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sábado, 29 de setembro de 2018

Uma saída

O plano é bem simples
Basta que você saia
De dentro de sua casa.

É simples, não acha?
Pode até levar junto
Numa bolsa de pano
Uma garrafa d'água.

Para sair um pouco
Para ver outros corpos
Para o sol e o vento
Para outras miradas.

No caminho, pelas passagens,
Talvez você perceba outras possibilidades.
É sempre uma questão de experimentação.
Talvez você encontre aquilo,
Aquela, aquele algo
Que sequer imaginava.

Sai, vai. Apenas isso: saia.
Um pouco, eu te peço.
Saia um pouco
Com bermuda ou calça
Saia bonito ou feio
Perfumado ou não
Mas saia, saia, por favor, saia.

E nisso, verás
Que o mundo é mais lindo
Que o seu silêncio privado
É mais suculento
Do que o delivery
Mais perigoso
Que escorrer no banheiro.

O plano é simples: independente
Do excesso de trabalho e das responsabilidades
A partir de hoje
Gaste-se mais nisso
Saia.

domingo, 23 de setembro de 2018

Não disseram muita coisa

Mas seguiram o caminhar.

No decorrer, é certo,
Pensaram repetidas vezes
Se deveriam se falar algo.

Mas continuaram,
Pés nos chão
Palavras sem asas.

Daqui onde os vejo
Já não sei se o que acontece
Entre eles não seja mesmo
Uma conversa.

O silêncio é um pacto.
A palavra corrupção.
Caminham lado a lado
E, no entanto, são o mesmo.

Essa confusão de ser pessoa múltipla
De andar atrelado ao gozo de quem se é
Com a bélica força dos próprios medos.

Caminham.

Caminhem.

O dia está lindo.

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Orgulho maior!


Dramaturgias da turma 2017 do Núcleo de Dramaturgia SESI Rio de Janeiro publicadas pela Editora Cobogó em sua coleção Dramaturgia.

terça-feira, 11 de setembro de 2018

Apenas um filho que retorna à casa da infância

E ela me receberia com carinho. A despeito do meu excesso de opinião, ela me receberia integral, com minhas cinzas todas e todos os meus filtros.
Receberia a mim como se me olhasse, detida, e me fizesse assim perceber que casa, casa mesmo, é apenas o lugar de onde partimos. E seria nos detalhes que ela me faria me perceber, renovadamente.
Viraste um homem. Um cara formidável. Vagaste pelo mundo, conheceste outros corpos e o corpo de outras cidades, mas, agora, você é apenas um filho que retorna à casa da infância.
Por que esse soluço? Por que essa suspensão tão duradoura? Te assusta ter mudado tanto e ainda assim ser o mesmo? Não consigo responder. Ela me olha sentado à varanda enquanto a fotografo.
Tenta então me explicar. Escuta, Diogo, escuta um pouco agora: ampla a sua idade é quem te retorna. A cada dia, a cada mais um aniversário, progressivamente, olhará para este quintal e ele há de te confessar o já sabido faz três décadas: eu sou sua mãe, seu pai, sou seus filhos. E está tudo bem.
No ranger da noite, no silêncio entediado do seu destino, eu permaneço, viva, rígida, toda disponível. Queres um chá? Eu tenho. Plantas que não morrem em vasos pequenos? Tenho cá comigo. O que te falta, então, Diogo, para me aceitar como o antes do seu cansaço?
Permaneço mirando a grama na qual rolava quando menino. Vejo as pedras que me deram minhas cicatrizes primordiais. A parede onde me ralei, a piscina em que afoguei, cruzo o arco das portas pelas quais tantas e tantas vezes cruzei.
Cada parte sua me sabe por inteiro. A confissão que pensava ser minha mora antes na casa e não em mim, não no mundo. A casa, esta, ela, ela protege o meu segredo, o meu ser, isso que tanto vaguei a procura e que demorei a conhecer.
Ela me conta: 30 anos, hein? Já já 31. Que bonito, que belo, viver tanto assim já é ousadia prum ser humano. Eu estou aqui há um pouco mais. Eu que, aos seus olhos, não mudo tanto. Mudo sem mexer, sou sem identidade ou atestado.
Vai, ela me diz, aproveita que a sua vero já está sem plateia, vai, se esfrega em mim, mata essa saudade, retorna a quem achavas não ser mais, mas que ainda brilha no fundo de seus olhos.
Eu estou aqui, ainda estou, eu, sua casa, sua infância, sua mãe, seu pai, seus filhos e revoluções por vir.