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domingo, 30 de novembro de 2014

Consciência

Há um instante precioso no dia-a-dia
A saber, aquele em que se reconhece
de maneira transparente
O transtorno
A afasia.

Reconhecido
O que se segue então é o jogo eterno
das ponderações:

Tá tudo bem
Vai ficar tudo bem
É isso mesmo
Daqui a pouco você sai dessa
É assim mesmo
Sempre foi assim
E então
de súbito
uma coisa inédita:

ao menos você tem consciência disso tudo.


Silêncio.

Os carros param.

Os pássaros pousam.

A música troca no fone de ouvido e faz nascer
breve silêncio concentrado numa só palavra:

consciência.

Guia-me então os passos:

caminho
meio remoído
caminho
meio cabisbaixo
mas é que sei
eu sei
eu vi
eu me flagrei

a vida é isso mesmo

jogo em desespero
no qual jogam-se os desesperados

ou se tem consciência da dureza
ou se samba sem sapatilha no asfalto queimado

Eu tenho consciência
Eu deixo a vida correr

Pássaros, carros, fumaças
tudo pode andar
até que seja preciso
que tudo pare
Para eu voltar
a me compreender.

Astrologia

Nunca antes olhei tanto ao céu.

Ouso ver na escuridão das noites
e dos dias
alguma estrela ou planeta
que eu possa responsabilizar
por minha tanta agonia.

Olho e procuro
busco e mesmo sem encontrar
sei que reside no infinito
a estrela extrema
o ponto de luz-dilema
que não me cessa
de me cercear.

Gostaria que houvesse revolução nos astros
que planetas se chocassem contra sóis
Gostaria que extraterrestres aparecessem
não para o medo
não entre nós
Mas a ponto de fazerem chocar
constelações e galáxias irmãs.

Tudo em guerra
Mercúrio no escorpião plutão
Áries lutando tenazmente com libra
vênus e alguma estrela (ainda sem nome)

Que tudo mudasse
e que na manhã seguinte
(por favor, estrelas, eu vos peço)
Eu pudesse amanhecer sem essa constante sensação
de vida sem sentido
Sem esse ranço incessante
de que sou estou e serei
(para sempre)
fossa abismo.

"A responsabilidade é sua também"


sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Ócio

Não escrevi por ânsia de te dizer coisas

Não escrevi por motivo outro
que não apenas o de escrever

Peço-lhe:
Não procure pistas
Nem indiretas
Leia as ofensas todas
E as veja
Apenas
Como poesia barata

Não precisa psicologizar
Não precisa de remédio
Se eu estou dizendo
Tudo isso
É só porque quero dizer

Então
Please
Me ajude
Ajuda eu
Não é nada
É apenas falta
Do que viver.

Desculpe

Mas vou dizer

Nem devia pedir desculpas
Mas é o hábito
É o hálito
Sujo
E incapaz de se refazer

Não vem
Não venha
Não fodendo
Nem foda-se

Dói mesmo, comparsa
Pare então de querer se abster
Essa poesia se repete
Até quando?

Até quando eu tiver força
Para lhe dizer
Isso
(que eu ainda não sei).

Jazz

Enquanto o mundo
mata crianças
E mexe no genoma do boi
Que você come
Enquanto se encanta
Com essa música melosa
E indisposta.

Escuroclaro

Chiaroscuro
Claroescuro
Senso Comum
Sens Oco Mum

Sens(oco)Mum

Mussum

Gira a tela
Gira a cabeça
Trepa hoje
Trepa ontem
Não trepe

Guarde a insatisfação consigo mesmo
E produza bolor

Que nojo

Que pena

Eu não tô bem
Mas saiba
Não estar bem
É coisa que acontece
Mon amour.

Temperamento

Falta sal
Eu poderia dizer
Ou talvez
(mesmo se fosses diabético)
Falta açúcar
Eu suporia.

De traço em traço 
especulo a dosagem
Mas nada traz rima

A sua apatia é política
A sua insensibilidade é tenaz
A sua beleza não basta
E a sua infantilidade dura em excesso

Quer dizer
Assim
Desse jeito
Nem te fritando.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Nina

Penso longe
Aqui agora
Tem muita neblina

Não é nada
Porém
Desde quando o nada
É cousa alguma?

Penso adiante
Porque pensar pro agora
Dá-me muita enzima
E sob ácido
Desmancho-me em rimas

Que não servem para nada
Exceto para
Nada.

Ronco

Enquanto tu roncas
Meu espírito consegue libertar-se do peso
- momentaneamente -
E dormir.

Mas
Se dormires quieto
Eu sei
Ainda estás aqui
Envolto na tragédia
que me faz continuar acordado

Mesmo quando roncares.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Poema Político

Não vem que não tem.

Fui tentar
Virei noites
Embriagado fiquei

E perdi a votação
para a presidência
Do meu país

Ó, Brasil.

Estatística

Quanto mais eu escrevo
Mais eu acho que estou
vivendo.

Cansei de escrever poesias

Agora vou tentar acordar.

Curto

E grosso
Não, não falo do seu pênis
Falo do meu transtorno.

WIFI

Amigo da onça
que assim como você
Só me existe em JPG.

Poesia

Era para ser bonita
Mas mal veio a inspiração
Tossi
E perdi o verso.

Pleura

Descolado
Mutilo meu corpo
já em frangalhos.
Durmo tarde acordo cedo
Leio dois minutos antes
Da prova que me inabilita.
Sei o que é doce
O que posso e não posso
Mas não me ofereço saída.
Descolada
minha pleura vagueia solitária em corpo tornado impossível

Quem dera minha mãe tivesse me dito não
Quando sugeri
Viver fora do seu abrigo.

Liberdade
Desejo tolo
Para tanta tolice afiada
a me decepar
As pernas.

Tonto

Vago pelo escuro da casa
apenas de cigarro munido.
Mal sei
- ou finja, apenas -
que minha munição
É meu próprio veneno.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Provocação?

Não seria essa a palavra apropriada
não que isso importe
mas só a dúvida se importa
entorta a coisa toda.

Você

Sim

Você que agora lê este punhado de palavras

Está aqui?
Você me lê?
O que se abre?
Quais janelas explodem
quando você lê
esta provocação
(seria essa palavra?)
esta provocação que agora
eu lhe faço?

O que se abre, caro leitor?

Cara leitora, o que lhe vem?

Importa a você isso aqui?

Às vezes, eu penso que a poesia perdeu o sentido

mas
é que sou tão orgulhoso
que me dói tudo
pensar no fim
neste fim
de, sabe-se lá, um dia
cessar de escrever a ti
(que desconheço)

É preciso conhecimento para escrever aos corações?

É exigência primeira
te conhecer
para lhe escrever
uma canção?

...

Vai

Diz alguma coisa

Comenta

(não vale curtir)

Comenta

Me manda uma mensagem

Me pede uma rima

Me pergunta como eu estou

Me exige pensar mais em ti
do que em mim
e na minha vidinha

Exija: escreva sobre quem morreu ontem
mas sobrevive em minha mente!

Exija que eu escreva
que eu te escreva

Mesmo que sua exigência venha sem nome
e sem cuidado.

Provoca-me
Insulta-me
ou
apenas faça com violência
gesto qualquer
capaz de me tirar daqui...

O que se abre no adiante

Talvez nem esteja tão longe assim
Talvez esteja aqui
na ponta do nariz inflamado
por espinha ou cravo
tenaz.

O que se abre no adiante
ih, talvez nem seja bem como a novidade
(isso existe?)
o adiante me invade
mas não lá na frente
vem aqui e se senta
na ponta dos meus olhos
pedindo moradia.

Quanto mais você se cobrará?
Eu me pergunto a mim mesmo
sem medo de redundar
É claro
eu estou aqui
me transpondo em poesia
ou apenas
em verso me estratificando
para me entender
e dissecar.

Desde que o amor bateu a minha porta
com mala, corpo e um gato de estimação
A poesia sumiu do papel
sumiu deste blog
e virou dia-a-dia

Que difícil é poesia a todo o instante,
pois se acordo
seus olhos sonolentes me dizem os versos que antes
eu me espremia para escrever

Que exigência é o amor
Que prazer imenso é te amar
e hoje, aqui, agora, estar

O que se abre no adiante
eu confesso, ainda não sei
Seduz-me tudo
tudo me implica
Desde que uma mão minha esteja vaga ao vento
e a outra mão
Dada a sua.

Ponto de Virada

Seria um ponto?
Ou um soluço?
Uma linha?
Ou um dia inteiro e longo?

Como se vira
noutra direção?

Exige concentração?
paciência ou
certa comiseração?

Como se muda assim
de uma cor para outra?

Não precisa ser brutal
não precisa ser mudança abrupta
pode ser leve
delicada
nem creio nos extremos que se afastam e separam
Mas como se muda
assim
a ponto de virar outra coisa?

Se se deve se sacudir todo
não sei
nunca soube

Se já tentei?

Pouco
mas o fiz
Certa vez:

chacoalhei
o corpo
as ideias
as certezas
corri entre carros
beijei o chão
e bocas-precipício

Como se muda?

Eu quero!
Eu preciso!

Vem, você, comigo
vem?