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segunda-feira, 22 de abril de 2024

delicad' análise


confesso que foi observada
com atenção
a especificidade daquele instante
do momento que seria
ou não
oportuno e decisivo
inda assim delirante

a contrariar os diagnósticos
arrasaria a si mesmo
sem freio
mas com doçura
pois a dificuldade consigo mesmo
seria tão somente
provisória tortura

estava decidido

no amanhã logo cedo
manhã seguinte e mesmo
diria precisamos conversar
e diria que posso partir logo depois
e diria coisas que não precisariam ser ditas
porque confiava

ele confiava

que você se importaria
apenas e tão somente
com a possibilidade efetiva
do seu bem estar
ora essa
gente

por que me é tão impossível vislumbrar comum acordo
em vez de tão somente tragédias e tragédias mil?
 

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Não tanto assim


Confesso ter esperado uma longa duração.

Sonhei, assustado, inclusive outras conclusões:
aquelas que me livrariam do desespero.

Acordei no meio da madrugada e ao sentar-me ao vaso sanitário
por um segundo ainda tomado por algum sossego
pensei imagina se isso fosse verdade
e era.

Lerda a verdade se espraia rumo ao dentro
e ao fora
e ocupa cada interstício
e o que sou de mim eu já não era
antes desse novíssimo diagnóstico.

Não demorou tanto assim
agora percebo.

A dureza só é dura se eu não a mastigo
mas ouçam

estou
mastigando
até mesmo
o medo.
 

terça-feira, 16 de abril de 2024

Alinhamento


Demandará tempo
posso dizer
para o medo de hoje
virar no amanhã
um gesto
capaz de te chamar

vem, amor
deixa eu te contar
uma coisa

Uma outra coisa.

/

Demorará porque o susto
sentou sobre mim
com sua imensa e pesada
bunda

caudoloso susto
não sei reagir
sofreria apenas
se me fosse permitido

desconsiderar o seu amor.

//

No futuro terei dito
quase tudo
direi o que importa
porque me importa

o senhor
e o nosso negócio
o nosso amor
meu amor

///

Mas por agora estou vencido
inerte ante à boca
aberta escancarada
como quem descobre tarde

que seria depois apenas
que o amor a mim viria
e que no entanto eu não teria precisado
perder-me tanto quanto

me perdi.

////

Dói um bocado
é dor distinta
não sabia nem conhecia
mas dói inda assim
 

segunda-feira, 15 de abril de 2024

Eu escrevi uma carta

Que talvez possa ser usada no dia em que eu morrer.

E sem espanto. 

Mal tinha nascido e fui sequestrado por uma doença que transformou minha vida que viria.

Agora, já com 30 anos de doença, sinto a inevitável necessidade de me olhar sem paciência. O que foi, o que fui, o que de mim foi feito enquanto tentei viver.

Fato é que desde muito cedo aprendi que não viveria muito. Ninguém me contou, foi aprendizado dado pelo caminho. Disseram-me é mentira, também já me disse isso. Mas se a certeza do meu fim não antecipou minha vida ainda, por certo já adulterou meus sonhos. Pela vida, perdi o encanto de um eterno possível. Sem relutar, aceitei cedo que findaria mais cedo. E sem escândalo.

Minha condição, no entanto, talvez tenha me feito encostar ainda mais na vida. Sem excessivo medo, sem saber o cuidado necessário, fui atento, prudente, até que o fui, mas sobretudo em quase tudo eu fui demasiado: montanha russa nunca temi, arrepio por conta das alturas senti, mas estive ali, nas alturas todas, a sentir o tremor das pernas, a ponderar o que poderia vir.

É curioso agora apresentar esta performance. Agora que minha vista falha. Agora que como nunca antes pensei em morte, em me matar, eu digo, sem escândalo. Você quereria continuar a sua vida caso não pudesse propriamente vivê-la?

Eu não aguentaria a distância das paisagens vistas.

(continua) 
 

domingo, 14 de abril de 2024

F l a V o u r


Diria inevitável 
O pouso leve
Do seu olho
Sobre o meu

O cabelo curto
A barba raspada
A cor dos olhos
Tudo em você é uma entrada

E eu escorrego
Ao fundo 
Pela ranhura 
Dos dedos todos
Eu me escorro
No osso do outro
E a sua sujeira
Em mim é alegria

Impura

Como os deuses
Haviam dito
Da cinza do seu cigarro
Que vai ao chão 
Sem que seja preciso
Batê-la

Homem
É ingrato que a guerra que fazes
Seja tão proporcional ao desejo
Que sinto por tudo aquilo

Que teu moletom esconde. 
 

sexta-feira, 12 de abril de 2024

resplendo


não foi cedo quando percebeu que aquilo
sentido
fazia sim algum
sentido

soou primeiro um abuso
pequeno tenebroso
delírio
mas não

tarde ele enfim perceberia que
na outra ausência
haveria ele que entender-se
com tamanha

impaciência

isso

de aguardar por um gesto outro

que desde cedo
e sorridente
já sabíamos
que não vingaria

então eu deliro

ele agora pergunta-se

não há espelho

nem há outro sequer

luminoso
acordo decidido
eu quis a conversa
optaste tu pelo

a p a z i g u a m e n t o

a p a z i g u a m e n t e

prefiro o rasgar
do honesto gesto
de dizer
do amor
 

quarta-feira, 10 de abril de 2024

duas palavrinhas


não nem antes
não não escrevo como
escrevo assim
desse bem jeito

não não escrevo como antes
nem como depois não escrevo como
escrevo tal como você me lê
caso me lesse

a ideia de que haveria amanhã
é tão enganosa que mesmo agora
desconfio que a mentira esteja sentada
sobre mim e minha mesa

como se houvesse um agora
é quando escrevo
e tenho tentado aceitar
que isto é o que vale

confiar que tem importância
alguma essa aprovação que
não vem do fora
mas do dentro

do dentro
aplaudo
a tentação
que não cesso

eis o sentido primeiro
e último e derradeiro
do costumeiro e estranho
sucesso

duas palavrinhas
para você
para
béns
 

no seu dia a mim um presente

perguntaste se me sinto jovem
ou algo assim se me sinto velho
não me recordo

disse que não tenho esse direito
que não posso me sentir jovem
tendo já desacreditado

em tanta coisa

perdi a confiança

não creio mais

e não é em mim não em ti
não perdi a confiança na vida
não ainda não perdi

mas jovem não me sinto
não me sinto assim ingênuo
perplexo tomado

o atravessamento que me corta
é coisa impossível de ser
coagulada

*

hoje no dia do seu aniversário
ganho de ti um presente e descubro
mais do seu amor

por mim
assassinado
o seu amor por mim assassinado

é assim não é?

matamos em vida
o amor que não conseguimos
deitar em nosso colo

matamos em vida
o amor que não foi na linguagem
corrente correspondido

e ele morre mesmo?

eu não quero te perguntar

eu te chamo para um jantar

eu te ofereço essa conversa

eu confio naquilo que pode
surgir mesmo que a gente
não soubesse que

que haveria
que aconteceria
que existiria

eita eita
 

quinta-feira, 4 de abril de 2024

das escolhas que tardam a significar


Elas foram feitas 
E quando foram os olhos 
Estavam bem abertos
As escolas feitas
Também estavas atento 
E os deslocamentos 
As deslocações 
Estiveste ali
Presente e banho tomado
Imprimiste o papel
O documento a tinta toda
Até as injeções vieram
E no prazo continuaram 
O vento mudou 
A árvore também 
Mudaram as janelas 
O endereço e as casas 
Os hábitos um pouco 
Um bocado mudaram 
A alimentação enfim, meu caro 

Tendo tanto já mudado 
por que ainda todo esse susto? 

Deixaste para o antes coisas 
que julgavas te deixarem louco 

Não foi isso? 

Sente então saudade 
dalgum sofrimento? 

Não sinta falta do que te faltava de si

Não gaste o fôlego no já ido

Olhe para onde quer que exista 
toda a beleza que está a vir

Está a vir

Estar a vir 

Estamos, não? 
 

Não digo nada

Olha com honesta tranquilidade
Eu sequer digo coisa que seja
Porque veja bem olha o tamanho 
Dessa felicidade 

Estou sob ela soterrado 
Quando penso na sua doçura 
Descontrolo-me todo
Quando penso em ti 

Interior alvoroço 

Não quero que me socorram

Deslizo confiante 

No desfiladeiro deste amor

Meu amor, o seu som, seu cheiro e seu sorriso você inteiro é tudo o que eu preciso
 

Píncaros

Estavam lá todos nas alturas
E sem que imaginassem
Também lá subitamente 
Eu chegaria

Os dentes sujos
O perfume de chocolate
O casaco grosso
O suor na face

Disseram-me
Estás bem? 
Eu não estava
Disse-lhes

Aqui é alto 
E então silêncio 
É mesmo alto 
E entreolharam-se

Pensei só comigo 
Que quem no alto está 
Por tanto tempo assim 
Talvez não saiba dos princípios 

Os primórdios 
Eu disse 
Entreolharam-se
Eram baixíssimos 
 

terça-feira, 2 de abril de 2024

159 »

tudo verde

aguardo a queda livre
ou sinuosa
para comer o trigo
o queijo
a carne

são que horas?

eu espero

firme no balanço

consciente de que se balançar demais

eu morro

eu morro

não?
 

domingo, 31 de março de 2024

duração


subitamente perceberia que foi colocado em terceira pessoa
do singular
sempre mencionado antes em primeiríssima
agora restava como um ele estranho
sem elo com nada
abandonado de si

a provocar desinteresse nos ditos
outros

é que por muito tempo argumentou
que era assim que era
que assim era como deveria ser
e pronto
amanheceu noutro dia
incapaz de ser outro
e pronto
incapaz assim
tornou-se

em terceiro lugar
da fila do si mesmo
confiou errado
de que o hábito
seria passageiro

demandou tempo
até que a apatia
fosse convertida
em devida morte

até que morresse
continuaria ele a sua
odiosa e ostracizante
ode

eu sou assim
eu sou assim ué
eu sou assim mesmo qual problema
é assim que eu sou

(...)

e era

ele chato
ele ridículo
ele estúpido
insuportável mesmo

ele invariável
e sem força para
e sem ânimo para
e sem para para o que quer que viesse

ele era ele
ele apenas
ele apenas
e morreu, enfim.
  

não gracias


Pensava sobre grandes tarefas
Não obrigado
Tenho gastado a energia que
Resta em fazer o mínimo quase nada tão pouco ainda assim aqui estou pensava em quem já fui no que já fiz no tanto quanto imenso mas hoje não
Gracias não quero mais não tenho ganas no tengo o quê
Não tengo que querer não tenho o que querer
No tengo
 

domingo, 24 de março de 2024

Chei de medo


Medo por vezes transparece
brilha assim todo calmo
por saber da sua força dura
força inerte ele nada faz

E eu nesse enjoo.

Estou cheio de medo
e dentre a imensidão dele
transpira o medo de ferir
seu rosto, sua delicada paz

Não quero te machucar.

E não saberia fazer mais nada
agora sinto que é continuar
na esperança atenciosa de que
provavelmente tudo dará certo

E eu confio como quem já nada mais poderia.
 

sábado, 23 de março de 2024

deitado, resvalo

A dimensão dos seus problemas é a mesma
Mas ora acorda formiga ora aquela besta
Imensa que ante ao infortúnio 
Brilha seu famigerado orgulho 

Nós sabemos
A verdade é que saberíamos 
Houvesse ou não 
Justiça 

Nós sabemos 

Que na falta de uma falta 
Faltaria respeito 
Primeiro com o mundo 
Segundo consigo mesmo 

Respeito seria supor que
O problema é sol que amanhece 
Mais planetas que o seu só 
Umbigo

Respeito seria saber que hoje é assim 
Amanhã talvez inda aquilo 
E que riso e sono não se deve interromper 
Custe quem custaria 
 
Obrigado desde já 
 

quinta-feira, 21 de março de 2024

Bombom


Seria reconhecer o que há de bom
Nisso que tão bem te faz, coração 

Escrever 
Bom, escrever
Bem, é isso,
Não?

Bem bom
 

o seu amor


é bom
estar na mira
dele

 

Enquanto espero

Escrevo poemas
Enquanto espero
Não exatamente o ônibus 
A vida, talvez, enquanto espero
Escrevo poemas 

Sem antecipar sentidos 
Sem prever quiçá destinos 
Escrevo como quem
Como quem escreve
A despeito de

Triste foi ter escrito tanto 
A despeito de tudo ter escrito 
A despeito seguir a escrever
Mensagens a dizer aos homens 
Perdidos que eu fiz bastante 

Para os perder

Por isso escrevo. Enquanto espero
Eu escrevo poemas que 
A despeito da vida 
Eu escreveria. 
 

terça-feira, 12 de março de 2024

Hiperbolo

Não contente com tudo
Queres ainda o todo
O salto por cima do cimo
A baba ressequida após 
O gozo

Seu drama é romper barragem

Inconsciente tudo partes
Como se paz fosse terreno baldio
E você chuva torrente a abrir
Confins para além do sol

E dos solos, 
infelizmente 

Haverá talvez um dia
Que ante ao estrondo 
Ouvirás apenas estalo
Ante ao desassossego 
Dirás tudo bem, vamos s isso

e irias 
na confiança trémula 
de que também a vida
carece de tempo
para complicar-se toda
para tudo complicar
   

segunda-feira, 11 de março de 2024

Na destruição

Confiar sobretudo
Ela tem o seu tempo
O que lhe cabe fazer 
Faça 
O que não lhe cabe
Durma se possível for 

A destruição tem lá seu engenho 

Ela progressivamente faz moer
O osso faz desmanchar a capa
Que te protege ela como ácido 
Misturaria você com antepassados 
Tudo para ela é pasto

Enquanto dormes 
Farias o quê? 
O que cabe a ti a ti caberá fazer
O que não cabe não caberia
Não insista, homem, não insista

Soas ridículo quando tenta gritar ao mundo que te obedeça 

Mundo obedece apenas a destruição 
À destruição minhas preces todas 

Que Ela venha salvadora
Rompendo-me dos acostumados atos
Dos hábitos nos quais fiz morada 
Que Ela venha interromper o laço 

Vida não haveria não houvesse destruição. 
 

quinta-feira, 7 de março de 2024

desvio


meio vesgo confesso
o mundo assim hoje
o vejo como se não 
ousasse confiar que
a vida é escrita por
vias tantas que
mesmo a turvidão
era possibilidade

tento com esforço 
aceitar que agora
meus interesses
são estranhos 
a quem vinha eu
sendo mas como
saber que sou isso
ou era mesmo aquele

postergo a confirmação
sigo sendo estranho a mim
mesmo que eu possa me
apaixonar por esse novato
mesmo que possa voltar
ao poço fundo dos meus 
saudosos hoje antigos 
desejos mesmo assim

queria eu confiar que a mudança de fato fosse um virar de páginas como quem sem querer rasga um livro

marcado ele continua 
escrevendo outras cenas 
 

Esquecimento

Não que fosse um caso de acúmulo.

Havia era mais esquecimento. 

O tanto já feito era lembrado
apenas como o tanto já feito;
já sem peso era esse tanto, 
tanto e ainda assim sem desejo. 

Teria percebido assim que a vida
isso de estar vivo e à vida cosido 
que a vida seria algo então como
esquecimentos sucessivos. 

Vivemos para soterrar os acontecimentos vividos. 

Vivemos para superar a própria vida, não há mais dúvidas quanto a isso. 

Inventado foi que havia um sentido 
Um propósito, uma seta, um desenhado ímpeto, mas não 
Só o que havia, apenas o que haveria, 
Era mesmo isso: esquecer-se

Até já não mais lembrar, 
até já não precisar mais ser
nem aqui estar. 
 

sábado, 2 de março de 2024

tão mais


embarcar no belo barco furado
na pressa de um qualquer hábito 
não perguntarias sobre o remendo
que viste na carcaça ali colado 

o naufrágio anunciado
a sua tenaz indiferença 
a vida em aberto não te interessaria 
preferes já estar morto

a não ser que o cansaço 
subitamente assim viesse
e sobre ti tombasse sem
piedade e então 

Tu abandonarias essa viciada sina de imaginar aquilo que não tem fundamento 

Não tem. 
 

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

mutil

noutro canto
outra parte
noutra parte noutra
isto que resta mudo
turvado

conversa não haveria
pois ainda que falássemos
entre nós nada resultaria
porque observa

seria necessário
refundar a fundação
destruir ao ponto
do extermínio

despedir-se inteiro
e integralmente
não é nada disso
não era para ter sido

só então o poema começaria
e talvez nem por poema respondesse
só então a vida retomaria o ar
que não seria retomado

pois é um começo
e nem novo porque
não teve velho

e só começo
como quem conjuga
eu começo

começou

começamos

e nada do que importa
será esquecido
 
tens de parar com tanta merda
 

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

do meu alargado sorriso

disse que foi por ter você me tirado daqui
foi o que disse quando perguntaram-me
sobre esses dentes assim tão expostos
eu disse que o motivo de tamanho sorrir
tinha sido o fato de você ter me tirado daqui
onde?

perguntou-me um senhor na segunda fila

daqui onde, senhor? ele perguntou-me

aproximei a mão do peito
depois a tirei bruscamente
com medo de enganar-me
e disse daqui daqui daqui
entende perguntei daqui
desse lugar

ele fez que não
que não tinha entendido
não entendi respondeu
eu sabia que não
que não era possível
eu também estava
aprendendo tudo aquilo
eu tentei outra vez

o motivo eu disse
do meu sorriso é sobre
o fato eu usei essa palavra
é sobre o fato de quem
agora eu amor de quem
eu amo neste agora ter
me tirado de mim
de mim no sentido
de quem eu era de
quem eu estava sendo

e a coisa não melhoraria

a coisa não melhorou

a terceira fila inteira
olhou-me desconexa

pedi desculpas
e saí do palco

silencioso
e a caminhos dos bastidores
perguntei-me silencioso
se era mesmo aquilo
a razão de meu alargado sorriso

e não era
não era mesmo
de fato
gasta-se mais energia
procurando o veneno
que inventando a cura

o motivo de meu sorriso
não era a merda da qual você
tinha me livrado
era a beleza inaugural
do nosso recém-inaugurado
laço
 

proteger

seria algo como esquecer
uma pequena maçã 
dentro da mochila

lembrar por acidente 
que após o ataque 
haveria um curativo 

disponível

para costurar 
para conhecer melhor 
para saber que há mais gente 

que não apenas seu tio
e suas primas 
 

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

de mim o esquecido

nada teriam que ter me dado
não pedi que servissem
nem que tivessem o tamanho
exato de alguma dor minha
não pedi encaixe
não pedi correspondência
nem sequer fiz pedidos
fiz poemas

quer perguntar o que ao poema?
quer encontrar-lhe um sentido?
quer dizê-lo correto, preciso?
quer o que você com tudo isso?

a eles nunca prometi nada a mais
do que o instante fulguroso
do seu aparecer e vieram
aos montes segundo a segundos
fizeram o que era preciso ser feito
agitaram indelicados os mares
mais interiores mais tremendos
e sem beleza ora tão lindos
fizeram o que era preciso

a vida terá lhes imposto
um só ritmo
o do ir
do ir como quem ai
como quem ai
ai
ai
e na batida do ai
seriam cosidos

nada teriam os poemas
que dizer nem explicar
nem nome precisariam
não deveriam encaixar
nem que noutro instante
serem mais ou menos
vivos
foram sempre desde os princípios
os poemas que coragem
quando os penso
sem eles

não teria eu bem sido

o que fui de mim?
 

e nisso foram vidas

essa cor não te vê por inteiro
esse gesto não tem tempo
para os seus volteios
tudo soa descabido
ontem e agora
imprecisos
mesmo este som
ouve só
descombina com a intensidade
desta ruína

sob seus pés
ou patas
estalam os cacos
da vida arrasada
os estalos
do que teria sido
caso tivesse você
permitido que a tristeza
fosse-lhe casa
não, disseste tu

em delicado
e bom som
não, tu disseste

toda a poesia
esse farfalhar de verbos
no fim e nos começos
teriam sido como o vento
modo outro para
ocupar espaço
dar e tomar
ar velho
em novo
outra vez
o mesmo

esqueceremos
e um dia alguém lembrará
e só lembraremos porque
logo logo
esqueceremos para
não lembrar
até um dia alguém
lembra
esquece
esquenta
esquece

e foram nisso vidas
e nisso foram vidas
 

queimar e esquecer




quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

oh sufoco


Para que termine uma palavra
Talvez outra pudesse começar 
Como quem termina um doce
Para depois mergulhar no mar

Há no entanto quem faz mistura 
Formigas corajosas que zombam
Com a mesma dedicação tanto do 
Horror quanto da ternura 

Excess
Abismado
Unbelievable tornado quase lá 
Quase um fato

Olha, se me for dada a chance 
Direi quase tudo e mais quase um todo
Falarei dessa torção tão íntima 
Que dessufocaria até mesmo ele

Oh, sufoco! 
 

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

I'd say

That you could
I'd say that you should
That maybe I'd say that
You must

Or don't 

Keep it quiet 

Try not to improve the damages

They are all from inner skies 

Don't hurt your self 

Time is more medicine than you could imagine 

Time yourself 
 

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Há várias

Injustiças
No plural
Descanse
Não seria só a sua 
Egoísmo brota alado
Por que não assumir
Que o injusto mesmo 
É refutar o mau estar

Obrigado 

Mesmo adverso
Por vezes em ti 
Vejo o germe 
Dalguma inquisição 
Matas o crime
Metes flecha no doer
Desbanca a bunda da merda
E pronto 

Ponto para quem és mesmo sem se saber. 



Seria injusto demais aceitar que só a injustiça te faria mal. 



Alegria demais disseram sería algo como um desespero. 



Amanhã irás à natação depois à médica depois ao trabalho e no meio de caminho, caso justo consigo sejas, darás um baita sorriso desse de desinterromper avenidas entupidas. 



É injusto por demais achar que só de tristeza é feira uma vida. 
 

Também não

Ah, saber dizer não
Espera aí 
Como é que faz
Que papo é esse
Quem deixou
Não, não senhora
Não senhor
Não mesmo

Saber dizer não 
De quando em quando 
Ver a azia assim chegar 
Afobada
E vetar-lhe a entrada
E dizer que não 
Que agora não 
Que nem sempre 

AQUILO QUE A GENTE ESTÁ A SENTIR PREVALECERÁ 

Às vezes é engano
Às vezes puto cansaço 
Às vezes é às vezes
Passageiro peremptório 
Neologismo escasso
Às vezes não 
E repetirás 

Não mesmo
Não 
Não confio nesse mau 
 

Que delícia te amo

Sem que me pedissem autorização
Ainda assim você veio
Disse assim quero dois desse aí 
Desse aí você disse
Era eu

Aconcheguei-me sob seu braço esquerdo
A mão escorri por sob a camisa sobre seu peito
Ali nos poucos pelos
Enovelei-me
É daí que escrevo 

Gosto de ti porque quando penso
Por qual motivo gosto de ti 
Distraído me perco da pergunta
E me vejo brilhar os olhos
A te admirar

Admiro que tenhas aprendido a dizer 
Eu te amo sem dizer eu te amo 
Admiro que a sua tranquilidade 
É muito medicinal para os
Ansiosos

Confio no amor
Como nunca antes 
E a certeza de uma dor futura
Ainda assim 
Parece tão evitável 

Quanto inevitável és
Agora
Aqui
Em mim
Isto amor.
 

injusto


ter escrito na dor
e pela dor ter escrito 

ter lembrado da escrita
porque pensado na dor

ter colocado assim em cheque 
a presença do seu doer


o cansaço algo ensina
não buscaria beleza

obrigado eu agradeço 
à possibilidade de ter continuado 

desconfio no entanto que tudo
não passe de um engano


se um dia eu tiver mais um dia 
será ainda assim noite 
 

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

o u s a d i a


Foi pegar o autocarro
Tão logo escreveste alguma tristeza 
Porque só nos veríamos
Amanhã. 

Enquanto dizias isso ou aquilo
Ágil troquei o amanhã por este 
Presente estranho que
Vivo. 

Estou aqui, amor, e tenho as chaves
De sua casa. Posso entrar? 

Tô chei de fome. 
 

domingo, 14 de janeiro de 2024

Secador de cabelo


Inventamos um código 
Para grande amor 
Vivido em moradas 
Tão pequeninas. 

Sempre que um de nós 
Adentra a casa de banho
O som do secador de cabelo
Haverá de cobrir nossa vergonha

Em seus sonoros estampidos.
 

domingo, 7 de janeiro de 2024

constato


É estranho
Quando estás deitado ao meu lado
Não consigo escrever poemas. 
 

sábado, 6 de janeiro de 2024

Entrevisto

 
Quanto foi?
Ou seis ou quatro. 
Não sabe? 
Estou esquecendo as coisas muito rápido. 
E bastou? 
Está satisfatório. Sou alcoólico, então, quase sempre besta. 
Besta? 
Eu falei besta? 
Falou. Quase sempre besta. 
Uma pista, talvez, sobre mim. 
Sem drama. Conte-nos?
Da minha vida. Ui. Tanta coisa. Faz tempo. Não quero monologar. Estou com saudades do meu namorado. 
E então? 
É tudo isso. 
Só? 
Tudo. 
Percebi. E os projetos? 
De vida? 
Eu faço as perguntas. 
Não sou obrigado à falta de jogo. 
Como? 
-€-
Estás bem? 
É o álcool, deu aquela ligeira tonteira. 
Quer marcar para outro dia? 
Podemos? 
Podemos. 
Então manda mensagem? 
Mando sim. Descansa. 
Vou tentar. Depois que o vinho acabar. 
 

Goddess


Não, eu não sabia

Sequer esperava, não 

Mas a sua companhia 

Honestamente 


Honestamente 
É como estar diante
de uma deusa 

És viado ou veado? 
Bicha
Bicha? 
Bicha, como bananas
Entendi 

A sua companhia 
diante deste Tejo
É o bastante
para que saibas 
Onde fica teu reino 

Teu reino é cá ni mim
Eu, poeminha
 

enquanto mijava, vi sua cara no espelho


bonita imagem, moço 
a tua

fez-me emocionar
delicado

ou deveria eu dizer
homem? 

és o que és 
taciturno

da insegurança 
és seguro 

queres dizer algo? 
confia, eu diria
e disse
disse
confia, que palavra
não posso evitá-la

abriu-se uma janela que antes não tinha visto
e venta aqui dentro abriu tudo eu não consigo
eu não consigo evitar o que eu sinto quando estou
ao seu redor 

oh

oh

oh
 





sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Menos tanto


Caro amigo ~

Sei que sabes do poema. Ele dizia que as palavras nos servem para esquecer, que falamos para esquecer o que teria crescido entre vós. Por isso te pergunto: queres esquecer aquilo que ainda está a crescer?

Queres interromper o crescimento? 

Não me entendas errado. Não te quero fazer calar. Talvez antes fosse te convocar a ver mais, ouvir melhor e no silêncio um pouco ficar. Fazia silêncio quando vossas mãos estiveram abraçadas, não fazia? 

Lembro-me bem.

Nem tudo precisa do verbo, é preciso dizer, falas demais e quando o silêncio pousa sobre ti já começas a tremer. Por quê?

Seria medo de confiares, antes do que num outro, primeiramente em tu mesmo?

Não esqueça. Não deseje esquecer. Faça calar para que fique em ti aquilo que poderia.

Uma viagem de carro, lado a lado, vocês dois e o silêncio. O sol a cruzar janelas. O vento a ver tudo. A união faz-se no escuro. 

Texto demanda corpo que o receba, não palavra a dizê-lo. 

Até o até, 
Liberano 

Fica


Um estranhamento
Outro desempenho
Um dois dias atrás
Pequeno monumental tormento

Não. 

Estranho desconforto
Uma pausa com distância 
Fecho minhas malas
Parto esta noite

Sim, foi isso. 

Bom dia, acordei
Voltei a adormecer 
Não quero te incomodar
Estou aqui caso precise 

Não. 

Estamos aqui 
Estamos aqui
Sei que estamos aqui
(posso perguntar onde?) 

Não perguntei. 

Manhã seguinte
Já um dia
Manhã seguinte
Já 

Não. 

Manhã seguinte
Dia quase impossível 
Danço choro desenho 
Não possível gozo

Manhã seguinte
Tempestade e devastação
O que é imprescindível 
O diálogo sem concessão 

Conversamos amanhã? 

Precisaria de mais uns dias

Ter paciência 

E o amor, o que com ele faço? 

Tento segurar a teia
Da confiança delicada
Tecida entre o você 
E o meu corpo

Mais além do que penso
Ou sei
Eu sinto que confio honesto
Em ti

Seu tempo poderia não ser meu tormento? 

Respiro
Em praça pública 
O sol veio a chuva 
Tudo junto

A sua calma seria cama
Sua confiança faria a ânsia 
Sair para um passeio
Deve ser isso o amor

Projeto tremendo
 

Meias sobre a mesa


Deixei sobre a mesa o par de meias não tão limpas
nem bem tão sujas assim

Deixei sobre a mesa e os pés, então, tocaram o frio chão
desta sexta-feira ensolarada

Sem provocação alguma, o fiz porque o calor constante
confunde-se em mim como se pudesse ele me ser casa

Mas casa por vezes é o vento
O tempo por vezes é casa
Casa é por vezes o distrair-se
Esquecimento

Sinto os dedos rangendo como se dor sentissem
sinto muito que as coisas fizeram isso de nós
sinto que o calor do seu abraço seria preciso
mas apenas sinto, disso tudo pouco ou quase nada sei

As linhas parecem desajustadas
o senso dalguma justiça atrasado
o espírito meio que espirra
a salada morre lacrada dentro do plástico

Podemos escolher se o poema seria assim
ou de outro jeito

Podemos postergar o consertar dos móveis
a louça na prateleira organizada

Podemos, no entanto, não poderíamos nos olhar
como se um fosse um copo e outro uma chávena

Corpos assim feito os nossos sangram mais que cacos
quebram mais que vidros finíssimos


Cristal seria pouco quando te mostro do que é feito meu íntimo


Está tudo bem, meu amor, ainda que dizer amor
já não parece capaz para te trazer até mim
Tudo bem, é cedo, não deixe partir o que ainda pode
o que ainda podemos, podemos, mas não poderemos caso não possamos poder isso que sei que nós podemos poder; algum amor bem quentinho e aconchegante
  

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Uma tentativa


Não sofrer o amor
Não inventar os motivos
Não antever o que não veio
Não paralisar
Não paralisar 

Sustentar o silêncio é algo horrendo

Suspender a interpretação é preciso 

Como fazer? 

Gostava de saber, académico, 
A etimología da distração 
Para desacelerar o corpo
Para desviar dessa estrada 

Distrair-se sim por traição
Para tão somente dizer
A si mesmo e ao mundo
Que não vou contigo, desespero

Que estou te traindo 
Estou te traindo com qualquer 
Outra coisa que me dê 
Alegria e sustentação 

(e escreverei muitos poemas) 
 

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

joga o universo


Por que apenas o senhor jogaria? 

Antes da colheita a semeadura 
o universo a faria

Passo a passo formiga atómica 
registará ele quase tudo

Tremores íntimos também viram flores

Eu vi o que tu fizeste e você naquele instante 
era eu mesmo

A poesia, melhor sua amiga, seguraria
o guizo a sua azia faria história 

Não fez? 

Se eu te disser que isso que sentes
eu já senti outrora você me entenderia? 

O universo joga a possibilidade sentirás 
hoje o que ontem fizeste outro alguém 

Doer? 

Na cara sem medo do folhetim 
o universo de ti se vinga 

E é bonito ver seu corpo entre cigarros 
dor de cabeça e ladainhas

estás vivo e ele, oh, universo, 
é parte do mesmo disparate 
 

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

A sua angústia aumenta a minha


Quisera eu ter amanhecido ameno

Ter tomado o café quente e calmo

Ter folheado umas páginas do romance

Lavado uma loiça 
Ter lavado os dentes 
O cu 
Roído as unhas

Quisera eu não ter sentido o bafo da sua angústia 
Ela paralisa-me

Não consigo comer
Já não sei quando proferir palavra 
A neblina da sua manhã 
Invalidou o sol do meu dia
Minha noite chega 
Incompleta e confusa

É como estou agora
A falar de mim como se necessário 
Pudesse ser uma vida
E não duas 

Te abraço quando foi possível 

Compreendo a hora imprecisa dos seus ponteiros 

O amor, meu amor, dá trabalho

A solidão às vezes será um remédio 
 

Ouverture


Quem pede fechamento não é a vida, compreendes?

O fechamento, quem lhe pede isso, não é a vida.

Disseste foi a vida, disseste bem assim: A vida
está me pedindo fechamento.

Estás enganado, vida que é vida não pede fechamento,
vida que é vida pede mesmo é pelo embaraço.

Vida pede pelo, pede embaraço.

E pede nó, e pede confusão, barulho, e vida pede comunhão
entre isso e aquilo, entre soltar e tremer, entre deitar-se à cama
e apenas dormir, sem gemer nem meter, sem gemer nem meter.

A sua abertura então seria a dela, a vida
em abrição que não cessa.

Seria como elegia invertida
celebração da morte não da vida
mas da morte do que ela não era
(a vida) não era fechamento

Fechamento (a vida) não era.