Pesquisa

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Leia sem moderação

A pessoa tá quieta, impaciente porém sentada, num banco de uma tal praça.

- Você tá esperando o que?
- Ai, porra, já não sei. Tô mofando aqui.
- Não quer vir comigo?
- Eu não sou louco. Eu sou livre.
- Então... Quer?
- Quero uma ova. Sai daqui.
- A praça é pública.
- Mas o banco é só meu. Sai!
- Tudo bem. Você não pode me impedir de te olhar.
- Não posso... A não ser que eu te fure os olhos. Qual é?
- Tem alguém vigiando a gente, sabia?
- Quem?
- Alguém.
- Eu não sou louco, já disse.
- Tudo bem. Eu confio em você.
- Pra mim que se foda.
- Oi?
- Você ouviu.
- Tem realmente alguém tentando ouvir nossa conversa.
- Você tá falando sozinho, é só isso.
- Oi?
- Mas tem mesmo.
- O que?
- Alguém tentando ler o que eu tô dizendo.
- Onde?
- Pra mim que se foda. Se eu tô falando é para que me ouçam.
- Pois é...
- Odeio quem fala "pois é". Fala "tangerina"...
- Você quer?
- Não tô nem fudendo.
- Nem eu...
- Quero o que, porra?
- Tem alguém ouvindo a gente.
- E você acha que só você pode ouvir, caralho?
- Não, mas é que eu...
- Desencosta do meu banco!
- Eu encosto nele se eu quiser!
- Então encosta agora que eu quero ver.

A pessoa vai e mija em toda a extensão do banco da praça.

- Uréia. Quer?

terça-feira, 13 de maio de 2008

Carta

Não se preocupe em perguntar

Isso é para mim?

É sim para você, portanto leia.

Ao atravessar a rua, tome cuidado. Os carros, hoje em dia, atropelam humanos feito bondes.

O sinaleiro, preste a devida atenção, fica mais leve do que parece quando venta.

E nesta cidade do Rio de Janeiro (ainda de dois milhões de habitantes?) têm ventado bastante.

Eu gosto de andar pelas ruas com você.
Gosto mesmo de esbarrar no seu casaco. É lã.
Lã é bom e aquece. E hoje faz tanto frio.
Por isso talvez o desejo de te abraçar.

Eu digo, sempre aos meus filhos, seja mesmo isso aí que você quer ser.

Porque eles inventam cada coisa e eu que não vou ficar pesquisando se é certo

ou errado.

É simplesmente o que é.
Simples, não?

Bom, realmente não posso demorar
Se eu deixar
não varro a casa
não ponho o lixo para fora

Se eu deixar
eu esqueço de nos lembrar
que há amor entre os dois
seres amantes

Enfim, agora é sério
preciso partir, minha parte
pedaço de mim
pedaço de fígado (quando tu és mole)
pedaço de rim (quando é ambíguoa)

Deixo um braço
um percalço
a minha companhia
e o meu ser
em compasso
com o seu





Diogo.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Reptílico Nº 1

Gritou com a mulher.

Bateu a porta em sua cara. Que então, se pôs a sangrar.

A mulher jorrando o sangue no chão da cozinha.

Bateu-lhe um branco.

E ouviu a criança no quarto gritando.

Abriu a porta e a esmagou. Entre a porta e parede.

Criança sem capacete, quebrou-se os primeiros dentes.

Todos de leite.

Sangue jorrando do corpo espremido do filho entre porta-parede.

Bateu-lhe desespero.

Lançou então, o nenem, pela janela.

E voltou para a cozinha.

Espancou a mulher.

Sangrou ainda mais o chão da cozinha.

Escorregou no sangue de sua amada. Que estava menstruada.

E bateu-se com a cabeça no chão.

A tempo de morrer.

Graças a Deus, que um dia o criou.
E disse: crecei-vos e multiplicai-vos.
Eram agora uma família ainda maior.
Formada aos pedaços.
Orelha para um lado.
Olho arregalado.
Sangue coagulando.
E íntimo, expressionado!

terça-feira, 6 de maio de 2008

Consumo

Vale no seu segundo
o consumo
eu consumo
me consumo

Não pode ser pensado
é coisa no ato
feito machucado
ralado o corpo
o sangue solto
jorra a todo o lado

Vem em pleno ensaboar-se
e não se pode adiantar
tem que se dali sair
correndo
nu em pleno vento
e pegar o que faltou
e tirar o que queimou
e fazer o que quiser
mas que é apenas o que é
posto feito no ato

no momento
consumado.

Feito assim essa versão
do nada, intempestiva
pouco pensada

Feito essa disposição
de palavras
e de consumomentos

creio neles como se neles houvesse algum fermento
creio neles pois nem sempre inchar-se é um bom bom

...

crise na articulação das palavras o que começei a escrever agora não pretendo parar até que minhas palavras possam se esgotar apenas volto quando erro para não parecer que não sei escrever eu continuo seguindo como se adiante acenasse apra mim você como se você a mim acenasse e eu sem saber como escreve-se acenar continuo tentando até perceber que as pessoas nessa biblioteca também precisam se comunicar e por isso saio eu desse computador?

domingo, 4 de maio de 2008

(Caule, Raiz, Voar, Chuva e Limbo)

A irmã mais velha vai longe, levando consigo uma mala, muito puída. A irmã menor vem atrás, mas sem ser vista, apenas observa o jeito e o porte da mais velha, o modo e o gesto que a torna tão singela. A irmã mais velha estaca, sente uma coisa a travar. É seu peito que ecoa, parece não suportar. Não suportar o não saber: se se vive ou se se é para morrer. Mas ela persiste, falto pouca para chegar. Se não olhasse para trás talvez pudesse ir voar. Mas olhou. E viu, na espreita, a pequena mais nova, no vestido encurtado, com os pés descalços. Ela viu, o laço que a fez parar.

Para onde você vai? Por que você veio? Eu quero ir com você! Você não pode! Eu prometo me comportar! Não quero que você chegue lá. Onde é lá? Na ponte. Qual ponte? A ponte mais alta. Eu não tenho medo de altura. Eu tenho. Então por que você vai? Por ele. Quem? Esquece. Deixa? Não. Eu sou sua irmã mais nova, você tem que cuidar de mim. Só se você carregar a mala, até o fim, sem soltar a alça, sem abrir, sem reclamar, sem dizer, sem nem me lembrar que você me segue. Tudo bem, eu só quero ir com você. Então pegue, está pesada. Não, não está. Vamos andando, eu quero partir junto com a tarde de hoje. Tem ônibus nesse horário? Na ponte você escolhe o horário que quiser para partir.

Elas andam. A menor sempre atrás, carregando a mala, sem pestanejar. A mais velha adiante, olhando a frente de seu duro semblante. Aos poucos, porém, a mala começa a pesar e a pequena a distanciar. Espere, irmã. Eu disse que estava pesada. Mas não estava no começo, o que aconteceu? Não posso explicar. Não corra, me espere, eu quero ir com você. Não solte a mala, foi o combinado. Espere! Eu te amo. Não me deixe aqui! Você ouviu? Irmã? Eu te amo! Irmã, eu já não posso agüentar. A mala então volve ao chão e de dentro dela pula fora um embrulho pulsante. Distante, a mais velha chega à ponte. O embrulho sozinho quer-se abrir. A mais velha se endereça então ao infinito do mar. Do embrulho um coração grita, grita, desespera e sai. Para em seguida, explodirem os dois corpos rumo ao sempre.

A mais nova, assustada, retira daquele meio o embrulho sujo a vermelho. O que envolvia o coração eram palavras, escritas num embrulho de pão. Como pôde estar tão pesada? Ela lê. Sua voz oscila e sua rima imprecisa. A caligrafia é corrida, é feito navalha. Já não diz nada fora do rumo das veias que agora são rios no mar. Ela resta sozinha e começa a chover, não sem antes guardar a carta ao peito e plantar no chão as sementes daquilo que um dia foi um coração.

sábado, 3 de maio de 2008

Tentativãs

Quando eu tento escrever uma poesia
É porque ela já não se fez.

É porque foi mentira
E a tentativa
Se viver outra vez
Que venha quando for verdade
Esse meu tentar

Que venha a poesia
Somente quando em meu corpo puder restar
Perdida
Feito nos versos
De saída
Feito já nas rimas
Que sempre indicam o caminho
Como se soubessem o amanhã.

Quando eu tento escrever sobre o amor que ainda não tive
É tarde
E restam tristes
Palavras perdidas no fundo branco desse papel em declive.

Basta tentar
Para ver-se impreciso
Basta viver
Para ver-se impelido
A vir criar
A ver surgir
No gerir e gerar
A própria poesia do se viver.

Reversos

Eu quero escrever
As mais belas palavras.
Eu quero te rodear
E fazer com que sintas
Sem te tocar.

Eu quero dizer
Eu te amo
Sem me pronunciar
Quero dizer
Sem nem mesmo falar.

Eu me sento agora
Nesta noite sem fundo
Ou fim
E escrevo palavras
Cujo rumo
Eu não sei
Mas cuja existência
Cria-se no ato de seu próprio
Inventar

No ato de dispor palavras
Neste fundo que as absorve
Livres
Eu invento a vida
Eu discuto a morte

Eu me faço pleno
Em versos
Aos cortes
Eu me monto
E remonto
Cada parte
Cada arte
Cada medo.

Faço minha auto-análise
Faço a minha higiene
Pessoal
E sigo
Destemido
Pois conhecido o meu corpo
O resto é acréscimo
eventual.

O corpo
Conhecido
É tudo o que eu preciso

Os ombros
Soltos
Leves
Decididos
Não são mais tensos
E nem temem o amanhã

As mãos são leves e por vezes
Arrancam à força a dor
Do peito
Que arfa
Mediante amores
E rumores de quem
Se disse amar.

Os pés
Permitem-se o não saber
Do seu caminho
Por isso sigo seguindo
E seguir é meu destino.

A morte?
Que venha no seu tempo
Ou no tempo que, eventualmente,
Eu possa a desejar.

A morte
Que venha e carregue consigo
A minha vitalidade, toda ela
Minha disponibilidade
Que leve embora.

Eu quero estar vivo
Para morrer
E nisso saber
Que eu fui-me.

Subversão

Não é a original
É outra coisa
Sequer habitual

Não quer dizer o que quero
Não o preciso
Nem o que espero

Mas é força
É rompante
É decisão
Vontade plena
Acordada à madrugada
E meio mal vestida
Meio mal arranjada

Vontade assim
Desgrenhada
Nasce suja
E morre
Mal lavada,

Mas consumida
Desejada
Gozada e despedaçada
E no entre pernas
Despetalada.

É coisa assim nada a ver
É coisa vaga
Vulga
Vulva
Rala

Mas é precisa
É necessária
E se não fosse
Alguém mudaria o próprio rumo
Acaso soubesse estar ele noutra
Estrada
Noutra racha
Noutra vida
Antepassada?

É só um descarrego
A versão errada desse peito
A música quente no inverno seco
É impossibilidade
E o violão
Ali
Parado
Preso
Perdido
Desesperado.

Diz, ex...
Ardo!!!

Queimo a face
A ponta dos dedos
Achando ser cigarro
Eu fumo a própria pele
E já não posso acreditar
Ela não tem sabor

Ela perdeu a cor
O sangue nela secou
E o que ficou foram cinzas
Arranjadas
Disfarçadas
Cinzas bonitas
Acoroladas.

É o peixe pescado
Pela criança
E morrido
Sem razão
Sem sentido
Exceto o da diversão.

É a inveja do outro
Seu amigo
É o ciúme do peito
Sem rumo
Ou sentido.

É você me despindo
E eu te subindo
Você me apertando
E eu sustentando o céu
Enquanto você
Ruma em cima do meu
Prazer.

É um prosa em versos
Pois sou incapaz de articular,
Sou incapaz de acreditar que viver tenha que ser sempre esse chato e des-requentado “b” + “a”.

Pretensão

Eu faço assim:
Movo sem pensar
E escrevo sem falar,

Lanço a palavra
E puxo a seguinte
Tal qual se faz onda
Em mar,

E nisso,
Passam por mim coisas
Que por mim se passaram
E passam também
Coisas que ainda em mim
Não repousaram.

Corpos nadantes
Saltos cortantes.

A epiderme do mar
É rasgada a remo
E o movimento
No mar é pleno
É contínuo
E sozinho
Movido à sede
Por isso
Ser dentro,

D’água
Dentro d’onda
Dentro donde quer que
Esteja
Em cada sua parte
Uma imensidão ilumina
E do ponto se faz firmamento
E da estrela constelação

Da onda o rio
Do rio o desaguar
O desamar
O deixar partir
O despedaçar

Das mães
Meninas
Damas
E canções, como há canções!

Todas despidas nessas bocas precisas
Nessas bocas novas e velhas
E viúvas e na espera,

Como há canção
Nesse precipício
No qual lançamos
Nós
O próprio e nosso
Coração.

E no bateres
Caso tropeces
O coração jorra dor
Pinta sangue
Sangue a cor
E nisso,
Descobre-se
Ser mesmo amor.

Amor morrido
Amor perdido
Veneno indevidamente consumido
Gera a morte
Pela metade,

Gera a sorte
E o seu embate,

Gera a luz
De uma obscuridade,

Gera o sorriso
E gira a perversão
Nesse girante universo
Que chamam
Ó, coração.

Pés

Pés que despertam antes do amanhecer
Por que se estalar antes mesmo do sol?

Durmam mais um pouco
Recostem-se um no outro
E assumam na própria forma
O amar de seu caminho.

Extenso caminho
Mal se faz amanhecer.

Postem-se adiante
Recuem um instante
Deitem nas laterais
Como se abrissem espaço para quem passa,
Mas não pede licença.

Cortaram suas unhas.
Fui eu, devo dizer.

Os tropeços do percurso
Quando as unhas estão grandes
Doem mais, sinto doer.

Hoje mal de pé se colocaram,
Percorreram a casa numa ansiedade digna
De quem não sabe o rumo a seguir
Ansiosos dignos
Porém de se ir.

Mal acordaram e lavram-se completos
Entre dedos e peles
Entre calos e pêlos
Lavaram-se os pés
E secaram-se ao meio.

E então a meia veio
E o dia mandou chover
E a chuva tocou o solo
Sobre o qual vocês pisaram
E nele quiseram nadar.

Hoje os pés úmidos ficaram
Porém não tristes, nem frios.
Foram pés seguindo adiante
Sempre rumo ao asfalto
Quente asfalto do descobrir-se
Mal se rompe a casquinha.

Boa noite, agora.
Durmam pouco mais do que ontem
Acordem ainda mais ansiosos
E corram o mundo, velozes
Como fosse o seu último respassar.

Estranheza

É estranho, eu sei.
Mas vou tentar, dizer.

...

Não sabemos ser dois,
Ou se sabemos,
Por isso sofremos.

E ser três, ser quatro
Cinco ou seis?

Meu coração está dividido em quatro
Partes: ventrículos e átrios
Esquerdos e direitos
E de dentro
Parte uma mangueira
Aorta
Que leva e traz desassossego.

Não sabemos ser dois,
Quiçá, respeitar o ser
Que é dois.

Talvez não por querer
Nem por saber
Mas por força maior
Que impinge ao peito
Os sentimentos
Do meio.

Do meio do caminho,
Do meio do menino
Do meio do destino.

Não sei ao certo o que quero dizer,
Mas tento agora a clareza obter.

Pois falo de num só ser
Sentir-se o matiz
Das sensações
As pontas extremas
Que atingem o coração.

É viver e morrer
Ao mesmo tempo
No mesmo corpo
E esse é o fermento
Da própria vida
E de sua morte.

Ainda não? Eu sei.
Temo às vezes dizer
Aquilo que me surpreende
Mal se acorda
Ou mal se vê,
Você
O céu
Um ser.

Falo de tudo aquilo
Que me faz parar.
Que me deixa trêmulo
As pernas a balançar.

Falo daquilo que ainda
Não me tira o sono,
Pois eu gosto de sonhar.

E sonhar acordado é impor
À realidade
Outras cores saturadas
Outras veias demarcadas
Outros princípios e escadas

Que não as suas.

Pauso agora,
Pois não compreendo
O meu dizer.

Meu corpo está aqui comigo
Indo através do tempo
E eu preciso senti-lo
Nesse ir
Nesse vagar
Perder-se
Para quem sabe
Se encontrar?

Poemeto Erótico Número 4

Ainda não
espere madrugar
não mude agora
fique nesse lugar

Ainda assim
assim posso ver
não faça olhando
eu temo um dia
te perder

Ainda então
escute a canção
distraia a distância
e aguente
até eu chegar

Ainda é bom
nem que seja pouco
nem que seja louco
ainda é bom ter você

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Lascar-se

Bati um dente sobre o outro
E engoli um farelo de um deles

Pensei demais em como fazer
e esqueci das idéias que não podia

Estive a ponto de explodir, de tesão
e fiquei meio mole, sem condição

Arrumei em excesso a distração
e sequer vi a mancha no colchão

Voltei correndo para não te perder
e pisei pelo caminho que era você

Senti tanta saudade dos partidos
que acabei não gemendo sozinho

Enfim
Lasquei-me
nesse jogo doente jogo
do se auto dirigerir-se.

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