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domingo, 30 de maio de 2010

prole negada

quando eu leio tudo isso que aqui eu escrevo
eu penso, gente, pelo amor de deus
isso tá insuportável.

e então vem a próxima poesia
o próximo tomo de palavras tomadas ao aleatório
e é nisso que eu descubro realmente
que gente, meu deus
isso tá mesmo insuportável.

sou eu quem está doente?
ou preciso eu ser infectado?

sábado, 29 de maio de 2010

SEJAM QUE NÃO PALAVRAS

eu enganei todo mundo
penso que pessoas gostam de ser enganadas
todas confiaram em mim
gostaram das minhas cores
riram das minhas histórias
amaram os meus amores

sim, enganei a todos. sem excessão.
e amanheci confiante. em pânico, mas seguro
crendo nos minutos sem pausa ou interrupção
ontem e hoje amanheci feito pedra
alguém capaz de durar
de ser duro
de ser burro
eu enganei a todos
e do todo não consegui me ausentar

amei minhas rimas mais perniciosas
embebeci-me do veneno mais ingênuo que fiz
mordi a própria carne
queimei o próprio corpo
fingi fingir fingimentos
e agora
resto só
horrivelmente um ser em transtorno,
assim estático
fora de mim mas dentro
dentro de mim mas preso
eu persisto
na fantasia vendável
no adulto que me é recreio

eu cresci

e isso foi tão passageiro
perdeu a graça no primeiro instante
e então solidifiquei
gastei palavras sem sentido
gastei sentidos em palavras vãs

e fui fazendo tudo como mandava o figurino
mas e daí? penso agora
que gostava de andar nu
mas estou vestido
preso em sapatos
nas calças e nos bolsos
moedas e contas
chaves e celular

onde estão meus sonhos que eu não consigo mais encontrar?

certo. sem poesia. quer dizer, sem esse vício de se fazer agonia
eu sei. meus sonhos bailam à luz do dia
meus sonhos têm pernas próprias
não são vampiros
precisam sair e voltar e sair sem voltar
para quem sabe (eu não sei)

um dia virem feito gente grande
infelizes e machucados
venham um dia perdidos
e desorientados e
tomaremos um brinde d’água raz
e tocaremos os dedos em fina tinta
escreveremos sobre as paredes do quarto
não mais drummond
nem mais blanchot
não liberano nem
mais pessoa
escreveremos apenas hieroglifos
coisas dentro das quais caibam a vida
inteira
e não o seu sentido

coisas dentro das quais
caibam o tudo e o nada
coisas assim

QUE NÃO SEJAM PALAVRAS

coisas
feito não mais eu
não mais sapatos
nem mais roupas
e nem moedas
nem histórico
sequer extrato

eu me pergunto

quando virei a andar nu pela rua feito um louco?

sinto que falta pouco.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

para amanhecer ao seu lado.

eu atraso o dia para amanhecer ao seu lado.
eu invento as desculpas mais terríveis para ficar.
aqui, ante a ti, espaço cheio ante o espaço não colapsado,
eu fico
tu ficas
e juntos
restamos resistindo a um mundo que só mesmo nós dois podemos recriar.

e se eu venho querendo amenizar a curva
vem você então e me revela há corte.
e se eu tento parecer contido
você me brinca com a possibilidade do eterno
você me mostrar o errado
você me deixa ser quem eu quero.

sem condenação.

hoje eu acordei sentindo sua falta.
falta suprema. de apertar o peito.
olhei este relógio que de novo agora voltei a olhar
e ele continua a se mover, mas em suspensão

porque estando nossas mãos juntas
as minhas e as suas, enfim
nem o tempo que segue é capaz de nos distrair
pois seguimos forte
seguimos juntos

você é o meu amor possível
minha delicadeza latente
meu senso de humanidade
você é meu único vício assumido
minha única noção de verdade

por isso eu amanheço hoje mais seguro
pois junto a ti, poesia
eu não tenho medo da felicidade
nem medo do medo
nem da falsidade

junta a ti, tudo não passa de enleio
de um jogo

tudo não passa de possibilidades,
simples assim.

terça-feira, 25 de maio de 2010

indiferença

eu estava pensando
com que facilidade entramos um dentro do outro
e vasculhamos todo o íntimo
a procura de algo a nos bastar.

com que facilidade quebramos as paredes
os sonhos que quebramos as mãos em socos
redundantes sobre aquilo que nos é maior
só porque é diferente.

eu pensava
com que facilidade nos desrespeitamos
quando você entrou
e saiu
sem fazer nem ruído.

foi a dor maior de todas.

i’m so tired of being here.

Como está cansando o vagar.
Quero agora se possível
apenas
devagar.

Como está pesado o vagar.
Queria agora se pudesse
somente
desvagar
despedir-me do vácuo
e morrer soterrado
sob o furor
de qualquer acontecimento pleno
de qualquer irrupção

vulcânica
cutânea

ou mesmo uma daquelas
que ocorrem entre o calor que pode haver
entre a farinha e o fermento

enfim

domingo, 23 de maio de 2010

O bem que me afasia.

Aquela luz que antes sim me dizia
hoje não me serve mais
Reluto dentro do quarto
busco sem fim um ponto negro
um fiapo de alguma escuridão,

a clareza por sobre as formas
a dança da poeira em pleno ar
o acúmulo de folhas e livros e escolhas
hoje isso tudo começa a me cegar
e estar cego neste momento
é ter o olhar domado
para a leitura das coisas prontas
que capturam os gestos
e dizem por eles somente o mínimo
necessário,

não.

preciso de uma escuridão
e não seu peito a mim aberto
nem mesmo o cobertor concreto
hoje eu preciso encontrar um ponto
e nele me deter,

preso primeiro pela incompreensão
que é o que de mais compreensível
possa haver,

hoje.

O que antes dizia o que era
hoje diz tudo já ido.
Consome no tempo do nome
seu tremor
seu gemido
e tudo enfim vira história
enquanto eu sigo personagem de uma afasia própria
a qual antagonizo.

Escuridão, um pedaço
fibra da carne vencida
estrofe de poemas ruídos
pela persistência
pela rima inconsistente do ser
não ido
do ter
não tido
do ver
abismos.

Hoje eu nasço de novo
Com os olhos virados para dentro
de todo e qualquer buraco
como eu mesmo Hoje me sinto
muito.

______
FONTE: instabilidade perpétua, de juliano garcia pessanha

terça-feira, 18 de maio de 2010

[a] meta [está lá] fora

Você me pede assim tão cedo uma coisa bonita.

Eu olho para você me pedindo e vejo em ti a resposta para sua falta.

Você sorri. Acho que entendeu o que eu disse sem dizer.

E então me pede de novo, anda, me dá uma coisa bonita!

Eu fico quieto. Abaixo a cabeça. Não vou te olhar. Vou tentar te surpreender.

Você feito criança repete anda! Por que demora tanto?

É que as coisas bonitas não nascem prontas. Elas acontecem. Você não vê?

Você me pergunta o quê? Se eu não vejo desde já algo bonito?

Penso que falará de mim, mas não. Seria demais.

Não. Ainda não. Não, talvez não. Enfim…

Eu te olho. E com que facilidade você se torna alguém feio.

Com que facilidade o seu jogo desmancha e vira pesadelo. Você se levanta.

Eu em pé permaneço.

É a distância que nos ajuda a nos compreender. Você me diz a fala pronta.

É fala de um livro, é poesia decorada. Você achou mesmo que eu não fosse saber?

Você gosta dessa fala, não? Calo. Pela primeira vez em tanto tempo você me surpreende.

Não gosta? E intuo, é porque talvez você…

Estou indo então. Para distanciar, eu penso.

Para ver se há beleza não intencional. Para ver se eu consigo ver beleza no normal.

Você me olha. Eu te olho? Eu te olho. Acho que olho. Mas não adianta.

Estou cego.

Você parte.

Eu fico.

Por que estou dizendo isso?

Em mim, silêncio.

Ninguém me responde.

Mas eu não percebo.

Não há perguntas.

Não, não me conteste. Estivemos já completamente apaixonados.

Não faça alarde. Doa sem doer. Grite sem gritar. Ame sem morrer.

Sem matar.

Por favor, eu te peço.

Sangre corante diluído. Corte a carne do açougue. Jogue do alto do prédio sacolas plásticas.

Quebre o porquinho, mas não a si mesmo.

É que essa questão que a gente inventou – amor - foi desde sempre uma resposta.

Resposta que sempre e de novo outra vez vamos nos perceber ao perguntar.

Existe resposta àquilo que sempre se está a perguntar?

DE] t a n t o [VAGAR

basta estar vivo, sabe? para se ter motivos. e mesmo quando estes somem, você deduzirá que é hora de morrer. mas não. a vida também segue sem sentido. por exemplo, eu aqui dentro do quarto só comigo. quer falta de sentido maior que esta. onde está meu corpo que não perdido entre outras pernas? estar perdido sobre as próprias pernas é a falta suprema. é o sentido mais pungente do que é faltar sentido, lógica, compreensão. queria estar desestabilizado por seus chutes, por nossos passos tentando se conjugar. não é papo. não é poesia. apesar de eu não controlar a forma como você entende o que eu escrevo aqui. apesar de eu não controlar que você é você quando entra um você aqui. entra um você aqui? em mim? neste espaço, entra? às vezes a vida me surpreende com a rendição do mínimo. entende? a vida supera as coisas mais básicas e a gente fica assim, perdido dentro do quarto, tentando iniciar um novo dia. que agonia. que passageiro esse horror. nem sequer dura o tempo preciso para reconhecê-lo, para fazer dele dor. apesar de as mãos doerem no atritar com este teclado. apesar dos ossos estarem mais evidentes sob a pele, eu fraco, sim, eu fraco sou o que pode haver em mim de mais forte. eu me perdi da poesia. sorte dela. deve estar melhor sem mim. o que talvez não tenha percebido – ela – e talvez porque esteja assim de mim tão distante – é que eu sofro da doença do amor. vou continuar tentando, gastando, lutando contra a inevitável ida rumo a alguma coisa que ao se anunciar se finaliza. palavras, palavras, palavras. onde estão vocês que não aqui, perdidas em minha imaginação?

segunda-feira, 17 de maio de 2010

O Dócil

Supreendido,
jogado sobre a cama
sem a habitual expressão de menino.

Virara homem, assim
de súbito. Grosseiramente alguém
incapaz de sorrir frente ao impreciso.

Fitou a parede. Quis ser pedra.
Permaneceu mais uns segundos
estático, envolto inerte
numa respiração opressa.

Como pode? A quem perguntar?
Como faz? Não era de se espantar?

Isso. Isto. Ele quis dizer.
A garganta seca rangendo
a indefinição rompendo e peito
e virando gente grande.

Era isso. Fechou os olhos
para ver seu menino – ele mesmo
indo trôpego, já lá distante.

Com que força, meu deus,
com que força tornara seu amor
força destruidora
desalinho
ódio pulsante.

Naquela tarde ele descobriu o horror.

E demorou dias a se reconhecer
pois estava seu corpo
já todo tomado
pelo ódio
pelo desabor, meu deus
a tudo aquilo que antes lhe salivava inteiro

Era ódio, se dizia a si mesmo
olhando fixo a parede do quarto
Eu queria saber te amar de novo
mas o meu ódio por ti

tens me valorizado.

domingo, 16 de maio de 2010

Des_curso

Hoje eu não quero nada.
Deixo as músicas tentarem dizer
tudo o que já não importa mais
Eu cansei.

E não chove.
E nem há sol.
Pela casa a poeira se acomoda
e tudo resta assim: aos restos.

Se eu protesto? Não! Eu deixo
eu sou isso hoje sou ser perdido
ser que de tanto tentar ir
está agora assim
cansado
sentido

Eu não quero ser nada.
Hoje, ao menos,
preciso tentar vencer a tentação e nada ser.

No máximo, se quiseres
poderei ser memória
ser projeto futuro
mas nada imediato

Hoje eu sou tudo o que de mim foi ausentado
Não sou tempo possível nem quiçá espaço

Sou espectro. Ser raso.

Hoje eu sou tudo aquilo que não encontra definição num dicionário.
Hoje eu não existo.

___
FONTE: Estudos sobre análise do discurso.

sábado, 15 de maio de 2010

quero dançar,

toda vez que eu te digo
aquilo que me ajuda a disfarçar.
quero dançar,
toda vez que o barulho em mim
eu consigo esconder, amenizar.
quero dançar,
toda vez que a esquina a mim flertar
toda vez que a menina eu quiser beijar.
dançar, assim, tão simples
toda vez que dentro a respiração não ficar
toda vez que dentro a respiração não for ar.
dançar toda vez
que nosso encontro me metaforizar
que nosso encontro me for maior
e sempre mais difícil de condenar
ou porque é erro
este encontrar
ou porque é erro
desencontrar.
quero dançar toda vez que me condenar
a dar sentido a tudo aquilo
que no sentido jaz, está.
dançar até fazer sinfonia dos ossos se amando
dançar até escorrer algo de dentro para fora
até escorregar no suor e vir a cair
vir a rachar
as coisas
pelos movimentos
as palavras
vento atento
sou capaz de configurar
este baile sem fim
que se tornou o tentar
o estar
e nu
permanecer
e ruir.
S6300007
___
FONTE: philip glass einstein on the beach

poça.

eu sequei.
perdi a poesia
ou nunca a tive.

mentira. a tive sim. mas passou.

eu sequei
e não reconheço nada
além do que já não sou.

sensação de ter perdido algo no meio do caminho.
sensação de pedra de amarguidão de café ressequido
estalando na cafeteira elétrica e concreta e discretamente
eu aqui outra vez venho me resvalar.

ontem assassinei mais palavras.
tudo na tentativa de te encontrar.
que triste isso
esse amor
essa busca
esse ar

que se esvái
e volta e me deixa e te esboça
e me faz te imaginar

que lindo isso
esse buscar
esse amor

verbo incapaz de conjugar.

___
FONTE: Wade Robson-Burning Room-Ben Susak & Pam Chu

COMO ACEITAR PERDER EM 30 DIAS

Você não liga muito para tudo isso, não?

Eu te olho agora
se arrumando para partir
você vai contente
você comete o erro que é sorrir
erro porque não percebe
que você perdeu.

Não. Não quer dizer que perder
é destino terrível
não quer dizer que por perder
será preciso chorar.

Significa que você segue achando que a vida é sucessão de vitórias.
Sempre. Não se permite assumir o falhar.

E por isso perde
vendo aqui em mim mais uma das suas coisas resolvidas.

Não. Eu não vou calar.
Existe uma ignorância que eu não sei dizer
existe um não saber que em você insiste em ficar, sabe?
Você quer ser burro
ou descobriu na burrice uma forma de ser
para estar?

É para não doer, me diz?!
Ou para não chorar. Eu sei.

Seus olhos agora me contam tudo preso ai dentro.

Eles querem vazar. E o que você faz?
Você vai contra a maré
e diz que é isso
diz assim, é isso
é isso o quê?

Definitivamente você precisa se inscrever no intensivo
COMO ACEITAR PERDER EM 30 DIAS

E depois disso
nada será tão mais simples
nem toda lágrima será mesquinha
nem todo gesto denotará sua burrice

Talvez você fique mais inteligente
talvez por isso começe a sofrer

Eu acho, eu sinto, eu sei
que depois deste curso
seremos quem já somos
com o diferencial preciso
da cicatriz
colada
à pele.

____
FONTE: Rufus Wainwright - Hallelujah

quinta-feira, 13 de maio de 2010

sim, hoje amanheci com um frio de congelar a espinha.

não. não adianta procurar.
o nosso amor não está na sala
sob o tapete apenas há poeira
por sobre os móveis
apenas livros e livros e livros
ele não está mais aqui.

partiu.

acordei cedo
procurei dentro da cafeteira
revirei com luvas plásticas os pães de queijo
ainda hoje congelados
não achei-o
não está entre as louças
nem entre as sujas
nem entre os cacos.

partiu seguro.

olhei o céu
pela janela tudo é escuro
nada brilha de fora para dentro
as roupas no varal a vassoura os pregos
tudo estático nem o vento anima a possibilidade
deste encontro, porque você partiu
quer dizer, você partiu o nosso amor.

partiu com tudo.

errando em cada pedaço
sendo só você em cada duplo-espaço
você deitou sobre um ventrículo
o peito num só átrio
os pés no outro ao lado
e o ego, inflamado, sempre inflamado
aquecido no que havia restado
de espaço
quem sabe
eu não sei
mas quem sabe
no que havia restado de espaço para mim.

partido.

eu não teria me importado.
eu teria me apertado em qualquer buraco
por você, mas
no final das contas
você não foi um bom partido.
não mesmo.

resta assim
aqui dentro de casa
o sol me entrando pela janela e dizendo
vem para cá, que está frio.
vem para a sacada.

___
FONTE-ME.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

esparadrapo

quem nunca escreveu ao outro que poderia ter dado certo?

eu escrevi isso porque acredito. acreditei. que pudesse ter dado. mas você é egocêntrico. você é o narcísio em pessoa. é mesmo belo. mas eu cansei de gente maravilhosa. eu quero gente que perde. eu quero ignorância. quero humanidade. sob a sua pele a vida se esconde. a vida não te invade. ela grita dentro de ti querendo acontecer. mas você se priva o doer, você se priva ao amor. você acha que não sofrer não te fará sofrer. mas sofre. matando aos pedaços os acasos. pisoteando as flores que eu nem te dei porque você virou o rosto e só aceitou o chocolate. a sua fome é doente. a sua rima é tenaz. você só quer aquilo que quer e o que eu faço quando o que tenho aqui é um pouco mais? devo me condenar porque é menos? o que eu faço quando eu não sou o previsto? eu havia me embrulhado pra ti. eu era uma surpresa. mas você teme tudo que não pode controlar. então. hoje. eu me peço desculpas. por não ter sido forte o suficiente para te chutar. para quebrar sua linda cara e esfolar seus sonhos. são de mentira. você não quer outra coisa além do que já tem. você não tem jeito. e eu te amei. hoje não mais. eu te amei durante poucos segundos. te amei quando te olhei doente e pensei comigo: poxa, eu posso te sarar. meu amor para você seria simplesmente cortar esparadrapos. eu não sei que outro amor possa existir além desse. eu sou generoso. foi você quem disse. sim. eu não aceitei ser generoso. mas eu sou. a questão já não é essa. mas sim: o que fazer com a minha generosidade? aproveitar que eu te gostei e me empurrar para longe de ti. afastar de si próprio o embate? você acha, neste momento, que viver é fugir da vida. você está enganado. e eu espero ansioso pelo dia em que quebrarás essa sua cara. até lá, no entanto, eu sobreviverei. não estou em risco. estou vivo, compreende? puto. chateado. desconcentrado. irritado. eu cansei de tudo isso. eu gastei as minhas rimas mais lindas. eu queimei versos brancos. eu matei metáforas. por você. que tristeza. valeu tudo naquele instante. hoje passado. hoje – você – passado. e por isso mesmo, hoje eu percebo, que nem mesmo esparadrapo seu é capaz de me segurar.

não me tente. não me abraçe. não beije meu pescoço. meu corpo corre o risco de gritar e sem dúvida alguma hoje eu sou capaz de chutar. porque todo o meu rolo de esparadrapos, é já meu corpo. não se aproxime. porque eu vou te chutar.

___
FONTE: bate aqui dentro.

des-graçe-me

Se eu já fui poeta um dia?

Se eu um dia já fui escritor?

Se já fui alguém que gostava de escrever?

Se já fui cínico?

Se fui perdedor?

Se aceitei o destino
se amei a derrota
se me enforquei no cobertor?

Eu não sei.

Eu não vou me cobrar.

Não vou me empurrar contra a minha própria parede.

Nelas escrevi palavras.

Mas nada fica.

Eu não vou parar.

Só estou parado mas até para dizer isso eu preciso articular

o nome só

o verbo parar

e o estado estar.

Eu estou vivo.

Por isso não consigo andar

Por isso não consigo escrever

Minha poesia está presente no dia

não vou sofrer para aqui postá-la

 

Deixe que voe de mim
deixe que se estire ao chão da sala

eu não vou sofrer

eu vou amar esse buraco

eu vou sorrir para a desgraça

de por não estar amando

estar mudo
sem dizer
sem sentir
sem ser
nada.

Apenas esperando

a próxima e desejada desgraça.

 

Alguém me desgraçe.

 

___
FONTE: o que estou sentindo neste momento em que termino a escrita.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

FONTE: o vento neste momento.

Libertei as linhas e fui
alternando os afetos e rompendo
tombando por sobre as partes
que a mim se reverenciam.

A tarde escurece sem medo.

Engole a luz do dia mastigando o silêncio
e hoje nem os pássaros abriram o bico
porque tudo está certo
tudo confortável e certo.

Eu vou fazer o que tenho que fazer. Ou não.

Um tempo, uma crença mínima em mim
nisto aqui, talvez tarde eu não sei hoje
não importa,

Nem como eu vou me sentir amanhã
Não sei como me sentir no amanhã
Nem o que dizer
só sei ser amanhã

Eu que não estou pronto
Talvez ontem estivesse
E que sem saber inda estou
e pronto.

Isso basta para este momento.

sua dança, sua regra.

Uma mosca grande e escura
move por sobre a parede branca
as pernas, agitando ela se apruma
e vais comer sua refeição.

Eu aqui diante ao computador
movo os dedos por sobre amareladas
teclas, tentando-me sem fim
rumo à definição inexata.

Se olho seu movimento sem cessar
Brinca ela sem fim movendo as partes
e faz do próprio movimento seu jogo
sua dança, sua regra.

Eu aqui no entanto persisto
Querendo acreditar que por não-saber
já terei escolhido, antes de ser
ao destino me empacoto e vou.

Mas volto a olhar a parede lá onde se abraça ao teto
E eis que a mosca persiste por sobre inimigos que já nem ouço
nem sequer vejo o movimento

E me pergunto, daqui onde estou
Estaria a mosca tremendo só
por divertimento?

Eu me pergunto, daqui onde vou
Estaria eu mosca, faminto vagando
por sobre crua sua imagem?

Bebo o café
Depois escrevo este verso
O que pode haver entre o desejo e o beijo
Existe algo que é do entre e que é concreto?

Então fecharei a janela
E junto com a mosca dormirei,
resistente à vontade de jogar-me ao fora
e deixá-la só aqui dentro compreendida

fazendo jogo com a minha angústia
enternecida
brincando e volvendo a crise

indiscreta e diluída

na borda da caneca borrada a café
nas golas suadas de camisas mexidas
nos papéis e livros e canetas
na profusão de poeira
e na repetição assumida
desta batida dissonante que me abate oh coração

isto é sempre sobre o amor
é sempre sob o amor, não?

______
FONTE:
ASSOMBROS, de Affonso Romano de Sant’Anna.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

LÁ, NA DISTÂNCIA.

Num dia em que festejaram mais um ano dos meus anos,
Eu fui feliz e ninguém caiu morto,
exceto a vó bicentenária.

Na casa antiga e hoje alugada,
a alegria de todos, tentando incluir a minha, era correta
todos tinham uma religião qualquer para amenizar suas falhas.

Naquele tempo eu tinha a virtude de não descrever coisa alguma,
Virtude de ficar só e de não fazer pouco caso do silêncio da poeira
dos livros presos em prateleiras,
Eu brincava de ser as esperanças que todos tinham por mim.
Foi quando vim a ter esperanças – hoje – que as perdi,
Quando vim a olhar para a vida – ontem e hoje – tudo já perdera o sentido.

Sim, o que sou foi proposto por mim-mesmo,
Mas fui o tempo todo sendo coração e parentesco
Fui das missas sem sentido da catequese dos batismos
Fui por acharem graça de todo e qualquer gemido meu
O que fui – sem Deus! – o que hoje só eu sei que foi…
Está lá, na distância!…

(Escrevo…)

Sobre o tempo em que festejavam mais dias e mais anos
Sobre o madeira escorregadia da escada
Sobre os silêncios gritados da casa,
O que hoje eu sou (e sou hoje já sem nada disso,
que pena),
O que eu sou hoje é terem alugado a casa,
vendido a fazenda,
enterrado os familiares
sem restar quadro
sem restar foto
sem nada restar

Por estarem morrendo todos, aos poucos
Mas estar eu sobrevivente a mim-mesmo com um fósforo esguio
Esperando o tempo de comemorar o último dia de meus anos…

Que hoje só sei amar porque faz falta!
Desejo tátil de tocar pela força a alma e se encontrar ali de novo outra vez,
(faz tanto tempo)
Pisar na terra sob a qual pelos jogos enterrei tanto inseto
Por uma viagem que não compreendo
poder voltar com fome insaciável
gosto de arroz e feijão que se come apenas em casa.

Hoje tudo com nitidez de mim se extravaza
E vejo este presente tão propositado no qual tudo se traduz em verbo falta…
A mesa posta para os amigos, que hoje não vieram
Os jogos espalhados pela casa, hoje todos sem carta peão e dados
Os copos, mesas, cadeiras
todos hoje já vendidos ou quebrados
As tias que já não vejo, os primos que já morreram,
meu deus,

terá sido tudo isso esboço para me dar uma vaga noção de existência?

Naquele tempo…
Faz bem não pensar tanto.
Começo a clamar a Deus, a deus, adeus
porque hoje já não faço anos
apenas duro,
conservo.

E nisso sobre mim há mais dias
E nisso deita em mim minha pele
E o tempo nos acaricia.

Raiva às vezes de ter compreendido certas coisas de lá para cá…
Queria ter sido burro. Para ver hoje este silêncio
e nele não conseguir ler falta…

Ter sido burro para ver o silêncio e nele ficar duro
como quem não sabe nada. Mesmo. Até a morte.

______
FONTE:
ANIVERSÁRIO, de Fernando Pessoa.

domingo, 2 de maio de 2010

O PARTIDO DE UM ARTISTA

Arte inata! E no entanto, o desalento,
Em ter que ver-te ao mundo ser jogada
sem chance de crescer pequena protegida
dentro de sua cova-originária.

Inata querendo voar, afeto incontido
jorrando desespero no flerte, desvelando
- novagar - oprimidos esquinas e doentes
outras línguas as quais não sei sugar.

Pois que se vá, levando daqui você partida
deixando comigo ruína alguma
sua rima, só sua
sem nada frisar.

Que eu me guio pela sua falta.

Guio-me na tentativa pela pólvora confundida
em estrada, revivida na pele olhos nus sabor
atiro o próprio corpo à definição – tardia -
do que possa ser este câncer
do que poderia ter sido este

que não foi.

______
FONTE: O MARTÍRIO DO ARTISTA, de Augusto dos Anjos.

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