarto como se quisesse amar? Eu aqui fazendo perguntas para responder aquilo que você teima em não me perguntar. Eu testando respostas para aquilo que gostaria, mesmo, que você fosse capaz de fazer nascer… Entre nós, alguma dúvida, alguma falta, alguma coisa além da cama mesa e banho.

Você sabe que música toca dentro de mim agora?

Sabe a cor dos meus olhos quando você se afasta? Sabe de cor meu cabelo, meu medo, meu desassossego? Sabe o que dói, o que vibra, o que me põe em chamas? Não precisa saber. Mas me pergunta que eu te explico. Eu te tiro para dançar. Eu faço contigo todas as mudanças que os novos tempos querem fazer brotar. Eu instauro o movimento eu o faço durar. Só, por favor, saia desse romance bobo e vamos escrever juntos as linhas ininterruptas que serão a prova viva do que hoje já não mais sabemos ser o amor. A poesia não existe nos livros, meu amor. Alguém teve a terrível ideia de as vender e juntou tudo entre folhas e palavras, tirando de ti a possibilidade de escrever seu verso. Eles estão perdidos, soltos por origem, aéreos por definição. Portanto, volta. Sou papel, sou caneta, sou espaço outra vez vazio para os seus, os meus, os nossos disparates.

Solitária Vitória

Eu não sou seu terapeuta, você sabe disso, não?

Sei. Eu não faço terapia.

Acha que não precisa?

Não é isso. É só uma conversa.

A terceira, em uma semana.

Qual é o problema?

Não é problema. Eu disse que já é a terceira vez em cinco dias.

Sim. Eu sei.

Eu sei.

Então… Eu vim dizer que estou intrigado com o que descobri.

Vamos lá, me fale.

Eu acho que a gente só precisa do outro…

A gente quem?

A gente, nós, todos nós.

Segue…

Eu quis dizer que a gente só precisa do outro…

Que outro?

O outro, qualquer outro, alguém que é, mas não você.

Não eu?

Espera. Deixa eu falar. Eu acho que a gente só precisa do outro para conseguir se ter.

Viagem.

Não é.

É.

Não é.

É sim.

Exemplifica.

Tá. Certo. Por exemplo… Ah… Vamos supor…

Não. Sem suposição. É concreto. Diga, selecione um exemplo seu com qualquer outra pessoa… E desenvolva.

Certo.

O que foi?

Eu pensei numa coisa mas tô em dúvida.

Sobre o quê?

Sobre a gente.

A gente quem?

A gente eu e você.

O que é que tem?

Eu não sei se eu preciso de você apenas para me ter.

Então sua teoria acabou de cair, é isso?

Quem me dera fosse esse o problema…

E qual é o problema? Temos que ter um problema?

Boa… Quer dizer… Não temos, eu quero dizer, ai…

O que foi? Não me faça ficar te perguntando porque vai parecer terapia…

A gente… Não é isso de eu precisar de você para me ter…

Não, eu imagino…

E por quê?

Responda você.

Não, você. Eu te perguntei.

Não, você jogou pra mim a sua vergonha em responder.

Vergonha?

Sim.

Por que eu me envergonharia?

Porque vai dizer que acha que existe alguma coisa além do fato de estar aqui conversando comigo.

Você acha?

Está preso nos seus olhos.

Tá bom…

Não se desmereça.

Eu não estou.

Tudo bem. Então pode ir saindo. Já que você veio aqui apenas para se ter, eu começo a achar que eu não quero servir de trampolim para a sua solitária vitória.

Certo.

Depois conversaremos sobre esse seu orgulho besta.

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