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terça-feira, 28 de setembro de 2021

canto para deixar de ser gente



Escrevo tudo enredado

Nem tento separar aquilo que nos costura. Você afunda nos meus braços procurando alguma cura. Haveria solução? O que nos acontece é o acontecimento, em si, incorruptível. Se se chama amor, se se chama paixão, se serás meu namorado ou não, importa? Sinto que não. Nunca antes vivi essa sensação. Estou calmo calmo. Eventualmente tremo um pouco, olho-me de relance no fino espelho da casa de banhos e ali estou: apaixonado, apaixonando-me. Você pode, veja bem, você bem que pode refutar esse nosso encontro. Sabemos já que a vida tem dessas coisas, sabemos o quanto podemos cortar coisas, braços, pernas, amores e seus sonoros cantos. Sabemos que sim, que não, que talvez, e cá estamos: à espera de nós mesmos. À espera de que esse amor seja o mais lindo de todos, o menos ágil, o mais honesto e verdadeiro. E depois há de passar. E depois passaremos um pelo o outro e aquilo que vivíamos intensamente vai-se esmaecendo, sumindo, restam alguns sorrisos, algum receio, rancores, talvez, haverá algo a nos lembrar que enquanto estávamos amando estávamos vivendo. 

O teu medo de amar

É tão bonito que
deitado em meus braços
você reclame da iminência
daquilo que entre nós já acontece

É bonito mesmo
te ver assim tão perdido
se perguntando se deves ou não
fazer aquilo que seguimos fazendo

Olho-te com calma e doçura
aprendi a não ter pressa
olho-te com calma e atenção
acredito que será do jeito como tiver que ser

É que o teu medo de amar te delata
teu medo te expõe ele te vaza o teu medo
és rabugento, você tenta correr do amor
mas ele continua devoto ao teu lado

neste sofá
nesta cama neste meu abraço
tua voz enroscada em nossas barbas
não se preocupe, meu amor

isso é só a vida brincando com a gente
isso é só a vida
um jogo
a gente


domingo, 19 de setembro de 2021

Dirás que não?

Definitivamente não.

O seu não não vai colar em mim.

Definitivamente vou,
vou sim.

Versarei sobre as griseldas
em salões mofados apesar
do brilho e dos condados.

Direi sobre tomates imensos
despetalados lado a lado
aos escaravelhos.

Contarei amiúde dos soluços
e das sestas sonoras das focas
seus primos e tios.

Não haverei de sentir medo
ou vergonha pressa ou calma
serei todo reptiliano.

Usarei as palavras de acordo
com seu desejo uma depois outra
arcabouço rios de ouros loiros.

E quando estiver assim

bem cansado

direi então que pode a vida voltar a mim.

A poesia, oh, poesia
Que queres de mim que queres de mim?

Perder-se da perdeção

Diria sobre o cansaço
que me abate sempre que tento
descrever um encontro
entre dois desconhecidos.

Falaríamos, talvez,
da singularidade dos sorrisos
do sol na pele do brilho
dos copos dos suspiros.

Ousaríamos dizer que sim
a vida é isso a vida
resiste na brevidade
de um casamento postiço.

Mas só o que consigo
é perder tudo o que tem valor
na tentativa de dar valor a tudo
que apenas se dá.

Sem alarde
durmo hoje sozinho
quisera, se possível,
me perder da perdeção

que é sempre dizer
e nunca fincar o vivido
no centro deste um
bigo.

sábado, 11 de setembro de 2021

Gaia

Vivemos num
momento mundo
de muda
degenerescência

Já não ouvimos
o que esconde
o grito
Já não cruzamos
a dor para tocar
naquilo que a gera

Quisera podermos
perder tempo
gastando-se em encontros
libertos das chegadas
Quisera podermos
nus inteiros
ficarmos no meio
do meio do tudo
e do nada

Pois se estamos
vivos é porque
a fogueira acesa
tem fome da
nossa hora

Viver, ora,
isto apenas:
perder-se
em tempos.