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quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Pas-de-deux

Pas de Deux is French for "Step of Two" and is what partnering is called in ballet. By dancing with a partner the lady can jump higher, take positions she would never be able to on her own, and "float" about the stage as she is carried by her partner. A partner allows a man to extend his line and show off his strength.
TRADUÇÃO
Passo de dois é a
parceria. Como no Balé. Uma mulher dança com seu parceiro. Eles brincam, com
risco de cair, despencar, ruir despedaçar. Ela pode pular, ele sempre a pegará.
Sozinha, não poderia. Como assim se jogar sem ninguém para te pegar? Isso seria
outra coisa. Coisa chamada
suicídio.
In pas de deux the man quite often does not stand in a balletic position or appear to be dancing at all. He
can do this because the audience will almost always watch the lady, but now that you have read this I'm sure that you will watch the man as well next time you go to the ballet to see if it is really true. The man acts as a "third leg" for the lady by stabilizing, lifting, and turning her.

T.

O homem não precisa
sempre estar nesta posse. Nesta pose. Posse. Pose. Enfim, todos costumam olhar
somente para a mulher. É ela quem corre o risco de morte. Talvez sabendo disso
agora, da próxima vez quando os dois olhar, poderá atentar para o cara, ver
também quais movimentos executa. O homem é como o detentor da "terceira perna",
aquela que a mulher não tem. Ele detém o que ela não tem. A terceira perna. É
dele. Sem esta, ela não pode se estabilizar, nem ascender, nem sequer girar
sobre o próprio eixo sob o risco de cair.

Four major areas of technique in pas de deux are promenades, lifts, turns, and jumps, although there are other areas as well. A promenade is when the lady takes a position on pointe and the man walks around her while holding on to her, thus making her turn. A lift is just what it says: The gentleman lifts the lady. The number of different lifts that can be done in ballet is almost limitless. When doing turns with a partner it is normally the lady who does the turning, usually some sort of pirouette. By doing pirouettes this way a lady can do many more pirouettes than she would normally be able to do on her own. Jumps can be very fun, tiring, or scary depending on what kind of jump a couple is doing. Some of the more risky jumps would be more accurately described as catches. This would be where the lady jumps on her own into the arms of the gentleman. Probably the most dangerous of these jumps is a leap of faith; this is the jump when the lady takes off and turns in the air so that she will land on her head if the gentleman does not catch her. Such moves always bring a gasp from an audience.

T.

Alguns movimentos são conhecidos, como
passeios elogios viradas e saltos. Existem outros, é claro. Passeio é quando o
cara pede que ela feche os olhos e a leva para conhecer o que há dentro de um
corpo em chamas. Ele sempre estará ao redor dela. Um elogio é uma maneira de
elevar a parceira, o parceiro. O número é infinito. Alguns elogios podem gerar
piruetas, que é quando saímos da terra e giramos eternamente achando que somos
algo além do que somos. Os saltos, são divertidos, cansativos e perigosos.
Depende do tipo de salto que um casal se permite fazer. Os mais perigosos são os
do tipo pegada. Isso é quando a mulher pula e cai direto nos braços do homem.
Não necessariamente do homem, podendo também ser outra (coisa). O salto mais perigoso, sem
dúvida, é o salto da fé. Aquele em que a mulher mergulha de cabeça e se o cara
não estiver ali, bem, ela pode enfim morrer. (Esses saltos costumam gerar um
grande repercussão na platéia).

.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Oração

Não posso dizer mais nada.

Meu corpo foi destituído do direito de se falar.

Fui eu mesmo quem o proíbi.

Ele precisa se controlar.

Dizer apenas o preciso
sem isso de se contorcer
de se espremer
de tentar se amar.

Eu mesmo quem calei
e costurei as linhas
e fiz os pontos e vírgulas todos numa mesma oração,

Numa só prece que clama agora por silêncio.

Até que se gere uma nova palavra
dentro

e com asas
serás fora quando for tua hora.

.

domingo, 21 de dezembro de 2008

CorpoCostura

Eu sinto o meu corpo
Tentando sozinho se refazer
ele estica suas mãos
e eu vendo elas assim no alto
pendendo
não consigo compreender

o que podem querer dizer
o que significa esse gesto
como se o aceno
fosse o pedir pelo socorrer.

Tenta o meu corpo se refazer
e não cruza tanto mais as pernas
quer me colocar de pé
mas eu me canso
e não consigo compreender
porque tanto vagar
porque tanto correr

o que podem querer dizer
o que as faz mover o diante
como se adiante
houvesse algo a saber.

Tenta o meu corpo se refazer
e nisso o que eu quero sempre se distrái
pois é ele indo de um jeito
e eu pensando noutro caminho

Como podemos ser o mesmo
se eu penso em destino
e ele pensa em estar

Como podemos
se um vai para um lado
e outro se faz de morto?

Eu e meu corpo
precisamos nos dar as mãos
precisamos juntos ir nos fazer
compreender
o que em mim nele dói
e o que nele me é intolerável
incapaz de dar prazer

Estamos juntos, fadados
o nosso destino é um mesmo resultado
a nossa ferida abre um mesmo buraco
e o nosso sangue é o que nos costura

Por isso, corpo
não se jogue dessa altura
porque eu tenho medo

Não se precipite em meio a fumaça
porque meus olhos ardem só de pensar
o baque da nossa união
ir assim se desfazendo
perdida rumo a um chão
qualquer
de concreto
sob um automóvel que sairá discreto

Não queiramos nos perder
Não deixemos o tempo avançar
e nesse percurso
a gente nada fazer

Vamos dar as mãos
e juntos
ousaremos dizer
a mesma língua
o mesmo rosto
o mesmo peito
a mesma edificação

Não mais eu sobre você
nem você sob minha jurisdição
somos um só
porque haveria então entre nós
uma cissão?
?

sábado, 20 de dezembro de 2008

Long Way Home

Meu corpo ainda não está todo pronto. Numa parte ou outra despenca, como se a dor fosse inevitável para justificar a minha presença. Dói corpo meu. Mostra a sua cor. Deixa explícita a escolha esta de permanecer sofrendo, de permanecer indo e voltando cicatrizando e roendo a própria carne. Essa dor é minha só não é de mais ninguém. Dor de caminho de contorno de processo. Estou voltando. Aos poucos, mas voltando. Volto a conta-gotas.

O corpo também regressa. Minha volta é minha vida se condensando para tornar-se mais desperta, mais pura e sincera. Volta também minha poesia, pois as coisas aqui estão estranhas. Estão sujas. São tão instantâneas. Não querem dizer a sinceridade, querem dizer a forma insconstante dessa minha realidade. Querem capturar o segundo mas sequer contemplam no redor e a lei vigente. No redor há tanta gente e nisso eu também sou eu. E fora disso o que realmente eu sou?

Não me contemplem. Não contemplem-me. Não vejam essa abissal transformação. De verter em flora o que fora sangue. De verter em veto o que foram versos. De verter em decisão o que fora exacerbada tentativa de comunicação. De verter hoje o rumo do chão em destino para casa. De se inverter. De se fazer sala. De se fazer perceber outros peitos também em você.
.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Cartas morrem

Eu escrevi uma carta. Talvez tenha sido a primeira que fiz endereçada a você. Sempre soube que a tinha. Sempre soube que pela carta eu lhe diria tudo aquilo que não consigo. Hoje estive próximo. Quase lá chegando, quase a carta lhe entregando. Eis que o acaso, o destino, o tempo, um atraso, me impediu de te entregar.

Agora, resta esta carta aqui sobre a cama. Esperando.

Cartas morrem?

Cartas sofrem o que um corpo é capaz de sofrer?

Cartas sobrevivem ao tempo e a falta?

Temo pelas palavras. Acho que com o tempo, ali no papel presas, talvez elas queiram se desprender e possam então lhe dizer, um dia, outra coisa que não o planejado. Outra coisa, mas não o hoje que, novamente, eu fui incapaz de dizer.

Que eu me importo, pai.

Que eu me importo.
.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A compreensão vem pela pele.

A chuva caindo lá fora e aqui, aqui onde eu escolhi estar, tudo parece em ordem. E parecer não quer dizer não estar. É apenas que as aparências mal acordaram e tudo ainda é sincero e saudável. Eu bebo este café sem açúcar. Por vontade de experimentar. Eu pego o ônibus para casa mas desço antes, desço noutro momento, noutro lugar.


Se eu conseguisse dizer a vocês o que está transbordando neste momento. Talvez assim eu pudesse vir a me dizer poeta. O que é ser poeta, então? É dizer isso que me extravaza? É saber o nome das coisas que se escondem ou das cores das coisas que se jogam da sacada? Ser poeta é ver o

"c"
caindo numa gota e depois o
"h"
e mais tarde o
"u"
seguido do
"v"
que é esmagado pela gota
"a"

É conseguir em si desmembrar o mundo e dizê-lo ampliando os segundos.

É isso tudo que estou tentando dizer. Como se tivesse que dar conta de cada gota que neste momento, que nesta terça-feira, agora, chuva, 22°C ou 72ºF, nesta cidade do Rio de Janeiro que de acordo com Drummond, de dois milhões de habitantes.


Eu poderia aqui ficar e nisso aqui eternamente tentar dizer. Meus amores, meus prazeres, medos, sonhos, todas essas coisas costumamos buscar e/ou dizer. Mas neste momento, nesta fração do agora, tudo feito como a chuva fará, também evapora. E resta o meu corpo, paciente, respirando demais ou pouco, na batida de cada gota resta um corpo, ouvinte ao seu prazer de ser testemunha do mundo que desaba para de novo vir a ser. Para de novo vir nascer.

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segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Ponto.Parágrafo

Duas pessoas diante de uma prateleira de livros.

- Essa é a pior parte da nossa separação. Não acha?
- Nutrimos mais amor pelos nossos livros do que por nós mesmos.
- Eu ainda gosto de mim.
- Eu não.
- Tudo bem. Também não gosto de você.
- Gostou alguma vez?
- Claro que sim.
- Ainda bem. Nem tudo foi ficção.
- Qual o problema com a ficção?
- Realmente, nada.
- Engraçado. Pensei que você gostasse.
- De fingir o que não existe?
- Não, dos nossos livros de ficção.
- Sempre achei que os romances falavam sobre amor.
- Nem todos...
- Eu sei. Você me ensinou. Romance é um gênero.
- Não quer dizer amor.
- Pode ser sobre a morte.
- Não quer dizer que nisso também não tenha amor.
- Eu sei. Isso também você me ensinou.
- Você tá se comportando como um aluno que vai até a casa da professora...
- Você é a professora?
- Ou professor, tanto faz. Você é quem está abismado diante dos livros...
- Que são nossos.
- Mas que mesmo assim não vão nos unir para sempre. Anda.
- Quem começa então?
- Vai você que não gosta de ficção. Temos muitos desse gênero.
- Eu levo esse.
- Eu fico com essa autobiografia.
- Com essa?
- Não começa! Se você for reclamar em cada divisão, é melhor eu ir embora!
- Desculpa. Eu devia ter me preparado melhor.
- É. Devia assim. Além do mais, esse aqui você já leu.
- Não li.
- Então mentiu?
- Menti.
- Você quis me impressionar?
- Eu quis.
- Por favor. Pode levar com você. Eu pego outro.
- Não precisa.
- Precisa sim, esse livro é ótimo.

...

Sentindo o peso das palavras.
Tentativa tentada. Agora resta a tentação
de fazer o ato germinar
e de ver nascer
um novo corpo sob forma de drama.

...

Das palavras

É que quando você as lança
elas sempre acenam abrindo as bocas
e seduzem o estranho
o distante
e então o que você criou
é apenas pequeno num instante
num instante suficientemente curto até que
despreendidas
possam lançar sua sedução
e fazer caber num só ponto final
todo um universo
em plena
relação
com um infinito.
.

a promessa do partir caso nada disso mais me importar

Foi quando eu percebi que eu também escrevia primeiro sobre mim, depois sobre o mundo. Eu sobre o mundo. Eu atráves dos meus olhos. Num exercício redundante de dizer pelos olhos o que os mesmos olhos são capazes de ver. Fiquei pensando que talvez fosse um ego, centrismo. Talvez uma prepotência. Não seria também cinismo? Pensei em adjetivos, busquei traçar sentidos que pudessem dizer sobre este meu exercício sobre mim, essa minha experimentação comigo mesmo. Mas não cheguei muito longe. Meus braços e pernas ainda não são capazes diante da imensidão de meus medos. Erros.

Segui pensando. Pensar hoje é tentar. Segui tentando em mim clarear os comentários. É tão ruim se expor? É ruim que a minha sinceridade seja primeiro em meu corpo, para depois ganhar contorno outro e talvez nisso mesmo ir se perder? Não saberia dizer. Mas é certo que os primeiros versos sejam quase sempre eu tentei algo dizer.

E é na busca desse algo que eu também ouvi e vim perceber. Que poesia é essa que sentencia o que é morte o que é dor o que é o amor e o que é o viver? Estaria cega confusa obstinada numa só busca num só sentido sem separar nada deixando assim tudo confuso e impreciso? Eu me questionei sobre o porquê das orações tão corretas. Dos pontos tão finais. E das linhas que em termos gerais buscam classificar o que há ao meu redor.

Necessidade de classificar. Eu preciso dizer que há morte e fazer você assimilar que sentidos ela mesma desperta em mim. Essa é a minha certeza. E como são diversas tentativas, certezas despencam sem parar, sem peso, sem talvez vitalidade, sem conseqüente germinar. O excesso é a vida. E a minha vida é tentativa. Sentencial.

Por último, eu devo sobre isso também pensar, afinal, do que sou feito? Porque as coisas que produzo, os filhos que semeio aqui no mundo, são eles produto também dessa minha matéria, dessas minhas veias e artérias (e daquilo tudo que lanço na corrente da nossa sanguinovia).

Estalo os dedos. A coluna. Faço o corpo reclamar. Quem é você e o que veio buscar? Faço o corpo em cicatrizes se criar. Marcando na face a promessa do partir caso nada disso mais me importar. Primeiro eu. Eu no mundo. Não posso dizer primeiro o que há fora pois só existe um fora porque aqui dentro sou eu. Um só. Um único.

Eu li isso um dia. Que uma poeta escreveu sempre sobre sua própria vida. E não é isso poesia? A própria vida?
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sábado, 13 de dezembro de 2008

De uma hora para outra

Eu não tenho nada para dizer
Eu sinto que eu me espremo e que quero me fazer compreender
mas não há nada
agora há nada a dizer

De uma hora para outra
há muito sobre o que falar
numa viagem apenas
eu penso no chão na chuva
no meu cansaço
no meu bem-estar

Mas ainda assim
ainda nesse vagar
eu me perco
e recomeço a perceber
que não há nada a dizer
nada nada nada há


De uma hora para outra
a chuva sobre mim despenca
de uma hora para a outra
já não há mais nada em minha dispensa
de uma hora
assim
para outra
resta só o silêncio

e mudo
eu persisto
acompanhando o trajeto do tempo

De uma hora a outra
dessa outra a uma depois
nesse rumo os ponteiros avançam
e de uma hora para outra
eu já fui o meu futuro
o meu passado

eu perduro no tempo
eu nu tempo
sou perdulário

e os dias são poucos
as horas são poucas
amores são mortos
e a tarde é sempre curta
sempre curta
curta
rude
e sem afeto

Tento tudo direto
não posso oscilar
pois de uma hora para outra
eu posso cair
eu posso mesmo tombar
numa fração deste mundo
eu posso me desaparecer
eu posso te desesperar

eu posso
não sei se devo
eu vejo
não sei se anseio
eu medo
silencio
adormeço
e de uma hora para outra
é manhã outra vez.
.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

CAIXA ALTA

Ela ali sentada. Ele chega. Ela lhe dirige a palavra,

- Onde você esteve esse tempo todo?
- Procurando. E você? Sempre aqui?
- Esperando.
- Novidade pra você.
- Você está me ironizando?
- Não. É que às vezes ironia coincide com a verdade.
- No meu caso.
- No seu caso.
- No meu caso.
- Queria alguma coisa? Pra me perguntar onde estive esse tempo todo?
- Queria sim. Ainda quero.
- Posso ajudar?
- É aquela caixa no alto. Você pode pegar?
- É promessa?
- O quê?
- Isso de ficar inerte, esperando?
- É opção. Não tem a ver com religião. É essa caixa alta. A mais alta.
- Não vai me dizer o que é que tem nela?
- Você quer que eu diga ou quer ver?
- Diga.
- Veja você.

Ele puxa uma cadeira e a coloca diante de uma alta estante carregada de livros. No alto, uma caixa empoeirada esbarra no teto. Ele sobe na cadeira, estica ao máximo os braços e puxa a caixa de uma vez só.

- Está aqui a sua caixa.
- É para você.
- Não, eu não posso aceitar.
- Não é para aceitar. É sua. Estava comigo. Mas é sua.
- O que é?
- Você quer que eu diga ou prefere ver?
- Não tem nada aqui que vai me machucar, tem? Algum palhaço que salta quando se abre a tampa?
- Depende do que machuca você.
- Você está amargurada.

Silêncio preenchido com dor. Ele volta,

- Eu não quis dizer...
- Quis sim. E disse. Abre logo a caixa e vai embora.
- Só porque eu fui sincero agora você vai me tratar mal.
- Eu não te trato bem faz tempo.
- Então você assume?
- Quem tem problemas em assumir coisas aqui é você.
- Está certo. Então eu vou embora.
- Não.
- Quer que eu fique?
- Só até abrir a caixa. Está em suas mãos. Vamos.
- E se eu não quiser te dar esse prazer?
- É você quem perde, querido. Eu já não tenho nada.
- E ainda insiste em ficar parada, dentro de casa, como se fosse doente.
- Há doenças que não se revelam, querido. Que consomem por dentro, primeiro. E fica tudo aqui dentro, vazando, como se tudo dentro morresse primeiro para depois te avisar, agora há só você.
- Você tá louca.
- Agora há só você.
- Eu o quê?
- Abra logo. Eu fiz por você.
- O que é?
- Quer mesmo saber?
- Eu perguntei.
- Um pedaço de mim. Pra que você leve e faça o que quiser. Eu não me importo que jogue fora. Só preciso ver você saindo daqui com essa caixa. Cruzando os dois, juntos, aquela porta.
- Um pedaço de você?
- Só um pedaço, não é nada. Não me faz falta. Dou-lhe de bom grado.
- São seus cabelos?
- Não. Estes todos podem ter. Olha quantos fios percorrem essa casa.
- Está mais limpa.
- Não minta. Não precisa tentar me valorizar. Eu não presto.
- Pare com isso.
- Então vá. Junto com a caixa.
- Que pedaço de você?
- Só não me deixe ver você jogando a caixa fora.
- Se o fizer, só jogarei mesmo quando sair.
- Sincero de sua parte.

Silêncio preenchido com dúvidas. Ela prossegue,

- A sinceridade dói, eu sei. Mas passa.
- Abra a caixa.
- Eu? Jamais. Já doeu o suficiente fechá-la. Imagina ter que colocá-la no alto da estante. E conviver com esse cheiro podre de corpo esmaecendo.
- Corpo?
- Eu disse que era um pedaço meu.
- Você está louca.
- Não, estou morrendo.
- Chega!

Ele apóia bruscamente a caixa no chão.

- Não! Eu exijo que fique com você! É sua! Tire ela daqui! Me leve pra passear.
- Não quer você sair daqui?
- Não. Aqui eu vou ficar. Falta pouco. Já posso ouvir o agora só há você.
- Eu não consigo...
- Não se culpe. Do jeito como foi eu sabia que nisso ia resultar.
- A caixa...
- É sua. Pare de balbuciar. É sua, pode levar.
- Um pedaço seu?
- Um pedaço fresco. Que ainda não morreu. Leve logo antes que estrague.
- Qual pedaço seu?
- Meu útero.
- Meu Deus!
- Eis que volta a sua fé. Aproveite e saia daqui, vá passear.
- É mentira!
- Quer que eu diga ou prefere ver?
- Diga que é mentira.
- A verdade às vezes dói. E olha, eu preciso te dizer, esta foi a que mais doeu.
- Por que você fez isso?
- Sem perguntas. Leve a caixa.
- Isso não é meu.
- É sim. Foi por você.
- Não me culpe.
- Não é culpa. É um presente, você não vê?
- Você está louca!

Ele sai e abandona a caixa no chão. A porta entreaberta revela a sua correria rumo a não se sabe onde. Ela resta, na cadeira, contemplando a si mesma, naquele pedaço de carne encaixotada.

- Novidade. Mais um que foge. Mais um.

Pega na mesinha ao lado o telefone. Disca,

- Oi. Lembra de mim? Sim. E você? Que bom. Na verdade, eu estou um pouco mal. De saúde. Queria saber se você podia passar aqui em casa. Ainda hoje. É. Queria dizer umas coisas, sei lá... Uma despedida. Obrigada. Obrigada mesmo.

Desliga. Apóia o telefone na mesa e contempla, novamente, a caixa. As mãos, incoscientemente, repousam sobre o ventre.


- Agora vai ser mais fácil. A sua caixa já está no chão. A porta já está aberta. É só entrar e me tirar daqui. Só entrar e me tirar daqui. Antes que eu estrague, pra sempre.
.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Torpor

Passado o vento
algumas palavras alucinam meu pensar

Não foram assim fofas demais?

Como? se entre elas frisei tanto o despedaçar
se pintei tanto entre elas o precipício
a lágrima
e nem tanto o luar?

Passado o vento
os cabelos ainda estão plácidos
as roupas duras
são todas de plástico

Eu vi
eu vi as unhas
estavam limpas
e a terra molhada
molhada no chão ficou
molhada no chão secou
e nem tudo virou cinza

Certas existências
existem para perdurar

Para contar o caminho
Nem fim nem começo nem meio eu me aborreço
e me volto à elas para rememorar
quanto de mim é verdade
incapaz de te tocar

O que posso fazer
se o meu mais sincero filho
hoje
já passado
foi impreciso e autoritário?

Para onde foi minha verdade que o vento não quer largar?

Talvez eu deva mesmo e somente respirar
sugando dia após dia
como num solavanco da alma
todo o excesso ao ar enfim lançado

Que em alguém encontre um eco
um cheiro esquecido
que nas alturas você se escute
e veja o que fizeram contigo

Que nas alturas
você despenque
e venha aqui me ver
venha aqui me ler
e tente, por favor, me fazer compreender
tudo aquilo que dessa vez
eu sou plenamente incapaz de.
.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Languidez

Tenho a boca seca
não de amor
nem de água
não de fala
boca minha seca de fumaça

e tudo então fica nebuloso
tudo em mim fica passível
de não ser o que digo
de parecer precipício
quando
dentro
é caminho

Boca minha precisa molhar
não no gesto
mas no ficar
persistir nas poças
e repousar

e tudo então será pranto
serás boca minha piscina
onde as crianças que invento
encontrarão seu eco
seu gesto
sua rima

Uma voz suave repete a construção
um menino se perdeu e está de pé
pés firmes no lábio inferior
mãos sedentas no de cima
olhando para fora
dessa caverna toda minha

e tudo então dela parte
tudo ou pode ser grito
silêncio gemido
ou disparate

tudo então pode voltar
cair para dentro e naufragar
na poça do intestino
no mar que carrego comigo
sempre dentro
sempre revolto
sempre preciso no desalinho de suas ondas
e contornos
e curvas

minha boca
é deserto
é aridez
é peito além do aberto
além do exposto
ultra-além do protesto

e tudo então
vira poesia
pois nada escapa ao vento
que vento
ao tentar fazer compreender
a rima impossível que se tornou
o morrer.
one two three four five six seven eight einstein on the beach

domingo, 7 de dezembro de 2008

And it's not so bad, it's not so bad...

Há uma precisão sobre as coisas que só conseguimos deter depois que o tempo passa. Certas coisas não se podem compreender nem sequer um sentido assimilar exceto através do tempo. Coisas que fogem feito fumaça que escorregam e despencam escada abaixo - essas mesmas escadas que cruzamos todos os dias na urgência de um ou outro compromisso.

Certas coisas precisam antes do nosso sumiço para se fazerem plenas. A completude existe sim. Mas vem junto com a morte. Um dia ele me disse,
Tudo o que se completa deseja morrer.
Que desejo é esse que há além de um morrer? É o desejo do eterno? É a sabedoria do retorno? Viver como um espectador - de profissão. Olhando os nossos atos com olhos recém-lançados para a inevitabilidade dos nossos rastros/rabos.

Eu fico pensando quantas mortes serão necessárias para se capturar o instante? Quantas serão necessárias para gerar esse outro entendimento do amor, que não acaba ali, que não despenca ribanceira abaixo, esse sentimento do amor que perdura, agora novo, agora noutro estado. Eu me pergunto quantos peitos mais irei amar e em quantas mortes de peitos devo eu desaguar?

Um dia, quando alguém se completou em minha vida, sofri por não compreender o que o tempo no seu exato presente me dizia. Pensava com persistência tenaz,
Quanto mais se ama mais se dói e mais e mais...
Passe uma semana querendo não amar, querendo não sorrir, querendo não me entregar. Temia amar e depois ter que fazer ser parte - do meu amor por você - a morte. Como me assustei, como criei transtornos e me machuquei. Veio então o tempo e eu vi, como foi mais doloroso que o morrer o não amar. Como doeu mais em mim o tempo perdido do que o seu enterrar.

Certas coisas não se compreendem de imediato. E a compreensão não perpassa necessariamente o que digo. Perpassa e extravaza primeiro um coração.

. .. ... .... ..... ...... .......

Vou ouvir com atenção. Vou observar o porquê dessa fixação. Com a morte. Estou nisso parado (vagando) - não em busca de resultado. Investigando essa estranha fixação que me faz prever a morte do pêssego que acabou de amadurecer. Às vezes é bem literal. Às vezes transmuta-se em línguas que não saberia descrever. Certas vezes tudo é tão simples como ser livre e querer voar. No entanto, em todas elas, paciência. Não saberia dizer outra coisa. É este o meu momento. É esta a minha coisa. E não é tão ruim. É necessário. Faz parte de um caminho, não necessariamente arbitrário.
And it's not so bad, it's not so bad...

. .. ... .... ..... ...... .......


.
foto: vinicius arneiro

.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Um último isqueiro

Quero determinar os prazos

As mortes

De certas pendências

Em minha vida.


Dou-lhe seu último isqueiro

Para que se ateie fogo

Por completo

Até quando este gás durar

Até quando durar este afeto

Descabido

Da autodestruição.


Dou-lhe apenas mais este último

Para que nele se debruce

E se faça morrer

Para que nele veja a sua vida

Perecer

Sem sentido

Sem propósito

Mesmo sorrindo.


Não mais do que este

Um último

Por tudo já tentado

Este é o último

Inconscientemente estipulado

Aceito

Pacto travado

Com o corpo

E a agonia

De sua morte.


.


A minha poesia nasce no susto

Sem planejar

Sem nem sequer espaço

Possível

Para fazê-la germinar


Por isso morrem tantas

Tentadas

Não até o fim

Nem sempre por mim


Mal nascem e são jogadas

Estupradas

A sua beleza é a sua postura quando as olho

E me pergunto

Estão acabadas?


.


Quando eu judio demais do meu corpo

Palavras respondem em sobressalto

As coisas não se encaixam

E o não encaixe é a própria dor

Gritando

Velando

Pelo corpo que o próprio

- nosso –

Horror


Perfuro-me em músicas

Que gritam e dizem outras línguas

Queimo a pele em cigarros distintos

Todos para provar

Que sou livre

E quanto mais livre

Mais fadado à morte.


.


Mas não consigo separar

Não consigo morrer o corpo

E deixar a poesia superar

A beleza da putrefação

As cores distintas que o dito cujo escorre

Ao se despedir,


Minha cabeça pesa sem jeito

Querendo sobre a cama desabar


Entre a cama e a parede, porém há um vazio

Para a poeira acumular


Vez ou outra, acordo caído

Com a cabeça no buraco entre a cama-parede

Com o espaço que sempre esqueço de limpar


.


Eu potencializo

Aumento

Diminuo demais

Eu sou volátil

Incapaz talvez de te assegurar a limpidez

Da chuva


Sempre talvez ela será negra ou

escura.


.


Desse sol que sempre falo

Poucas vezes o olhei

Poucas vezes sustentei

Enfrentar

O artista

Da minha diária aniquilação.


.


Fumaço

Neblino

E me precipito,


Como entender um ciclo

Se todo o fim

É meu desejo de quedar?


.


Me jogo em tudo

E ignorante

Acho que rasgar faz sempre parte


Me juventudo

E digo o que nem sempre preciso

Achando que a sinceridade é amor

E que amar

É dizer sempre a verdade.


.


Lembro-me bem

A música em repetidas vezes

Os dois, nós dois

Avançando os corpos

E um terceiro ali

Espiando

Esperando

Para ver até onde conseguiríamos chegar

Caso conseguíssemos atuar

Que estávamos sós

Feito um Romeu

E sua Julieta.


.


Prorrogação.

O amor agora não pode chegar

Não estou pronto

Não estou limpo

Posso me decepcionar,


Só mais uma semana

O amor pode em seguida chegar

Meu amor, pode em seguida chegar

Pode chegar, meu amor

Já uma semana se passou

E você deve ter se esquecido


Vem.


.


Nunca tanto assim em fragmentos

Estou sedento

Por todas as gotas

Por tantos remendos,


Em fragmentos

Não quebrado

Mas comendo miúdos

Trocando trocados

E fazendo o dia ser inteiro

Repleto de tantos pedaços.

.

Falta adjetivar

Dizer doce em você

Viver rubro o amanhecer

Falta compreender

Que nem sempre um nome ira dizer

Isso que não consigo descrever.


.


Costas cravejadas

Não de beijos

Nem de arranhões,

Costa minha cravejada

Do peso

Das indecisões.


.


Há pessimismo demais em não ver o que há de morte

na vida.

.

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