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sexta-feira, 17 de agosto de 2018

de novo e renovadamente

Rio de Janeiro, 17 de agosto de 2018.

Ameida,

Mudou tanta coisa, mas algo sem nome exato continua.
É que li a carta que você escreveu para mim. Entrei no seu site e li a carta.
Incrível como pode uma coisa já conhecida ser, de novo e renovadamente, tão inédita.
Não sei se é o meu momento, se é o momento do mundo, se é o mundo nesse meu momento, mas doeu e vibrou tanto, doeu vibrando junto a mim.
Tudo é tão sem motivo e tão prenhe de beleza. Antes de ler a sua carta, sem sequer saber que a leria novamente, estava frente a este computador, ainda nesse mesmo apartamento nosso, e desejei desenhar. Tracei um rosto de um olho só, fiz um braço mais fino que a vida diria que um braço deve ser, não encontrei o resto do desenho, mas encontrei você.
De novo, mas tão renovadamente.
O que mudou? Posso lhe dizer. Mudou um bocado de coisas. Você mudou tanto. Outro dia, cruzando as ruas dessa cidade, me peguei pensando sobre você. Sobre como você mudou. Me peguei pensando em seu corpo, vendo seus cabelos tantos, suas roupas e marcas, suas tatuagens e sorrisos, as rugas invisíveis e o invisível que aflora assim sem a gente nem perceber.
Estava pensando em você. Estava surpreso - como é possível? - com a sua delicada força em manifestar o seu amor. Quanto ainda tenho a aprender. Quanto ainda tenho a aprender. Ou não. Ou sou assim mesmo como sou. Ou sou assim, alguém tão medroso com isso de amar e ser amado, que a vida vai passando. Mas, quer eu queira ou não, vai passando e tropeçando e agora se me vejo aqui, todo cheio de meleca e lágrima, é porque seu amor deu um jeito de em mim se sitiar.
Hoje pego a força que um dia enderecei a você e a trago de volta a mim.
Um cansaço tão fundo me afunda. Meu horizonte não dura mais que poucas horas. Não morro, acho que não, não ainda, não agora. Porque estou ocupado cuidando da única coisa que me desloca: esse inchaço dessa estafa dessa perguntação se fiz o que era preciso ou se fiz o que foi possível quando fazer nunca me tinha sido um fardo.
Fiz tanto que me cansei pro futuro. Fico meio inerte em meio às palavras e livros e considero, alegre, o que ainda não veio.
Minha sensação de vida está fora daqui. Noutro lugar, noutro tempo, mas ainda com esse corpo tão cargado, tão fino, tão já ressecado.
Não se preocupe. Nada que aqui escrevo foi ou será apagado. Tudo é saldo do caminho. Tudo é resposta-pergunta sobre o que mudou, sobre o que foi mudado.
À distância, agora, brindo às feridas. Elas, hoje, são minha mais persistente companhia. Fico com elas querendo aprender de novo como faz para endereçar esperanças. No plural, vislumbro pontas e lanças que quando chegadas ao alvo irradiam um rio caudaloso de cuidados.
O mundo no pause. O mundo tirando férias dos atos e seus fatos.
Queria dizer isso. Isso que me vinha sem palavra pra direcionar cem sentidos.
Queria dizer que te amo. Sim. Que te amo muito. E que dizer essas palavras escritas, ainda que em silêncio, é o meu ato mais contemporâneo e destemido.
Obrigado por confiar no amor. Obrigado por desfiá-lo. Obrigado por parcelar, em doses inúmeras e tamanhas, a dimensão do afeto que hoje, agora, hoje é só agora, me possibilita chorar, sorrir e dormir.
Para amanhã começar tudo de novo, renovadamente.

Do seu,
Ameido

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