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domingo, 30 de março de 2008

O Porco










Mentira

É tudo mentira
Quase tudo mentira
Essas linhas que escrevo
Que naturalmente saem de mim.

É como fossem veneno
Um resto
O meu desprezo por mim mesmo
E pelo mundo.

É quase tudo mentira
Desordem
Incapacidade de tocar a vida
Que eu já perdi,
Faz tempo.

Então reescrevo versos
De uma maneira imprecisa
Pendente
Ausente da verdade que em mim
É dor.

Eu me debato em formas
Tentando nelas me encaixar
Mas sequer me olho
E vejo
Que não quero formas
Que não quero encaixar

Eu sou aquele desencaixado
Sou o que é disforme
O sou que eu escolhi
É pura mentira.

O sou que quero ser
Revela-se,
Feito cabeças de golfinhos
Uma vez ou outra
Emergindo linhas
E chocando palavras.

O que quero ser é verdade
Mas se não o sou
Minto
E mentindo
Morro aos poucos.

No tempo do poetizar
Meus dias são estrofes
Cheias de versos
Mas vazias de vida.



E morro porque abuso
De mim
Da minha condição
Abuso-me dizendo aquilo
Que é quase
Tudo
Mentira.

A poesia em mim está errada.

Adequou-se de um jeito tal
Aos meus medos e vícios
Que se apaixonou por dar-lhes
Formas.

E então,
A verdade que eu tinha
Que eu mantinha
Tentava manter
Perdeu-se

Ao seu redor
Ergueram-se belas mentiras
Sem que eu pudesse dizer não ser.

Aquilo que sou
O que ao redor me faz ser
Não sou eu
Nem quero ser

Aquilo que sou
É apenas engano
É o que tomaram por verdade
Mas que não passa de um
Encanto.

De palavras parvas
De versos virtuosos
De mentiras melhoradas
Eu me fiz

E agora,
Morto dentro do eu
Que menti pra mim
Eu doendo
Sou a única verdade que existe
A única lucidez que me é permitida
Ainda é doer.

sábado, 29 de março de 2008

Audiência

Sumam daqui, todos!
Não digam nada!

Nunca disseram
então fiquem calados
não saibam se expressar
e apenas olhem o que não podem compreender.

Aliás, não olhem
Apenas pensem esse olhar
Pensem em escutar
Pensem e morram pela cabeça
Deixando o corpo ainda a respirar.

Sumam daqui!

Não me importa a sua presença
falsa presença que bate ficha
e não acrescenta.

Não se obrigue a me amar
Pois o meu amor é maior que o mundo
e este amor não me podem tirar.

Sumam e não se lembrem de voltar!
Sumam, pois não me importo quem se vá!

Se se foi, foi para não voltar.
Se não se foi, é porque o se ser
é incapaz de articular.

Portanto, sumam todos!,
e façam reverências a qualquer outra coisa

ao seu cu estrelado
ao seu pernil assado
ao pão de queijo congelado
reverenciem o papa
mas não a minha língua
não minhas palavras
não esboçem possível amor
se o amor em vocês nasceu morto

falso escroto mentiroso

não me comam e tenham prazer
pois a minha comida é incapaz de descrever

mas afastem-se de mim,
é o que peço
é o que obrigo
é o que clamo
e por isso queimo
e me estresso
e perco o rumo

pois eu não posso com hipocrisia

se já me é tão impossível a guerra entre
o ser e o não ser
também não me importa se isso
alguém está para ver.

Nada me importa afora o fato,
duro feito pedra,
do nosso despencar.

E queridos ouvintes,
estamos caindo
e no fim
cacos
acenam
para mim.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Explosão

Foi tudo num silêncio. A cabeça pensando e o corpo, coitado, tentando disfarçar.

Mas não houve remédio, o corpo pensando é complexo, quer falar, gritar, quer se rir, se chorar.

Não teve jeito, acabou por explodir. Na cama que virou meu leito, eu explodi primeiro o peito.

E depois, tudo acabou, como costuma ser. E eu não estranhei, pois a minha realidade dizia:

Amanheceu.

E eu nem vi o tempo passar.

O tempo esteve fora desse esquema.

A realidade me tragou, me guiou. Ela em mim despencou e sob o seu peso, fiquei burro.

Burro demais para pensar em qualquer coisa que não fosse aquela ali,

a insustentável leveza do meu ser.

domingo, 23 de março de 2008

"Eu já sei andar sem rodinha"

1.
Um dia veio aflito e me pediu. Eu não vi absolutamente nenhum problema em dar-lhe uma. Afinal, já estava preocupado com a demora. Todos os outros, ou pelo menos a maioria, já haviam pedido e elas inclusive repousavam quebradas num canto qualquer da casa. Ao contrário do pequeno que me pedira no tempo de seu desejo, todos os outros já estavam na era da internet. Mas o tal em questão, não! Estava certo, na precisão de seu soletrar, queria porque queria uma "bic-icle-ta"!

2.
Quando ela chegou a primeira coisa que ele fez foi partir. Na velocidade em que conseguiu, vestido no pijama daquele amanhecer. Dali em diante, vivi noites fossem feito dias. Eu ali, acordado, pensando onde ele estaria. "Ele fugiu", eu repetia. Mas dessa vez não fora da cama para o berço. Quem perde um pequeno perde pelo braço e do braço para o mundo, foi num só passo.

3.
Eu envelheci. Não tanto a pele, nem a beleza. Envelheci por dentro, perdi em delicadeza. O tato foi ficando mais coberto. E sobre as mãos repousaram poeira do mundo, marcas das vãs tentativas de encontrá-lo. Amadureci. Toda manhã restava o café quente esperando. Mas ele não vinha, ele não veio. Os irmãos já ansiosos com o seu paradeiro. "Ele foi para longe?", um perguntava. O outro, mais distraído, dizia "de onde ele veio?". E eu, em apuros, contando a prole ali, ao meio.

4.
Se não morremos é porque estamos vivos. Morrer-se aos poucos ainda é viver. E nessa peleja de ser partido, um dia ouvi o barulho da bicicleta. Pude desenhá-la em meio ao vento para em seguida ouvir o estrépito acolhimento, que só as pedras da nossa rua aos nossos filhos davam. Desci o quintal correndo, o coração já na mão, caso fosse preciso dar-lhe ao meu pequeno.

5.
O rosto avermelhado. Dentro dele alguma força a se debater. Olhou-me sem graça, como tivesse feito coisa errada. E os filhos não sabem, mas os pais adoram suas coisas erradas. Os pais adoram essa culpa frustrada de não os ter educado direito; e mais um drama e sobe uma escada e veja se essa roupa é sua ou do seu irmão.

6.
Mas ele veio, enfim. Caído no chão, olhou primeiro a bicicleta suja e amassada. E como se nada tivesse acontecido, fez-me o segundo pedido: "tem como tirar a rodinha?". Olhou para mim. Eu duvidava sim, mas era desse excesso aqui dentro, não era do seu pedido. "Eu já sei andar sem rodinha. Eu caí por causa dela. Tira?".

7.
Eu não devia ensinar chantagens, mas era a rodinha em troca de um almoço e de um banho e abraço e o seu braço, face, nuca, pescoço. Filho sujo como estava mesmo assim eu bajulava. Correu meio mundo num segundo e eu ali, ao pé da escada. Subimos o quintal. Juntei-os todos e um deles gritou: "Coloca lá no blog que a gente já encontrou!". O outro saiu correndo e nisso, o pequeno se vendo numa tela de computador: "Sou eu?"

8.
Limpei seus machucados. Ele não teve paciência. Almoçou todo o prato que fiz e ainda ameaçou desobedecer, querendo mais do doce só por saliência. Penteei seus cabelos, limpei-lhe a face. Era meu filho voltado do mundo. Tinha nos olhos uma incompreensão que eu julguei ser absurdo. Tudo o que eu julgo absurdo é porque eu não sei compreender. Exceto os filhos meus, absurdamente conhecidos por essas mãos que os acenam um adeus invertido em meio a um vá reprimido.

sábado, 22 de março de 2008

Onde estava o sol naquele dia?

Dia claro
porém nublado.
O sol não veio
fugiu ligeiro.

O mar bem cheio
e a gente ali
nadando inteiros
nas areias
como barcos
passageiros.

O sol não vinha
e, no entanto,
a gente seguia...

Braços abertos
voar nunca então
por isso tão bom.

Ir e voltar
e subir, abaixar
a fadiga do rir-se inteiro
hoje é memória
e voa solta no ar.

Plana plena no seu raiar.

No ar
em que voas
o sol teme esticar
seus braços
seus laços
e fica assim,
tudo nublado.

O sol hoje se esconde
não a lua
nem as estrelas.

Ninguém hoje está de mal com você
Ninguém de mal, por você.

Se hoje assim o dia é nublado
é porque tudo ficou sem graça
sem você ao lado,

Se assim nublado,
é pois o sol se envergonha em ser
tão assim sem sal
não assim feit'ocê
quente
vermelho
descomunal
prazer.

Onde estava o sol naquele dia?

E hoje?
Podem perguntar.
E eu digo,
olhem para o céu!

Poucos conseguem.
Um óculos escuro,
talvez.
Por isso,
tente outra vez.

Não.
É impossível! Eu sei.



A vida nunca foi tão quente
Sinto-me abraçado
a todo o instante.

Onde estava o sol naquele dia?
Ao meu lado, eu diria.

terça-feira, 18 de março de 2008

Em trânsito

Estou no meio desta cidade, neste momento.
Tenho desejo de comer e como.
Sigo adiante.
Sempre adiante, não posso voltar.

Do meu lado esquerdo um casal se abraça
Poderiam fazer amor, eu não veria.
Mas escuto seus gemidos de prazer
com a devida dor que me apraz.
Preciso conhecê-los a mim
em mim
Assim:

Do meu lado direito alguém passou
e se fisgo
pesco
e em mim apreendo
é porque assim foi
o que o meu peito
desejou.

Transbordou-me a pudica pudez puída
Quero, então?, a poligamia.

Mas qual se sequer sei ser um só?

Volvo
e continuo à rua acima
Sempre acima
na direção do meu sangue
que esquenta
e sobe sobre os cílios
virando olhos
endurecendo meus riscos.

Nas curvas acentuadas
dos indesejáveis desejos
somos seres passageiros.
Tocamos mãos alheias
pedaços de pernas mãos e falos
num ônibus cheio.

Eu ou você quem tocou?

Não saberia dizer
Se o contato foi entre os dois
A culpa é de quem?

Da minha pele?
Do seu pêlo?
Da minha vergonha
ou do seu desejo?

Talvez a culpa seja mesmo do sol
Ensejo ao santo desejo de cada dia.

Calor
Agoniza
Dentro aqui
dessa camisa

Desejo
vem em mim e se eterniza
feito tatuagem marcada
na pele mordida.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Remares

Estava tudo amarelado. Parecia passado. Aquele presente, ali, dentro do ônibus, mas voltando, virando memória. Tempo. Meu olhar resvalava, perdia-se entre árvores e feixes de luz que escreviam naquela noite de chuva a minha condição. Estava assim, delicado, com o corpo querendo adormecer, do seu lado. O ônibus seguia e minha atenção voltava-se para o vento, que fazia nas folhas o caminho de seu desejo. A luz dos postes acentuava a perdição das horas.

No vidro fechado o reflexo das mãos seguravam o ferro do ônibus. Sentia-me seguro dentro daquele carro que me levava para além das chuvas e luzes. No reflexo do vidro, minhas mãos encontravam a segurança para em seguida soltarem-se e confundirem-se com a pista molhada da noite que crescia do lado de fora.

No entanto, eu ali era apenas dia, vontade de viver. E olhava para a noite como quem deseja adormecer. Como quem saciou neste dia a vontade de viver. E não como quem ao término do dia lê a vida falecer. Eu queria amar, restar e dormir, para outro dia começar. E nisso, a pista molhada brincava com o reflexo de minhas mãos. Eu tocava o chão na velocidade do ônibus e seguia sentindo a confusão de calçadas ruas e estradas.

Foi então que olhei o céu. E ele negro anunciava chover. E a água que desprendia molhava tudo, afogava as linhas que constroem a cidade. Já não sabia o que era a rua na qual o ônibus remava. Ondas surgiam e morriam para recriarem-se e morrerem de novo. A escuridão da noite também no chão se refazia. Era o reflexo do céu que as ruas assumiam. Tudo escuro, exceto meu coração.

Então o ônibus parou. Talvez não fosse barco o suficiente para seguir. Ergui o olhar e o que vi adiante não era o que esperava ver. Havia um mar no meio do asfalto. O asfalto, aliás, era o próprio mar. Negro mar da indecisão. Seguir ou retornar, avançar e correr o risco de parar, de morrer ao se afogar?

Meu coração iluminava. Eu queria seguir e era essa a minha estrada: a do se molhar. Do meu pranto de felicidade eu queria nascer e ser. Por isso o ônibus seguiu e buscando outros caminhos remava adiante, sempre adiante. E tudo era noite. E o amarelo das luzes tornava o mundo envelhecido. Eu vivia num quadro antigo. E a minha história eu precisava contar aos filhos que - um dia eu terei? Eu precisava ter meus filhos, nem que fosse por essa noite para que, em seguida, voltassem para a segurança de meus sonhos.

Então muitos homens cujos filhos passavam fome desceram do ônibus, mas eu duro, fiquei. Precisava provar do gosto da complicação. Eu preciso, neste momento, de outro sabor que me faça mover, que me faça ser em mim o que ainda não pude. Por isso fiquei e no risco de me afogar segurei-me como fosse isso o que houvesse de melhor naquela noite. Não pensei em calor, em estar seguro nem conjunto. Desejei o perigo e a iminência de um fim, pelo desejo pleno de experimentar.

E então meu ponto chegou. E eu desci do ônibus e vi que não era a minha rua. Na minha rua o chão era firme e naquela em que desci, ele volteava em formas d’água. E tudo escuro, exceto pela luz amarela que brilhava em algum lugar. Pus-me a correr e nadando respirava profundo e seguia seguro. Não quis me afogar, nem pude morrer. Nesse caminho o desejo de vida é tão grande que não se pode falecer. A vida, em alguns momentos, é a nossa própria condenação. Avancei resoluto e encontrei no topo da ladeira de casa a luz amarela que eu vi ser meu coração.

Remares

terça-feira, 11 de março de 2008

Aconteceu...

Eu te assustei ontem?
Não, eu só fiquei preocupado.
Desculpa, mesmo assim.
Fica tranqüila, de qualquer forma você deu conta sozinha.
Pois é, já estava na hora de eu controlar isso..
É, mas não precisa se colocar em risco pra provar.
Eu sei, não foi com essa intenção.
Espero mesmo.

Silêncio.

O que você tem nas mãos?
Estão meladas.
Por quê?
Eu cortei chuchu hoje cedo.
Você não sabe que tem que cortar debaixo d’água?
Eu não sabia...
Agora vão ficar assim, melosas...
Chuchulentas... Que nojo!
Depois passa.
Tudo passa, né?
Pois é, eu vou embora amanhã.

Silêncio.

Aqui, tudo de mais maravilhoso pra você, tá?
Obrigada.
Sério mesmo, aproveite cada segundo.
Eu vou poder estudar, finalmente.
Não separe as coisas. Viva tudo isso, tudo misturado mesmo...
Eu vou sentir saudades...
Eu já estou sentindo.
Mas eu tenho que ir, não?
Tem sim.
Não posso perder esse vôo de jeito nenhum.
Então vá. Beijos.

Silêncio.

Hoje eu acordei cedo. Estava me sentindo um pouco indisposto. Fui até a cozinha e lá me perdi. Esqueci que poderia ter feito café. Mas era você quem fazia isso. E eu nem lembrei que poderia fazer o café. Então voltei para o quarto e olhei o relógio do celular. Ainda era cedo e eu estava acordado. Ali no celular ainda era cedo e você sequer tinha me ligado. Então eu olhei para a cama. O sol já começava a queimar a sua extensão. Eu liguei o computador, coloquei uma de nossas canções e dormi novamente. Não houve sonho, nem descansar. No meu dormir eu queria mesmo era me matar. Era partir e ir para quem sabe com você encontrar. Mas acordei, um pouco depois, e o sol já queimava o outro lado da cama. O tempo tinha passado e sobre a mesinha, o telefone ainda mudo marcava o tempo que, cada vez mais, confirma a nossa separação.

Partida

segunda-feira, 3 de março de 2008

Realidade

É realmente isso
sobre o amor.

Se não por ele for
a vida se perde
e morrer
torna-se algo
sedutor.

É realmente
sobre bateres.
E quanto mais
nele batemos
mais ele bate
acostumado
assim
a ser.

É realmente
sobre encontrar.
E nem tanto esperar
Não muito espernear.
É jogo vivido
ao vivo
amor não se pode
arranjar.

É realmente
este sofrer.

E se não corremos
e se ele não
fazemos
correr,

morremos
aos poucos
como quem
viveu
sem
viver.

É realmente isso
sobre o amor.
A fadiga é seu sucesso
e o sucesso é vaguear:

entre elos
perdidos
amigos morridos
saudades e mamilos.

É realmente isso
o amor.

sábado, 1 de março de 2008

Me beija

Ai, desculpa.
Tudo bem. Tá tudo bem.
Me desculpa. Eu tô muito sem-graça.
Relaxa, isso sempre acontece com alguém.
Ai, gente.
Quando não é comigo, é com você.
Por favor, não conta pra ninguém.
O quê?
Isso que aconteceu.
Mas todo mundo vai querer saber quando me olhar.
Por isso mesmo. Não conta, tá?
Aí, relaxa.
Sei lá, fala que você apanhou de alguém.
E não foi isso que aconteceu?
Humm... Então diz que foi uma abelha.
Relaxa, a gente nem se conhece pra você tá tão assim.
Por isso mesmo. Eu...
Você?
Eu tô me acalmando.
Tá mesmo?
Acho que sim...
Pode me olhar nos olhos... Diferente de você, eu não mordo...
Pô, não faz isso...
Tô brincando.
Eu não queria...
Ou queria demais?
É... Pode ser também.
E ainda quer?
O quê?
Morder a minha boca?
Você deixa?
Bom se você não se incomodar, agora ela tá um pouco maior.
Bom... Na verdade eu não me importo.
Então tá, chega aqui.
Pronto.
Me beija.

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