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terça-feira, 11 de setembro de 2018

Apenas um filho que retorna à casa da infância

E ela me receberia com carinho. A despeito do meu excesso de opinião, ela me receberia integral, com minhas cinzas todas e todos os meus filtros.
Receberia a mim como se me olhasse, detida, e me fizesse assim perceber que casa, casa mesmo, é apenas o lugar de onde partimos. E seria nos detalhes que ela me faria me perceber, renovadamente.
Viraste um homem. Um cara formidável. Vagaste pelo mundo, conheceste outros corpos e o corpo de outras cidades, mas, agora, você é apenas um filho que retorna à casa da infância.
Por que esse soluço? Por que essa suspensão tão duradoura? Te assusta ter mudado tanto e ainda assim ser o mesmo? Não consigo responder. Ela me olha sentado à varanda enquanto a fotografo.
Tenta então me explicar. Escuta, Diogo, escuta um pouco agora: ampla a sua idade é quem te retorna. A cada dia, a cada mais um aniversário, progressivamente, olhará para este quintal e ele há de te confessar o já sabido faz três décadas: eu sou sua mãe, seu pai, sou seus filhos. E está tudo bem.
No ranger da noite, no silêncio entediado do seu destino, eu permaneço, viva, rígida, toda disponível. Queres um chá? Eu tenho. Plantas que não morrem em vasos pequenos? Tenho cá comigo. O que te falta, então, Diogo, para me aceitar como o antes do seu cansaço?
Permaneço mirando a grama na qual rolava quando menino. Vejo as pedras que me deram minhas cicatrizes primordiais. A parede onde me ralei, a piscina em que afoguei, cruzo o arco das portas pelas quais tantas e tantas vezes cruzei.
Cada parte sua me sabe por inteiro. A confissão que pensava ser minha mora antes na casa e não em mim, não no mundo. A casa, esta, ela, ela protege o meu segredo, o meu ser, isso que tanto vaguei a procura e que demorei a conhecer.
Ela me conta: 30 anos, hein? Já já 31. Que bonito, que belo, viver tanto assim já é ousadia prum ser humano. Eu estou aqui há um pouco mais. Eu que, aos seus olhos, não mudo tanto. Mudo sem mexer, sou sem identidade ou atestado.
Vai, ela me diz, aproveita que a sua vero já está sem plateia, vai, se esfrega em mim, mata essa saudade, retorna a quem achavas não ser mais, mas que ainda brilha no fundo de seus olhos.
Eu estou aqui, ainda estou, eu, sua casa, sua infância, sua mãe, seu pai, seus filhos e revoluções por vir.

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