Uma mosca grande e escura
move por sobre a parede branca
as pernas, agitando ela se apruma
e vais comer sua refeição.
Eu aqui diante ao computador
movo os dedos por sobre amareladas
teclas, tentando-me sem fim
rumo à definição inexata.
Se olho seu movimento sem cessar
Brinca ela sem fim movendo as partes
e faz do próprio movimento seu jogo
sua dança, sua regra.
Eu aqui no entanto persisto
Querendo acreditar que por não-saber
já terei escolhido, antes de ser
ao destino me empacoto e vou.
Mas volto a olhar a parede lá onde se abraça ao teto
E eis que a mosca persiste por sobre inimigos que já nem ouço
nem sequer vejo o movimento
E me pergunto, daqui onde estou
Estaria a mosca tremendo só
por divertimento?
Eu me pergunto, daqui onde vou
Estaria eu mosca, faminto vagando
por sobre crua sua imagem?
Bebo o café
Depois escrevo este verso
O que pode haver entre o desejo e o beijo
Existe algo que é do entre e que é concreto?
Então fecharei a janela
E junto com a mosca dormirei,
resistente à vontade de jogar-me ao fora
e deixá-la só aqui dentro compreendida
fazendo jogo com a minha angústia
enternecida
brincando e volvendo a crise
indiscreta e diluída
na borda da caneca borrada a café
nas golas suadas de camisas mexidas
nos papéis e livros e canetas
na profusão de poeira
e na repetição assumida
desta batida dissonante que me abate oh coração
isto é sempre sobre o amor
é sempre sob o amor, não?
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FONTE: ASSOMBROS, de Affonso Romano de Sant’Anna.
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