eu enganei todo mundo
penso que pessoas gostam de ser enganadas
todas confiaram em mim
gostaram das minhas cores
riram das minhas histórias
amaram os meus amores
sim, enganei a todos. sem excessão.
e amanheci confiante. em pânico, mas seguro
crendo nos minutos sem pausa ou interrupção
ontem e hoje amanheci feito pedra
alguém capaz de durar
de ser duro
de ser burro
eu enganei a todos
e do todo não consegui me ausentar
amei minhas rimas mais perniciosas
embebeci-me do veneno mais ingênuo que fiz
mordi a própria carne
queimei o próprio corpo
fingi fingir fingimentos
e agora
resto só
horrivelmente um ser em transtorno,
assim estático
fora de mim mas dentro
dentro de mim mas preso
eu persisto
na fantasia vendável
no adulto que me é recreio
eu cresci
e isso foi tão passageiro
perdeu a graça no primeiro instante
e então solidifiquei
gastei palavras sem sentido
gastei sentidos em palavras vãs
e fui fazendo tudo como mandava o figurino
mas e daí? penso agora
que gostava de andar nu
mas estou vestido
preso em sapatos
nas calças e nos bolsos
moedas e contas
chaves e celular
onde estão meus sonhos que eu não consigo mais encontrar?
certo. sem poesia. quer dizer, sem esse vício de se fazer agonia
eu sei. meus sonhos bailam à luz do dia
meus sonhos têm pernas próprias
não são vampiros
precisam sair e voltar e sair sem voltar
para quem sabe (eu não sei)
um dia virem feito gente grande
infelizes e machucados
venham um dia perdidos
e desorientados e
tomaremos um brinde d’água raz
e tocaremos os dedos em fina tinta
escreveremos sobre as paredes do quarto
não mais drummond
nem mais blanchot
não liberano nem
mais pessoa
escreveremos apenas hieroglifos
coisas dentro das quais caibam a vida
inteira
e não o seu sentido
coisas dentro das quais
caibam o tudo e o nada
coisas assim
QUE NÃO SEJAM PALAVRAS
coisas
feito não mais eu
não mais sapatos
nem mais roupas
e nem moedas
nem histórico
sequer extrato
eu me pergunto
quando virei a andar nu pela rua feito um louco?
sinto que falta pouco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário