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quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

O Ano do Armário: 2014


Não posso falar deste ano de 2014 sem me lembrar das repetidas vezes em que fui acordado, quase sempre por volta de 08h30 dos sábados, por telefonemas dos vendedores do jornal O Globo, tentando - quase que desesperadamente - me fazer aceitar a assinatura do jornal, que fosse por R$ 1,99. Lembro-me com precisão do último assédio que sofri e da resposta que dei à atendente: você realmente quer saber o motivo de eu não querer - de jeito nenhum - assinar esse jornal? Perguntei a ela: você tem tempo para me ouvir? Confusa, a atendente acabou por desligar o telefone me dizendo: certo, senhor Diogo, obrigada de qualquer forma.

Gosto muito de pensar que, talvez, aquela atendente, depois de inúmeras tentativas frustradas, tenha se perguntado: por que as pessoas estão recusando tanto assinar O Globo? Gosto de pensar, infelizmente, que ela tenha perdido algumas noites de sono pensando no que fazer caso se demitisse de seu emprego. Gosto, ainda mais, de imaginá-la no seguinte beco: faz sentido trabalhar para um jornal que, pelo visto, faz tão mal a tantas pessoas? Nesse ponto sim estamos falando de 2014, do que foi, do que é e do que ainda, durante muitas e muitas décadas, será um dos anos mais importantes deste século.

2014 para mim foi o Ano do Armário. Numa definição assumidamente poética (e não pouco política), indo em direção outra que não das definições astrológicas ou do Calendário Chinês, eu afirmo que, ao meu ver, 2014 foi sim O Ano do Armário. Anos do Armário são raros porque são anos em que as dinâmicas públicas e privadas, as tensões subjetivas e sociais, se confrontam de maneira evidente e, por extensão, acabam por forçar a abertura das portas dos armários nos quais estavam guardadas (ou escondidas, trancafiadas, caladas, apartadas). Pois se é o destino dos armários, em Anos do Armário, terem suas portas rompidas e seus íntimos revelados, é inevitável que nesses anos o saldo será de mistura, de encontros e caos profundo, de irradiações e contaminações recíprocas (tanto de quem estava dentro dalgum armário, como de quem se julgava fora deles).

Faço aposta na palavra Armário porque somente por meio da poesia me soa capaz de ler o mundo e interpretá-lo, somente pela poesia me parece possível abrir caminhos onde é dito ser impossível dar mais um passo. Passada esta explicação, preciso confessar que a palavra armário me soa muito curiosa. Ela traz dentro de si outras palavras, como arma, rio, Mário e um neologismo: armario não é apenas armário sem acento, mas uma palavra que faz alusão ao universo bélico e do poder bélico residente num determinado corpo ou mesmo armário.

Uma tarefa política: sair do armário.


Disseram-me que eu, como homossexual que sou, um dia - finalmente - saí do armário. Ora, mais que piada, tal expressão denota um movimento digno de respeito: sair do armário seria como assumir (para fora de si) alguma coisa ou postura que estivesse escondida, trancafiada numa esfera íntima e, nesse sentido, fora do mundo. Sair do armário é uma tarefa política posto seja dialética. Ora, o armário tem usos muito além do trivial armazenar de peças de roupa ou objetos domésticos. Muito além de esconder bruscamente a amante quando o coito do homem traidor é interrompido pela mulher após um dia de trabalho, é curioso observar que o armário é sempre usado para esconder, mas nunca para guardar ou cuidar. O armário nunca é usado para proteger. Mas poxa, a que nível o armário foi rebaixado! Ao armário é só possível o hábito e nunca outro uso? Não. Não mais. Pois bem, creio que 2014 foi o ano que reinventou o uso do armário. Foi o ano que profanou o uso habitual dos armários para apresentar outros usos possíveis e impossíveis. Tentarei, a seguir, rememorar alguns fatos que comprovem minha aposta na importância deste 2014:

Os armários foram estuprados. E de dentro deles saíram os ditos pobres e desprovidos. Saíram vestidos de suas roupas de marca, munidos para o jogo (até então exclusivo) do consumo, para frequentar o modelo mor de armário deste nosso mundo: o Shopping Center. Ora, não seria o Shopping um espaço público? Ora, caso não seja, não seria um Shopping um espaço, ao menos, público para o consumo? Ora, então eu posso entrar, eu posso comprar a casquinha do McDonald's, eu inclusive não sou obrigado a comprar. Mas por que foram tão mal recebidos os caras e minas dos rolezinhos? Foram mal recebidos porque o Shopping Center é o armário da classe média que se julga exclusiva e privilegiada. É espaço segregador que separa uns de outros e, por meio do poder financeiro, determina quem pode ou não pode certas coisas. O Shopping é o modelo é a ilusão de certo tipo de humanidade que se julga alheia e mais importante que outra parcela de seres humanos. O Shopping precisa e foi avassalado nesse 2014 e que assim continue sendo.

Homossexuais assassinados de maneiras distintas, inúmeras e sempre violentas e perversas. Ora, mais que sofrer o crime, 2014 nos descortinou a evidência incontestável não do preconceito e da truculência característica do homem, mas de uma profusão de seres humanos que são aquilo que são, independente do que o senso comum determina como permitido. A morte de inúmeros gays, transsexuais e todos aquelxs que escolhem viver o desejo de seus corpos é a certeza maior de que elxs existem. A morte lhes dá a sanção de sua existência. São os protestos que atravancam o trânsito dos carros e refazem o fluxo das ruas, gritando pela cidade e pelo reconhecimento das ditas minorias. 2014 foi o ano em que o artigo feminino "a" e também o "o" masculino tiveram que se somar ao artigo "x", que representa (e, nisso, legitima) a existência dos que sobrevivem para além dos gêneros masculino e feminino. Homem ou mulher é pouco diante da profunda multiplicidade da natureza. O "x" é a senha que abre o armário e devolve ao mundo a complexidade que a ele pertence, mas que havia sido trancafiada.

Ou eu poderia falar um pouco sobre a Comissão Nacional da Verdade, que rompeu o lacre de um armário-cova no qual eram aprisionados, desde o "fim da ditadura" brasileira, a vida e a morte de uma série de civis que lutaram contra a perversão que o amor pelo poder foi capaz de gerar em alguns homens. A Comissão Nacional da Verdade abriu este armário sepulcral ao revelar nomes, nomear culpados, culpabilizar responsáveis e responsabilizar os autores pela obra horrenda que foram capazes de escrever um dia. E está online, e você pode fazer o download de tomos e mais tomos de vidas interrompidas. O armário rachou, mais do que ter sido aberto. Em anos como este, 2014, se o armário não é aberto, abre-se ele sozinho.

O fascismo nosso de cada dia

A política brasileira resume em si toda a arqueologia do Armário e toda a revolução de sua Abertura. Pela disputa presidencial entre os candidatos Aécio Neves e Dilma Roussef foi possível ver a profundidade que a mídia tradicional é incapaz de enquadrar. Não sei dizer se o mais incrível foi ver a Dilma ser reeleita ou se foi ver Aécio Neves perdendo as eleições. Parecem afirmações idênticas, mas não. Dilma ter vencido, em primeiro lugar, reforça a continuidade de um projeto de governo (de Nação e de Mundo) que se pensa mais para fora do armário do que para dentro das gavetas de uma burguesia mobiliada e lacrada em seus escritórios e resorts. Diz respeito a um governo que abre as portas, janelas e bibliotecas de universidades para fomentar a educação e não apenas o abrir de carteiras e contas bancárias ao consumo sem escrúpulos e intolerante à sustentabilidade. Ver Aécio perder, no entanto, mais do que perversamente divertido (lembro da cara de Luciano Huck num vídeo divulgado na internet no qual ele acompanha - absolutamente incrédulo - o saldo da votação que reelegeu Dilma e não Aécio), foi importante para trazer aos olhos e à consciência o quanto estamos rodeados de inimigos, o quanto estamos cercados por um projeto individualista, exclusivista e fascista no que se refere aos direitos humanos. Aécio ter perdido, junto à recrudescida marcha pelo impeachment de Dilma em São Paulo, provam - mais do que qualquer outro fato - o quanto há trabalho pela frente. 52% de Dilma versus os 48% de Aécio desenham de maneira dramática a tensão entre o desejo de um país aberto (Dilma) e de um país de privilégios, armários e cofres lacrados (Aécio).

Estive na Europa, pela primeira vez, apresentando um espetáculo teatral que escrevi. Em Edimburgo, na Escócia, vi de perto as "comemorações" pelo centenário da Primeira Guerra Mundial. Comecei 2014 pensando em 1914, preocupado com o destino de todos nós e da ignorância humana. Será que seremos capazes de fazer novamente - e com ainda mais perversão - a violência da guerra? Termino o ano ciente de que sim, o ser humano é capaz de piorar. Mas, ao mesmo tempo, não quero ser suscetível aos lugares comuns, nem sequer à dormência da mente: 2014 foi o ano em que se abriram muitas e muitas frentes de solidariedade e nenhuma delas foi divulgada em rede televisiva nacional. Os inimigos deram as caras, assim como o ser humano. O gay mais uma vez deu bom dia à vida e, mesmo que centenas tenham sido assassinados, outras centenas seguiram e aqui e agora ainda estão, programando o futuro. Sim. Eu tenho inimigos. Aos 27 anos me fiz certo de ter a quem combater: não acredito em paz, não acredito no feliz ano novo, mas acredito - com veemência - na possibilidade de alguma coisa que não a completa degenerescência da humanidade. Trabalho para a vida, para a diferença, para a multiplicidade e para a rede. E sim, agora está claro, há quem trabalhe contra um mundo outro que não apenas este.

Um negro acorrentado pelo pescoço, com uma tranca usada para a segurança de bicicletas, num poste em plena cidade. Um negro acorrentado pela cabeça num poste. Isso não pode significar coisas tantas que nos impeçam de ver que sim, a situação é desoladora, mas ainda assim, também por ser terrível, é múltipla e nos solicita respostas e escritas também outras. Em anos como este 2014, Ano do Armário, já não parece ser possível a exclusividade. O mundo é da gente, pois que as escolhas sobre como cuidar e usar o mundo também sejam de muitos para além daqueles poucos (os tais das tais tantas empresas que controlam o mundo). Penso: mais do que divulgar por aí como o mundo é pervertido e como não há mais o que ser feito, por que é que não divulgamos por aí a vitória imensa e pequena de cada dia? Um beijo, uma abraço, um casamento, um voto de confiança, um taxista que devolveu o celular esquecido, alguém que me chamou a tempo de eu resgatar a minha carteira caída em meio à avenida... Estão tentando nos convencer que o mundo é impossível, mas a impossibilidade de tudo, tal como é vendida, é apenas maneira perversa de manter o mundo possível apenas para uns poucos tortos que ainda acreditam em nobrezas e realezas, mas são parvos de realidade.

Contra a única voz Midiática

Às redes sociais, o meu obrigado. Obrigado por me aproximar, por me permitir me aproximar, de tantos, tantas e tantxs que eu sequer conhecia e dos quais eu hoje dependo para continuar minha vida. Obrigado, Redes Sociais da Internet (blogs, Twitter, Facebook, Instagram e muitas outras), por me esfregar na cara tanta coisa além do que eu costumeiramente já sabia ver e ler. Obrigado por me confrontar com a diferença e por aguçar o meu gosto ou desgosto por pessoas, valores e ideias. A internet é a zona dos armários abertos, das janelas e portas permitidas ao livre uso. A internet é hoje o mais próximo do que possa ser o mundo. Pode-se muito com essa realidade inventada e rapidamente modificada, pode-se fomentar o que há de pior no homem e no mundo, mas também pode-se muito mais que isso. A internet foi responsável por enfraquecer o império da Mídia que molda os valores correntes nesse mundo. A internet me deu as fotos dos corpos mortos das crianças alvos da guerra pelo poder. A internet me fez conhecer o amor com que hoje estou casado. Ela me fez ouvir e ler contra e a favor de tudo aquilo frente ao qual eu aprendi a tomar posição.

Este foi o ano do desarranjo. O ano em que as certezas morreram intranquilas e ano no qual a vida voltou a regurgitar, aberta e explicitamente, a sua incoerência tenaz e inerente. Que 2015 não seja um ano novo e pretensioso por zerar tudo o que foi vivido. Que seja um ano novo no sentido de ser novo também o uso que faremos de tudo o que foi vivido neste ano que agora se encerra. Que sejamos mais honestos com nossos desejos e mais desimportantes com nossos quereres mais imediatos, que saibamos abrir mão e não abrir mão. Que Deus siga caindo e declinando, que Deus siga perdendo a sua importância para que os homens passem a encontrar neles próprios a responsabilidade pelas suas chacinas e pelas suas crianças.

E o teatro? Que é minha profissão. E o teatro? Seguirá anacrônico e determinante. Seguirá o teatro desimportante e absolutamente em crise. És o teatro o lugar único ainda onde eu toco, de maneira honesta e inteira, a dimensão do que possa ser uma vida boa e humana. E que em 2015, possamos usar os nossos armários para guardar os valores e qualidades de um futuro melhor e mais partilhado. Que usemos nossos armários não para esconder coisa alguma, mas para não nos esquecermos do que já vivemos e de como o adiante diz respeito ao que estamos - todos nós - fazendo deste agora. Foi um ano em que desisti do espetáculo para reencontrar a arte como exercício da experiência entre os homens, arte como convite ao compartilhar incessante daquilo que se sente e daquilo, sobretudo, que se incompreende.

Comecei esse longo texto falando do jornal O Globo. Não foi por motivo qualquer. 2014 foi um ano contra-teológico. O ano em que a única voz, a Voz Midiática - que sempre achamos ter sido a voz de Deus - foi combatida e o mundo pôde, enfim, ouvir os sussurros de outras vozes enclausuradas em armários inúmeros. A mídia como portadora de uma voz única e divina, portadora das respostas todas, tal mídia teve seu império metralhado. E, com isso, vozes outras se ouviram. Foi o ano em que ouvi os sussurros dos que foram sob a terra oprimidos, ano de sussurros tornado audíveis. Os sussurros aumentam e já se pode ouvir sua profecia. Vem vindo um tempo em que se posicionar é demanda sem a qual não será possível a vida. É chegado um momento em que a vida volta a ser orgânica e não há possibilidade de não ser rendida pelo o que sente o corpo, cada corpo, todo corpo. Corpo exposto, desvelado, corpo para fora, no precipício, reivindicando ser ouvido e ser tocado. 

Bem-vinda, Vida, ao seu novo lar. Aqui é agora. E o agora é tudo o que há.

Conto Critico

Pensou ter chegado ao ponto final. Ao limite, era isso, ele (ou ela, não importa), ele chegou ao limite. As unhas - todas - carcomidas. Os olhos - ambos - avermelhados, falhando a vista. Os sonhos - os que sobraram - feito ficções para jovens amantes. Nada dera, nada fora, nada ficara. Exceto aquela certeza - ao menos uma, pensou - aquela certeza triste, solene, de que o limite ali a sua frente o lembrava: eu ainda estou aqui.

Ela então quis, fazia tempo, mas quis se apaziguar. Nem bem se colocar no colo, nem bem se amar, mas quis, sinceramente, se permitir parar um instante sob o toldo alheio ao vendaval dos devaneios. Parou sob o toldo, era de plástico, mas sentiu mais calor que frio. E então o limite a lembrou: ainda estás aqui, ainda aqui, tu ainda estás aqui. Feito melodia teimosa que mesmo incompreendida sabe como se fazer ficar, o limite permanecia como se perguntasse a ela (ou a ele, tanto faz) para onde ir.

Sempre pensara que o limite fosse algum lugar no qual se pudesse chegar a alguma coisa, que fosse o fim. Mas o limite último, tal como agora sentia a sua frente, ao seu redor, apenas dava continuidade a tudo de antes, porém, exigindo um agora inédito, uma virada sagaz, um transtorno capaz de engolir tudo que viera antes em troca do imprevisível à frente. Certo. Nem demandava tanto tempo assinará entender o que sobrevivia sem entendimento. O limite estava ali, a sua frente, chamando-o para conversar.

E então ele foi.

Sentou-se, não sem alguma impaciência. Tinha tanta coisa anterior que quisera explicar, perguntar, compreender. Mas era aquele o momento, não para chegar, mas para de si se perder. Deu as mãos à madeira do banco no qual sentara e se deixou guiar pelo limite posto a sua frente. De olho nos olhos retintos, sentindo de perto a respiração do outro também acirrada, vendo o suor descendo calmamente as linhas do rosto, frente ao limite ali declarado, ela soube o que então se anunciaria, por isso foi firme:

- Não acho que seja mais possível.

Ele (ou ela, nunca saberei) responder à afirmação:
- Creio que, ao menos nisso, a gente se concorda.

- É.
- Pois é.

O ar condicionado dentro da cafeteria (era mesmo uma cafeteria) parecia catalisar o encontro final. Ela retomou:

- Falamos sobre o futuro ou sobre o que vivemos juntos?
- Eu acho que falar do futuro agora não diz mais respeito a nós dois.
- Imaginei que você fosse falar isso. E é verdade.
- E falar do passado para quê?

Ela (ou ele) não respondeu. Pensou que falar do passado, agora que tudo se acabava de fato, seria o mesmo que correr desesperadamente atrás de uma explicação que pudesse os impedir de pôr fim ao fato, ali, compartilhado.

- Podemos falar do presente.
- Sim, do presente sim, parece mais sensato.
- Há alguma sensatez nisso tudo?
- Sobreviveremos.

Ele levantou da pequena mesa. Eles (ou ele e ela, ela e ele, ela e ela, ele e ele) sabiam que não seria preciso continuar mais com aquilo.

- Posso pedir a conta?
- Deixa que eu pago.
- Eu posso pagar.
- Eu sei que você pode.
- Vai embora.
- Eu vou.
- Então vai.

Sentou-se. E os olhos brilhavam como nunca antes.

- Posso propor uma coisa?
- Agora?
- Foram dois cafés, certo?
- Isso. Por quê?
- Vamos sair dessa cafeteria sem pagar.

Ele (ou ela) não tinha perguntado, mas sim, afirmado. Ergueu-se. Ela (ou ele) acabou sendo tragada ao jogo final. Levantou-se também. Começaram os dois a vagar pela biblioteca como se estivessem, não indo embora, mas sim, interessados pela imunda decoração do espaço. E juntos foram, pela última vez, jogando juntos e em comum acordo. Até que a porta da cafeteria se abriu e de dentro dela eles saíram, para nunca mais se verem novamente.

---

Desejo a todos os seres humanos
a possibilidade do jogo como maneira
de sobreviver às imposições e
hábitos da vida.

Às flores

Pensei, ontem, quando tinha você preso entre meus carinhos e abraços, pensei ontem como o amor é lindo e é forte e como, por vezes, a gente se permite deixar o amor passar como fosse o amor pouca coisa, pouco caso. Amor assim, sinceramente, precisa de cuidado. Os dedos tramando caracóis em seus cabelos, as pequenas e tímidas rugas dos seus olhos perdidos, todos os ruídos da sua pele querendo endereçar carinho a todo um mundo. Amor, quanta coisa há aqui nisso que fizemos acontecer. Uma paz incontornável nos povoa quando estamos em si, mudos de reflexão sobre nós mesmos. Quanto amor há quando não queremos nos compreender nem explicar, porque seguem os corpos, cientes de que o abrigo que nos damos não pode ser melhor nem mais perfeito. Nós somos o que fazemos do nosso amor. E o desejo, retirado a pinça fina do nosso caracol de gracejos, tem hoje por nome cuidado. Cuidado. Para cuidar mesmo.

Por um ano ou mais

Quando meu peito doeu
quando seu gesto me fez parar
e doer
e parado
chorar
Quando ali
naquele instante
Eu confesso
perdi-me do mundo.

Perdi-me do mundo
inteiro
Quando meu coração se destinou
Apenas ao seu sorriso.

Perdi tudo.
Tudo mesmo.

Todo o mundo
Todas as crianças e mulheres
Perdi a noção da guerra
E o jorro do sangue matinal
Perdi as segregações e fiquei retido
Apenas
No duelo de nossos dois pobres corações.

O amor me roubou do mundo
e o mundo virou notícia mal lida
de um qualquer ruim jornal.

Quisera eu voltar
Quisera eu ter quisto, antes, muito antes,
Voltar ao mundo.

Desprovido de amor

Com coração já todo ferido

Quisera eu voltar ao mundo

Maculado pelo refrão doentio

De seus sorrisos

E filtrado o mundo, então,
a partir de agora
assim eu o veria:

Mundo, és mais importante que qualquer mesquinhez minha.

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

olhos em conserva

e se eu tivesse muito dinheiro
se eu fosse mais um novo
milionário
e se ainda assim
eu tivesse também
certa consciência
dos fatos

ainda assim
rico e consciente
será que este horror
ainda assim
me causaria espanto?

eu me pergunto
eu me exclamo
haveria a possibilidade
do mundo me tocar
de as coisas me olharem
sem que fosse
para anunciar sobre meu corpo
e vista
o seu desesperado
abandono?

se eu tivesse a arma
este milhão
ainda assim
eu iria querer alguma
justiça?

ia me doer a fome dos outros?
ia me escorrer esta
- ainda hoje -
lágrima-ira?
ia me comover
os negros
os desprotegidos
ia me mover a miséria
as mãos sem onde pousar
os peitos abertos
ia me tragar
tudo isso?

se eu pudesse esquecer
se pudesse cegar a vista
e endurecer os sentidos,
o mundo assim
me deixaria livre
apenas
a ver golfinhos?

a lucidez me afoga.
o meu choro escorre
e inda mais
limpa a vista,

o que vejo é sempre a quina
o que vejo é sempre o que não pode
é sempre a vida tornada
menor
a vida usada
a vida escrava
o que vejo é sempre o possível
estrangulado em gula
em luxúria
e aparthaid racista.

agora eu de novo choro.

LENTOS
os olhos se rodeiam de tristeza
e se vejo o mundo
como agora o vejo
tudo é de novo tão claro
que choro clareza
enquanto o corpo
imóvel

agoniza.

a família no resort
e eu tentando me preocupar
um pouco mais
com uma ou outra dívida.

eu tentando
me fazer humano
dentro dessa coisa toda
contra a qual
esperneio.

que vida é essa?

por que é que não sossega
o meu desassossego?

de novo
olhos em conserva
rodeados dessa lágrima
que nem jorra
nem resseca.

eu de novo
vendo a metáfora
destruindo o pedágio
que afasta etnias
eu vendo
simbólico
a possibilidade exterminada
da vida.

onde foi que eu perdi
o meu não saber?

onde foi que perdi a calma
do útero?
a calmaria da obediência,
onde foi

que deus ficou minúsculo

como foi, meu deus
que eu me permiti
resolver-me o mundo
sem mãe
que intercedesse
os dedos famintos?

não sei.

vago ignorante
por sobre redundâncias
de morte.

selo o beijo
com desfecho tirado
dos romances,
sei que me posso
mais feito rima
do que como instante.

este poema não tem fim.

a minha tristeza de mundo
não aumenta nem se reduz
apenas
em mim
se acolhe.

em mim
a ira do mundo de si
apartado
dorme morna
e sem passar fome
dorme segura
sem exceder ódios
sem fazer nascer
outras mais mortes.

dói leve.

a poesia.
ela me dói inteiro
mas amarga
feito chocolate dietético.

dói profunda
eu sinto, eu sei

mas me invade
e empurra ao embate.

como fazer
se a mim me destinei
balancear
os destinos?

como fazer
para achar equilíbrio
nas curvas
da interrogação,
no ápice
do cismo-
duvido?

minha noção de tempo reside segura
nas respostas que nunca vieram.

sei que não sabendo
duro ainda um pouco
aqui
aqui ao relento.

olhos em conserva,
incapazes do corte
incapazes do fogo
do chão
pisoteio
da terra,

eu duro
ciente da força
inconsciente que a
consciência
em mim faz procriar.

queria, hoje, talvez
ter sido amante das vírgulas,
queria hoje, quem sabe
ter acreditado primeiro

fosse um dia,
fosse por um recreio

eu fiquei triste muito rápido.

eu conheci o que não era
vendo no mundo
sua efêmera ilusão de ser
e estar em ordem.

em conserva,
meus olhos de mim conservo
para não quebrar a vista
no perigo destes tempos.

em conserva,
meus olhos de mim
escorregam,

mas ficam -
como eu, meus olhos permanecem

e seguem
dia após dia
sem temer o óbvio do tiro
sem temer o mamilo
o sexo
o inseguro

meus olhos continuam marejados
sobrevivendo ao árido mundo
eu queria, sim, eu queria
queria ter acreditado em felicidade.
queria ter conhecido tios e primos.
por um dia que fosse,
ou como hoje,
por uma tarde.
eu queria não ter me sido.

\\

Contra-me

Fazer tudo distinto de como eu normalmente faria.

Sinto-me ao hábito aprisionado, portanto, para o próximo ano, eu me desejo o susto do gelo contrastante ao meu dardo já e desde sempre lançado.

Onde me irrito, vou sorrir. Onde me ressinto, vou me energizar. Onde me assusto, vou me interessar. Nada deve me privar o movimento, exceto a vontade de andar.

Mesmo, a vida pode ser distinta, o problema é o medo do que se anuncia. Não me parece mais possível continuar no mesmo barco. Estou doendo e sinto o sal do mar me pondo em molho, em câmera lenta. Estou morrendo aos poucos e junto aos meus hábitos sobrevivo eu em conserva.

Pode ser assim, senhor? Agora te acredito! Juro!
Quero a fé com a mesma intensidade do meu ceticismo. Quero a fé com a mesma violência dos sequestros relâmpagos, sem tempo para compreender nada exceto que se está nas mãos do outro.

Quero a poesia na vida e voltar à vida, apenas movido por verso.

Advertência

A mulher da loja da esquina disse ao comprador:
volte ano que vem, quando teremos a bermuda no seu tamanho.

E é curioso o destino de um homem. Ele voltou no ano seguinte, mais gordinho, é verdade, e não é que na loja havia uma bermuda exata ao seu corpo.

Lembra de mim? Perguntou o homem à moça da loja. E olha que curiosa é a vida de uns e de outros. Ela se lembrava dele e por isso sorriu em retorno.

Ele vestiu a bermuda. Ela sorriu novamente, aprovando. Ficaram assim um tempo, enrolando o pagamento da bermuda. Se seria no cartão de crédito, no débito, se seria em dinheiro, não importava.

O que importava era o sorriso mútuo entre ele e ela. O que restava era aquele instante único de silêncio incontido e afeto vertiginoso.

Estar vivo era isso, ora. Não mera compra na loja da esquina. Mas peitos abertos e em livre comércio.

homem vestido com mais de trinta anos sentado na areia da praia, sentindo o gelo do mar afagando o sexo murcho.

Alfredo se ergueu da cama e disse a si mesmo, sim, com voz e tudo mais: hoje vai ser diferente. Sorriu para dentro, afinal, nem mesmo ele acreditava que alguma coisa pudesse realmente se modificar. Saiu do pequeno quarto empoeirado e deixou a cama por fazer. Bateu a porta e ouviu o som do bater. Diferente, pensou. Voltou, abriu a porta e a bateu novamente. O som oco da madeira contra a madeira deu breve sentido a sua prostração. Não quero mudança que doa, isso eu não quero, se fez certo.

Desceu as escadas sentindo os pés sobre os degraus. Tudo era madeira. Os pés e também os degraus. Fazia meses, talvez anos, que a sua sensibilidade dormia, dopada por algum desgosto não reconhecível. Pisou sobre o piso frio da cozinha e pensou no que mais. No que mais ele poderia se ater para não despencar e para sempre no fundo do mundo ir morar. Não havia ninguém. Nunca houve. Que drama, pensou, eu não tenho jeito e seguiu até a cafeteira sobre o balcão da cozinha. Balcão de madeira.

Talvez a primeira mudança fosse essa, esteve certo. Matar um ou outro hábito. Como o café a cada manhã. Matar o café ou o café feito já cafeteira? Sempre se deu desculpas para continuar sendo o que não gostaria de ser, mas que era. Matar o café, ora! O café inteiro! Todo o café! O café de cada dia. Pegou o pote de café e o despejou dentro da pia, já com a torneira aberta. O cheiro de café acentuou sua confusão. Pensou, se achando esperto demais, nada é para sempre. E então foi quando olhou pela janela da cozinha em direção ao mar, tremeluzindo a alguns metros de sua casa.

Abriu o portão (e não fechou). Caminhou até a areia (descalso). Sentiu a nuca ser envolvida pelo sol (sem protetor solar). E chegou bem perto do mar (sem se permitir saber nadar). Sentou-se e mirou o infinito em forma de onda. E ali ficou, querendo talvez se tornar parte de alguma coisa outra que não si mesmo. Cansado de palavras prontas, não se permitiu se resolver em depressão, nem em angústia, quiçá se permitiu falar do amor (que não tivera). A mudança era se assumir como quem realmente era: homem vestido com mais de trinta anos sentado na areia da praia, sentindo o gelo do mar afagando o sexo murcho.

Pensou e pensar não mais parecia lhe dizer cousa alguma. Parou de pensar, mas pensou que estava parando de pensar. Pensou então mais ainda destemido, como faço para não pensar? Pensou, pensou e não adiantou. A cabeça quando se está vivo só sabe mesmo é pensar. Mas havia um desgosto das antigas, talvez fosse isso, um desgosto de quem muito já pensou e pouco saiu do lugar. Queria talvez morrer, era isso? Morrer para não pensar. Morrer para descansar e, enfim, ter direito ao sossego do corpo e do espírito.

Pensa diferente, disse a si mesmo. Pensa de outra forma, olha por outro ângulo. Você é só um jovem velho querendo entender o porquê de seu próprio abandono. Ele era só isso. Alguém que fora convencido de que não se podia ser assim, alguém de quem o mundo tirou a possibilidade de não ser cousa alguma. Então era isso. A primeira mudança seria está: parar de estar em débito para aceitar a vida tal como ela era.


Política

CESSE O FALATÓRIO SOBRE A FAMÍLIA
E FAÇA OUVIR O SILÊNCIO
DOS QUE LHE SÃO
ESTRANHOS.

Cartas aos filhos de já tanto tempo ---

Meus amados

Escrevo com amor, como nunca antes, talvez. Escrevo também, é verdade, mais uma vez por extrema necessidade. Sempre que o vosso pai se sente assim como agora me sinto, pois bem, sempre assim eu busco me dirigir a vocês. Mesmo que não me respondam, eu sei, eu entendo, eu me entenderei.

As coisas mudaram nestes sete anos que hoje querem começar o oitavo. Mudaram, pois é, as coisas mudaram. Papai mudou também. Vocês mudaram, um pouco, não posso negar. Ao contrário das previsões habituais, as mudanças existem sim e às vezes existem demasiadamente demais.

Certo. Papai não vai lançar lagrimas. Não é o caso. Até porque, meus filhos, conversar com vocês organiza meu peito. Dizer aos meus que nunca verei correndo as minhas especulações sobre as iras da minha vida, da nossa, muda tudo. Talvez tivesse eu demorado muito a perceber, mas vocês são a mudança que eu poderia fazer neste mundo. Só de mirar vocês, aqui reunidos, e lá perdidos, eu sei, eu sei... Era para ser assim do jeito que está tudo sendo.

Um desassossego daqui, outra dúzia de tormentos lá, um dilema persistente que me deturpa a visão e o tato falhando por tanto procurar. O papai não encontrou nada mas, vejam!, achei vocês, de novo, aqui, me esperando sem nem bem esperar, me dando abrigo sem nem me pedir um chamego.

Filhos, hoje vocês são o meu motivo. Vocês hoje são o que eu ainda não aprendi a ser. Vocês conservam em vocês tudo o que estou perdendo e talvez seja isto, não? O papa vai lutar para continuar e quando tudo estiver perdido, vocês me acenaram um "pode ir, pai, a gente vai dar o recado".

Que ilusão a minha está de achar a vida lugar possível. Vocês já sabem, a ira do papo frente ao que fizeram - seus tios, os seres humanos - a ira do papai diante ao que o homem está fazendo do planeta não cessa de crescer e se complicar. Desconheço limites para a minha impaciência e ela já me tira o aprisco. Filhos, quisera eu que vocês existissem e não houvesse nada disso.

Sonho em poesia o mundo que jamais seremos. Estou tão fragil e já velho que sequer consigo compor em versos o que julgo melhor para o nosso destino. Deus morreu rápido e sobrou minha mãe - sua avó (a quem eu jamais lhes apresentarei) - restou sua avó me pedindo para reconhecer o defunto, disposto em bíblias e souvenires de décima e vigésima categorias.

Morreu Deus e junto a ele morreu também a crença na ciência capaz de desvendar o mundo. Quanto mais se tenta desvenda-lo mais ele se desmancha feito paçoca sem açúcar. O mundo não é cebola para aguentar o descascar. O mundo é explícito, meus filhos, não está se escondendo de ninguém, não tem nada a ser descoberto, não se pode resolvê-lo, mas é possível matá-lo.

Isso seus tios um dia supuseram é nisso seus tios acreditaram com a fé que não deram a Deus sequer.

O mundo morre, meus amores que nunca vou conhecer.

E eu seguirei, mesmo em morte, tentando desviar o curso da tempestade de cimento que nos assola. Seguirei tentando esverdear a dureza dos espíritos moldados a concreto e cinicamente ditos belos.

Não posso mais, por isso - e com vocês - continuo.

Feliz aniversário, meus pequenos. O ano é novo e a luta ainda a mesma.

Vocês continuam com seu pai?

Obrigado. Eis a palavra que nunca ouvi meu pai me dizer.

Obrigado.

Nada

nada adianta nada

Pode tentar e verás
Nada adiantou
Nada mesmo
Nada e mais que nada
jamais

Por acaso
Depois que água derretou
e fez florescer a vida
para depois congelar
e de novo líquido se tornar
Por acaso
ainda assim depois de tanto
Que foi que se deu?

Nada, né?

Pois bem

Assim será escrito
nada depois de tudo
é o que restará
como princípio

E se nada restar
E se algo em nada brotar
Ainda assim

Que que tem?

Tem nada gente
Tem nada não
Nada

Viste?

Sendo sim ou não
Nada adianta nadar contra o nado

Vai
Deixa ser
Pensa menos
E seja mais como são as coisas que não precisam de dúvida para se ser

A vida passa mesmo e depois dela
nem tchum.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Ciúmes

Pensei ser mais forte
mas não sou.

Sou fraco e agora contigo
a coisa piorou.

Tu não tens o cuidado necessário
para não me fazer enlouquecer.

Seu gesto, mesmo mínimo,
vem sempre com um olhar que eu jamais
conseguirei reter
(porque não é olhar a mim destinado).

Já não entendo nada, confesso
Só desconfio
da amizade sua
com o ex
com a ex
com o que não tens mais
e que mesmo assim te frequenta.

Seria provocação
(a mim destinada)?
Seria usura sua
que usa o outro
para se satisfazer
Apenas?

Seu ego inflama
e seu corpo parece doer
No meio do caminho
sua alma perdida
tenta te ser...

Se eu estou perdido
você também esta.

Se eu sinto ciúmes
você pode enxergar

Mas o que você vê?
Me diz?
Você está vendo o quê?

Conversa Paralela

Você está aqui
quando mesmo comigo
precisa dela?

Está aqui
mesmo quando deitados
lado a lado
tua conversa virtual
foge de mim?

É errado demais
pensar assim?

Quero morrer
Querer morrer
por não saber lidar com algo
é ilegítimo demais?
Não pode ser?

Minha confiança esmorece 
minha confiança em ti
e em nós
Pouco a pouco
vira quase nada

E já não sei como me portar
E já sei que o que sinto
não te vale nada
Já nem sei para onde ir
Nem o que fazer

Você me ajuda?

...


Inominável Aniversário

hoje
29
de dezembro
de 2014
o inominável
completa
6 anos
de vida
consumidos
vividos
intensamente
sem a pretensão
de algum sentido

que não fosse o único
a importar

O sentido do Encontro.

Voto
sinceramente
que a vida
- ainda que difícil -
impulsione a continuidade
Deste encontro.

Nele e com ele
Eu me sou por inteiro
Eu me descubro
por inteiro.

Obrigado

Adassa
Caroline
Flávia
Natássia

❤️❤️❤️❤️❤️❤️

O mar

Não cansa de ser repetitivo
Ele dança suas ondas
às vezes idênticas
por vezes prum mesmo
Destino

Ele sabe, o mar
Que o idêntico
é pura invenção
O mar sabe
que cada idêntica onda
bate diferente em cada peito
sorriso
Em cada coração.

O mar
Me vigia
Quer saber
quão idêntica
ou distinta
Será minha vida.

Ele mira
minha impaciência
E me pergunta
farás o que
com toda essa onda
que te azucrina
O peito?

Eu olho
Eu miro
Nem bem penso bem

Eu deixo
o mar levar
consigo
Tudo o que eu ainda
não sei
nem posso compreender.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

o começo que o fim anuncia

o que virá?

falo do quê?

falo da vida

certo

era uma pergunta

sim

repita

o que virá?

não sei

eu sei

então diga

não posso

por quê?

porque não sei

se deve?

se devo

deve sim

devo?

não sei

e você?

não

por favor,

não peça

peço sim

ok

ok?

ok

ok então

então ok

viste?

o quê?

bailamos uma longa dança
sem nem perceber!


obrigado!

cansaço

pela metade
quero avançar
a cada passo curto
o desejo me engole

não vou conseguir
olhar para trás
porque o presente
segue nublado

e eu me perdi

dou um tempo

sei que não terá volta

mas me engano

nem bem me engano

porque sei

não vou querer
me desgastar
nunca mais
com o que não quiser

e então não quis
e encerrei aqui
mais uma provável
e agora, no entanto, certeira
decepção

falta tanto
tanto
tudo e tanto
que então
sou grato
por esta breve confissão

a de que falta
logo
então
posso continuar

eu posso continuar.

maio_2014

é o mês de aniversário
do amor
já no dia primeiro
28! anos
festa com amigos queridos
cada qual com seu copo vermelho decorado
teve aniversário
e depois eu viajei
e joão também
eu fui para vassouras
ficar uns dias
e comemorar com antecedência o dia das mães
como foi bom
parei de fumar antes da viagem
mas voltei depois
paguei um pedaço do cartão de crédito
e li na viagem de ônibus
o suplício do papai noel
de claude levi-strauss
li uma peça do amigo andré felipe
NÃO SEMPRE
aniversário do andrêas
pós-dia das mães
reunião no parque lage
mostra mais
thaís grechi
LaborAtorial no SESC Ipiranga
mailing \\
cartografia
keli 17h
texto para ornitorrinco
reunião de sinfonia o filme com renan
FINITA de denise stutz
grupo de estudos
UMA VIDA BOA em cartaz lindamente!
o gás venceu!
início da oficina de UMA VIDA BOA
oficina muito especial
muito
assisti COCK
visita ao dulcina
reunião da companhia
grupo de estudos no meio da semana
visita ao sesc tijuca para vermelho amargo
encontro com natássia
novo grupo de estudos
enviar projeto para são paulo !!!
encontro com grace pra abrir a semana
reunião de produção UVB
oficina UVB
mais peças da universidade
reunião pequena central mostra hífen
passagem para sábado comprar
clausura! cassia eller o musical
cartografia
viajar com o joão às 14h
(fomos para onde?)
de qualquer forma, de noite foi formatura da minha irmã
fui para casa
tive aula no sábado reunião da mostra
e, gente, domingo já era primeiro de junho








abril_2014

em cartaz
com as duas peças
nem sei falar
teve temporada de vermelho amargo também
no sesc tijuca
teve oficina
DRAMATURGIA CÊNICA
com uma galera da tremenda
que eu amei conhecer
na Colômbia, em Bogotá
que lugar lindo
e interessante
quanto abacate
que solidão o hotel
enfim
dólares americanos
e amigos divertidos
pânico profundo de ter que atuar em maravilhoso
no papel de henrique, protagonista
por uma noite
(não me peçam para explicar o motivo)
tão bizarro quanto ter aceitado a desgraça
de qualquer forma
fica a dramaturgia
do encontro
com as outras pessoas
teve retorno ao rio
teve encontro com a galera do inominável
e do grupo mineiro quatroloscinco
teve dívidas
muitas
teve oficina nova
no sesc
em copa
PERFORMANCE COMO PROCESSO
teve grupo de estudos
bombando
teve saudade do amor
muita
teve apresentação de O NARRADOR
performance nova
criada para o janela de dramaturgia, evento
em belo horizonte
no qual conheci lígia gustavo
andré viniciús e diones
léo e um punhado de gente especial
teve mesa redonda
teve humor
teve retorno ao rio
e apresentação final de concreto armado
teve encontro com renan
teve reunião da companhia
teve pintura em casa
teve fim do mês
e o coração
estraçalhado de cansaço
os braços e pernas quase que absolutamente gastos
que loucura escrever assim o ano
parece que fica ainda pior a quantidade toda de coisas feitas








março_2014

o mês começou escrevendo texto para o programa da peça
não sei qual peça
mas foi isso
muitos ensaios
muitas montagens
passaporte enchendo o saco
aniversário da keli
grupo de estudos me dando um pouco de dinheiro
e de prazer
esgotamento
elétrica cênica
aluguel
débitos crescentes
laura
keli
infos para janela
a agenda tá quase em branco
mas a vida tava engasgada
passaporte!
muitas contas
diogo joão
e outros nomes
tipo tim
net
gás
light
unimed
e muito mais
dia 26 de março de 2014
estreia de concreto armado no teatro paiol
em curitiba
e no dia seguinte
de novo
e no retorno ao rio
uma loucura
um silêncio
uma coisa
um sem nome
um sentimento literalmente inominável
31 de março de 2014
segunda-feira
pagar unimed de março!





fevereiro_2014

mais rotina, impossível
ensaios todos os dias
todos os dias
meu deus
não sei como estou vivo
estou?
concreto de manhã/tarde
tarde/noite uma vida boa
#soquenao
show do caetano veloso
reunião de selva
reunião pelo skype madrugada
com diogo
morena filmes
não tô acreditando
ensaios número 22, 23, 24
assessoria
agendar pagamentos para segunda-feira
comprar tintas
entregar escaleta rouxinol
estudar para o primeiro encontro
do grupo de estudos
contrato QdC
mail cena brasil
entregar escaleta o rouxinol
agendar cobogó
finalizar cena 2
contas
inominável
tinta/joão
separar referências
textos para natã e bruno
referências
reptílicos às 15h
fotos uvb
# 30
estudar
cena 4 !
pintura da casa,,,
caetano veloso
aniversário do meu irmão
tá acando
passadão para a equipe
resolver empréstimo
conta
até 13h30
até 12h
a fazer:
longa lista
R$ 2403,
débitos a receber:
diogo livros tinta troco a receber
helena
marina
reunião desmarcada de novo!
pela terceira vez
cancelado o passadão
eu vivi?
cena 7
cena 8
roberto
texto para keli
janela
passaporte
iptu xerox
sapato para andrêas
16h/22h
interlúdio prólogo tudo!
insulina
ir ao banco em vila às 15h!
dizem que teve carnaval,,,




janeiro_2014

virada do ano com yara, laurinha e joão
eu e ele de volta a são paulo
dia dois de janeiro
encontrei minha irmã e arthur
e de noite
voltei lacrimejante ao rio de janeiro
viagem de ônibus
consigo lembrar
ouvia muito The XX
e Ed Sheeran
tive encontro com brunella
com keli
tive grupo de estudos desde o dia 5 de janeiro até o fim do ano
meu deus!
como eu ministrei aulas e encontros em 2014!
mas aqui
em janeiro
eu ainda não sabia de nada
exceto que concreto armado
ia tomar a minha vida de mim
e me fazer de refém de mim mesmo
e de todos os meus imensos desejos
ensaios de 09h/14h
de segunda a sexta
e ensaios de uma vida boa
de 15h/20h
também todos os dias
alegria
alegria
uma ou outra reunião
mentira
muitas
muitas
ensaios nos fins de semana também
entrevistas agendas com rádios
de outras cidades do brasil
reunião
sebrae/ufrj (o que foi isso?)
reunião de produção
de trilha sonora
de dramaturgia
de produção (de outra peça)
listas sem fim de resoluções
darly
bianca
franscisco/leandro
escaleta/impressão
brunella/ana
diogo
edital
responder villela
texto revista
insulina
compras
objetos de casa
casa da glória, ensaio de uma vida boa
comprar humalog e insulina
grupo de estudos 2/4
teo, daniel, bruno, ana
reunião com natássia sobre funarte
além de ensaios
sempre
segunda a sexta
duas peças ao mesmo tempo
escrever primeiras cenas de concreto
tava escrito aqui na agenda
assessoria
reunião
indicações precisas para eu mesmo:
P/ CASA, ESCREVER!
ALMOÇO
profanações
apostila
finalizar
finalizar
concreto
escrever série
escrever concreto
dia de faxina
flávia
comprar produtos de limpeza
viagem para porto alegre
cobras pagamentos de maravilhoso!
semana sem ensaio por conta da minha viagem
terça 11h19 TAM RJ > POA 28/01/2014
reserva 2PE595
eu lá com o joão
na última semana dele morando em poa
e quase na primeira de nós dois
morando juntos no rio
mas calma
MEDIDA PROVISÓRIA
SETE DRAMAS SOBRE A FALTA DE ESPAÇO
peça que escrevi para ele dirigir lá
com uma turma de alunos do curso de formação
lindo lindo lindo!
31 de janeiro para o rio de janeiro! com João e Bernardo!




para levar o cachorro pra passear contigo

calma, amigo
nada é tão insuportável
que dure a vida inteira

já vai acabar

mesmo você não tendo descido as escadas
mesmo estando ainda despido no centro de casa
observe

ele está babando por reconhecimento

é isso
a sua hora agora é dele

levante-se desse sofá imundo
vá até o quarto e pega a bermuda
(não precisa colocar cueca)
pegue a regata amarrotada
pendurada atrás da porta do banheiro

viu o chinelo?

na boca dele
ele aguarda
paciente
já de água tomada
de pelo lambido
tudo organizado
apenas
por este
momento
ansioso

ok
ok, companheiro
calma
celular
onde está?

latido imenso e impositivo

ok
ok
nada de celular
tudo bem
eu consigo

abriu-se a porta da sala
foi ele primeiro
depois o outro
firme na coleira
desceram escadas
atravessaram a rua silenciosa
e já era rua

silêncio

hoje é feriado

os dois se olharam

pra onde foi toda a gente?

não souberam se responder
e então, ainda assim, sem ciência
se deixaram vagar
de mãos dadas
as ruas e mais ruas
que pudesse lhes entreter

foram longe, devo dizer
perderam-se de casa
não tivesse em casa
tigela com água gelada
não tivesse aconchego a toda
e qualquer hora

acharam o caminho de volta
subiram as escadas
bateram a porta
largaram-se as mãos
cada um pro seu canto

ele para a tigela de água
ele outro para a torrente de água fria
do chuveiro branco

precisa do que mais?

---

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Na falta de opção

Escreverei humilhações e atentados a mim
e aos próximos

E então me safarei por mais um dia
ou noite

E poderei, quem sabe, continuar experimentando
a possibilidade de estar vivo.

Se, por acaso, um dos alvejados
quiser tribunal

Eu direi:
era poesia, tudo poesia, tudo invenção.

E serei declarado poeta
apenas por ter tentado viver
mesmo certo de que já não me fosse possível.

Um cuidado que nunca tivemos foi o de conversar ao redor dos problemas.

Nunca conversamos ao redor da mesa
quiçá conversamos ao redor dos problemas
E olha que eles ainda nos povoam.

Família talvez seja coisa tão delicada
que já nasça disposta a se perder.

Perdi o cuidado, minha família 
Disse o que a moral me disse para jamais dizer:

Juntei na mesma oração as palavras ódio e família e não citei deus em momento algum.

Falei o que me veio à mente
e me senti pleno por concordar
comigo. Ainda que sozinho.

Dei voz às iras todas
flechei a santa família
e delatei o rol infindável de cinismos.

Perdoe-me, oh, vida
Mas meu temperamento prefere o fim
a ter que tolerar intolerâncias.

Estou entre familiares 
e é como se estivesse em linha de frente
saltando trincheiras para encontrar um corpo já morto
sob o qual me seria possível sobreviver.

Eu não me dou bem com nada disso
Eu não me vejo capaz de reafirmar laço por laço só porque estamos amarrados
não posso acreditar que estejamos falando de união
Tudo me sufoca
Não
Não
Não

Eu não quero!

Algo veio muito errado nessa missão

Afasto-me dela
na esperança de me tornar indiferente

Ou

Se a indiferença ainda assim for suscetível às irritações
Aguardo a morte minha para pontuar minha liberdade
dessa impaciência sem sorte.

Sobre a afirmação de ontem

Morreste meu pai.

Metáfora? Não,
para mim, desde ontem
É fato o fato de que morreste meu pai
Desde ontem, também já enterrado.

Não rolou
Não aconteceu
Nem houve pistas de que pudesse
um dia
Funcionar

Morreu cedo e prematuro
apesar de um tanto carregado de certezas
e tomado de preconceitos.

Morreu burro
como ao mundo veio
E tudo então seguiu-se a isso:

Morreu orgulhoso
gritando suas verdades
Morreu sozinho é claro
e odiado por si próprio
(E por muitos outros).

Morreu porque sim
Morreu por inação
Morreu e em seu velório esteve ele
e um ou outro televisor
Em Rede Globo sintonizados.

Morreu meu pai incapaz de rir
ou chorar
Incapaz de mistério e gracejos
Incapaz de dúvida
Incapaz de jogo
Incapaz de rubor a anunciar alguma descoberta

Meu pai morreu incapaz de surpresa.

Como é duro e mortal um homem que se acha certo, não?
Como é mortal, propenso à morte, um homem que não muda a própria sorte, não?

Morreu cedo o meu pai
apesar de cansado 
Morreu sem história
apesar das viagens
Morreu chato
apesar de mentiroso
Morreu meu pai

E o pior

Foi sem nos causar dor
Foi sem nos causar pena
Causou alívio
Imediato
Causou sossego
Finalmente

Ele morreu

Morreu meu pai e deu-me fim
Finalmente
Ao exausto exercício de tentar compreender o porquê de algumas coisas no mundo não terem explicações e serem tão insuportáveis assim como ele era

Morreu meu pai e hoje eu amanheci livre
e sem os dilemas de outrora
Que meu pai possa gozar a vida que não teve
Que possa ser senhor de escravos como sempre sonhou
Que more na Terra do Orgulho onde possa bradar suas mentiras sem ser duvidado
E que possa ser ouvido por muitos e seja livre para acreditar na mentira de ser amado

Que possa, enfim, meu pai
Um dia
Ainda mais sozinho do que ontem
e hoje
Perceber que a vida passou por ele
e que apesar de se julgar esperto
ele não esteve atento

Que percebas, meu pai
Que não rolou
Não aconteceu
Que não tivestes escuta.
Nunca soube o que pudesse ser
um punhado de palavras nobres
Que para os cristãos
- oh, que pena! nunca teve ele a condição de estudar -

Pai, morreste para mim no dia em que usastes de ironia para me cumprimentar
Morreste e a partir de agora vou me partindo de ti até quando de fato estarás morto

E quando eu morrer, pai
Não por sua causa, obviamente
Então a vida seguirá com os outros
E não com a nossa estirpe
Tão torpe orgulhosa e triste.

Odeio-nos.

Aos fantasmas

Por fim
depois de sete anos
Pareço-me
perverso o bastante
e hiper desacordado
É pois, confesso
A falta de sono
tem lá seu charme
É que os sonhos
passam a caminhar acordados
Lado a lado.

Caros fantasmas,
a vida'política me inflama
já não posso mais
Ver-me em blogs
diminuído
moendo a alma
sem dor digna de câncer
capaz de me mover
à cova familiar ou ao sepulcro
das ruas.

Caríssimos fantasmas,
eis a minha mais tísica
e robusta ironia:
fazer mesura a vocês
que me roubaram
anos e anos de vida pública
e Política.

Sim, já lá se foram sete
Mas, cá já se comemora uma noite
Interrompida por versos
que me flecharam a atenção
e me confrontaram com o fato
desencarnado e seguido
aos dois pontos:

Morreste meu pai, Logo
é hora então de acabar
com toda e qualquer
Ineficiência do espírito
É hora de acabar já
com toda doença
Do corpo.

Portanto, aqui endereçado
Aos fantasmas desta década
em meia noite destronizada:
Sinto o cheiro da merda gotejando
meu inerte nariz
E escreverei
meu direito à guilhotina!

Sete anos em silêncio é muito tempo
Deforma qualquer imagem:
da virgem escrota
da Poesia
até a fé cega na modernização
da puta Modernidade!

Aos fantasmas,
aqui estou eu
Virtualizado
Envolto em marcador tecnocrata
Amortecido por moda juvenil,

Cá estou eu
ciente do atraso através do qual
da vida me perdi, pelo qual
Aqui estou
Eu
virtual
Virtuoso
e veementemente vingativo

Eu
Vilipendiador
da distância de Alice a este mundo
de mim
Distanciado.

Arquivo