Pesquisa

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

outside

quando estou fora de mim
é porque deixei de me ser interessante
é como se tivesse visto lá fora
algo melhor
mais concreto
algo, enfim, menos como eu
discrepante

quando fora de mim
estou mais profundo, sabe?
me sinto mais sincero
mais leve
com os ombros decolados
capazes de voarem sem freio
voarem sem peso
mesmo com o peso próprio de ser corpo

hoje
inteiro

quando fora estou de mim
vou até a sacada
vejo a noite gritando
com carícias vindas no vento

quando fora
sinto o toque ser tormento
e ter amizades nunca foi tão
tudo

fora de mim
para voltar ao interior de novo
para se aguentar mais um pouco
fora de mim para não tão cedo
enlouquecer

no limbo
no trapézio
no piso verde
tecido sintético
no limbo
no limbo
do limbo
não quero sair

terça-feira, 29 de setembro de 2009

por que demoras a se dopar ?


multiplica em mim essa impossibilidade que é definir. acaba com essa pretensão - falsa - de classificar. deixa ser tudo confuso ser tudo rabisco ser tudo essa força que realmente nos tira sem tirar, que nos comete sem trucidar. deixa essa boca aberta num eterno segundo que não quer cessar. respira. respire. vamos respirar. rasgando o corpo com ar novo com algo que possa sim dentro que possa sim nos renovar. perder de vista, amor.




senta aqui comigo e vamos tentar entender. não com palavras, talvez com gestos, não com certezas, talvez antes com protestos, desesperos d'alma. que olhar é esse que de ti se apoderou. como fazer para não tombar sobre o corpo esse café quente que esfriou? vamos pousar a mão - o gesto - sobre o gesto. deixar o semblante caído e nos entreter, na nossa desgraça. isso é bom, né?


circular. porque cade vértice é novo universo. cada ponto é direcional. olhe para onde quiseres. para qualquer outro novo rumo - não habitual. pontua esse desespero e faça do íntimo a imensidão. olha esse ponto! olha esse ponto! olha essa direção!!!

i'm calling. it's dangerous. i'm falling. no escape. to high. can't come down. cleansed. but not toxic.eudentrodoreflexodoespelhodaquelegestoconfusodesedizeroqueé.vocêalicomigo.
nósdoistentandoentender.osporquêsdascosturas.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

descanse

deixe estar sobre a mesa
o corpo essa decepção esse pedaço tão concreto
da estranheza.

deixe restar
assim calmo assim pleno assim tão puro
pecado expresso no tempo.

deixe levar
que vá embora
que tu não mais o alcançe
que lhe seja impossível esticar
as mãos estender
o corpo mover

deixe tudo como está fixo
apaixonado pelo silêncio
de apenas ser
e sobrar.

você aqui todo embrulhado
eu dentro remexido avoado
deixemos assim nessa configuração
que o meu grito eu tombo para dentro
que do seu eu faço nova canção

e faça ouvir
sempre gemido onde houvera putrefação
sempre gemido onde ouvira reclamação
disparate
plena e sua inconformidade
que já não me tocas mais
porque estamos frios ao destino
estamos solícitos
à descoberta desse novo mundo que surge toda vez que
- juntos -
fechamos os olhos de pavor.

quando juntos
cessamos a vista e somos só
sabor
estranho
castanho
desumano
mas tão clichê
ainda tão amor.

Pacto dos Pêlos

olha, não me diga nada.
eu vou achar que é agradecimento
mas não é isso.

a palavra entre gente só funciona em silêncio
quieto
precisa, posto lacrada
palavra encanto
palavra ilustrada
pelos pêlos pelos pactos
travados entre o suor dos corpos colados

não diz nada, nem oi nem sequer tchau
vamos preservar essa incongruência que nos faz como tal
um duplo que não é presente
é urgência plena
acontece e some
de repente
um duplo que se trava no momento mais indigente
sempre quando a alma pede aos céus
por favor, faça algo acontecer

pureza
meu corpo nu
sem fronteiras
a sinceridade extremada
posto para fora docilmente
caluniada

fica quieto. deixe-nos restar.
precisamos tamanha a entrega
agora sobrar
no silêncio
outros tormentos amamentar

e amanhecermos, em seguida,
inspirados.

para o que ainda não fomos capazes de entender.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Salvasse alguma coisa

B - É para o seu bem.
D - Eu não quero mais me fazer bem. Não está adiantando.
B - Como não? Você está aqui, vivo, conversando comigo...
D - E quem disso que isso é vida? Eu não aguento mais.
B - Não aguenta o quê? A sua doença?
D - Não... Mas ter que ser grato por estar vivo. Eu prefiro...
B - Não diga isso. Tanta gente que te ama...
D - Não vem com essa. Se amor salvasse alguma coisa, a fulana não estava lá embaixo, estatelada no hall de entrada desse prédio...

B silencia. Olha com precisão para A.

B - Perdão, mas quem é fulana?
A - Fulana é fulana, não sei nome, nem cor dos olhos. Até porque se fecharam.
B - No hall de entrada?
A - Sim. Ela deve ter pulado por algum motivo. Quando entrei tinha acabado de bater no chão. O sangue ainda espirrou, veio em minha direção.

A estica a perna e mostra um friso marcado a sangue.

B - É sangue?
A - Você sabe que é, doutora. Da fulana.
B - Isso foi agora?
A - Um pouco antes de eu chegar. Depois que aconteceu eu fiquei esperando no lugar, sem mexer, o porteiro saiu. Olhei para o céu, quer dizer, para a coluna de ar que dava no hall de entrada... E veio caindo o que parecia ser um raio-x, um exame, algo assim...

B - E o porteiro?
A - Ah, veio com um plástico e cobriu a moça.
B - A moça?
A - A fulana, a moça era a fulana.
B - Que horror.
A - Foi o que eu disse. Se o amor salvasse alguma coisa, talvez ela tivesse usado o elevador, ou mesmo as escadas... A senhora não acha, doutora?

B olha estatizada e de súbito abre uma gaveta.

A - Enquanto o porteiro cobria o corpo dela, o exame caiu sobre um pouco de sangue. E o envelope do exame, verde, caiu aos meus pés... Eu podia ter visto o nome dela, para não ficar chamando de fulana...

B estica um envelope verde para A.

A - O que é isso?
B - É o resultado do seu exame. Volte semana que vem, precisamos conversar.

A - Eu saí da sala. Entendi tudo pelo olhar que ela não me deu. Ela tinha medo de dizer que eu iria morrer. Como se por dizer isso fosse me impedir de viver, me impedir de amar. Eu desci o elevador e cheguei lá embaixo, o corpo já tinha sido tirado. Mas olhei com fixação para o chão. Deu tempo de encontrar junto à porta de saída, um resto de sangue, uma pincelada no chão. Peguei meu envelope e limpei o sangue, espesso, querendo se possível ser eterno. Limpei de novo, limpei com a mão. Avancei e joguei na lixeira o exame que não me servia mais. Estou aqui, diante de você. O que você tem para me dizer?

C junta as duas mãos e olha sobressaltado.

C - Eu vou te pedir alguns exames. Quando você os tiver, volte que a gente conversa e vê o que poderá ser feito...

DON’T TELL ME

NAQUELE DIA VOCÊ ME TROUXE ATÉ AQUI EM CASA. VOCÊ AINDA SE LEMBRA? Lembro. Essas coisas a gente nunca esquece. EU SEI QUE VOCÊ ADORA DIZER O CONTRÁRIO, MAS VOCÊ ME DEU AQUELE BEIJO QUERENDO QUE EU FICASSE APAIXONADA POR VOCÊ... Eu te beijei porque eu gostava de você... Só isso. AH, GOSTAVA... JÁ ENTENDI TUDO... Você quer o quê?! Que eu finja que nada mudou depois de tudo? SABE DE UMA COISA?! VOCÊ APARECEU NA MINHA VIDA JUSTAMENTE NO MOMENTO EM QUE EU PERCEBI QUE NÃO DEVIA MAIS PERDER O RESTO DO AMOR QUE EU TINHA PRA DAR... PORQUE O AMOR É FEITO DE TROCAS! VOCÊ NÃO SABE, MAS ELE É FEITO DE TROCAS! NO FUNDO, EU SEMPRE ACHEI MUITO DIFÍCIL ACREDITAR EM VOCÊ. E mesmo assim, estamos aqui até hoje... Por acaso eu não te contei que... VOCÊ FALA ATÉ HOJE COMO SE ISSO FOSSE UM FARDO PRA VOCÊ! EU JÁ TE DISSE ISSO! EU NÃO SOU COMO A ÚLTIMA QUE VOCÊ SE ENVOLVEU! EU TÔ TE DIZENDO! EU NÃO COLOCO A MINHA VIDA NAS MÃOS DE QUEM NÃO MERECE... Sempre a mesma defesa... Você não muda nunca. Aposto que ainda tá pensando que eu vou te dar o mundo. E VOCÊ? PENSA QUE EU SOU COMO VOCÊ, QUE DEPOIS DE CHEGAR ATÉ ONDE CHEGOU, SÓ CONSEGUE SENTAR E CHORAR O FRACASSO QUE É? Não tente me dizer o que eu devo fazer! ENTÃO NÃO TENTE ME DIZER O QUE EU DEVO FALAR! PORRA, VOCÊ NÃO ERA ASSIM! Diferentemente de você, eu mudei. MUDOU PRA PIOR! PRA QUE ISSO?! Qual é o problema em mudar? Não dá pra ficar com alguém que sempre acha que tá certo. É MELHOR VOCÊ SAIR DA MINHA CASA. Tá vendo? Isso desanima qualquer um... É só começar a dizer umas verdades que você tranca a porta. Foda-se, também. Não pense que é charme meu, mas antes de ir, eu tenho que... CHARME?! Eu só quero minhas calças de volta! Onde é que elas estão? VOCÊ TÁ PEDINDO PRA EU TE CHUTAR DE UMA VEZ POR TODAS? É ISSO?! Eu tô pedindo as minhas calças de volta, só isso! SAI DAQUI AGORA! Você não quer é me esquecer, é isso... Só pode ser isso! Foi bom pra você, não é? Pode falar... Geralmente é muito bom, é daí pra cima... EU VOU PEDIR PRA VOCÊ PARAR COM ISSO. Eu?! Eu ainda pensei que gostava de você pra caralho! Mas que merda que eu fui arranjar! ARRANJAR? AI, MEU PAI! EU SOU UMA PESSOA ABORRECIDA NESSE MOMENTO! Devolve minhas calças! TÁ... ENTÃO A GENTE FAZ UM ACORDO. VOCÊ SAI DE CIMA DA MINHA CAMA! EM PRIMEIRO LUGAR! Foi isso o que eu disse... Até parece que eu nunca te contei que eu não sou daqueles que joga tudo pro alto! E VOCÊ PENSA QUE EU VOU TE TOLERAR? FALANDO COVARDIA SOBRE MIM?! VOCÊ É UM COVARDE! É ISSO O QUE VOCÊ É! Eu também não te contei?! Essa eu não devo ter contado, não... Sabe o que é: é que eu não faço as coisas pra depois ficar chorando pelos cantos! EU NÃO FAÇO! Eu não faço o que me dizem pra fazer! Tá me entendendo?! E eu não falo o que me dizem pra falar. Olha pra mim, eu tô falando com você! ENTÃO, EU REALMENTE ACHO QUE VOCÊ DEVIA IR EMBORA DAQUI! PORQUE VOCÊ É TÃO BOM, NÃO É MESMO? TÃO BOM! QUE DEVE SER AINDA MUITO MELHOR LONGE DE MIM! Essa sua culpa toda... Porque é culpa o que você tá sentindo... O nome dessa porra aí é culpa. Isso que você tá tentando jogar pra cima de mim não vai me deixar arrependido, não! Eu não fiz nada de errado. Porra! Você que foi embora. Você me deixou aqui! Eu sou palhaço, por acaso?! Eu tô de verde?! Não, porra! Eu tô falando com você! AI, MEU DEUS! ALGUÉM AJUDA! EU QUE FUI EMBORA?! EU?! FOI VOCÊ QUE FOI EMBORA... OU VOCÊ ACHA QUE AGIR DO JEITO QUE VOCÊ AGIU É FICAR DO MEU LADO, É SER MEU PARCEIRO?! VOCÊ ME DEIXOU. ABANDONADA. TAVA ESPERANDO UMA BRECHA PRA PULAR FORA! EU SEI, SEU COVARDE! EU SEI, COVARDE! AI, GENTE! EU DEVO TER CARA DE BOBA, SÓ PODE SER!... EU TENHO CARA DE BOBA? NÃO, ME DIZ! Escuta aqui... ESCUTA AQUI VOCÊ! EU QUERIA QUE VOCÊ SOUBESSE QUE QUALQUER PENSAMENTO SOBRE NÓS DOIS... SOBRE EU E VOCÊ, ACABOU DE SE PERDER. NESSE EXATO INSTANTE, NÃO EXISTE MAIS NÓS! NUNCA MAIS... Ótimo! Finalmente! Eu não posso acreditar nisso, caralho! Eu sou muito melhor com você fora do meu caminho! Fora daqui, sua porra! OLHA O QUE VOCÊ TÁ DIZENDO! VOCÊ TÁ NA MINHA CAMA, SEU ESCROTO! FORA DAQUI VOCÊ! FORA DAQUI, VOCÊ! AI, MEU DEUS! NA MINHA CAMA! NA MINHA CAMA! SEU COVARDE! SEU IMUNDO, SAI DAQUI!


sábado, 19 de setembro de 2009

obesidade mórbida

o açúcar está matando geral. as formigas todas estão diabéticas. outro dia sobre a mesa do café elas tentavam levar o meu pão - salgado - inteiro para dentro do seu ralo, recheado de irmãs mortas e obesas. de delicadas e deliciosas mortes à milanesa.

a humanidade está banhada em rótulos. todos se afogam, todos se afogam. os surfistas, os protestantistas, as loiras nem sei dizer, bem como os anarquistas, os feministas, os nazistas, judeus, maquinistas, simplistas. meu deus, e os positivistas? e os cegos, as minorias (pretos, pobres, melancólicos, depressivos, suicídas, E AS PAQUITAS?).

realmente a realidade nos supera e reinvindica a si a sua parcela do real. a aparência despenca e ser gordo hoje em dia é ser pleno, desafio pungente, extrema sinceridade. para onde foram as pessoas? hoje e ainda mais hoje elas são alarde. os homossexuais são os mais homofóbicos. os negros os mais racistas. e os gordos? acumulam no corpo uma densidade que os pisoteia, que os eterniza. os gordos caminham seguros porque vivem soterrados sob a aparência sua de cada dia. dela não conseguem escapar.

nela, os gordos correm, gritam, esperneam, mas ela sobrevive, ela é capaz de matar. ela neles persiste. ela, talvez nem percebam, mas ela é eles. sua obesidade é mórbida, como a vida.

Histórico
Não sei como nem quando nem o motivo. Mas um dia abri a boca e pensei em doçura. A vida veio e me puniu, me alertando que não, que não caísse nessa ladainha, que não crescesse me banhando em romantismos, qualquer deles (todos terminam mesmo com ismo).

Um dia a vida me veio e disse: serás diabético, assim é preciso. Eu passei alguns bons anos negando a minha condição. Como alguém que nasce escuro e quer se branco, quer ser livre, mas nasce atado ao rim esquerdo de um irmão.

Um dia a vida me veio e hoje eu sei, aceitação. Colhi o caminho tortuoso e por vezes me indignei. Neste ano eu tinha me decidido (ANO QUE VEM NÃO VOU SER MAIS DIABÉTICO)... Mas vejo agora. Nunca quis tanto ser quem eu sou. Nunca foi tão preciso ser isso que sou nessa longa hora, que não passa, que nos arrasa e vai levando multidões. Aprenda a não cair nas doçuras. Se permitindo pular as poças de recheio e cair numa grama qualquer, amarga, esverdeada, de uma cor que amolece e empalidece qualquer afeto.

Acostume-se ao tédio. Revolte-se com ele, com você mesmo, com alguém que tenha em casa um elefante. Mas olhe num desses dias em que se amanhece com a boca amarga, olhe para o mesmo e perceba, como as coisas funcionam das diversas maneiras.

A obesidade é mórbida pois nasceu do instinto, do desejo. Ela nasceu de uma desmedida que nos pune pelo comedimento lá dos começos. Quando nos fizemos acreditar que o ruído era deslize e não partilha. Quando nos convencemos que o belo era alguma coisa criada e não já existente, em cada ruga, em cada folha, sob variadas formas, que o belo era uma invenção tipo biscoito, de tamanhos cores sabores variados.

É mórbida a obesidade porque nasceu do colapso. Esse mesmo que hoje liquida todo aquele ser que tenta manter o prumo diante de uma poça que o seduz. Diante de um banheiro sujo que desperta nele o desejo pelo cancro pelo sexo sujo pelo pus. Do colapso do qual nasceu o silêncio. Do colapso que apontou o vazio. Do colapso que gerou um amasso indecente entre corpos na lotação.

A obesidade é hoje mórbida, porque inchou primeiro o peito, e depois o corpo todo, tamanhas invencionices para driblar o sentido da pele, o sentido dos pêlos. O corpo todo hoje falece, porque um dia, foi negado, em primeiro.

Obesidade mórbida, por isso, vital.


sexta-feira, 18 de setembro de 2009

appris par corps




espetáculo francês, assistido na quarta-feira (16/09) no teatro nelson rodrigues, no rio de janeiro. seria o que isso que assisti? pas de deux avec deux homme. foi isso, exatamente isso. com exatidão. com extraordinária perfeição. até porque, caso esta não houvesse, haveria em cena a possibilidade - concreta - da morte. um pas-de-deux, referência ao ballet clássico, um pas-de-deux real, com seus perigos, ameaças e com o encanto provocado. a platéia em estado de exaltação. de gozo. de susto. em corpo presente, estado presente. appris par corps, ou, corpo aprendeu, corpo apreendido, aprender do corpo, corpo apreensivo. corps d'appréhension.



esse FALATÓRIO das VONTADES

Passa a vida, corre o tempo
eu me vejo cruzando a pista
eu me vejo pelo reflexo no vento

Vivo eu hoje mais morrendo
do que poderia supor
do que poderia saber

Eu morrendo nas esquinas
sempre que alguma incongruência nata
me azucrina
pisca no escuro e me faz aproximar
primeiro o rosto, o cheiro, o toque
depois o mistério de fazermos mesmo
parte
de mistério inda maior

Eu morrendo pelos pêlos
todas as vezes que um deles arrepia
sinalizando o desespero de uma coisa
contra a qual
eu me perco
eu desejo
o me perco
eu despejo
a possibilidade plena da vida
por um horror passageiro.

Eu morrendo em cada poça
eu morrendo em cada manhã
refeita a pele amanhecida
nunca sou eu nunca como antes
refeita a pele
amanheço pleno e torto
morri mais a cada segundo
morri mais a cada soco
que me faz, sim, me genuína
transforma minha feiura em beleza ruína
em estratagema
em conquista

para ESTAR vivo basta SER morto
para SER rio basta ESTAR corpo

sigo
pelo direto reflexo política abjeto
sigo firme fraquejando sempre em cada
protesto!

como pode ser a vida uma sucessão de destinos mal destinados
de encontros mal formulados de arranjos mal arranjados de silêncios
ininterruptos
e esse grito
é meu silêncio autoritário.

esse grito é minha forma de estar calado
cheio dessa dor
consumido pelo o que me faz
amável
me faz amante
me faz ser, ainda mais neste agora
alguém que digere o próprio semblante

me faça achar sedutora essa esquina dos olhos
esse precipício do sorriso
esse falatório das vontades

sim, me faça achar graça nesse amarguidão da pele
nesse debater dos pêlos todos sim me faça
comprazer o abandono
e saber ser resto sem desacreditar que sim posso sim ser eu estorvo

cravo a existência
em cada virada que o tempo dá nesse corpo
sim, cravo a permanência
morrendo pleno a cada beijo
morrendo mais a cada gozo gosto gozo rosto gosto torto

PARA ENFIM, SER CANÇÃO.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

com que olhos me lê

você, doída
a face mexida
as linhas do corpo
todas elas
o corpo
todas elas
imprecisas

incapazes de aceitar o rumo torto dado à vida.

com que olhos você me lê,
com que olhos guia a sua vida?

uma maldade sem fim
um medo eterno que revolve aqui
também em mim

queria ser canção, mãe
para ninar os amigos com medo
mais medo que sono
canção, mãe
para aliviar teu peso
agora, para servir de travesseiro
servir de espaço livre
para seu abandono

queria ser canção, dessas que cola
dessas que puxa a pele
e imprime no corpo
a própria história

canção
silêncio
pausa
indecisão

queria ser propenso
poder ser eu mesmo alguma solução
de alguma dor qualquer
da sua dor se quiser
se pudermos

começar de novo
não saberíamos este depois que é agora
pleno

pause.

precisamos mover uma mudança de sorte.

não se mate. isso é óbvio. vamos construir a utopia
construir essa mão dada
essas mãos cosidas pelo caminho que se revelou torto
torta estrada.

com que olhos você me lê?
com que olhos eu sou eu para você?


totem

vai, um por sobre o outro
vai formando estante
de estante vai virando corpo
de pilha em pilha vai tomando forma
por sobre um por sobre outro
a hora é o agora


vai por sobre o rosto
ora por sobre ora sob o sobre
ora o fundo ocre
ameniza a tentação da queda
sensacional, lustrada
fica no topo sobe no totem
salta lá de cima
e faz fissura


por sobre o corpo
por sob a rima
por sobre o rosto
por sob a mina
estálida
inválida
retinta sucinta mina menina
com cisma
como imã
que me puxa
me detém
me eterniza


em ti
na vaguidão dos sentidos
me detém em ti
na louvável apreciação
dos seus suplícios
dos seus topos


do seu alto
do seu grilo

do teu risco

totem

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Sepulcro


Eu sinto tanto a sua falta, eu sinto muito, eu não consigo esquecer e eu não querer te esquecer. Não quero. Isso tudo é tão irreal para mim, principalmente. Eu espero que você possa me escutar. Você me vê? Ainda me vê ou só me escuta? Por quanto tempo vai poder me escutar? Eu espero mesmo que você possa me escutar, pelo menos. Não há mais noites depois do dia em que você... Você dormiu. Você dormiu e nada agora vai ser o mesmo, sem você por perto. E você estava tão perto, precisava tanto de mim. E agora fico eu, aqui, precisando de você. Nada mais como era, nada como o mesmo... Eu não tive tempo de ir até você, me desculpa. Por favor, me desculpa, porque eu não consigo me desculpar. Eu estava muito mal com tudo o que a minha vida havia se tornado, principalmente com tudo o que eu fiz a ela e a você. Por isso eu não tive o tempo preciso para te segurar no meu abraço e pedir que ficasse mais um pouco. Eu não tive disposição. Mais uma vez, eu fui tola e me permiti descansar e não reparar as pontas que havia deixado soltas por aí. Eu não estava lá com você e eu nem sei porque. Às vezes, eu não sei o motivo do espaço que ocupo, do tempo que levo para escovar meus dentes mal escovados, escrever umas linhas tortas ou te admirar. Às vezes, algo que é maior e que eu não posso abraçar, ou algo muito menor que eu não consigo achar, às vezes esse algo me toma por inteiro. E me guia. E por isso eu não pude lhe dar um beijo e fiquei apenas no acenar da mão. Eu gostaria de ver você de novo, mas eu sei... Eu sei que eu não posso. E mesmo assim, eu lhe falo todas essas coisas. Porque neste momento, me forço a concluir algo em minha vida. Eu me lembro com tanta clareza. Não faz dois dias. Foi na manhã seguinte a nossa última noite, quando a gente se desentendeu. E você me disse tantas coisas que eu tive que ir embora. Você disse que se sentia negligenciado por mim. Que se sentia largado, pouco aparado. Você mesmo afirmou que com o amor não se corre, mas que é preciso caminhar junto. Eu entendi. Eu fui para casa, não estava brava com você, mas com vergonha de mim mesma. Não queria estar com você por isso, e mesmo assim só pensava em tudo o que você disse. Foi então que percebi, talvez pela primeira vez, como eu te amava e como eu lhe dava tão pouco e você, sempre gentil, dava-me muito mais. Você se preocupou em dizer como se sentia mal, para não ter que me dizer como eu deveria agir para cuidar de você. Ou como eu deveria agir, para não ser mais descuidada com toda a minha vida. Eu já tive a chance de entender tudo, de acordar, mas... De que importa querer sair do lugar agora, quando é a primeira vez que para mim faz sentido ficar parada, eterna? Como fazer isso se você está aí? Eu continuo me perguntando por quê, por quê? Porque eu não posso suportar isso, porque não é justo que isso aconteça e que você vá embora. Não é justo que eu vá viver sendo tão culpada como sou. E agora você não está mais aqui para me proteger, para dizer que a culpa não é minha, para dizer que eu preciso correr atrás das coisas que quero, pois você está aí, justamente porque eu não estava com você. Eu não estava! Eu não estava! E eu nem sei porquê, se você me ligou na manhã seguinte, bem cedo, pedindo que eu fosse lhe ver. Eu não sei porque eu fiquei horas escolhendo as rosas para a nossa reconciliação, quando mais bonitas que elas só existia você. Porque logo após a sua ligação, eu perdi tanto tempo nas linhas de meus poemas infantis, quando o tempo se esvaia pelas linhas do seu corpo, da sua face, deixando-o cada vez mais bruto e frio. E agora, você está num lugar que minhas belas palavras não ousam chegar. Meus poemas são alegres demais, porque soube cultivá-los, excessivamente. Por isso eles estão vivos e você está morto. Eu me sinto tão culpada. Por viver como se eu pudesse fazer tudo outra vez, melhor, e sempre depois. Por achar que eu serei a única que vai poder voltar e consertar todos os meus erros. Por achar que posso me enganar que estar brigado contigo é algo possível de se sustentar. E nesse meio tempo, de dúvidas tolas e descansos intermináveis, eu perdi você. Porque você se foi e nunca mais vai voltar. Porque eu não te mereço. Porque eu sempre estive mais devagar, atrás de você. E só agora que você parou, é que eu pude estar realmente ao seu lado. Só agora que você parou é que eu vejo a sua beleza por completo. E eu sinto a sua falta. E continuo a ser a famosa pedra do seu caminho. Portanto, me permita ficar parada aqui, exatamente aonde ele termina.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

o gosto pela coisa

um dia você nasce e descobre que gosta
primeiro você descobre
no dia seguinte, acaba esquecendo um pouco do gosto
porque se perde especulando o porquê.

a minha tia me disse, um dia, pela grade, no recreio da escola
não perde tempo tentando explicar as coisas
anda, vai correndo, vai jogar sua bola

eu fui
tropeçei
ralei o joelho
corri com a bola nos pés mas dentro estava travado
pensando no porquê gostava tanto do sorriso dos meninos
brincando ora de atacar ora de ser zagueiro

cicatriza, eu sei
com o tempo fica a marca
depois o que fica é só o esquecimento

aprende-se muito cedo que somos seres propensos
eu não deveria ter roubado o lápis com borracha do Mickey
mas existia em mim um gosto pela proibição
que só se curou no dia em que fui pego
com o brinquedo na mão
com o doce entre os dentes
com o coração pulando a boca
e revelando a mim
e ao mundo
que sim
eu também era gente.

tem sempre um gosto pela coisa torta que me acorda de madrugada e me faz pensar
cara, você deveria comer direito antes de dormir
comer direito para ter motivo justo ao acordar

mas dorme na boca um gosto pela morte
um gosto de adeus de azar de sorte
um gosto inexprimível
que não cabe aqui tentar ditar

deixa que o gosto profundo
confuso
há de me alimentar

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

simultâneo

você me escuta
através do céu aberto
eu tento

nos meus sonhos
escuto o atravessar
junto comigo
as coisas suas podem facilitar

ainda bem
estar onde estou
pode ser mais sorte
que amor

ninguém sabe o valor
da espera que esperei
importa eu saber
que a conquista fui em quem fiz

e nada mais faz sentido
porque o presente vive só
de incertezas

nada vale além do gesto tremido
do laço desbotado
do passo consumido

você me escuta
enquanto escuto eu você

recíproca entre nós é eternidade
eu te escuto porque você me invade
e juntos nos ruídos nos roemos destemidos
assim nos aceitamos

justo assim
sem entender
em que passo se opera
essa dança que não cansamos
de mover

que não cansamos
sem mesmo um porquê.

Revelação

é pensar no como foi que você se foi.
acostuma-se rápido ao perder. mas hoje eu insisti e quis saber: como foi que você foi que nem sequer deu tempo de eu te dizer, fica, eu te ajudo a resistir. eu te ajudo a qualquer custo. como foi esse salto. o que foi incapaz para você de sentir.
revelação é quando você deita o desespero em seu colo.
e sequer tem tempo de enlouquecer, daí segue você acariciando o improvável
segue você cuidando das crianças que não lhe pertencem
mas que lhe solicitam a sorte
ao menos alguma possibilidade.
é aceitar a perdição num só segundo.
olhar para você mesmo e se sentir bem mesmo atormentado pela aproximação do futuro
assim está bom, ruim do jeito que está
revelação é surpreender-se por não sair do lugar
é sentir a ficha batendo mesmo sem ter colocado nada
onde deveria ter colocado.
é saber compartilhar o susto.
é rir do corpo dizendo a novidade.
é ver a ação sendo construída
para destruí-lo todo mais tarde.
revelação é acreditar sempre de novo na bondade.
é se estrepar sempre novamente na maldade do outro
do outro, revelar-se é ser capaz de tocar a pele
em silêncio
é perceber as costas a nuca o pescoço todos estes pedaços tensos
e fazer força para tranquilizá-los
durma, corpo meu
fique tranquilo, amanhã você vai acordar
revelação é conseguir aceitar
que a sua morte será programável
mas não porque decidiu-se, tu, te matares
mas sim porque a própria morte é uma revelação a qual se deve esperar
como quem espera sem saber
como quem ganha o pão
que acabou de comprar para si mesmo comer.

Inundação

Dentro afoga,
fora afaga.

Presente momento da inundação dos sentidos
da inundação desta vida que vendo tudo desse jeito
é incapaz de ser ainda a mesma
é incapaz de não se chocar
e de não produzir outro seu
destino
A vida vai sendo escrita pelo rol dos desejos.
Mas aqui dentro é ânsia, outra vez
É inundação
tanta coisa para te dizer
tantos vocês diante dos quais devo estacar
até amanhã
e me abrir
sem medo nem dedos
revelando o íntimo como se faz com a carne no açougue
rompe-se o corpo pelo desejo de deter

E a sede nessas bocas parvas
enlouquecidas pela progressão dos segundos
cortadas pelos ponteiros que lhes tiram sangue
ou grito agudo
a sede nessas bocas meu rio meu há de matar

Pelo contato com esse treco aqui que sou
haveremos de amanhecer noutro sentido
com outra nova outra concepção
do que fora o amor nessa última geração
que é sempre a de agora

Inundo estou
sujo de fugacidade
capaz de partir e de destruir cidades
destruir constatações
confundir seus sentidos
e desabar uma ou outra convulsão
É PRECISO
para que percebas
estar prenhe
carregado
cheio de algo novo
que custará seu corpo
e não o contrário.

Inundo estou.
Inundo estou.
Inundo és tu.

domingo, 6 de setembro de 2009

o chão de nuvens

passado alguns tremores, alguns sentidos
o que vi pela janela era o céu se convertendo em concretude
em possibilidade
em chão
em não mais destino
em não mais apenas divagação

*

vi o quanto fomos ou somos incríveis
vi o alumínio da asa batendo em meio ao vento
me senti seguro na insegurança
de um detalhe
de uma ousadia expressa em docilidade
era o plástico, o cinto de segurança
era a asa, uma engrenagem
a dança da máquina
voando livre
passível de destruição
passível de passos largos
de merecida contemplação


*

é concreto. somos menores do que somos.
lá no céu furando o universo
eu vi como há espaço
para aquilo tudo que não podemos compreender
por isso resta tanta incompreensão
pois tudo que ainda é dúvida
plana pleno no ar
deita seguro no colchão nuvelado
num quadro ansioso
para ser desvirginado

*

morrer às vezes
é um encontro da sorte.

*

estavam todos ali
comendo nuvem de algodão.

sábado, 5 de setembro de 2009

o tecer todo em minúsculo

começa com calma
começa abrupto
não tem hierarquia
entre nós as letras
o que resta é apenas este segundo
no qual você transita as pernas
saltando seguro
primeiro uma coisa
depois à outra
a costura se faz precisa
costurar é mesmo coisa
dessas bocas
que se dizem
e refazem o dizer
entre nós dois
ora, esse eu esse você
o que existe única
e imperativamente
é mesmo o prazer
salta
salta
é pelo despregar
que se impregna o salto
de conquista
vai firme rumo ao ar
que mais firme será tua caída
teu movimento de revolta
ao chão

sua letra minúscula que pela docilidade
reveste-se dentro
em vulcão

e queima a noção
queima o conceito
queima a pele
queime essa perfeição
e reste sujo
puto
furado

reste pleno
teste o tempo
envolva-se no espaço

e renasça miúdo
capaz de ser temível
corruptível
desprezível
e voraz,

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

eterno revolvo

eu temo não ter tempo
de te olhar profundamente
tempo de tocada a pele
saborear depois um entendimento

temo não tocar o tempo
e não me olhar profundamente
tocando a pele sem tempo
entendendo sem saboreamento

eu tento me temer ao vento
me fazer estático volúvel volátil presente
capaz de ser e, sim, des-ser
capaz de ir e, claro, volver
de voltar
de quem parte mas vai
de quem vai mas partido

medo de ser passatempo
medo por ser disparate
dos segundos
dos ponteiros
das tonteiras
e desse tintero
azul escuro
amarelo escurecido


temo ser temido
temo ser comido
temo ser resto
ser protesto
mas nunca temo
ser exato nesse instante
incapaz de temer


isso é o que me funda
fundo é o que me faz ser
resto
protesto
revolvo
contorno outro
eterno -revolvo-.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Arquivo