Perdão. Eu não consegui te desvendar a tempo. Eu nem sequer tenho consciência de ter tentado, porque estive ao seu lado admirando a cor do seu embrulho e não te decifrando, não para dentro de mim te trazendo. Eu peço desculpas, mesmo, seu conteúdo mofou e tudo parece ser culpa minha. Mas eu não entendi, eu não consegui entender. E nem posso dizer que não consegui porque eu nem sequer achei que houvesse algo ali em ti para ser conseguido. Eu compartilhei a sua cantada, estive presente no nosso primeiro encontro, eu fiz o favor da elegância ao pedir uma salada e não uma picanha completamente engordurada. Eu cumpri tudo direitinho, fui ao cinema, dei as mãos - a um desconhecido - e ainda troquei beijos. Mas me desculpa. Para mim, naquele momento, não havia nada além daquilo que trocávamos com desejo, sim! Eu não sabia que tinha brinde! Eu nunca fui criança gulosa! Para mim dava para ficar a vida inteira trocando olhares e esperando sim o bendito dia em que viria uma cavalaria me pedir em casamento. Eu não entendi o seu piscar que não veio. Eu não decupei seus gestos querendo entender nele algo além do simples tocar, algo além dos lábios que se encontram para beijar e não para matar a sede e não para trocarem o ar que estivesse acabando e não para dominar a instabilidade dos corpos. Comigo foi tudo literal e nisso, eu sei, hoje eu sei, eu te interpretei mal. Não vi a poesia que escorria dos seus olhos, e se hoje eu a vejo, talvez me parecem mais com lágrimas do que com um rio que quisesse me afogar. Não vi nada disso, nada de onda, nenhum pio de desespero. Eu vi desde sempre um passatempo. Um encontro que depois, caso quiséssemos, poderíamos transformar em outra coisa. Nem me lembro sequer de ter imaginado: será que algum dia será dita alguma coisa? Será que há uma preparação para o Isto? Será que é preciso cumprir um tempo específico para depois - oficialmente - deixar que ficassem atadas as mãos? Eu não soube, eu não saberia, até então. E nisso, machuquei seu rosto, seu peito, seus segredos que tão cifrados ante ao meu olhar sempre estiveram e talvez sempre assim ficarão. Eu não entendi seu gromelô apaixonado. Eu não entendi o ruído na sua respiração (achei ter sido um resfriado). Eu não fiquei atento se rolava uma ereção a qualquer ato meu. Meu deus, isso é sofrível. A volta imensa que nós damos quando na verdade um ao outro poderia ter dito: Quero ficar contigo. Para além desse beijo. E os olhos curtos e grossos teriam mirado estrelas. E as bocas teriam se aberto como canção. E as mãos teriam virado afago capaz de afogar, os dedos caules capaz de furar, e tudo então em ti teria sido rima.
Mas essa é só a minha verdade. E, talvez, por ser verdade, esteja fadada a morrer comigo sozinha. Quem se importa? Este Blog está cheio de cifras destinadas a você desde então aquele primeiro dia e não serei eu quem vai desvendar meu próprio mistério.
Um comentário:
Há uma passagem fantástica na Insustentável Leveza do Ser que é quando Thoms, tratando da ocupação, donazismo e de Édipo ao mesm otempo, diz que um "eu não sabia" não é legítimo. Que a responsabilidade de saber é nossa, nos precede, antecipa e determina. Meus olhos deveriam ter sido furados já. E, hoje, lendo seus dois textos - este e o da mentira - isto se confirma. Que precisão de linguagem e que bela articulação do sentir. Identifiquei-me, quis fugir, neguei três vezes...e voltei pra confessar: eu não sabia, também, mas já vou tratar de furar os olhos, tá? Um beijo admirado
Postar um comentário