Pesquisa

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

isso é aquilo

o que fazer com isso?

surge assim você e me beija
dizendo aquilo e isso

o que fazer? 
eu te beijo

você bebe
eu também 
nós bebemos
e depois nos cheiramos

o cheiro seu te cai tão bem 

durmo ao seu lado? 
durmo sim
ontem
antes de ontem
hoje
amanhã? 

sim
venha
você disse que não era de se apaixonar
e eu
profissional em destruir amores 
te digo pausadamente 
que não me deixe destruir a gente

você parte
você volta
comprei salada
e carne
para a nossa primeira ceia de natal

você me escreve
saudade
eu não leio a mensagem
eu não estou assustado
eu estou gostando dessa possibilidade 
mas é preciso cuidar dela
pois o meu padrão faz de mim
aquele que foge

eu fico 
surpreso, eu fico
eu estou aqui
que horas você retorna? 

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

embalagem

A fita adesiva está acabando
As caixas já estão cheias
E eu estou como? 

Trincado o copo de uísque 
Cortada a ponta do dedo esquerdo
O chão da sala tem cerveja
E a preguiça me impede de desligar o ventilador

Sinto frio
E estou como? 

Aqui
Agora
Como noutro instante
Ainda aqui
Ainda agora
Quem dirá o adiante? 

Poeira
Cortaram as árvores 
Que estranho ter uvas e nozes
E me ver assim resvalando 

Indo
Meio sonolento
Meio promíscuo 
Meio foda-se
Tudo é por certo o preciso

Iluminação que se é um feixe de luz desfocado que no se puede hacer nada porque no hay nada que ver 

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

as coisas mais sinceras

Te escrevo todas elas
As coisas mais sinceras 
Te escrevo que ainda te amo 
Mas por amar
Entendo não só verões e invernos
Compreendo e aceito também as primaveras 

Te escrevo menos por ti
Menos por nós 
Mais por mim 
Escrevo em mim 
Para que não me esqueça 
Que se te ainda amo
É porque ainda há tempo

Tempo por vir 
Tempo para redefinir
Tempo para que eu me lembre 
Que você não é mero capanga
Que eu não sou banhista em mar tranquilo 

Em alto mar
Grito o amor que não veio 
Ele se afoga 
Mas eu sobrevivo 

Frente a tanta cocaína 
Meio quase lúcido 
Transpiro a ousadia que foi
É
Ter escolhido
Não te odiar

E te dou conselhos 
E me acalma o brilho de seu olhar 
Tao cínico e doído 
Tão você tão homen velho 
Precipício 

Às coisas mais honestas 
O meu desenrolado ajoelhar
Que durem e perdurem

Que saudade teria sido ter podido te amar. 

sábado, 14 de dezembro de 2019

Tanto ou Nada

É só que fustiga

Não sei bem se o corpo
mas algo mutila
Isso de se fazer partir

para outra rua
outra praça
outras esquinas

Nunca fui bom em embalar coisas
Bom sempre fui em jogá-las fora
Que assim seja

embale
jogue fora
embale
e jogue muito fora
fora onde?
Fora?
Onde?

há tanto aqui
em mim
há quanto?
nada?
Quase tanto?

Quem se importa?
eu não

outra rua
outra praça
outras esquinas
e porteiros, dessa vez
porteiros
porteiros

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

da próxima vez escolho melhor

Ainda que não fosse possível saber de antemão, aquilo que sente um peito, quando frente a um outro, pode ser desde sempre perdição?

Por agora afeito o fardo deste fato. Estou inteiramente me machucando e machucando a ti. Sinto-me idiota, mas o que fazer? Não pude, não poderia, haveria como saber? 

Percebe-se assim donde se originam as canções. Elas chegam apenas depois dos acidentes. Mesmo que não seja possível se consertar, as músicas, sim, elas virão. E impiedosas ditam que isso que eu vivía era a mais estúpida e plena invenção. 

Da próxima vez escolho melhor. Escuto você cantar. Mas você não foi quem amo, não quem comigo está ou não está, você é apenas uma canção que eu não canso de escutar. 

Você, apenas uma canção. Você, tudo isso. Parece-me que você não percebe, mas eu te amo tanto. 

domingo, 1 de dezembro de 2019

Voltar + Ir = Voltaria, mas já Voltei, logo eu Fui ?

Voltar

Quis dizer que estava de retorno
Digo estar voltando
Voltando para onde? Você me pergunta
Eu concordo
Faz sentido
Volto para um lugar
Volto à vida
Pode ser?
Isso que quis dizer quando disse
Voltar.

+ Ir

No entanto, acrescentou um ir
Voltar mais ir não é bem voltar
Poderia ser, não?
Voltar mais ir?
Não?
Voltaria?
Não, eu volto
Volta?
Volto
Volto
Palavra feia
Saga tortuosa

= Voltaria,

Quando digo que voltaria não quer dizer
que não voltei
não me falta coragem
Mas demorou
Demorei porque assim é a vida
Ela dá voltas
e te rouba seus melhores anos
por isso diz que voltaria
porque desejo para voltar
eu já tinha
já tinha
mas, voltar para onde?
Você insiste

mas já Voltei,

Estou aqui, consegue ver?
realizou?
Realizas?
Voltei
Voltei à vida
ao samba
voltei ao supermercado
Voltei às festas
posso ser tanto ladrão de outrem
como alguém que é roubado
Sério?
Quis dizer que voltei
que estou disponível
Entendi...
Por quê?
Quê?
Por que duvidas de mim?

logo eu Fui ?

Ficaria em silêncio
deixando render esse estranho salto quântico
essa coisa louca que é após muito tempo
mover a si mesmo rumo a algo tão desconhecido
Sua coluna vertebral doía
era óbvio
desnorteada
Como sobreviver?
Como sobreviveria?
Voltar não é assim coisa tão simples
Não se volta simplesmente
Simplesmente se vai
Volto
Vou
Ia
Fui
E agora?
Agora aguenta, meu bem
Agora só te digo isso, aguenta,
Agora aguenta

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Largura

O sol, entrando delicado pela janela fechada do carro, fez com que ele se lembrasse do amor, agora, ultrapassado. Sorriu, calmo e grato, em agradecimento à maravilha que pode ser o tempo.

De fato, não se sentia mais preso. Ponderou que estar preso não é propriamente estar apaixonado. De fato, não mais junto, não mais tão dominado pelo apaixonamento súbito que havia o arrancado da vida. Não, de fato, agora estava mais solto. 

Dessa soltura, por conta desse largar - dessa largura - sentiu o sol como um acontecimento quase inédito. Pensou sobre a vida, sobre o tempo, novamente ele, mirando e sendo mexido pelos raios solares, pensou sobre si mesmo. Quem era, quem estava sendo, que havia sido, quanta coisa, se disse, quanta coisa em tão pouco tempo, não?

Alguma sabedoria caminhava rente ao seu corpo. As músicas de amor haviam perdido o sentido ou, irrevogável e subitamente, o conquistado. Tudo era mais evidente. O seu amor, sua disponibilidade, seus desejos e todo o empenho feito. Bem, tudo isso, apenas poderia existir se fosse em mútuo bom grado. Se não fosse bom para o par de amantes não seria bom para ninguém.

Isso ele sentia na pele. Rente. Era possível tocar. Assim como eram possíveis os raios solares daquela manhã quase quente.

Era essa a largura que abria sua vista, largura que o fazia rachar, que aliviava o seu peito. Ser largo é tudo menos pensar em si mesmo. Ser largo é saber-se parte, é saber-se porto e provisório, saber-se indo e feito passageiro ou mesmo passagem.

Os amores vão te chegar e nutridos de ti partirão. Assim é que é, moço. E ainda que partam, os amores, ainda que partam e haverão de partir, lembre-se, rapaz, haveria por vezes e mais vezes tanto o tempo quanto o sol. Eles estariam sempre aqui, rente a ti. Veja-os:

sábado, 16 de novembro de 2019

Quando penso na gente reunido...



Oi, pessoal. Essa é minha amiga, aquela que falei pra vocês. Ela tá de passagem, mas vai ficar uns dias aqui na nossa casa, ok?
Ela tem nome?
Ela faz circo.
Constrói?
Não, quis dizer que ele trabalha no circo.
Fugiu com o circo?
Ih, bobeira.
Prazer.
Gente, alguém anima de fazer o almoço?
Bom dia, gente. Bom dia, moça.
Ela não fala?
Tá concentrada.
Viram o que tá rolando em Brasília?
Não quero saber.
Não me conta.
Tá chovendo muito, só isso.
Estranho.
Bom dia, pessoal.
Faz um favor pra mim. Vê se é remela ou uma pedrinha.
Parece uma pedrinha.
Vamos ter que trocar o forro dessa casa. Tô sentindo que tá chovendo terra enquanto durmo.
Mesma sensação eu tive. Eu tive a mesma sensação.
Bom dia.
Alguém falou com a Jaque ontem?
Jaque tá grávida.
Não era pra contar, porra!
Jaque tá grávida?
Sim e nem te conto de quem!
Não era pra contar, porra!
De quem?
Não posso contar!
Vai contar sim!
Bom dia.
Já é tarde.
Fizeram almoço?
Estão todos em casa?
Incluindo essa moça.
Ela é do circo.
Posso falar com vocês.
É sobre a Jaque?
O que aconteceu com ela?
Ela tá grávida.
Mentira?!
Verdade.
Posso?
Fala, porra. Fala logo.
A Jaque tá grávida. Mas não trepou com ninguém. Engravidou sozinha.
Fez inseminação.
Não, sozinha mesmo, sem penetração.
Sem esperma?
Como?
Não sabemos, mas ela não engravidou do jeito normal.
Fez a Maria.
Que Maria?
Do bairro, só se for.
Não, gente, a Maria. Mãe de Jesus.
Que Jesus?
O namorado da Sara?
Não, Jesus da Bíblia. Dizem que ele nasceu de Maria. Que era virgem.
Fizeram como pra ele sair?
Cesária?
Ah, pergunta ao padre.
E padre lá sabe disso...
Oi, moça.
Bom dia.
Ela te respondeu.
A Jaque tá onde, afinal?

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

O que você precisaria se dizer

Diria primeiro que é preciso esquecer. Que é preciso deixar que esse motorista seja lerdo para que, mesmo assim, você chegue ao destino final dessa corrida matinal.
Depois, diria o seguinte, diria que é isso mesmo, Diogo. Que você está lutando o que há para ser lutado. Que você está na iminência de descobrir que o amor pode sim ser amigo e amigável. Não, é preciso dizer, preciso que se diga, que não, que tudo isso não é mera invenção, que não é enrolação, que você não é de todo besta e que essas palavras aqui reunidas não são mentira. 
Depois te diría que não se esqueça de começar a fazer Yoga. Não esqueça, não postergue, não enrole. Você precisa fazer Yoga. 
E, por fim, ao menos por agora, diría que você precisa cessar essa digitação e pedir ao motorista que diminua a intensidade do ar-condicionado. Você está cheio de calor hoje. 

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Poesia


Os Parvos

Quando digo que é por sua causa
ainda que seja, por favor, acredite-me
É só por mim
sobre este momento
esse instante agora
É tudo sobre mim
ainda que você faça parte
de alguma forma
de tudo isso

Quando digo que estou bem
quando você me diz que eu estou
que eu estou
(após um abraço em que você me aperta
mais do que eu aperto você)
quando você me diz que eu estou
(e faz aquele gesto querendo dizer
mais robusto
mais forte
mais gordinho)
mesmo sem dizer
eu sinto o que você sente
e fico grato por ter resolvido
cuidar menos da gente
e mais de mim
É tudo sobre mim
não se engane
Talvez nunca tenha sido
sobre outro alguém
que não por eu mesmo

Doei-me?
A ti?
Sem dúvida
E quanto mais o fiz
mais doí
Incondicionalmente
como fazem aqueles que amam
Os Parvos
Doei-me?
Sem freio
sem porto onde cair caso morresse
e morri
Ponto

Agora te digo
pós-morrido
pós-cansado-pós-tudo-isso
Digo-te
os verbos nunca dantes conjugados
Digo-te
nem supérfluo
nem abismado
Que sempre
desde antes
tudo isso
incluindo meus sisos
incluindo você no céu da minha boca
na abóbada de minha mente
tudo isso
foi só por mim

Apenas para que eu percebesse
que não
que ainda não
que ainda não sei como faz
para amar simples
para amar assim
apenas
ordinariamente.

domingo, 10 de novembro de 2019

[...] em minha recém-conquistada habilidade [...]


Gostaria sim, preciso dizer-vos, gostaria de saber de onde foi que tirei esta afirmação tão dura, tão insensível, tão certeira de si própria. Gostaria, confesso aos senhores e às senhoras, confesso que gostaria, eu gostaria, de saber em que instante de minha precoce vida ouvi dizer que bastava pisar com os pés no encontro das telhas. Posso confirmar: ouvi alguém dizer isso. Se era manhã ou tarde quando ouvi tal sentença, mesmo noite, se fosse, mesmo sabendo, do que importaria? Lembro-me que logo ao ouvir tal afirmação algo em mim brotou como força destemida, coisa imensa, pouco distraída. Algo brotou em mim e tirou de mim minha mocidade. Fiquei sério, intrépido, quase estúpido. Poderia ter rosnado, cuspido no chão, batido em alguém ao cruzar uma esquina qualquer. Teria mastigado pedras para manifestar a força do meu ímpeto. Eu, por tão menino, tinha descoberto o mistério para andar mais perto do céu do que dos meus familiares e amigos. Sobre os telhados da velha casa, caminhei por dias sem descanso. Aproximava-se das beiradas, na iminência de uma morte sem graça, e regozijava-me em minha recém-conquistada habilidade: a de ser estúpido e ignorante dessa estupidez. Por dias, noites, recordo-me, caminhei sobre os telhados como um ninja que, silencioso, confunde-se com a fumaça das noites de inverno. E um dia, sem mais, tudo perdeu a graça. Não quebrei telha alguma, isso nunca, mas um dia tudo passou e me distraí da minha infância ao ouvir a pergunta que me tirou da proximidade dos céus e me devolveu para o fora de casa: vai ser o que quando crescer, Diogo? Já pensou nisso? Já é hora, não acha?

Volante

Poderia soar como um tropeço
mero desespero
Talvez
a comida não viesse assim tão agradável
Mesmo morna ou sem sal
cada gesto ali naquela esquina
Poderia soar como um pretexto
para um recomeço

Ou não

Ele
Pediu a conta
sacou o cartão da carteira
e debitou
ágil
o transtorno
que o debilitava

Eu pago
Não
Eu pago
Não precisa
Eu pago, eu pago, eu te convido, estou te convidando

E entrariam numa conversa secreta e sigilosa
sem voz conversa sem prosa


Está me convidando para o quê?



Estou te convidando para se perceber sem mim



Para quê?



Estou me convidando a te perder de mim



Você disse estar me convidando e te pergunto: convidando para quê?



Estou saindo de ti, provando a mim, mais a mim
mais a mim do que a você, tentando me provar que posso 
posso eu ser eu mesmo sem você



Ele não vai me dizer nada?


E caminharam
desceram a pequena avenida
Era noite
talvez um dos dois pensasse
que chegariam num ponto
no qual o beijo fosse necessário
E de fato
sim
quando se despediram
deram aquele beijo automático
estalado
beijo sem estrelas
não estrelado
Deram-se um abraço

Um deles reconheceu que o outro estava mais encorpado
ao que esse disse
Estou me cuidando, estou me cuidando

E acabou a noite

E ele entrou no carro

E abaixou o vidro a tempo de dar um adeus

Não que viesse a ser o fim
mas era um novo fim
outro fim
sem trauma
Sem treta
Fim desejado por ele fim escolhido por ele modelado

Ele no volante
Ele pegando de volta
a vida
pelos cabelos oleosos e despenteados

terça-feira, 5 de novembro de 2019

do tempo

Observei que o pensamento estava todo focado no sabor da sua língua
Enquanto te beijava, sem muito alarde, percebi que estava focado no gosto da sua saliva
Com calma, traguei cada gota, deixando que passassem por mim outras coisas 
Desacelerar o verbo
Usar a língua para o beijo 
O toque no seu cabelo emaranhado 
O seu gosto de cigarro meio menino meio ainda tão distante dos desastres que me fundaram 
E ali ficamos, sem pressa nem porta
No meio de um encontro que foi encontrado 

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

e assim foi

Fazia já uma semana. Pouco mais que isso. Uma semana e quase meio dia. Se estava orgulhoso, poderíamos acreditar que sim. Um pouco, talvez. Um pouco assim como que orgulhoso da própria força ou mesmo ousadia. Estava orgulhoso e um tanto apavorado. Apavorado sim, ora, por que não? Como não? Tudo aquilo era como que inédito. Fazia quanto tempo? Doze anos? Treze? Já nem se lembrava. Fazia uma semana ele estava sem fumar sequer um cigarro. Fazia doze ou treze anos fumava todos os dias. Em uma semana, era como que ter nascido em outra vida. Uma coisa propriamente chamada loucura. Era assim que sentia. O dia, as horas, o peso do silêncio, alguma paz em alguma calma (tudo estranho, tudo tão estrangeiro, estrangeiro tudo isso fazia tantos anos).

Mas, continuaria. Sem fumar. Por favor, não me entendam errado. Continua sem fumar e não fumando. Não fumando. Ele continuaria. Eu quero dizer, ele continuaria a vida, diferente, mas ainda a mesma. Outra, mas ainda a sua. Tão estranha, tão inédita, tão diferente. Sem aquele cheiro. Sem aquele cheiro. 

I wanna show you how

Just stop
Don't think too much 
Don't think a lot
Just do it
Just stop

In the middle of the day 
In the morning
You can do it, boy
Just go and say
Say it
For yourself 
For all the world 
Just say it
I'll stop

Tomorrow? 
In the future? 
No
No
No
Say now
Say it now

I'll stop
I'll stop now 

How? 

Saying these few words
Saying with all your heart and bones and love
Do it, boy
You need it
You must 

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

um fim é também um propósito

lavar os cinzeiros
passar um pano umedecido
em atropelo
sobre as cinzas
perceber, com alguma surpresa,
que o gás do isqueiro laranja acabou
e também acabou o do isqueiro rosa
roxo?
nem me lembro
a caixa de fósforos acabou ontem

um vazio?
uma falta?

não
nada disso

tudo o que fica é a escolha
tudo o que fica é desabituação
para sair do lugar
para sair como quem baila
para bailar como quem se estranha
se estreia
outra vez
e renovadamente

falta?
necessidade?

e o silêncio que brota do sumiço?
e a densidade do ar que se aproxima de seu gesto agora sem sentido?

ficaríamos com o que há
apenas
e se não é falta
somente o que há
é a sua presença
em luta
no embate destemido
com as possibilidades
do estar vivo

terça-feira, 22 de outubro de 2019

247.


Por poucos dias, esses papéis ficaram afixados no espelho do guarda-roupas. Acredito que se ficaram por ali pouco tempo, ao menos em mim, aqui, ainda agora, se fazem presentes. "Acabou". Dizia um deles. O outro, imperativo: "Recomeça. Diferente."

Sabemos do que se trata. As coisas não param de acabar. Não param de morrer. Portanto, não param também de começar. E começam diferentes, ainda que tão parecidas. Quem dirá o que mudou? Você? Eu? Sem dúvida. Eu sou quem restou. O resto que ficou. Eu fico. Eu resto. Acabado e diferente.

Esse processo - esse processamento - que é estar vivo. Quantos cigarros ontem? Apenas 8. Foi preciso dormir cedo para não fumar mais. Acordei cedo, no entanto, e já se foram mais 2. Restam 6 para o decorrer deste dia. Como dizia aquela linha numa dramaturgia escrita por mim: "Que hora é essa que não passa?"

Sigo me perguntando, me pesquisando, me provocando. Provocando-me a mudar, a cambiar, a perceber o que me é destino e o que ainda posso escolher. Não mais controle. Aceito o vento. O vento, apenas, sem mistificação. Aceito a mudança de rumos. Aceito. Aceito. Estou aceitando. Estou tão cansado que essas fotografias analógicas me devolvem um pouco do trabalho que é se fazer ser e ser enquanto ser presente.

A dor, minha guia, pouco a pouco fica tão íntima que já nem faz mais tanto estrago assim. As dúvidas, as suposições, as hipóteses, tudo isso, tudo mesmo, isso tudo perde a pompa insondável e vira migalha de pão. Eu faço a faxina.

sábado, 12 de outubro de 2019

La solitude nesse pio

Riria, talvez porque se não o fizesse
Morreria mesmo.
Por isso, riria. Em meio a tanta tosse
Tantos golpes
Seriam mais azar, mais sorte?
Riria, por fim
Incapaz de se aguentar apenas quando
Junto consigo mesmo.

Remonta tudo.

O que antes no antes havia ficado
Hoje se confirma, hoje mudou
Lá ficou e, no entanto, e você?
Você também não mudou?
Ainda na mesmo?
Seria possível?

O incômodo é por, após tanto tempo, reconhecer-se perdido, de si, de si perdido
Afastado
Devendo a si próprio
Que merda
Que imensa merda

Nisso, pensou, em sabedoria apressada
Pensou em ficar sozinho, em sumir, pensou e foi
Elaborou rápido e nisso se foi
Longe
Distante
Outro país
Sumiu, fugiu, partiu a comodidade social do estar entre conhecidos e, quando distante, implacável, viu-se sozinho

Sozinho

Sozinho

E tossindo
Tossindo
Tossindo.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Diz controle.

Diz
Vai
Diga
Diz essa palavrazia
Palavra vazia
Purazia
Azia

Diz
Sobre o controle
Sobre suas vãs tentativas
De controlar
De dizer e firmar
Diz
Diz aí o que foi conquistado

Melhor seria ter perdido
Melhor ter sido sequestrado
TER perdido
Ser indigno
Dessa mentação
Dessa mastigação
DE si mesmo

Diz
Diga, vai
Diz sobre o controle tentado
E passageiro
Vai
Reconhece
Reconheça

O que aconteceu com aquelas certezas?

Arrogante
Arrogância
Ânsia por arroz?
Perdeste, palhaço

Sem amor
Sem tangerina
Sem Geleia
Sem roupas limpas

terça-feira, 1 de outubro de 2019

O que resta guardado

Gostaria, se possível, jovem senhor
De ser exposto, denunciado, entregue aos ventos.

Aquilo que em ti foi trancafiado
Gostaria, jovem senhor, de ser entregue
Como quem delata um crime
e junto a ele o seu perpetrador.

Uma pequena bolsa
uma uva aguda e densa
uma dor quente e presa
Em você sobrevive isto
isto sem força
para alar-se.

É pedido aos jovens da sua idade
que não temam expurgar esse horror
Que compreendam, jovens, compreendam
que horror mesmo é guardar em si
tanto e tamanho desconforto
tamanho e tanta dor.

O que resta guardado
germina
Do silêncio se nutre
e quando perceberes, jovens
a tua idade avançou
e a sua cabeça

não sobreviveu
ao peso
que foi ter sido
por tanto tempo
esconderijo
para seus medinhos.

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Mais que o vazio

Mais até que algum desespero.

De fato, não saberia dormir.
O corpo inquieto. Algo faltando e
No entanto
Tudo ali.

O costume (morrendo)
O vício (sendo judiado)
Aquele cheiro (em despedida forçada)
indo embora.

Pensou que no vazio
Havia mais do que apenas um
Severo tormento.
Percebeu isso.

O corpo. Insatisfeito.
O tudo, agora incompleto.

Não saberia dizer.

Agora era isso apenas.

Padecer e, por tanto padecer,
Vir a ser de novo
Renovadamente.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Entrevisto

Por que poesia?
Para escrever imagens e sensações mais próximas do que, por vezes, sinto e não consigo compreender.

Poesia para compreender?
Não, na verdade, poesia para desistir de entender.

Sente-se especial por ser poeta?
Não precisaria ser chamado de poeta. Não seria necessário chamar o que escrevo de poesia. Independente dos nomes, o que escrevo segue agindo.

Em você?
Em quem quiser ler.

Você lê o que você próprio escreve?
E na dor lida me sinto bem.

Qual dor?
Só a que eu não tive.

Não compreendo.
Paciência.

Pretende publicar um livro de poemas?
Não tenho dinheiro para isso.

E se tivesse?
Compraria um sofá e um ar-condicionado.

Sinto que nossa conversa está indo de mal a pior.
Foi uma pergunta?

Quando entrevisto alguém, busco conduzir a conversa para que a pessoa entrevistada revele o seu olhar sobre os assuntos conversados.
E?

Quero dizer que o seu olhar é meio inerte. Considera-se alguém presunçoso?
Sem dúvida.

E?
E o quê? Era para eu me sentir mal por ser presunçoso, pretensioso, metido à besta?

De forma alguma.
Pois eis algo revelador. Somos quem somos. Não perca tempo fingindo ser bacana. Isso talvez sequer exista.

Talvez em poesia exista. Não acha?
Por isso escrevo. Para fazer as pazes entre quem de fato sou e quem me exigiram ser.

Quem te exigiu ser quem quer que seja?
Papo chato esse.

Era para ser divertido?
No mínimo, bom seria se fosse interessante.

Diga-nos algo interessante.
Me recuso a ser interessante.

Mas exige isso dos outros?
Exijo.

E quando o seu desejo não é contemplado?
Peço mais uma cerveja e fumo outro cigarro.

Ótimo, ótimo...
Não é?

O amor não é para os fortes, nem para os fracos

Agradeço sua existência.

Mesmo.

Agradeço a você, cansaço,
por dobrar minha coluna
e desconfiar da minha dor.

Sou daqueles seres que se gastam
inteiros e destemidos
daqueles que vão
mesmo quando o ir
é apenas e tão somente
continuar caindo.

Caio fundo e profundo.

E mesmo depois do chão
continuo, eu continuo
continuo indo e caindo
continuo crente que seja esse
mesmo
meu único destino:
dar-me e doando-me
doer.

Mas aí você chega
subitamente, olha só
cá está você.

Fiquei cansado.

Fiquei contigo, cansaço.

Casamos?

Um namoro breve?

Uma trepa?
Um caso?

Não sei, mas agradeço sua persistência.

Sua presença em minha casa
na superfície fria do meu peito
no arrepio preguiçoso que me confirma

não tenho mais como
seria preciso descansar outra vida inteira
para tomar forças
e recomeçar essa história de amor.

Cansei, cansaço.

Cansei de buscar, de tentar, cansei dos empenhos todos.

Hoje, cansado,
reconheço-me, por fim,
vivíssimo.

Estou tão cansado de lutar pela gente
que não há mais gente
há só esse sono longo
sono quente
sono preciso

eu longe de ti
eu cansado demais
para insistir.

Não, o amor não é para o fortes
nem para os fracos
o amor
essa coisa de amor
esse negócio

é apenas para os que ainda não descobriram a paz
que ser e estar
cansaço.

Aos furacões

Seriam feios
mas de beleza
já basta o vinho.

Seriam intempestivos
e não há filosofia alguma
nisso.

Seriam impávidos
e arrastariam tudo
consigo.

Parado no centro dessa casa sem alma
janelas abertas
espero sua chegada.

Sinto frio
apenas de cueca
pés descalços.

Penso no futuro que chega
e ainda se parece tanto
com o passado.

Aos furacões
envio meus sinais
(tão pequenos e tão frágeis).

Seriam magnânimos
e por nome teriam adjetivos
periclitantes e fabulosos.

Seriam históricos
pois depois deles
nada mais seria o mesmo.

Seriam o que quisessem ser
porque se soubéssemos como seriam
deixaríamos de ser.

Parado no centro dessa casa empoeirada
peito aberto
espero sua chegada.

Sinto medo
apenas porque esperar
não significa chegada alguma.

Penso no quanto penso
e ainda assim me observo
consternado.

Aos furacões
solicito
que venham e me levem daqui
as soon as possible.

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

'Cause I can't help the way I feel around you


Não. Dessa vez a mensagem enviada
É diretamente
para mim.

Sim. Para mim dessa vez
me direciono
diretamente.

Espero que eu esteja lá
quando a mensagem
chegar.

Sim, meu bem. O bem
entre nós há de durar,
mas não

dessa vez
não posso mais cuidar
de outro alguém.

Se sofro? Pouco importa.
Se dói? Já não é novidade.
O que sinto

perto de você
me arrebata
me invade

por isso não
deixemos nossa história
nas mãos do tempo.

Sim. Não. Nem talvez.
Por agora a mensagem
é reta e sem eco

que a gente consiga partir
um do outro, roubando na algibeira
o privilégio do nosso abraço.




quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Vida prática

Ela atropela
convenhamos
Ela pisoteia tudo
Você até tenta
vejam o coitado
Ele tenta
mas a vida
A vida não está de férias
Ela avança sobre tudo
sobre tudo ela se senta


haveríamos de concordar
Numa hora cansa, não?
Isso de chorar
isso de reclamar
Cansa, ora, óbvio que cansa
essa ladainha interminável
do amor do amar

Ela atropela
os gemidos
Ela pisoteia tudo
Ele tenta
vejam a situação
Você até tenta
mas a vida
A vida faltou os ensaios
Ela estreia inédita a cada instante
doa a quem doer


preste atenção
Num instante só o que resta
É a vida mesmo
a vida
Sem embromação
vida ágil
saltando ônibus, cortando estradas
geopolíticas morreriam
o dólar (alguém o viu?)

A vida passou
e, ao menos à força,
você a ela serviu
Ao menos um pouco
Você serviu a ela
Serviu de caminho
Você inteirinho
À disposição
do que ela quiser que assim seja
e já foi a vida
A vida já foi

Forcital

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

O que mudou?

Um tremor leve
Quase um desespero
Não sei mais o que acontece
Deixo? Fujo? Fico louco?
A proximidade dos corpos
A distância entre eles
Mesmo lado a lado
Nesta cama
Chove agora e eu te olho
E em seus sonhos, sinto,
Você dança. Você dança.

Te olho, silencioso,
Querendo te acordar
Para dizer que estou de saída
E que ao voltar podemos nos desencontrar
Você desperta assustado
A baba escorrendo pelos lábios
Você é tão lindo
Ainda poderia te amar
Mas não sei, não sei de nada.

Algo mudou? Dei um basta
Na nossa relação, mal resolvida
Dei um basta e um mês depois
Cá estamos
Experimentando a possibilidade
De estar junto sem estar firmes
Algo mudou?
Suspeito que não
Suspeito que eu, fui eu,
Eu precisei mudar algo

Um dia de cada vez

Deixe o silêncio existir sem nada que nos ajude a aguentar o fardo

Não imagino nada, não posso,
Não quero

Deixo que você parta

Ainda incapaz de sustentar um beijo
Sem se tremer inteiro
Inteiro

Estou por aqui.

domingo, 4 de agosto de 2019

oh, poesia

pensando estava
que nosso encontro
se deu
faz tempo

reconheci
que você entrou
famigerada
quando estive mais perdido
e encontrado

na dor
você me flagrou
reunindo cacos
estava eu lá
e você toda olhos
como quem aguarda

passaram-se décadas
ou mais?
o tempo saiu do nosso esquema
você me vinha já sem alarde
eu ou você
nós dois, talvez
coisas singelas
e desnorteadas

em ti e por ti
vaguei o mundo
tornei vagos
todos os medos
vigorosos
foram aqueles verbos
que me contaram
o que em mim
era segredo

hoje quando chove
hoje em meio a chuva
passo os olhos na pele
e exclamo saudoso
a própria cura

oh, poesia
que seria de mim
se não fosse eu sua?

segunda-feira, 29 de julho de 2019

Acorde

Num segundo
Ok
Não em um
Em três cinco
Ou seis
Pois bem
Foram nesses breves segundos
Em que acordei.

Coisa de um acorde
Ok
Não um apenas
Mas dois quatro
Nove
Nove acordes seguidos e costurados
E lá era eu
Homem cansado e todo acordado.

Revi meu rosto na face da História
Soube-me em passagem provisória
Não afugentei o corpo suicidante
Nem teorizei a deviração incessante

Homem
Carne
Sexo
Crime
Cinema
Asfalto
Pipoca
Saliva
A sua idade
A sua pele
Roçando em minhas cavidades

E lento
Como quem acorda
Para fora
Ronquei para longe
Essa chorumela sem freio
Vai
Afasta-te
Suma, vai, parta!

Estou vivo porque estou morrendo

Eis o mistério que me chega e me chacoalha

Estou morrendo porque estou vivo.

sexta-feira, 26 de julho de 2019

A pele estoura

Por qual motivo?

Você se pergunta
Pergunta para a qual
Já sabes a resposta.

Sua pele estoura
Ela estoura
Ela te diz o caminho
Tortuoso caminho
Do se conhecer
Novamente
Renovadamente
De modo outro
Diferente.

Estoura estranha
Em pequenas e persistentes feridas
Ela estoura, você vê tudo
E ver tudo isso
Quase te alucina

Você sabe o motivo.

Você está perdido.

Está doendo.

E doer é a única coisa
Que te faz algum sentido.

Transmute
Transforme
Transtorne
Deixa explodir
Deixe que estoure
Deixe-se nascer novo
Em pele toda comovida.

Você está mudando
E isso nem é bem você
Isso é propriamente a vida
A vida apenas
Sem pelling
Sem limpeza
Toda cheia de espinhos
Espinhas
E roseiral de cravos.

sexta-feira, 19 de julho de 2019

Outra paisagem

You need it.

Need to imagine
Another paisagem.

Outra. Quase qualquer outra.

Imagine.

Risos fortes e longos
Dores tremendas na altura do abdômen
Imagine isso
Um escorregão radical
No hall principal do maior shopping
O maior engano
Desculpa, achei que você fosse alguém que conheço
E então você descobriria
Se tratar da sua filha esquecida.

Você precisa
You need it
Need to change
The way that your desire is going to
Go on, my dear crave
Go to another place

Imagine
Um suco verde do seu tamanho
Imagine tintas pretas em salas grandes
Chão e tetos brancos
Chuva de algodões
Sapos cantando
Madonna te ligando
Hi, Diogo
Who is it?
Madonna here
Really?
I heard that you are listen my new album

Oh, my God. You need to
Teach me how to imagine
Again
Another surface
Another frame

Para que o seu amor sobreviva mesmo morrendo
Tudo renasce
O tempo respira
A vida é complicada, sim,
Mas imagine
Vai. Imagina

A sua poesia
Que não é sua
Funda mundos e imundos
Tudo isso
Para que você se distraía da dor que segue te chamando, te puxando, te pedindo atenção

Não, dor
Querida dor, hoje não
Mudo o ponto. Foco o canto
Imagino-me messiânico
Uso turbante
Solo de terra seca e radioativa
Viva, penso eu, viva ela
A poesia
Há, não há?

Sobreviva
Não, não morra
Não, não ainda
Fica mais, sobreviva, dance
Alucine a dor que te alucina

Invente nomes. Vai!
Imagina
Os olhos dobrando
No escuro
Enzimam outras saídas

Crepúsculo fucsia
Fuça
Fica
Foge
Firme e forte na cabeça do jovem na hora de escolher o local onde será a festa de seu filho

Senador
Lindbergh
El gobierno
No tiene nada que ver con la ley
#zenit11
La ley del congreso es una iniciativa para la cual no se puede imponer una ley

Desenhos
Ilustres
Tarântulas
Imunes
Rimas fortes
Voam leves
Sem maconha
O uso do queixo
Pode mais que o uso possível

Veja
Não alucina tanto assim quando em poesia
Outro quadro
Outra paisagem
Sua cabeça te mata
Então
Pinhais e não eucaliptos
Rosais e muitos espinhos
Tudo ferve
Tudo íntimo
Voce consegue

Outra paisagem
Outra cenografia
Outro silêncio
Outra azia outro princípio

Confía, vai, confía, chico
Es posible que no se pierda la oportunidad de ser feliz

É possível

Imagine

...

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Um gesto inédito

Dessa vez
foi inédito
Não pelo gesto
em si
Mas por seu autor
por ter sido eu
Eu mesmo
a fazer aquilo
antes, para mim,
tão violento
tão violento

Encerrei nossa busca
dei fim ao nosso mútuo cansaço
O meu de tentar te ter
O seu de tentar se ser e, se sendo,
ser junto ao meu lado
Não foi possível
nosso encontro se deu
mas não perseverou

E muito tentamos, certo?
Tentamos bem, meu amor
tentamos
e, ainda assim, continuamos doendo
Talvez não seja o momento
talvez a gente se reencontre
lá na frente
num depois
quando você puder estar comigo
quando eu puder estar com você

Queria te dizer o tanto
a imensidão do meu carinho
minha admiração, por ti,
gigantesca
Queria te dizer que acredito
acreditava
Acredito que poderíamos seguir
tentando
e ora conseguindo
ora parando

Mas escolhemos não mais tentar
escolhemos deixar
deixar de lado
um pouco
sem data de retorno
sem sonhos a agendar
Escolhi, por nós dois,
o que poderia sobreviver
de melhor
para nós
nós dois
eu e você
você e eu
Nós

Escolhi te dizer
e disse
Não posso te amar
não porque não queira
mas porque é sabido
que você não tem condições
para me amar
Não posso te amar
não vou mais
não vou
não posso
já nem quero

Quero que fique a beleza
de tantos dias e noites
de tanta conversa
confissões e carinhos
foi tanto
ainda é tanto
quase me afogo
porque te amo sim
algo inédito
é mesmo te amando
me lançar na estrada
e me fazer partir
Eu parti
por mim
por você
por nós

Eu te espero
sem força
sem esperança
Te espero
como quem espera
sem esperar
como quem não mais deseja
como quem pode
e quer
e aprendeu
está aprendendo
a durar
a ficar
mais parado
menos desejante
eu, menos apaixonado,
torcendo em silêncio
pelo seu levante

Você é lindo
é gentil
é tão vasto
tão tão grande

Eu quero ser lindo
quero ser gentil
e ser vasto
e grande grande

Deixemo-nos, então,
ao tempo
destinemos nosso rosto
ao seus ventos
É isso por agora
já já a gente se revê
já já a gente se reconhece
já já o tempo passa
e já já a gente também se esquece
já já a gente não se lembrará
já já invadiremos, simultâneos,
nossos sonhos solitários
já já os corpos tocarão seu solitário corpo
já já estarei tombado de amor por outro alguém
já já contarei de ti com esse brilho, mas todo arrefecido
já já tomaremos vinho
já já, eu sei, eu sinto
já já a vida acontece
já já a gente aprende
já já se arrepende
já já adoece
e muda
e vai
e nunca volta
a gente só vai
a gente só vai

e que seja gostoso
que seja suculento
que seja como foi, meu gatão
delicado
íntimo
silencioso
e morno-quase-quente

sábado, 13 de julho de 2019

Saiba, meu amor

Aquilo que você já sabe
muda
todos os dias

Se antes dizia ser amor
agora confirmo
é mesmo amor

Se antes te disse sobre o tempo
agora é certo
ainda é o tempo

Saiba, meu amor
toda essa sabedoria
é insuficiente

Saiba, meu bem
que a gente é gente
e nada disso bastaria

Morro, nasço, sobrevivo
todos os dias
mudo

Ainda que tão agitado
ainda que tanto amor
ainda tão apaixonado

Saiba, amor
é preciso saber
para bem se perder

Estou perdido, meu bem
estou bem perdido
perdido, amor

quarta-feira, 26 de junho de 2019

domingo, 16 de junho de 2019

Corte. Visitar padrões.

E quem diria eu
Fazendo um corte.
Quem diria que chegaria eu
Tão longe.

É que te encontrei
Encontrei você vários.
Padrões que em mim se repetem
Mas que nada me fazem
Exceto mal
Um mal delicado
Que finge ser orgânico
Que finge me entender
Mal do qual me orgulho
Mas que está me destruindo.

Um corte
Contra aquilo que eu achava ser eu mesmo
Um corte

Contra esse padrão de amor
Onde eu me doo e saio sempre doendo

Não
Não

Não pode ser


Não quero nem isso mereço





Sobre você
Bom, você, eu te entendo
Te admiro
E te respeito
Mas o mal em mim
Para ser modificado
Pressupõe um corte
Em mim
Mas também em você

Não tem jeito.

É que visitar esses padrões
não é algo supérfluo
não é algo passageiro
É algo que fica
que firma em mim
um ser que sou
mas que é antes de eu ter sido.

Não o quero.
Não me quero assim.
Por isso um corte
esse corte
Para ser quem sou
e não quem foram em mim
antes de mim.

domingo, 9 de junho de 2019

Passe

Ou ainda mais
Ultrapasse
a cabeça
pesada e pendente
pesando e demente
Passe-a
Ultrapasse-a

Terá que ser assim
Ou você dobra a sua cabeça ao meio
ou ela te manterá refém
te manterá assim
prevendo o futuro que você mesmo mata
assassinando o instante que por você não passa

Passe-a
Ultrapasse-a
Atropele-a
Perca-se dessa pensação que não cessa
Faça-se perder dessa produção desenfreada
de narrativas fatalistas
que te impedem de gozar

gota a gota
a delícia que poderia ter sido
estar vivo.

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Gasto

Amanhece súbito e delicado
Este cansaço. Uma renovada
Esperança se anuncia. Poder
Sentir-se bem consigo mesmo.

Há quanto tempo em função
Do outro? Há quanto tempo
Tão afastado de seus próprios
Sorrisos? Perdeu-se a conta.

Pensar que tinha em si alegrias
Para celebrar. Saber que tinha
Uma casa, os bens materiais. Saber
Que tudo isso conforta. Conforta sim.

Ademais, quando assim muito fora
De si. Cuidar menos da fome da carne
E mais da alma mesmo, dessa existência
Fina, quebradiça e porta-vida.

Amanheceu assim ciente. De si mesmo
E daquilo que sentia, sente. Cuidar mais
Do próprio bem para que depois o mundo
De seu bem se servisse. De acordo?

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Brevíssima paz

Quase cristalina
Se instaura
Quando você diz palavra
Que confirma
Nosso laço.

Ontem disse sogro
Noutro dia namorado
Já havia dito
Nossa relação
Tudo isso me alucina.

Deitado sobre a cama
Sem conseguir dormir
Mesmo sem seus braços
Te deito inteiro ali
E em mim.

Uma paz geniosa
No silêncio da cama
Me envolve
Não pede nem diz nada
É quebradiça, requer inércia.

Fico nela
Com ela
Sem tanto toque
Essa brevíssima paz
Me acalma.

Depois me levanto
Abrupto
Dou telefonemas
Assino cheques
E ela lá, sonolenta.

Se chego no meio da madrugada
Meio bêbado e inteiro apaixonado
E não a encontro ali sobre a cama
Durmo ainda assim
Porque ela também precisa de seus espaços.

Mas volta, ok?
Volta no seu tempo
Volte tranquila
Em algum lugar
De alguma forma

Você é tudo o que eu mais quero nessa vida.

sábado, 18 de maio de 2019

Travessia

Talvez a instabilidade desse caminho, moço
Seja mesmo o princípio e o fim de uma vida.
Voce está sendo testado. O mundo te testa e quer saber de você
E aí, mocinho, qual vai ser?

Quantas mais curvas dobrarás tentando atingir sua linha?
Quantos mais medos se privará querendo amanhecer amado e tranquilo?

Desista.

Caia em cansaço profundo.

Não há saída. Escuta,

Aquilo que se sente jamais pode se colocar entre as mãos. Não se pode guardar, não é possível, mesmo, desista, o mundo sobrexiste aos seus desejos de deter, reter, controlar.

Percebe? Isso tudo o que sentes, tudo isso, vem e vai, fica e te afunda. Não há saída. Aceite a sua perdição. O nome dela é a própria vida.

Te vejo agora cruzando túneis, plainando por essa cidade imensa e tão desigual. Ela também te prova, quer te dizer que sim, garoto, nem tente ganhar. Não tente. Sobreviva alegre no que tiver no momento único e passageiro em que existir você.

Certo?

Tá ok?

Aceita. Você é mais matéria desse mundo do que propriamente você..

domingo, 12 de maio de 2019

O que mais ele está se dizendo

É que se acalme.

Por favor, se acalme.

A correria tende a atropelar os acontecimentos
E aquilo que acontece, por vezes,
É tão pequeno, tão ínfimo.

Acalme-se, eu te pedia.
Por favor. Fica aqui
Neste tempo
O único
O presente.

Consegue?

Agora, ficar agora, só neste agora
Voce consegue?
Me diz?
O que te acontece?

---

Agora estou dentro de um ônibus. O casaco de moletom preto me conforta sob o ar-condicionado que eu mesmo virei para minha cabeça. Minha cabeça dói um pouco. Minha boca está úmida. Penso muito, mas nem tanto. Sobrevivo. Deveria te dizer o que sinto? Já não sei. Foi amor, era, estava sendo, ainda é, sem dúvida, mas é tão confuso. Tão confuso. Acredito que tudo seria um pouco menos confuso se conseguíssemos definir um pouco a coisa toda, todo o movimento. Mas isso é possível? Definir algo não seria o mesmo que privar esse alho de ser simplesmente, de respirar? Não posso agir assim. Por isso entendo o pedido de calma, também gostaria de me acalmar. Mas, por agora, agora, você me pediu, neste agora quero fechar os olhos sob o sol que entra pela janela. Ouvir uma música amena e antiga. Quero dormir e acordar lá na frente. Vê-lo novamente. Com delicadeza, ser o que sou, evidente, visível, confidente. O amor é para quem? Para mim? Para ele? Para nós? Para o tempo que não cessa de morrer e nascer novo e renovado? As perguntas não cessam porque, talvez, continue a vida em acontecimento. Agora? Agora eu penso em fé. Penso se haveria algo nesse universo capaz de reter um pouco, de me segurar, se haveria alguma inteligência sensível capaz de me contrariar e dizer: ei, rapaz, não me venha com essa correria, não adianta bradar nem gritar, não precisa morrer nem matar, apenas exista, exista no sobressalto que o caminho vai passando e nele você vai encontrando seus passos. Agora é isso.

---

Mas já mudaria. E seria essa a beleza
Mais temível e mais tremida
A saber: a vida não para.
A vida não volta.
Ela só vai
Nela se vai
Se vai assim, vivendo ou não
Se vai.

Às pausas
Ao tremor integral e delicado
Ao amor que nos tira o senso
E que faz da vida aventura sem fim
Interminável aventura sem parâmetro
Sem controle
Sol.

sábado, 4 de maio de 2019

((((((((((a little care of me))))))))))

I ask youCan you take care (a little) of me?I'm needing itYes, I amI know, I knowI'm a young and strength menI'm intelligent and all that jazzEven then, I ask youCan you take care of me?Just a littleI'm really needing itMaybe a wordOr even seconds under your armsDon't need to say "i love you"I already know you won't say these thingsI don't careI don't need you to be like meNot at allPlease, don't be like meYou don't need to do anything as I doDo it by your wayBut do it, pleaseCan it be just a finger next my skinOr a smile directed to meAnything, anythingBut do it, pleasePleaseI'm ((almost)) begging youJust because I need it(((I really need)))Cause I'm lovin youAnd it's very hard when we feel alone in this gameAm I feeling alone?Not at allI'm with you, manBut it's hard, even thenIs it a game?This what is happen between us twoIt's just life, isn't it?Don't wanna playI didin't choose itDid you choose?Probably notNeither ISo, pleaseCome hereUndress meCover all my skinAgainWith your warmed kisses((((I still remember them over me))))Cover all of meEach pieceAll my holes(((((I have big holes inside, all full of fears and more fears)))))Make me forget a littleOf who I amOf who I wasFor the first time in my lifeI don't wanna know who I'll beBecause all I wanna beIs with youBy your sideSide by sideTogether, we can do itI'm sure we canWith you I know I canCan't you see?((((((I've already said it))))))(((((((I'm lovin you, man)))))))((((((((Is it too hard to understand?))))))))(((((((((Can't you see? Or you don't want to see?)))))))))I don't need me anymoreI'm just needing you by nowCan you understand it?Can you do it for me?I''m lovin youAnd it's hard to love someoneWhen we're not sure if the other oneLoves us too.


OR DON'T


Don't take care of meJust say what you're feeling about all of thisSay it, pleaseTell me you're in a bad momentTell me you need timeTo understand yourselfTo restart everythingTell me you need timeA long time without seeing meA long time across the seaI'll hurtI'll cry or dieBut I'll liveThis is life, isn't it?Life is like thisNot what we wantNot what we've dreamIt's just I needTo hear from youWhat I really am for youWhat you really want of meWhat you want?I could do amazing thingsJust to be with youBecause, manI'm young and all that jazzBut I already knowI have a few years in my backThree decades and one yearI know what I fellWhen in front of someone so beautiful and sad like youI get myself happyBecause you, for me, it's like a new workA project that evokes meAnd solicites meAnd makes me biggerAnd makes me shareAnd makes me beautifulPleaseDo itWhatever it isJust do itSay you're going awayOr just stayStay with meI'll be with youWhenever you needBut first of allTake care ((((((((((a little)))))))))) of me

terça-feira, 30 de abril de 2019

Adiante

Estou aqui. Estava
Ele estava ali.
Estava sim, era visível,
Era sabido
Foi visto e revisto.
Ainda assim, por que tanta dúvida?
Por qual motivo?

Eu estava ali. Estou,
Não veem? Estou
Aqui
Como ontem estou aqui
Mas se me olhasse por dentro
Veria
Vocês veriam
E eis a magia
Que eu estou. Estava
Que eu estou é lá.

Lá no adiante
Sobrevivo por agora.
Adiante sobrevivo aqui onde estou
Onde estava só estive porque adiante estou
Lá. Onde? Ora, nele
Estou nele. Nele estava. Estarei lá
Nele, onde mais poderia eu estar?

Não, não, não é falta de presença.
Estou aqui, não disse que estava?
Não é falta de presença
É só o presente acumulado
Presente grande e abusado
Estou aqui porque lá me conservo
Lá onde? Ora, você me pergunta
Novamente.

Estou lá, nele,
Por que tanta repetição?
Onde mais poderia alguém estar
Que não rente ao coração?

sexta-feira, 26 de abril de 2019

Ainda sobre nós dois

Esse céu
A noite de ontem
Ainda continua viva
Escura e densa
Projeto um futuro
Seu abraço demora
Mas quando chega
Põe me em apuros
Moço
É tanto que afundo
Num poço meu todo estranho
As palavras têm força
Mas muita palavra mata o ritmo
Sente?
Ontem hoje antes isso
Isto
Que lindo é
Você
Eu
Nós 2
01 coisa
Não mais suculenta
Já se foi a suculência
Sobrevivemos não imberbes
Nem tão bêbados
Que dia é esse que não finda?
Ao seu lado
Minha azia é poetisa
Obrigado
De nada
De nado
Vago besta bobo amado
Amando
Aff

DENTRO


Acesse http://teatroinominavel.com.br/dentro.html

quinta-feira, 18 de abril de 2019

Mas se atrasa

Perde então o sentido, brusco
Todo roto, duro porco
Perco adiante inda mais
A postura
Dói me os pés
Impaciente penso loucuras
Se demora tanto assim
O que posso fazer
Que não apenas o pane?
Panifico
Fico pânico, penico
Despejo despeço-me do calor
Agora longínquo
Sofro tanto que nem respiro
Mas digo
Falo escrevente
Falo soberbo
Ferve
Dentres dentes que coçam
Debocho da falsidade dessa alegria dessa paixão tudo acabado o ônibus atrasou hoje só mesmo amanhã
Merda
Ingrata
Por que a vida não dobra um pouco?
É pedir muito?

De novo só que diferente

Volto ou vou?
Estou indo
Tudo no seu tempo
A ansiedade aguarda
ESSA idiota.

Vou, estou voando
Estrada adentro
Te querendo
Te amando
Eu te quero.

DE novo, mas diferente
Tento, hei de conseguir
Nem tanto mais sofrer
Nem tanto isso de tentar
Ser feliz.

O que resta?
As idas.
O que fica ainda são elas
As idas meu empenho
Malditas.

Vou porque te quero
Porque te preciso vou
Hoje com mais contorno
Do que antes vou
Porque estar ao seu lado me faz feliz.

Tão simples
Desconcertante
Coisa boba e discrepante
Eita, coração
Você não morre?

Não, calma lá
A estrada anda
O sono distrai
Já já estou lá
E então nós dois de novo só que diferentes.

Não adiantarei o papo
Não ousarei lhe contar
Isso que já sei sobre a gente
Isso que germino cá em mim
É quase um epitáfio.

Coisa estranha o amor
Indevida indisposta
Instável impressionante
Vou por estar já indo
Por que te amo?

Por isso mesmo
Por só por isso
Porque te amo
Te amo
E reticências.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Older

Estou ficando meio assim
tudo por conta de você
Ficando não velho, porém
mais velho
Sem dúvida
não dá para ver?

Meus cabelos brancos estão brilhando
querem chamar a atenção
querem dizer ao mundo
ei, moro em um homem
que homem está virando
um homem que está amando

Não dá para ver?

Essa angústia metida à tranquilidade.

Esse cigarro que não apaga
esse desejo de beber
se afogar
tudo porque você não tem idade
(não tem mesmo?)
não tem idade você
para lidar com isso
com esse encantamento bruto
abrupto
Você
Está
Apaixonado
Amando
Amante
Besta
Bobo
Imenso

Você está lindo

Você está lindo
porque está amando

e aí é isso mesmo
fazer o quê?
Pergunta indevida
sobrevive
sobreviva
sobre tudo
sobre coisa alguma
sob tudo
sob tudo

você
moldando companhias

Primeiro a sua
fica consigo, cara
Se reconheça
não é bobeira
se reconheça
é vero

Nem sei mais o que escrevo
nem sei mais porque escrever
queria parar tudo
decretar fim dos tempos
e morar no seu abraço
desatar os passos do mundo
e morar no seu abraço
no seu abraço

Estou ficando mais velho
não velho
mais velho
e é isso
e é isso
e já nem faz sentido
e nem tem que fazer
e é tanto e
tanto e
é tanto e
e isso
e aquilo
e você
e eu
e eu e você
você e eu
eu e você
e o que mais?

não posso
não ouso
não quero dizer

sobrevivo
Sobreviva
fica
Fico
Fiquemos
fiquemos

!!!

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Em consulta

Cá estou
Esperando para ser atendido
Entendido, talvez,
Para ser entendido.

O que posso lhe dizer, doutora?
Não posso mais não ser sincero.

Vim ao mundo sem o desejo de ser eterno.

O resto já se pode deduzir.

Não saberia abrir mão da minha cerveja
Nem dos cigarros
Não largo a embriaguez
Sem ela já teria morrido

Doutora, por favor, não me olhe assim
Isso que falo não é recusa à vida
Ao contrário
É quase uma paixão desmedida

Quero viver
Viver bem
Bem gostoso
Gostoso é fazer aquilo que te faz tremer o corpo

Veja
Minhas mãos
Tremem, não tremem?
Sabe o motivo?

Hipoglicemia, ela diria
Você não almoçou?
Está em jejum?
Tomou sua insulina?

É só o amor, doutora
O amor me laça
O amor me lança
Me tortura me afaga

Doutora?

Não quero cura
Não quero morrer
Quero apenas durar mais tempo
Um pouco mais
Para enfim sucumbir
Para enfim e por ter amado
Ter sido eterno.

domingo, 31 de março de 2019

Se eu pudesse escrever esse poema

Ele seria para você
Sairia de mim, sem dúvida
mas seu destino seria todo um
Você
Que tanto me encanta
e apaixona.

Se eu pudesse escrever esse poema
ele começaria com um assassinato
Mataria o tempo
agilmente
subitamente
destruiria os relógios
e os empenhos por ele
agendados

E como todo gesto agressivo
prontamente me lembraria daquilo
que há
apenas
isso
Isto
esse desejo imenso
de ficar aí em ti
e não sair
não sair
por agora não

Digo "se pudesse" porque não posso
não posso escrever esse poema
porque ele me foge
você também o faz
eu mesmo faço
estou todo escorregadio
instável
vivo
mas tão perdido
perdidamente apaixonado
por ti

Por isso não posso escrever
não posso porque estou te amando
não posso porque não sei como te dizer isso
já tão óbvio
escorrendo
dos olhos
dos sorrisos
de cada abraço-aperto-apertado-apertante

Hoje não como antes
não como o que já foi
hoje renovo a fé
de que as coisas simplesmente se fazem
elas dão seu jeito de acontecer
e a gente está no meio
a gente fica nesse meio

a gente fica entre a gente

portanto
se agora não posso escrever esse poema
é porque estou enfiado nele
vivo nele
e por isso não há distância
não há salvação

sou prosa ritmada
metáfora desolada
sou versos e cem reversos
hipérbole delicada
sorriso metonímia
que se mostra pequeno
mas anuncia alegrias ancestrais
sou sua
sou seu
sou tanto
e, no fim dessas linhas,
já nem sei quem fui
só sei que estou aqui
outra vez
eu e o tempo assassinado
nós dois
a sua espera

para dormirmos juntos
face a face
enrolados e enlaçados
sem despertador
apenas dentro
dentro disso que não ousamos dizer o nome
mas que já sabemos
já sabemos do que se trata

é só um tempo