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domingo, 31 de março de 2019

Se eu pudesse escrever esse poema

Ele seria para você
Sairia de mim, sem dúvida
mas seu destino seria todo um
Você
Que tanto me encanta
e apaixona.

Se eu pudesse escrever esse poema
ele começaria com um assassinato
Mataria o tempo
agilmente
subitamente
destruiria os relógios
e os empenhos por ele
agendados

E como todo gesto agressivo
prontamente me lembraria daquilo
que há
apenas
isso
Isto
esse desejo imenso
de ficar aí em ti
e não sair
não sair
por agora não

Digo "se pudesse" porque não posso
não posso escrever esse poema
porque ele me foge
você também o faz
eu mesmo faço
estou todo escorregadio
instável
vivo
mas tão perdido
perdidamente apaixonado
por ti

Por isso não posso escrever
não posso porque estou te amando
não posso porque não sei como te dizer isso
já tão óbvio
escorrendo
dos olhos
dos sorrisos
de cada abraço-aperto-apertado-apertante

Hoje não como antes
não como o que já foi
hoje renovo a fé
de que as coisas simplesmente se fazem
elas dão seu jeito de acontecer
e a gente está no meio
a gente fica nesse meio

a gente fica entre a gente

portanto
se agora não posso escrever esse poema
é porque estou enfiado nele
vivo nele
e por isso não há distância
não há salvação

sou prosa ritmada
metáfora desolada
sou versos e cem reversos
hipérbole delicada
sorriso metonímia
que se mostra pequeno
mas anuncia alegrias ancestrais
sou sua
sou seu
sou tanto
e, no fim dessas linhas,
já nem sei quem fui
só sei que estou aqui
outra vez
eu e o tempo assassinado
nós dois
a sua espera

para dormirmos juntos
face a face
enrolados e enlaçados
sem despertador
apenas dentro
dentro disso que não ousamos dizer o nome
mas que já sabemos
já sabemos do que se trata

é só um tempo

quarta-feira, 13 de março de 2019

bri(n)co


sigo assim

avulso
pendente
instável
cansado
irritado
descrente
com azia
e todo desejante

você
é a única coisa que
subitamente
me interessa

tudo se acalma
(quando penso em você)
tudo some
(quando te vejo)
tudo cura
(quando te abraço)

teria como planejar melhor a vida?

vivo em golpes

teria como escolher algum movimento?

comprei duas passagens

uma de ida
outra de volta

existe um erro
terrível
porque só se vai
nunca se volta

é só porque ir
e te encontrar
é mesmo ir
é ir
ir

e depois
ir para longe de ti
ir para longe de ti
ir para longe
de ti
é e sempre será
voltar

voltar contra o que estou sentindo
voltar contra o que desejo
voltar contra o nosso encontro
tão lindo
tão lindo
você
é tão lindo

aí fico assim
sigo assim
tô seguindo
indo
tentando
tentando sobreviver às exigências
de ser homem que trabalha
paga contas
e é feliz como?

olha

nem quero tentar responder

ou sim

sim

olha

sou feliz aí
no seu silêncio
na sua dor
no seu encanto

estou apaixonado
e isso é insustentável
mas estou
sigo
eu sigo assim
aguentando

quinta-feira, 7 de março de 2019

sem descrição possível

logo eu
todo autor
cheio de palavras
logo eu
agora assim
sem sentença
capaz de descrever
o tanto que sinto

ontem
sem te ver
fiquei besta
bobo
provisório
quase sentido

fiquei mesmo
é coisa minha
é saldo de apaixonamento súbito
é certeza intranquila
de que estou
querendo
ser teu

o seu tempo me amadurece
não, não corro o risco de apodrecer
o seu tempo me acalma
me afaga inteiro
os seus olhos
o seu brevíssimo sorriso
tudo que é seu
me ensina outros caminhos

era isso
ainda agora é assim
eu aqui
querendo dormir
para acordar
com o plim
de uma mensagem sua
me chamando
para tomar um
dois
três drinks

domingo, 3 de março de 2019

Garoto em Programa

Nem tão homem assim, por favor
Aceite este breve retorno
À casa da infância
Como um convite ao jogo
Um programa

Que tal? Refazer trajetórias de antes?
Deitar sobre a grama do quintal
Como se não houvesse depois?
Parar quieto num lugar
Num ponto da casa
E ali ficar, vendo sobre o corpo
Passar tanto ali já vivido.

Um reencontro consigo. Talvez isso
De estar em casa e voltar a lhe ser íntimo.
Talvez nada demais, nem tão velho
Nem tão triste. Passar as mãos
Pelas paredes, ouvir de volta
Aqueles arrepios que te inauguraram.

Que tal? Gastar mais tempo conversando
Sobre o passado, com o atual pai?
Não haveria medo, não haveria a necessidade
De um homem que não sabia se tinha
Que se tornar um homem.

A mangueira. O poço a piscina
Os telhados de barro vermelho
As verdes plantas, aquelas rimas
O canil desativado
A caixa de gordura
O canteiro de terra fofa
Os interruptores
E a Bíblia sobre o aparador da sala.

Às pausas.

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