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sábado, 30 de agosto de 2008

Sumo


Estava em dúvida
Como não saber
Se doce ou ácido
Se mais vazio
Ou menos cheio
Se pego pela perna
Ou se rumo
Rumo ao meio.

Inquieto por não conter
Os dedos calmos
Nem o resto intacto
Mas tudo assim remexido
Feito rastro melado
Do bicho lagarto
Sobre o caule
Indefectivelmente áspero.

Assim pois, aceitei a chuva
E lavei nela primeiro
O dorso
Como se regado primeiro pelas costas
Visse primeiro o mundo
E depois meu sumo
Taciturno suco
Do não se conter.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Por que eu me morreria se você fosse?

Eu preciso ter a sua atenção, preciso saber que você sabe de mim, que eu existo. Preciso, mesmo sem saber, sentir que você está pensando em mim. Pensar que apesar de eu não estar com você – existe um pensar mútuo que me conecta a você. E mesmo que você não pense em mim, eu não vou saber, por isso sempre acho que estás a pensar em mim. Eu quero te impressionar, quero que você me deseje e me ache alguém interessante. Não quero ser lido já no primeiro instante. Não quero não ter mistérios. Quero ser feito rosa e nascer para você todo embrulhado. Quero ter que ser descoberto, desvelado, mas isso tudo é com cuidado. Ainda há os espinhos pelo meu corpo, eu devo dizer. Por isso me toque com cuidado, com cuidado, mas não deixe chegar o amanhecer. Pois eu morro pelo tempo e se você muito demorar, talvez, somente sobre os espinhos poderá se deitar. Será pelos espinhos sangrando tuas mãos que escreveremos juntos a nossa primeira canção de amor. Por isso eu me morreria, caso você fosse embora e só deixasse para trás – além de mim – a certeza de que eu não existo para você.

Eu me morreria caso ficasse sozinho e só tivesse o vazio para amar. Me morreria se vagasse perdido sem poder te encontrar. E já não há porta, nem parede que baste a mim. Não importa o copo nem o prato. O vazio vaza pelo meu peito e consome o ar ao meu redor. E para chegar até você eu preciso guardar esconder consumir e afastar esse vazio. Mas se eu o empurro para longe percebo que você assim tão mais distante também se vai. E o caminho entre nós é sempre mais longo, sempre é maior do que gostaríamos que fosse. Nunca estaremos nós na mesma estrada?

Desaprendemos uma forma de amar, desaprendemos ou não tivemos os modos do se relacionar. E se isso já nasceu morto, como posso então eu chegar à você? Como pode você se aproximar de mim, se não entende como se pisa no chão desse mundo em movimento? Acho que somente encontraremos um ao outro se nos permitirmos o contato pelo toque, pelo choque, pelo atrito soco e corte. O nosso amor será todo feito na morte. Por não sabermos amar, faremos no próprio corpo a lapidação do nosso amor inventado.

[trecho de “ao vento”, de minha autoria. cena “nicest thing”, a partir da música homônima de kate nash]

E aproxima-se destemida, enquanto ele nos olhos preenche-se de agonia. Essa agonia do primeiro encontro, quando quebramos todos os muros e voamos juntos por um longe e breve segundo, ele tenta dizer,

TUDO O QUE EU SEI É QUE VOCÊ É A COISA MAIS LEGAL DE SE VER. EU GOSTARIA QUE A GENTE PUDESSE SE DAR UMA CHANCE. PARA VER SE A GENTE PODE DAR EM ALGUMA COISA... EU GOSTARIA DE SER O SEU CARA FAVORITO. GOSTARIA QUE VOCÊ PENSASSE QUE EU SOU A RAZÃO DE VOCÊ ESTAR NO MUNDO. EU GOSTARIA QUE MEU SORRISO FOSSE O SEU PREDILETO E QUE MEU JEITO DE SE VESTIR FOSSE O SEU ESTILO FAVORITO. QUE VOCÊ NÃO SE ESQUECESSE DE MIM E QUE SEMPRE QUISESSE SABER ONDE EU ESTOU E O QUE ANDO A FAZER. GOSTARIA QUE VOCÊ SEGURASSE A MINHA MÃO QUANDO EU ESTIVESSE TRISTE. E, PRINCIPALMENTE, QUE NUNCA SE ESQUECESSE DE COMO EU ESTOU AGORA, QUANDO NOS CONHECEMOS DE VERDADE. GOSTARIA QUE VOCÊ ME AMASSE SIMPLESMENTE, SEM SE IMPORTAR SE TEM ALGUÉM A NOS OLHAR. BASICAMENTE, EU GOSTARIA QUE VOCÊ ME AMASSE. É ISSO! E QUE TAMBÉM PRECISASSE DE MIM. QUE SOUBESSE QUE QUANDO EU PEÇO DUAS COLHERES DE AÇÚCAR, NA VERDADE EU QUERO DIZER TRÊS.

Ele então silencia sem ar. Naturalmente, ela ergue uma mão e fecha os olhos do jovem amante. Aproxima seu rosto ao dele, mas num segundo se detém, pois ele irrompe a se dizer no eternamente,

EU GOSTARIA QUE SEM MIM O SEU CORAÇÃO QUEBRASSE. E QUE SEM MIM, VOCÊ PASSASSE O RESTO DAS SUAS NOITES ACORDADA. EU GOSTARIA QUE SEM MIM, VOCÊ NÃO CONSEGUISSE COMER...

E assustando-se com todo esse amar, ela ruma ao chão e por sobre o vaso entre os dois deposita a flor de seus cabelos. Nisso, ele esperando o amor nela fazer brotar, derrama por sobre ela todo o seu declamar,

EU GOSTARIA QUE A ÚLTIMA COISA QUE VOCÊ PENSASSE ANTES DE DORMIR FOSSE EM MIM. VOCÊ ENTENDE QUE É A COISA MAIS IMPORTANTE? E EU REALMENTE GOSTARIA QUE A GENTE SE DESSE UMA CHANCE PARA SEGUIR. PARA VER SE A GENTE PODE DAR EM ALGUMA COISA...

domingo, 24 de agosto de 2008

A Poética do (meu) Espaço

1. Janela
Sempre dentro de uma há outra nela. Janelas são portas do acaso, portas do quarto no qual me tranco dentro e faço o mundo acontecer. Mas não falo de portas, e sim de janelas, do que há implícito nelas. E se por acaso, pela janela, decido o mundo conhecer, é ela que me dará a altura inversa e necessária ao meu medo. Não pularia esta etapa. Ainda moro no terceiro andar e nem todas as casas têm sacadas. Nem todas as janelas são feitas para atravessar.

2. Fechadura
Eu a troquei outro dia. A da porta de entrada não é a mesma da da cozinha. Da dadaísta. A fechadura da cozinha não fecha nada, a porta fechada resiste ao vento e ao tempo. Camadas de tinta sobrepostas acumulam o tormento de ter que trancar o vento para que ele não apague o fogo do fogão, para que não corra poeira sobre o macarrão. Mas das fechaduras, eu devo dizer, não duram tanto assim. Quase sempre as chaves as estupram e não sobra nada exceto o fim, o rouco ranger dos dentes da chave indo o mundo de um bolso conhecer.

3. Chão
Cada um no seu chão chato. Em cada chão um pé. De fato, cada território da casa tem um chão diferente. Cada chão tem um presente ausente passado a cada passo que eu piso. Eu me embaralho. Eu fico confuso ao sair do banheiro e pisar o quarto, apesar de saber que entre os dois chãos há o da sala, empoeirado. O chão de uma casa revela o seu impacto, na vida do morador. O chão mais sujo, sobretudo, é o sob a mesa do computador. O chão mais limpo, talvez, seja o da cama. Que é sujo, de antemão, mas santo, numa segunda opção. As coisas confudem-se, ou seriam, as coisas se confudem. Os chãos se misturam e quase sempre uma fria pedra de mármore é o que separa você da sala de estar.

4. Geladeira
Conservação. Ali eu guardo o que se ficar exposto pode denunciar-me a podridão. Ali guardo amores não todo amadurecidos, ali congelo rancores que se jogados ao mundo não se dissipariam. Eu controlo a intensidade. Exceto o prazer no abrir e fechar que quase sempre perde-se em volteios sobre o que não saber sobre o se alimentar. No abrir e no fechar a porta evoca outro ventar e tudo vira ar frio que no segundo partido se esquentará. No abrir e no fechar uma água gelada pode acalmar, uma ferida que pede o gelo pode saturar. Ou pelo menos não poderia segurar? Esperar pelo momento do se converter em choro ou rio ou vinho tinto e seco?

5. Chuveiro
Espaço da descontrução. Nele me deito e deixo correr junto com o rio a minha indecisão. Meus sonhos liquefeitos escorrem-me pelo peito e se agarram aos pêlos pedindo Não nos deixe partir. Eu que nem sempre os vejo envolvo-os em submissão ao deitar-lhes o sabão e a mão e fazer na espuma nova configuração; viram sonhos as utopias. Viram bolhas de respingos de água morna e monotonia. A vida se refaz num banho que precisa correr, posto o chuveiro quase se queima quando eu abuso do seu ceder. A cortina branca acentua a sujeira do corpo. O shampoo escuro esquenta os cabelos pretos e tudo pesa o pensamento. Das pessoas que por ali cruzaram. Dos corpos que sob o mesmo chuveiro de mim se aproveitaram. Os corpos sob o chuveiro não se aproveitam, mas duelam rumo a ser a única matéria a ocupar o espaço das gotas no despencar.
.

sábado, 23 de agosto de 2008

Museu de mim

Não é nenhuma exposição.
Este museu que estou construindo
é antes de tudo a minha prisão.

O meu pedido para mim mesmo
de afastamento do mundo
de exclusão do convívio
porque é isso que preciso
caso contrário
perderei mais amigos
matarei todos antigos
e depois
mesmo sincero
me assustarei
por não ter percebido o que minhas mãos sempre fazem.

Esse museu que estou construindo
É para que saiba eu ouvir o silêncio
É para que não tenha corpo outro
(afora o meu)
no qual faça a pele magoar.

Não quero não estar com você
com vocês
mas sendo sempre ferindo-os
eu não posso aceitar.



Preciso crescer
embrutecer
perder essa inocência que me deixa besta
mas, eu sei
jamais talvez
deixarei de ser assim
como sou
quando puder olhar nos seus vários olhos
e dizer
O importante para mim é poder estar aqui diante de você, olhando nos seus olhos, e dizer...

Pois é, amigos
Estou entrando nessa por vocês
Mas por mim também.

Estou saindo quieto para longe do convívio que tantos insistiram em me chamar
e que depois de tanto recusar
e ir
agora foi preciso retroceder
porque foi nesse convívio impreciso
que fiz na minha vida o seu respeito ir se perder.

E tudo isso sobre vocês
e tudo isso refletido em mágoas
em mal entendidos
em falta de clareza tão conforme é noite
e grito.

Não soube esclarecer
E tudo parece essa mentira

Tudo parece mesmo isso que todos querem ver.

Porque há alguns que só querem mesmo ver o circo pegar fogo.



Mas não sou palhaço.
Sei rir de mim mesmo,
mas não me peçam para rir das minhas dores ao mundo inteiro
Não me peçam para pintar novo coração com o meu sangue não coagulado

Eu estou tendo de volta
tudo aquilo que pareceu normal
mas fora arbitrário

Não quero mais ter motivos para atravessar a rua e ter que atravessar
para ter que poupar o desprazer que é fazer você me ver.

Desculpem, mas preciso me ausentar.
Não todo completamente
Mas buscando o silêncio
a cada instante perto de vocês
buscando a observação
que me fará compreender
e nisso fazer-me claro
tal quando breve será dia
novamente.

E depois noite
E depois, quem sabe depois,
em 2009
em 2010
será neve.

Quando vou morrer?



Eu nunca deixo de me dizer
Esperando, talvez, na morte
Ter a chance de salvar
o que hoje
eu acabo por perder.
.

Crise

Should I stay or should I go?

No.

I really don't think so.
'Cause if I stay
I think I'll go.

No.

It's really dificult to know
'cause all my life is lie for you
and all my pain isn't good
enough.

What am I saying?
All the rocks on my way.

Do I have to do what you told me I shouldn't?

As you see,
my english is so hard to understand
it's like me trying to be another one
when
in fact
i'm still that mess.

What is mess?
Forget.
.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Je suis

Impressões desse dia que foi-se distante

Estava no ônibus, pensando e dançante
Vira para lá vira para cá
pensei como esse momento é brilhante
como a minha vida é transbordante
todas as coisas e projetos e pessoas e protestos
comberam num segundo

para depois esvaziar
e eu perceber que estava faminto
e que tinha muito o que fazer

mas não menos feliz
por ter trabalhado hoje o que deseja em mim se ser

ah, são coisas tão soltas
como a professora de comunicação abrindo a porta do meu ensaio
para dizer, num tom desolado, que não tinha sala de aula para dar aula
visto que a sua
- eu confisquei -
era agora de ensaio

paciência
já fiz teatro na rua
porque ela não pode fazer no corredor
falta pensar conceitualmente a própria aula
o que é o corredor se não o lugar que dá passagem
espaço passageiro propício para o diálogo acadêmico

e olha que as carteiras estavam no corredor
estranho, as cadeiras saem da sala de aula
e querem refrigerar-se no corredor


depois eu ator atriz e cenógrafa
colocamos as cadeiras para dentro

e a sala dormiu morta fria
e sem vida
sem graça
sem teatro.



je suis acteur et étudiant de misè-en-scene teatràle.

acho que é assim. oui.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

O Desespero do Jovem Desesperado

Deixa que eu falo. Não precisa dizer. Tudo em você está claro, as coisas em mim é que precisam aparecer. Então deixa eu dizer, deixa EU entornar com palavras isso que em mim é difícil compreender. É difícil porque ao mesmo tempo são várias coisas. Não quer dizer ser belo, nem alegre nem feliz. Quer dizer que é belo é transtorno é bom e ruim. Entende? Não são as mesmas coisas, não são sinônimos. Você é para mim o transtorno, o abandono! Sem você eu adoeço, sem você tudo é começo e nunca continuação. (Se não estiver dando para entender, acene a mão). Eu faço outro esforço, eu me reviro e tento de novo. Mas deixe-me tentar explicar, pelo tempo que for nessa vida, me deixe te fazer entender porque também chamam amor de agonia. Tá tudo confuso! Você não me nota. E quando me olha, o faz como agora. Agora sim. Olhando para mim, como se duvidasse que eu tenho algo a dizer. Mas é você quem eu digo. A todo o instante é você quem eu sofro quem eu espremo e descrevo. Esse calor, esse suor esses cabelos que caíram, todos carregam seu aval. E quando você deixa transpirar que nada que eu disser possa valer, saiba antes, que esse algo é você, que na vida vai comigo, afora ou não, já não importa. Importa que você vai, por bem ou por mal, você vai. De mãos dadas ou pelos cabelos. Com você tudo sempre é começo e eu nunca vou deixar de ser criança. Por você, eu nunca vou amadurecer a ponto de ser comido. A ponto de ser comida.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

A Confissão da Moça da Flanela Amarela

QUE COISA ESQUISITA! A VIDA ACONTECENDO LÁ FORA E EU PRESA AQUI DENTRO. OS PASSARINHOS VOANDO, MAS AQUI TUDO EM SILÊNCIO. EU NÃO ESCUTO NEM AQUELE BARULINHO ESQUISITO QUE OS POMBOS FAZEM. DAQUI DE DENTRO EU SÓ ESCUTO ESSE RELÓGIO DIZENDO, VELHA, MAIS VELHA, DUAS VEZES MAIS VELHA, TRÊS, QUATRO, CINCO DIAS, SEIS MESES... AS HORAS EXISTEM INDEPENDENTE DA MINHA FELICIDADE. EU AQUI PARADA, PARECENDO UMA DOENTE QUE É MEDICADA E OBRIGADA A VIVER CADA DIA COMO SE ELE AINDA NÃO FOSSE O ÚLTIMO. QUE VIDA! TER QUE FICAR SORRINDO, OLHANDO PARA QUEM QUER QUE SEJA. EU TENHO QUE BATER A FICHA E QUANDO JÁ NÃO É NECESSÁRIO, RESOLVEM ME TROCAR DE MESA, ME JOGAM NUM CANTO ESCURO QUALQUER E AINDA COLOCAM ALGUÉM QUE FUMA PARA EU SERVIR. OLHA, TÁ TUDO ERRADO, VIU? O QUE ME FAZ SEGUIR É ESPERAR PELO DIA EM QUE EU SEREI ROUBADA, SEQÜESTRADA. ESPERAR POR ALGUÉM OUSADO QUE VAI ME ESPREMER E ME LEVAR EMBORA DAQUI. NEM QUE SEJA PRA DEPOIS ME LARGAR LÁ FORA, NO CHÃO DA RUA, NO MEIO DO CANTEIRO DA ESQUINA. NÃO IMPORTA! IMPORTA EU SAIR DAQUI! EU PRECISO RESPIRAR! EU CANSEI DE FICAR DE MOLHO, DE VER OS PÁSSAROS PASSANDO DO OUTRO LADO DA VITRINA SEM CANTAR PARA MIM, SEM NEM MESMO CAGAR EM MIM... OLHA QUE AÍ VEM UM RAPAZ!
.

domingo, 17 de agosto de 2008

O Pedido da Enfermeira

Um galo sozinho não tece uma manhã. Ele sempre precisará de outros... Então como posso imaginar que é possível eu amar sem ter em quem depositar tudo isso que despenca do meu peito? Sou vaso vazio de tão cheio! Sou rio raso de tão profundo e riso tão frouxo, pois inseguro. Essa é minha condição. Por favor, aceitem o real que é essa confusão. Para mim um só não basta e eu não sei onde desaguar, vendo assim tantos amores morrendo e o meu aqui dentro, esperando à hora de acontecer ou de abortar. Eu já não agüento mais agüentar! Posso então chegar mais perto? Eu posso? Sentir sem medo, pisar no acelerador e não mais no freio? Posso me abrir sem temer o cortar? Posso me despir sem me envergonhar? Eu posso brincar disso que se chama amar?
.

Jogo de Cintura

Encontram-se na lavanderia.

PERDÃO, PODE IR PRIMEIRO. Não, tudo bem, não tenho pressa. NEM EU. MAS VOCÊ TÁ COM MAIS PESO. Imagina, hoje eu não trouxe o cobertor. É. COM O COBERTOR FICA MAIS PESADO. Só trouxe o de sempre. O DE SEMPRE. Desculpa perguntar, mas você mora ali em frente... ISSO. SOU SEU VIZINHO DA FRENTE. Ah, percebi. Você tem um rosto conhecido. ME MUDEI FAZ QUASE UM MÊS. E a minha máquina quebrou deve fazer um mês também. EU MORO SOZINHO. NÃO SEI NEM COZINHAR, IMAGINA LAVAR ROUPA. Também é mais prático. DO QUE COZINHAR? Do que ter que lavar. A LOUÇA? Não. A roupa. AH, SIM. É, É MAIS FÁCIL PAGAR QUE ELES LAVAM PRA VOCÊ. Eles quem? OS DONOS DO ESTABELECIMENTO. Ah, não. São elas que lavam. AS MULHERES? As máquinas, eu quis dizer. EU ACHO INTELIGENTE ESSA COISA DE PAGAR PELO CESTO. É prático. SE TIVESSE QUE SER POR ROUPA, IA VARIAR O PREÇO DE ACORDO COM O TAMANHO DE CADA UM. Era só o que faltava. OS GORDINHOS SEMPRE TERIAM QUE PAGAR MAIS CARO. Isso não é justo. MAS ATÉ QUE SERIA INTERESSANTE. OS GORDOS PAGARIAM MAIS PARA TER SUAS ROUPAS LIMPAS. E NÃO SOBRARIA TANTO DINHEIRO ASSIM PARA COMER. Que absurdo! Isso quer dizer que o dinheiro que sobra aos magros deve ser gasto em comida? NA VERDADE OS MAGROS TÊM MAIS FLEXIBILIDADE PARA GASTAR DE OUTRAS MANEIRAS. Sabe qual é o nome disso? JOGO DE CINTURA? Não. Isso que você está dizendo é um preconceito. AH, NÃO SE IRRITE, SENHORA. VOCÊ É MAGRA. Eu sou o quê? MAGRA. E, LOGO, MAIS RICA. E o senhor é um sem educação que deveria usar o dinheiro proveniente de sua magreza para aprender a ter modos. NÃO SENHORA. Para de me chamar de senhora. EU NÃO QUIS OFENDÊ-LA. PENSEI QUE ESTÁVAMOS CONVERSANDO APENAS. Eu estava conversando, até você começar com esse papo de gordo e magro. NA VERDADE, TUDO COMEÇOU PORQUE A GENTE RESOLVEU TRAZER AS ROUPAS PARA LAVAR AO MESMO TEMPO. E onde estão os reponsáveis por esse estabelecimento? DEVEM ESTAR EM CASA. COMENDO. Não seja idiota, tem que existir alguém por aqui! OPA LÁ, SENHORA. Senhora não! OPA LÁ, LÊLÊ. Alguém por aqui? É VOCÊ MESMA QUEM TEM QUE LAVAR. Eu? Eu pago para lavarem para mim, eu pago, está ouvindo? ESTOU. MAS TENTE FALAR ISSO PARA ESSA MÁQUINA AÍ NA SUA FRENTE. Eu pago, está ouvindo, máquina. PARECE QUE ELA NÃO SE IMPORTOU MUITO COM O SEU DINHEIRO. No mínimo é porque é uma encolhedora de roupas. Eu sei bem quem vocês são, suas máquinas do demônio. Estão todas ansiosas para encolher meu vestido, minha calça e minhas calcinhas. VOCÊ TROUXE CALCINHAS? Trouxe. O senhor trouxe cuecas? NATURALMENTE. Então está tudo certo. CADA UM NA SUA MÁQUINA. Como faz? É só apertar? EU NÃO SEI. ME MUDEI FAZ POUCO TEMPO. O que tem uma coisa a ver com a outra? NO PRESÍDIO EM QUE PASSEI BOA PARTE DA MINHA VIDA NÃO TINHA MÁQUINAS DE LAVAR. Pois não, senhor? ENTÃO EU LAVAVA TUDO NA MÃO. ERA POUCA ROUPA TAMBÉM. Naturalmente. Devo me retirar. O QUE FOI? Eu lembrei que tenho dentista. MAS HOJE É SÁBADO. O meu é particular. Eu pago, está ouvindo? PERFEITAMENTE, SENHORA. A senhora... O senhor, faz favor, se puder, deixa as minhas roupas na porta de minha casa, está certo? TUDO BEM. Tudo bem? COMIGO SIM. MAS O QUE A SENHORA TEM? Eu tenho dentista. HAJA JOGO DE CINTURA. Por que você disse uma coisa dessas? PARA VIVER COM TANTOS COMPROMISSOS. Ah, sim... A VIDA NA CADEIA ERA MAIS SIMPLES. Naturalmente... LÁ NÃO TINHA MÁQUINA, MAS TINHA A HORA DO FUTEBOL. E o que você trouxe para lavar? AH, BOBAGEM. UM LENÇOL SUJO E UMAS ROUPAS MANCHADAS. Manchadas de quê? ESPERO QUE DEPOIS DA LAVAGEM EU NÃO POSSA SABER. Essas máquinas tiram mancha? DIZEM QUE TIRAM TUDO. SANGUE, GOZO E ATÉ PRECONCEITO. Preconceito? Ui... Deve ser o dentista ligando, eu tenho que sair. Obrigada. E boa sorte. E é isso. Eu já vou. Tira sangue. Eu sei. E gozo! Tira preconceito. Bom saber, se um dia precisar. Eu vou. Tô indo. É meu dentista que ligou. Ou mandou mensagem. Sem problemas. Eu vou.

sábado, 16 de agosto de 2008

Solidão

É neste momento
estar no quarto
a geladeira vazia
o peito cansado
e a televisão
na sala
falando para o colchão
e a roupa de cama
vertidos
para todos os lados
sem rumo
feito dia mal começado
mas que é dia
mal terminado.

...

Solidão
é esforço para se querer bem
mas esforço que não muito convém
porque é realmente duro
e difícil
fazer a vida se acertar.

...

Solidão é espera.
E eu odeio esperar
mas adoro estar só
Como posso então me ajustar?

...

Adoro esse silêncio
esse momento
esse memento
adoro porém passa rápido
porque amanhã terei reunião
e domingo trabalho
e segunda ensaio
e terça eu não serei nada
porque talvez escolha querer
ser
nada.

...

Tá vazio.
Você que entra aqui e vê
e lê
e ri
e não sabe porquê
eu também não sei
sou também como você
cheio de vazio
de meio termo
de copos cheios
e de rimas fáceis
calafrios
eu furo o dedo
e a glicemia é alta
alta
317
361
487
vou morrer
vou morrer
aos poucos
fique tranquilo
primeiro cego de um olho
depois perco uma perna
depois corto um braço
e depois
- antes me jogo num abismo qualquer -
perdão
odeio esperar
mesmo que seja a morte chegar

...

Prefiro quase sempre antecipar
Por isso, desculpa se fui legal
quando na verdade deveria te dizer
Não! Não fale comigo!
Não! Eu sequer de você mais preciso!
Acostumei, que pena, a não mais te ter!
Acostumei, que pena, não?!, a não mais me ter com você
nem me dizer
nem me dividir
nem conversar
nem um só ser

...

Como estou agora?
Sujo
com as unhas escoriadas
As calças abaixadas
vou dormir todo nu
pelado
jogado na sala

É dessa solidão boa que falo
do se deitar nu somente
e somente nu ser o resultado

Sem cobrança
sem cobaia ao meu lado
eu me testo a todo o instante
e tenho me divertido ao ver que resultados
nunca são resultados
e sim
novos testes
a cada tentativa
ou ato
eu falho.

...

On s'est connu
en bas des marches
du palais...

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

A precisão de um sonho

Antes de acordar, porém
Eu me levanto devagar
e abro a janela

Não há nada de novo lá fora
Nada que me faça querer ir
ao seu encontro

Por isso eu vago perdido
e se é isso que neste momento eu sinto
eu então vago nisso contido
nessa perdição que não é do ser
mas que ele faz viver
e persistir

Meus gestos estão mais lentos
meus sonos menos tensos
não há nada fora do lugar
exceto o peito
que parece desabrigado
que parece volúvel
e mal adaptado

Mas a que?
E a quem?

Meu peito bate sozinho.
E o mundo, não lhe imprime outra harmonia?
Não lhe preenche de melancolia?

Talvez,
eu não saiba
nem consiga
delimitar
as forças que estão
neste momento
agindo aqui

Mas é certo, porém
que antes de acordar
eu sou apenas eu
Vestido de nudez
íntegro como alguém me fez

Eu antes de acordar
dou bom-dia a cada pequena coisa desta casa que me abriga
para então
Vestido de nova nudez polida
abrir a porta
e partir,

como dizem,

Para ganhar a vida.

...

Chego em casa mais tarde
e vejo, sem muito alarde, devo dizer
que a vida que fui buscar
ficou deitada


No chão da sala
sobre o sujo colchão
a vida ficou esperando

por uma nova estação?!

Eu perguntei
Ela nada respondeu
apenas indicou
com seus silêncios e modos e meios
que eu me sentasse
e percebesse
pela prática da dor do dia
o que meus olhos fechando-se
gostariam de dizer.

...

Dormi.
Sonhei.
E nisso, pude ter você outra vez

Com a precisão de um sonho
que fez a manhã chegar
com o gosto seu
com a certeza na boca
e a saudade amenizada

Ela já não é tão louca
pois pode sonhar com você
toda vez que o corpo
em silêncio
disser para si mesmo
quero você que não posso ter
porque você partiu
e eu fiquei
porque você morreu
e eu ainda não.
.

Imprecisão

Sem palavras para dizer o que sinto.

Quando assim é difícil se dizer,
deixo para quem por mim passar esse tal compreender.

Está tudo aqui, desde o princípio

Nos olhos o cansaço acumulado
Nas pernas os calos e veias machucados
Na boca o gosto impreciso de um máu-hábito
E nas mãos,

nas mãos

o vento deita e dorme
acorda e revolve
me deixa e promove
o passar dos dias
sobre a pele,

apenas isso
o passar dos dias
sobre o corpo
inteiro
nu
e passageiro
.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Perspectiva da Personagem

É o gráfico, o percurso pelo qual a tal personagem passa. Caminho pela qual se joga. Entre linhas mais finas e outras mais grossas, a perspectiva é o que dá o doce ou o salgado ou o amargo ou o meio ácido dessa equação.

Analisemos, pois, um exemplo:

. A personagem passa uma madrugada inteira sem dormir. No decorrer da noite que vira dia, bebe café, come macarrão e ri em demasia;

. Amanheceu sem dormir, foi à padaria e comeu uma pizza e bebeu uma coca-zero. Já assim de manhã pode parecer que nem tudo está certo. Então pegou o ônibus e dentro dele tomou um iogurte, para fingir saúde e prosperidade;

. Chegou em casa e oscilou. Ficou entre dormir e sagrar os estudos. Esteve confuso. Não fez um nem outro e apenas resvalou, perdido entre o vendaval de coisas que precisam ser ditas e resolvidas e combatidas;

. Tomou seu banho, sob o medo profundo de o chuveiro queimar. Não sabia se temia o morrer pela energia ou o morrer pelo frio que a falta de energia o causaria. Terminou o banho e quis morrer. Mas passou, tanto que agora falo aqui a você;

. Almoço, ônibus, ligações. O sol de ontem parecia não ter vazão. A calça preta, a poeira na contra-mão. As crianças na sala de aula ouviram melhor as suas indicações. Construímos algo mais forte. Sedimentamos algo mais vivo. E então entrei depressa noutro ônibus.

. Mais uma aula. Como o olho, depois de um tempo aberto, assume-se a si mesmo e nos impede de mantê-lo desperto! Ele queria se fechar. Os dois queriam. A amiga ao lado disse, Está vermelho. O que fazer? Continuar, seguir, aos poucos, ir afundando.

. Então acordou. Muitos abraços. Algumas fugidas pelo corredor. Afinal, amigos distintos não podem me ver mais. Acho que os machuco. Ou acho que nossos reagentes não combinam. O que eu faço: eu ando. Não posso parar. Há abraços para dar. Há reuniões a marcar.

. Fome. Como. Come. Amigos, conversas, telefone. Intervalo. A glicemis descontrolando-se para todo o lado, Posso falar com você? Silêncio agitado. Na cabeça o subtexto inalterado: SEMPRE PÔDE! PORQUE SÓ FALOU AGORA?! QUERO TE ODIAR MAS NÃO CONSIGO! NÃO RIA AGORA PORQUE É MUITO SÉRIO O QUE VOCÊ FEZ COMIGO! AH, QUE INFERNO. AGORA VAMOS COMEÇAR FALANDO "OI", MAS E DEPOIS? NAÕ ME PEÇA PARA ESPERAR, PORQUE TÊM SIDO A ÚNICA ESPECIALIZAÇÃO EM TODA A MINHA VIDA. ESPERAR PELA FERIDA CICATRIZAR. MAS EU SOU DIABÉTICO E MINHAS FERIDAS NÃO CICATRIZAM PELO TEMPO. MAS PELO SOPRO, PELO SOCO, PELO TORMENTO! O QUE É QUE HÁ? VOCÊ ENLOUQUECEU? EU TÔ PUTO! VOU TE MORDER! AH!

Nisso, a perspectiva pode ser melhor desenhada. O gráfico oscila e sobe e cai e eu quase desmaio sozinho no meio de minha sala. Difícil controlar os vícios. Decidi vivê-los. Com o devido cuidado de não deixar que aos vícios eu esteja inteiro.

Ah, como é difícil. Quão difícil as coisas parecem ser neste momento. Uma se resolve e a outra explode. Ainda bem, porém, que as coisas se compensam e se implicam.

Meu gráfico só vai para cima porque você caiu, logo embaixo. E eu só caio, talvez, porque cismei em te ajudar. E neste movimento meu de distinção e humanidade, o mundo dá a volta sobre mim e me imobiliza ao pesar sobre meus ombros e cabeça e escombros, o que o mal faz de melhor.
.

domingo, 10 de agosto de 2008

Despriorizador

Outro dia, dentro do ônibus
eu pensei: cara, é isso aí
assim bem desse jeito
ou melhor
mal desse jeito
o que fazer?

resolvi então aceitar a vida
bem assim como se mostra
bem do jeito que se prova
amarga
por vezes ácida
incongruente
incompatível
inapropriada.

...

Outra noite, ao me deitar
pensei: cara, você está todo errado
com tudo
com seu trabalho
consigo mesmo
com seu corpo
com tudo que deixou estar
atrasado

então resolvi mudar
acordei e a primeira coisa que fiz
foi comer um maracujá.

parei de fumar.

voltei a cantar
e daqui a uns dias
poderei escrever
essa música inventei
sem querer.

...

Noutro dia, me perguntaram
Tá servido?
Eu disse, Não.
Nem mesmo um vinho?
Eu disse, Por que não, não?

Sim,
uma
duas
doses
de vinho
seria enfim
interessante
seria agregante
o gosto das uvas
descendo constante
eu bebi o vinho e voltei
correndo eu fui para casa
e ao chegar o que fiz foi medir
a quantidade de açúcar que havia
dentro de todo esse vinho e sangue
o que descobri porém foi que continuara
a ser o mesmo diabético e a viver ainda assim

...

são esses os meus movimentos atuais
eu pergunto oi quem é você
eu digo eu sou diogo, mútuo prazer

...

parei de sofrer
ficar muito tempo sofrendo perde a graça
desprioriza a dor para ver no que dá
despriorize
e verá.

sábado, 9 de agosto de 2008

We Walk

Um desespero. Um desejo de recomeço. Mas sem esquecer o que passou, porque é por tudo o que aconteceu que eu me desespero. É por estar tão irresponsável e tão disperso que hoje meu peito grita dolorido. Não quer seguir. Não se for assim, afogado em meio a meias sujas. Desprovido, o peito, de calor e abraços e surpresas a cada curva.

As coisas acontecem como tem que ser. Não como gostaríamos, mas como devem ser. O meu quarto hoje sou eu e meus pertences. Estou abolindo os móveis, que não são meus, e o que fica é a sensação de estar no chão. Nele deitado, sem colchão ou armário. A sensação é dura, fria, mas firme. É a partir desse chão que alcançarei meus vôos. Que vôos, afinal? Eu quero voar? Eu quero poder acordar e dormir sem chorar.

Desespero porque são muitas e pequenas coisas que exigem meu cuidado e meu amor. São meus filhos que estão com fome e eu não compartilho a sua dor. Eu apenas vou seguindo. Vou respirando o ar do mundo e devolvo o gás carbônico que faz a violeta desta casa crescer. Nada mais. Sigo furando o caminho, impondo um destino que não consigo gerir, mas que foi gerado e que por isso precisa se adaptar. Se adaptar, sempre, frente ao dinamismo dos dias.



Ontem cortei meus cabelos. Era madrugada. A tesoura indo apressada e retirando o excesso, tranformando em gesto a face oculta. Refazendo pelas marcas do rosto exposto a sua configuração. Não gostei do que fiz, ficou esquisito, ainda não me acostumei. Mas eu preciso dessas idas contra mim mesmo. Eu preciso me ferir no peito, abrir um buraco inflamado e deixar a vida assim correr. A vida sendo maltratada me ajuda a saber que ela ainda é válida.

Fiz uma prateleira. Duas tábuas, entre elas duas caixas de sapato dão sustentação e feito está o altar. Nele meus livros descansam e começam a empoeirar. Uma falta de sentido vela cada página, não saberia estudar. O estudo, neste momento, diz respeito ao que há dentro, não de livros, mas do eu mesmo.

Sinto amigos se afastando. Sinto a morte que já passou me recobrando dores. Sinto horror e não penso mais tanto em amores. Penso em caminho, em passagem, em ciclo, em uma possível arte. Músicas me acompanham e o que eu posso dizer é que eu ando. O que posso dizer é: nós andamos. Agora, para onde?
.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Descartável



A primeira vez que a vi, ela fazia um caminho rumo ao topo. Era inegável o seu sentimento de vôo. Era inexplicável a leveza e o som que fazia ao desenhar no ar o seu frescor. Acabara de chegar ao mundo. Abandonada, meio dentro e fora da boca da lixeira alaranjada. Fora empurrada por mãos apressadas, que sequer confirmaram se ela estava dentro fora ou meio ao meio.


As pessoas cruzaram pela calçada. Outras coisas ali dentro foram jogadas. E dentro dela o vazio, a vontade de fazer voar, o desejo de subir, de sumir, de outro lugar. A tarde avançou seu rumo, o vento ventou seguro e firme. E, logo, bastava esperar que a correnteza lhe estendesse as mãos. Para que seus dedos fossem laçados por um ou outro sopro passageiro.


Eis que o encontro se deu. Feito flecha que acerta um alvo que não era alvo, mas que funciona mesmo assim, porque as coisas que não se conhecem também podem ser afins. Foi isso o que ocorreu. O que nela ventou foi de encontro, pelo contorno, abraçou seus pedaços, preencheu seus medos e secou algumas lágrimas que despencaram.
Inchada de ar, partiu ligeira. Assustou a moça que andando falava no telefone e coçava a cabeça. Inchada parecia agora estar repleta, era feito balão e passeava, indiscreta, chamando a atenção de todos. Ao ser tocada pelo vento cantava sons e versos e redemoinhos - estava mesmo apaixonada - por essa possibilidade de poder ser tudo para em seguida, talvez, nada mais.

Acontece que subiu, foi até o topo. E quando eu a vi, passando dentro de um ônibus, ela parecia não aguentar de tanto tanto. Subiu e veio o pranto. E o vento ventou mais forte. E o frio gelou a sorte. E a subida já escalada agora sob ela desmoronava. A sacola foi atingida por um ar, sem previsão. Um grito ou uma dor que viajava pelo ar a abarcou. Foi furada e perfurada e não pôde mais seguir.

O ônibus parado no sinal. Eu ali dentro pensando. De que altura ela teria se jogado. Será que ficou consciente o tempo todo. O tempo todo inclui o fim? Pensou em quem? Pensei em mim. Eu podia ver e sentir e descrevo agora a sensação. Desse corpo que sobe até não mais poder, até se convencer que é realmente preciso cair.


O sinal abriu. O ônibus arrancou. Olhei para trás e descendo os olhos a vi despencar. Parecia ter ficado concreta, pois não havia mão inversa que a pudesse deter. Descia inteira e ia certeira rumo ao próprio começar de alguma outra coisa que poderia ter planejado. Coisa essa que eu já não compartilho, porque meu ônibus seguiu. E hoje eu estou aqui, sentindo falta. Por isso é preciso escalar. Para, enfim, despencar.
Kekes, eu te amo. E sinto muito, muito, a sua falta.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Eu

Estou me construindo
Sem ninguém dizer
Certo ou errado
Este sou eu
Eu sou meu próprio resultado.

O que faço de mim
Onde lanço meu corpo
Tudo isso em mim está
Como se a cada passo
Forjasse um pouco além
Com muito desdém
Ou total comprometimento.

O eu que sou neste momento
É fruto de escolhas
Escolhas digeridas
Ou mal mastigadas
Escolhas imprecisas
Muitas delas involuntárias
Mas todas já no gesto
Todas num só tempo
Carinho e protesto
E no meio entre o tudo e o nada
Eu não sei.

Ah.
Eu teimo em escrever esse ah!
Como se o fazendo deixasse de mim vazar
Um lamento incontido
Um princípio partido
Um término ainda não todo reconhecido.

Quanto egocentrismo.

Eu agora volto os olhos para mim.

Não quero pensar nos seus problemas
Se já os tenho bastante também aqui.

Quero me cuidar
Sem deixar de maltratar-me a face
Nem deixar de beber e comer o que dentro
Arde-me.

Eu vou.

Tarde?
.

Improvisação

Dois seres, juntos, ocupam um dado espaço no tempo.

- Qual o seu nome?
- Flor. E o seu?
- É porque eu tenho que anotar o nome das pessoas.
- Ok.
- Você não veio ontem, veio?
- Não, tô revezando com o Eyck.
- Como se escreve?
- É ele ali.
- Onde?
- O que foi buscar outra bateria. Essa daqui tá viciada.
- Você veio filmar?
- Sim. E você?
- Eu tô anotando coisas.

Com outra pessoa, noutro tempo e espaço.

- Eu tô me apaixonando por você.
- Poxa, legal.
- Não, é sério.
- Tem que trabalhar.
- Eu quero ver.
- Tá uma correria.
- Beijo.
- Beijo, querida, até amanhã.

Com outra, noutro momento.

- Você era de lá, não?
- Era. Você é?
- Sim. Eu conheci o pessoal que entrou com você.
- Daquela galera só sobrou nós três.
- Maneiro.
- Era difícil.
- Agora tá mais fácil...
- Sei lá. Acho que vai ser sempre difícil.

Outras pessoas, noutro momento.

- Você reconheceu a gente?
- Não, ele me contou.
- Ah, bem. Porque a gente fica muito cheio de maquiagem.
- É, eu lembro. Por isso achei esquisito. Achava você mais alto.
- Sério?
- Tá vendo? O poder da transformação.
- Quando foi isso?
- Ano passado.
- Ah, sim. Nessa época eu era mais alto.

Outro, noutro.

- Tô nervoso.
- Então, me fala...
- Pô, sacanagem.
- O que você faz aqui?
- Eu vim... Trabalhar...
- Alguém te ofereceu emprego?
- Não, quis dizer, eu vim aprender...
- Tem alguém ensinando?
- Ah,...
- Tudo bem. Pode ficar com a gente.
- Obrigado.
- Mas só até o final da semana...
- Poxa...
- ... quando o curso acaba.
- Ok.
- Ok?
- Uhum.

Ok, vamos conversar...

- O que foi que a gente combinou?

- Que você ia ficar até que eu voltasse.

- Não. Não minta. Só porque você precisa que isso aconteça agora não quer dizer que foi o combinado.

Silêncio.

- Diz. O que a gente combinou?

- Que eu voltaria... Mas não para cá.

- Não mais para cá. Não foi?

- Foi.

- Então você surtou, é isso?

- É.

- Sinceridade é tudo.

- Vingança também. Eu quero você fora daqui!

- Não sou eu quem tem que sair. Aliás, ninguém tem que sair, porque eu estou e você não. Ponto.

- Que amigo você, hein?!

- Não fizemos amizade. Fizemos um acordo.

- Entre amigos!!!

- Entre duas pessoas. E o mais importante não é quem fez o acordo, mas que acordo foi feito. E qual acordo foi feito?

- Eu voltaria, mas não para cá.

- Vê? Até você sabe. Não é difícil. Agora se você acha que só a sua vida tá fudida. Se você acha que só você tá passando por perrengue, é bom não ter tanta certeza assim. Não é porque tá tudo dando errado que você pode ser autoritária e mudar tudo, mudar o acordo. Entende?

- Foda-se, eu tô desesperada.

- Foda-se o estar desesperada. Tem alguém tranquilo aqui? Tem alguém chupando sorvete diet? Não, porra. Tá todo mundo correndo para não morrer de fome. Todo mundo correndo atrás de alguma coisa que faça valer, que faça sentido. Você conhece algum bambi?

- Não. Não tem.

- Então não fode, porra. Não fode. Porra! Que estresse do caralho você tá arranjando.

- Sabia que seus filhos vão crescer ouvindo palavrão?

- Meus filhos eu não vou ter.

- Se tivesse, iam crescer...

- Não vou ter.

- Mas,

- Cala.

- Escroto.

- Vaca.
...

Me acompanhe, por favor...

Tentarei te levar por um segundo.

Tentarei, no ato dessa escrita/leitura, ter você comigo junto.

Assim, quem sabe, mantemos a existência um do outro, podendo o um (ou o outro) descansar enquanto ainda lhe é dado corpo.

Venha comigo, quase tudo está pronto.

Não posso dizer sobre o caminho que virá,
porque ele ainda está para chegar
e neste momento
caminhamos juntos
de mãos dadas ou não
mas num só sorriso,

Venha comigo.

Que porta é essa?
É porta para abrir ou fechar?
Você quer vir mesmo comigo
ou quer ficar?

Vem comigo. Não se pergunte tanto. Eu que pergunto tanto nem quero tanto perguntar. É apenas um testar da voz, uma tentiva para comprovar se você ainda comigo ou se acabou por me abandonar.

Por favor, venha comigo.

Já vejo que nem é nada tão misterioso.
Poderia dizer que é para ficar com você,
mas isso denotaria minha solidão

que nem sinto
eu nem sinto nada disso
eu nem quero morrer
nem me mataria

mas o que fazer se cada leitura diz um mundo
se em cada sílaba que eu usei dele
você leu um transtorno
e o outro um homicídio
culposo?

mas eu não matei
foi você quem leu minha morte
eu não amei
foi apenas poesia prosa e sorte.

Venham, todos!

Ou apenas você.

Todo e qualquer um para mim é importante.

Neste segundo,
em que caminhamos juntos
você desce essa página
e eu desço o peito
respiro
no meu sossego
na minha despedida do dia que passou
rumo à agonia do que se anuncia

Ai, como eu quero que você siga até mais embaixo
Não porque tenho algo a dizer
mas porque é o estar que me interessa

é poder eu sentir
estando no meio da baldeação
amanhã
que você aqui me estende as mãos
e me leva
assim como eu agora me esforço
para levar seu peito a uma respiração mais tranquila
para ouvir seu pulso
e retirar dele
o excesso de agonia.

Venha, sim, pode vir.

Porque agora o nosso caminhar junto é eterno.

E mesmo que eu caia, venha aqui me ver.
E mesmo que você me esqueça, eu estarei aqui

...

Desça mais um pouco
e pense em algo muito gostoso
e sempre neste dia de hoje
sempre que parar
pense de novo
pense no gostoso
na gostosa
brinque nesse jogo que é feito a toda hora
chama a imaginação
chame a sua
e por favor
venha comigo sempre

sempre
até que caminhem por cima da gente
e façam nossos restos se misturarem

e disso
poderemos dizer
fizemos os filhos que faltavam...
surtoconsciente.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Espinhos

As coisas que não sei
Roubam-me o espaço da pele
E estampam-se feito crepe
Que no ato arrasada
Conserva no corpo
Uma cola
Uma impaciência
Ainda não todo curada.

Tudo aquilo que não me dei
Reserva já em mim seu destino,
Feito a morte e a vida dos meninos
Que criei na brincadeira do quintal-casa.

Até mesmo esse instante
Em que vôo longe
Tudo deita ao corpo
Como se se estendendo a ele
Fizesse da dúvida
A certeza que há
Nem tanto na vida
Mas, sobretudo
Num fruto que apodrecerá.
.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Provisão ou Previsão

O previsto é crise

mas o bom da crise

é que ela pode ser resolvida de um jeito

ou de outro.


A provisão é das mais interessantes

levo na mala tudo acumulado

algumas coisas porém eu deixo

outras eu cremei no quintal de casa

quando ainda era sábado.


O saldo é apenas desejo

Desejo em cada pedaço
em cada inteiro


O que fazer então é o recomeço

Lendo as mesmas linhas
mas, sabendo
agora elas dizem o mundo
que meus olhos podem ver.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Eclipse

Digamos que quando um corpo passa por cima do outro aconteça um eclipse.
Eu me pergunto, se um corpo apenas passa por cima do outro e gera um eclipse, o que acontece quando um corpo pára em cima do outro?
Uma supernova.
***