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sexta-feira, 12 de outubro de 2018

sobre você, pai

que espanto!

tudo (ou quase tudo) que afirmei sobre você
faz uns anos, poucos anos
vai se transformando

toda a minha ira
minha irritação com a sua bruteza
minha ira com a sua burrice

tudo está mudando
tudo está mudando
você, mudo, está mudando

trancado sozinho em nossa casa de infância
plantando o jardim novamente
cuidando das plantas
falando sozinho sem quem te escute
essa coisa toda estranha
tudo isso está te mudando

descemos o quintal caminhando
falando do pé de amora
do pé de pitanga
da árvore tal e de tantas outras
você abriu o portão
eu com a mochila nas costas
tem certeza que não quer que eu te leve?
disse que não
não, pai, vou andando, estou precisando andar
e você insistiu
eu disse não, tudo bem, não precisa
e você cedeu
você cedeu

segurando o portão aberto
me vendo partir, lento
você me agradeceu por ter ido em casa
ainda que por uma hora ou um pouco mais
você me agradeceu e disse
que era melhor assim, né, filho?
mais perto, ao vivo, frente a frente,
você me disse
é melhor assim?

e eu concordei
sempre achei que seria assim
mas demorou
demorou tanto

eu já com quase 31 anos
e só agora nós dois
pai e filho
filho e pai
só agora a gente descobre
como pode a gente se amar

eu me emociono
eu quero estar mais perto
a sua bruteza que sempre me afligiu
hoje se volatiliza
você fica imenso, pai
você é mais amor do que eu sabia

o que foi que aconteceu?

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