Pesquisa

quinta-feira, 31 de março de 2022

você é como todo mundo


você também mente 

Dispêndio

Quando te pergunto do que valeu
Nem quero saber se algo você aprendeu 
Não me interesso pelos sucessos e fracassos
Eu quero mesmo é saber se você voltou
Voltaste até aquele poema?
Ou o tempo ficou corrido
Não dei conta disso e daquilo 
Ou as coisas acabaram ficando estranhas 
E então?
Voltaste ao poema? 

Leu de novo aquele furor
Daquele dia 
Aquela maldita rima 
Você voltou àquela estrofe
Você encarou de frente
Aquela afasia? 

Quando passa um mês um ano
Quando se concluem os planos 
Penso sempre em te perguntar 
Você voltou ao poema ou só 
O que tu fez foi celebrar? 
Bebeu bastante? 
Dançou enlouquecido? 

E não leu o poema?
Não voltaste ao que tinha escrito?
Não posso ser mais direto 
Mais franco seria impossível
Você voltou ao poema ou não? 
Diga sim ou diga não 

E a tarde tomba
A escuridão é de tremer as pernas
O futuro veio antes
E sofrendo as intempestividades
Morrerás unicamente
Por não ter lido
Aquela merda daquele maldito poema
Que já te dizia, lá no começo, 
Para não ir adiante. 

segunda-feira, 28 de março de 2022

Aos olhos dos outros

És mesmo muito prestativo
Coloca-se em segundo lugar
Para ajudar todos os outros
Sim, de fato, é comovente
És muito prestativo

Mas agora
Quando já não há outro 
Que te veja
Agora eu te vejo
E percebo o quanto

A sua dedicação é proporcional ao seu gozo

Soas agradável 
Soas dedicado
Soas tão maduro
Tão adulto
Descolado

Mas olhando de perto
Perdes a graça e soas
A mim
Um curioso babaca
Um babaquinha

Por fim, enfim, tu és 
A vã tentativa de fingir
A si mesmo que não és 
Assim 
Tanto egoísta 

Mas saiba
Longe dos outros
Sob o seu orgulho
Te acho mais simples
Do que aparentas 

E nem te peço que mude
Pediria, se possível, 
Que ao menos percebesse
Que ser babaca faz parte
Ser babaca faz parte

Só não me peça aplausos. 

domingo, 27 de março de 2022

arrastão

Arrasto 9 dedo e pés assim @coisa se escreve basta arrastrar e pronto a coisa está escrita eu tento não errar mas é difícil ei escorrido o dedo sobre essas letras e procuro a palavra mais próxima e até que funciona é preciso conhecer a ordem das letras no teclado massivos mas funciona d fungicida funciona mesmo é como tudo uma questão de costumar

que fuerte

que força tem o pensamento dessa cabeça que força olha vou te dizer coisa assim não conhecia só por si só ela se agiganta e come tudo e só avança e se tu pensas que era só um pensamento esquece ele já está imenso e toma corpo invade avenida a sua cabeça se dizendo não era nada nem para tanto só que já foi já está dado o sino tocou a fita cortada não terá volta aquilo que pensas tão logo é pensado já te surge e com asas,,

Que tristeza o poderio de paixões tão tristes. 

Hoje você perdeu novamente. 

Amanhã tentamos outra vez. 

sábado, 26 de março de 2022

DÍA

Através da tua pressa, entreouço um resto para ser vivido. Nem muito nem tão pouco, indo além da sua angústia, eu celebro esse sacrifício. Por ter ficado ali, onde não querias. Por ter conjugado de modo tão agudo, o verbo que te deu azia. Respeito a indecisão, celebro vossa ignorância. O seu poema, de um jeito ou de outro, ainda dança. Ele dança. Mais tarde ou mais tarde, verás que ainda brilham estrelas, mesmo mudas. Mesmo hoje, vejas, o passeio te salva da loucura. Diga o que quiser. Não faremos poesia. O bruto pelo bruto há de te salvar. 

destempo

Ah, por certo
Algo escapa
Inclusive dele
Oh, tempo
Uma risada
(palavra feia) 
Ou mesmo aquele brevíssimo toque
Seu na minha nua nuca
Algo escapa
E fora do tempo
Vira mantra

Penso assim
Que aquele instante 
Que aquele brilhante 
Aquele momento 
Ingênuo de tão pequeno 
Sobreviva imenso
Imenso, assim eu penso

Ascese improvável 
Fé desmedida
Aquilo que gostaria mesmo
Era de tocar a tua pele
Toda
Enfim

Já é tarde no país da solidão 
No país da ansiedade é carnaval
Passam-te tanto a mão 
Que findas o dia no fundo mesmo
Sem sobrancelhas

Nunca mantenha os olhos tão assim abertos
Nunca diga sempre
Sempre o nunca e se quiseres mesmo saber
Não importa o antes, quiçá o depois
Estás aqui e acolá é logo amanhã cedo

Ouve

O passado te celebra se fazendo presente 
O prazer ultra passado te reverencia
Junte-se ao poema, ele te pede

A pele rachando
O abafar das asas sonoras
A possibilidade de inteiramente desafinar
O estrondo tímido 
O então é o então será 
Impossível 
Perfeito 
Um adeus

Como se continua se o próprio poema não quer continuar? 

quarta-feira, 23 de março de 2022

Euros

O poema não quer nascer
Ele recusa o meu empenho 
Sabe que preciso dele
No entanto, ainda hoje,
Ele não veio

sexta-feira, 18 de março de 2022

enquanto espero

sigo a escritura
Ela me diz
Não tenha medo 
eu continuo
Ela me pede
Olhos abertos
Venha, venha, venha de olhos bem abertos
eu obedeço

haveria em mim uma tal disponibilidade que mesmo em cansaço ousaria me surpreender

Ela me diz 
Não sabes o que é 
Fique então com o que poderia ser
eu sorrio
divirto-me com isso do vir a ser 
Ela me pede
Sem tantas certezas
Vamos, jogue-se

e de fato há em mim algum pertencer que me estaca no instante e ali eu sobrevivo 

Ele me conta
Sabes bem que nada disso dura muito
Ele me repete
Viver e morrer são apenas palavras duas para um mesmo rumo

em mim um escrito que não cessa, uma escrita que gasta as horas, uma escritura que me vaza da minha noção do que é meu, do que era mundo

quinta-feira, 17 de março de 2022

curriculum vitae

estou vivendo sem anotações
nem fotografias
talvez um dia se necessário 
eu poderei dizer que loucura 
foi um momento muito especial
e me diriam mas nada? 
não tens nada registrado? 
ora, não, eu diria, sim, naturalmente 
tem meu corpo

olhe bem
como a pele
é folha e como
os beijos todos 
viraram textos

na falta de registro
sem documento nem hino
nem abrigo sem arquivo
MESMO
sem graça alguma
ainda assim

olhe bem
estou aqui
e sigo sendo

pegar os pedaços

Hoje te flagrei triste
Mas sem exagero
Te ouvi convocando a si mesmo
Dizendo pega os pedaços 
Pedindo pegue-se no colo
Deve haver algum remendo
Possivelmente há 
E nem escrevo para celebrar
Tristezas antes o faço para listar
Um dos pedaços que já brilham
Quando você imagina, Diogo, 
Ser possível se pegar para descobrir
O que poderíamos fazer para esse
Estranho instante se desfazer.

Já está dado, não vês? 

Que beleza é pedir a si mesmo que se pegue no colo a fim de algum conserto.
Que força, meu amigo, soa até exagero. 
Tua estranha dor não é inoportuna 
Ela te expõe, escuta 

Você é esse aí, 
Chora e brilha, 
Sonha e liga, 
Beija e dorme, 
O balé vale à pena

Sabes que um segundo dura muito e que o sempre sempre passa

Então vai, 
Num canto, 
Cheio de vírgulas, 
Pegue-se todo e por inteiro, 
Aos pedaços se reúna e barroco
Chore-se

Estás mesmo precisando de um bom banho
Banho onde água quente ou fria não importaria 
Banho lágrima que meio morno meio ácido
é só a vida 


far gone

Just drink fuck dance
Right to the disaster 
Ok ok you can tell me
But in a moment or 
In another you would
Have to wash the dishes
So don't tell me that live is 
This easy and destroying 
Game or not you have to
Prepare something to eat 
Or guess what my dear
No fuck no dance no water
You'll just die you'll just be a 
Little memory in someone's 
Never mind 

sábado, 12 de março de 2022

Secador de cabelo

Não, não, não que eu use
mas ter por perto faz de mim
um homem mais quentinho

Não, não, não que eu use
mas nesse frio continental
um secador seca também

meus medos

Não só cabelos
nem só pentelhos
a barba, não só ela

secam também
os medos meus

Eu não sei se vem de Deus o céu ficar azul

Também não sei
mas nessa noite esfriada
o secador de cabelo me embala

Não, não, não que eu ouse
mas algumas revoluções industriais
salvaram minha humanidade

O secador de cabelo
A botija elétrica
mesmo meu coração

Revolucionários
revolucionários
até o amor chegar

sexta-feira, 11 de março de 2022

Perceber

Por meses todas as ruas
Uma só avenida
Sem distinção deslizava
Do lá até aqui
Indistinto 

Árvores as mesmas
Não percebeu diferença 
Carros o mesmo
Mesmo se fossem lanchas
Seria tudo idêntico 

Na ausência de surpresas
Ansioso por novidades
Um dia acordou e se indagou 
Por que outra cidade se toda
Cidade lhe era sempre cidade? 

Não soube responder
Mas seus olhos pareciam
Mais despertos
Ver ou não ver
Uma questão de sentir

Lamber os galhos secos cheirar
O abrigo do homem que passa degustar
O café duplo tão pequeno mesmo
A tua dicção a tua fruta isso
Não, isso lá não havia

Onde então a novidade
Que não apenas na tua
Sensibilidade 
Ou
Não? 

Sair de casa
Como quem mergulha
Em altíssimo mar
Meu amor
Viver feito aventura

quarta-feira, 9 de março de 2022

Na antessala

Escrevo como quem.

Como quem pudesse
Apenas por escrever
Desembrulhar a mudez
Do mistério que grita. 

Não escrevo para livros
Mas para livrar-me do
Susto. Este sim agora
Escrito em mim. 

Teria sido mais fácil 
Ficar a ouvir histórias 
Mas ao escrever destituo
O império desta hora. 

Dura menos o espanto 
Agora mais na medida
Do necessário que não se
Calcula

Escrevo por distração 
Escrevo porque cura
Escrevo como quem 
Está perdendo tempo

Na antessala da loucura. 

terça-feira, 8 de março de 2022

Esforçante

Seria como um susto
o instante em que ele perceberia
que mesmo em sua solidão
tinha medo de se permitir
felicidades

Como um susto
invadindo a tarde
e queimando a torrada
ele enfim perceberia
que seus medos vieram de uma hora bem mais tarde

Perguntaria o que fazer
se deveria conversar com um amigo
se deveria escrever o que anda sentindo
e mesmo com possibilidades
seria tudo inverossímil

O padrão dos séculos
em seu corpo faz colônia de férias
pensou chocado e debochado
O padrão em ti encontra um solo
para vingar e quem morre é você

quem morre é você
disse tudo em voz baixa
para não se ouvir dizendo
o tal dizer que confirma sim
quem morre é você

quem morre é você

desprendendo-se do tormento
brilhando ao relento do abandono
de si próprio a constatação agora
se fazia ouvir e se impedindo das
alegrias quem morre é só você

e ainda morre sozinho

sem alegria

sem a efetiva possibilidade
de um gesto inédito
te acontecer

quem morre sozinho

é só você

você quem pode

(você) quem pode correr
quem pode vazar
desorientar-se dessa sina
ensimesmante e que tanto
te esgota

seria trabalhoso
estar vivo também é
seria de um esforço imenso
e redundante esforçante mesmo
o baile necessário para te salvar

e devolver à vida

sem solidão tanta

sem morte debutante

só com alguma sua alegria
agora colada no seu encalço
fedendo o seu próprio bafo


Um afago mínimo, quase sem força

I.
Súbito
O teu espanto seria todo o mesmo
como pode recusar um carinho desses
como pode?
E então veria a si mesmo no susto
embebecido
Não é que eu não queira
você diria
não é que eu não goste
confessaria
É só
apenas
que eu não sei
Eu não sei
e os homens ao teu redor ririam muito
ririam de ti
ririam de si próprios, porém mudos
É que é difícil mesmo ser vizinho do calor
quando se foi ensinado a ser tão autossuficiente
tão firme
tão forte
tão orgulhosamente homem


II.
Mas nenhum erotismo em causa
nem muitos arrepios nos pelos
nem viria sequer por ti
nem por outro homem
O carinho, afago mínimo
viria por acidente
seria fruto de um esbarro
o famoso esbarrão
dela que cruza por ti
no meio do salão
e faz roçar na sua pele
a pele do pano felpudo
Um arranhão, um rasgo delicado
o arrepio que te acarinha é o susto
já interpretado, pois assusta
ser amado
quando por tanto tempo
pensou que isso não era para você


III.
Você agora na avenida
procura pela noite onde se encontrar
deseja se possível ancorar
Está tudo bem, você se diz
trêmulo
faz frio
onde ela está?
Você se pergunta, mas dentro
você sabe que a procura é toda em si
é sua contigo sozinho
Passa as mãos nos braços frios
vasculha os bolsos da calça
o suéter não tem bolso
você percebe
Pela primeira vez você percebe
Que o suéter não tem bolso
ora
também algumas coisas não estão prontas
para receber algum amor


IV.
E quando menos você espera
quanto mais cansado você se torna
já na porta de casa
a rua entre silêncios e barulhos abruptos
um cão despelado se aproxima de ti
e ainda que você pense na lepra
no cancro
nas feridas visivelmente no cão brilhando
ainda assim você deixa
que ele
de ti se aproxime
e emita aquele som que diz
durma bem, camarada
Você estaca com a mão presa no centro do ar
você quer mas diz que não pode
você quer se desafiar mas algo em você é mais forte
de ti o cão se aproxima
sua mão desce até ele
ao que ele se distancia
e no céu pouco estrelado daquela noite
você lê a constelação do momento
O fato de receber um afago não quer dizer que seja preciso dar outro em troca
aqui não há escambo

aqui não há escambo

Você bate a porta.

A besta

Lá está ela
mais uma vez sobre a ponte
no rosto, o dito semblante
a força que a impele
aos futuros

Sabe bem que não pode isso
que não deve aquilo
sabe bastante que no caso dela
o fim é sinônimo de muitos
inícios

E mesmo assim lá ela está
sobre a ponte outra vez
em sapatos firmes e esverdeados
ela ciente de que lhe abriram
risos e braços só porque sim

Mulher
como sou
sempre existiu
Já não é essa a questão
já não é essa a questão

A questão parece ser
a questão é
quantos homens feito você
precisam repetidas vezes
desaparecer

desaparecer

E cruzou a ponto
bem agasalhada e fiel
ao sorriso que outrora
disseram que em seu rosto
se chamava bestial

sexta-feira, 4 de março de 2022

Sem palavra

Eu tenho uma imagem para qual palavra
ainda hoje
não encontrei.

De fato, imagem que escapa
à nomeação, que esquiva
ela o é.

Imagino uma bolsa mediana
do tamanho de um estômago
humano.

É uma bolsa selada, porém,
dentro da qual sobrevive
o âmago.

E então agora começa a imagem
a imagem que me acompanha
faz anos.

Nesta imagem uma pinça
um gancho uma coisa sem nome
ataca tal bolsa

o âmago sendo tentado.

E a imagem é só isso
apenas esse gancho meio que
puxando
meio que riscando e enjoando
o centro do âmago da bolsa
que não estoura.

Durmo e acordo
faz anos
na iminência desse arrombo.

Vago continentes não encontro
seu nome sua representação
aquilo que te simplificaria ao passo
que lhe daria algum
contorno
não encontro.

O ganho
A bolsa
O âmago
Essa mão que não é mão
Esse gesto tão ação
não não, eu penso

não deve ser eu comigo mesmo, certo?

esse gesto tão ação será eu comigo mesmo?

não não não

não não não

quarta-feira, 2 de março de 2022

22h00 - ONU confirma que já morreram, pelo menos, 227 civis na Ucrânia

Não os conheci. Não, os pelo menos 227 civis, não, eu não os conheci.

Caminho pelas ruas de outro país, em silêncio.

Cruzo por senhoras que leem os jornais do dia.

Na cafeteria, televisor ligado, o atendente resmunga um meu deus
enquanto contabilizam os mortos.

Caminho pelas ruas pensando no dinheiro do aluguel.

Sou convidado para um almoço, mas invento uma desculpa qualquer,
preciso continuar caminhando.

Entro numa loja, faço impressão de estudos sobre o romance no século XX,
o século das grandes guerras.

Agora estou parado

ali, naquela rua de ontem, estou ali parado, longe dos mortos
eu estou em guerra

mas com outras armas
e sem armas eu estou em guerra
mas a guerra não é um lugar
a guerra é mesmo um afeto
sem palavras sem sentido
a luta diária me estrangula
os íntimos estou em guerra
e o sangue ainda que nas veias
ainda que adoecido
me sobrevive neste mesmo mundo
onde eu só me faço desgastar
e roer e moer e despedaçar

Quantos já morreram então?

Quantos já haviam morrido?

Quantos haverão de morrer?

Por que tanta morte, meu deus, por que tanto morrer?

Terapie-se

Sendo assim
perguntaria a ti
nem bem o contrário
mas tão somente
o inusitado

Destacaria uma palavra solta
e gastaria um não
dois talvez mais quatro
quatro minutos
especulando
outros sentidos que não o imediato

Depois daria um sorriso
largo
pediria desculpas e diria
perdão, Diogo, mas é engraçado
é engraçado, eu te diria

e em silêncio

algum remendo em ti
te remendaria, ora
se por agora não podes sentar no divã
que então seja brincando
que o cuidado
te aconteça

Não quero saber de retorno aos padrões
que tanto já te humilharam e feriram e marcaram
Em algum momento você precisaria aceitar que
sim, há coisas boas destinadas a ti

Há coisas boas destinadas a ti.