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quarta-feira, 27 de junho de 2012

SOLILÓQUIO PARA DISTRAIR A MORTE


Rio de Janeiro, 01 de novembro de 2006

- Eu não quero ser o criador daquilo que não quero para mim, mesmo quando o que quero é o inverso do que normalmente se deseja. Não quero escrever as últimas palavras, nem mesmo fazer poesia com meu corpo morto. O que quero nesse momento é descobrir o porquê do meu querer. Pois eu não quero que o caminho seja outro, inverso àquele que todos planejam com ânsia e estofo. Apenas não quero crer na real existência do que existe, virtual que seja, e que vejo e sinto e que por sua existência deixo-me acordar inúmeras vezes durante as horas dos dias e das noites. Eu sequer queria fazer poesia, mas sei que a fazendo amenizo o tamanho da complicação, aparo as arestas que me tiram sangue e lucrando em sangue lucro tempo de morte. Faço a poesia fazendo-a e invisto com viés de poeta contra tudo aquilo que me adoece e que me faz ser a foto da cruz do meu epitáfio antiquado, que será feito de última hora. Aliás, falando nessas coisas, que meu epitáfio seja muita coisa, sem definir ao certo o que eu sou, visto que sou várias coisas nesse momento. Se pudesse fazer dele um livro, preso ao mármore amarelado de tempo, daria a educação através da pedra aos que um dia quiserem saber de mim, ou àqueles que queiram de mim se lembrar em seus futuros tempos. Aliás, novamente, que nome é dado para o futuro de um morto? É certo que ele não vive mais, mas corrigindo-me agora, não posso sequer afirmar isso. Ninguém pode. Nem mesmo Deus, visto que não sabemos o que é iço ou Isso, se preferirem. Converso comigo mesmo, eu sei. Mas, poderia haver um espectador, ou um vizinho enxerido, que optasse, por um dia sequer, gastar o seu tempo ouvindo um desesperado morto de morte. Estou morto, eu sei. Apenas cansado, numa hipótese positivista. O fato é que estou com sono. Boa-noite. Antes de ir, um apelo, um pedido, um direito. Que não seja espalhafatosa, essa garça cheia de plumas coloridas. Que não faça carnaval aonde não tenha, que não seja um evento fora de época. Que se morra por amor, não comigo, mas os utópicos que um dia precisarão morrer. Se tiver mesmo que comparecer, que seja poética, cheia de sutilidades. É isso mesmo, sutilidades. Pois aquele que ri de si mesmo é um palhaço, mas o que ainda ri dos outros dizem que é um gênio e por isso merece morrer. Portanto, que venha ela, poética e rápida. Uma tomada apenas, sem delongas. Uma cena memorável. Um trecho perdido num livro imenso. Um traço de tinta sobressalente. Que ela venha majestosa, pois é chegado o seu momento. Depois, na vida propriamente dita e desdita, deixe-lhe ser panfletária. Mortes escandalosas, coloridas, heróicas, televisivas, arranjadas. Que ela venha, só depois, do jeito mais terrível, arrancando os coros cabeludos, dobrando as colunas em ângulos obtusos e dilacerando a oposição. Que ela venha veloz e tão breve assim leve aqueles que menos mal fizeram. Os que muito fizeram, que morram também, pois todos acreditamos na democracia. Mas o que quero dizer, pedir, apelar, é que a minha seja poética, quase linda, que quase se esqueçam do conteúdo quando diante da forma adquirida. Pausa. O meu texto encaminha-se para o meu desejo? Não. Não quero morrer. Hoje não. Nem nos próximos anos, por favor. Mas quando ela vier, e nem sei a quem destino essa carta, que venha depressa para cumprir a meta. Ah, eu sou daqueles que merece morrer do mal que propaga! Gostaria que me fosse obrigado rir, pela última vez, de tudo aquilo que um dia abri os beiços rolando-me ao chão. E se eu tanto risse, minha boca se arrebentasse e me faltasse o ar em virtude de tanto rir e rir e rir e rir e rir e rir e rir e rir e ir. Aos poucos, falecer. Rindo de cada segundo, sem uma lágrima de tristeza, mas afogado no mar da alegria. Alegria salgada, por favor, porque sou diabético. Mas enfim, tenho que ir dormir, porque amanhã viajo. É fato que escrevi tudo isso porque fiquei pensando em bobiças, referentes ao que não quero que aconteça, ainda que esteja desenhando mentalmente cada ação indesejada numa linda prancheta com esboços de morte pré-esquematizados. Não desejo morrer. Antes quero me reproduzir. Visto que me sinto incompleto. E dessa maneira, faz-se impossível morrer. Ah, aos amigos. Pausa. Está realmente parecendo carta de despedida. Lembrei dos amigos e volto a eles para falar do amor. Caralho. 03:14 da madrugada. Preciso muito ir dormir. Quem sabe não sonhe com o que vem depois da morte. Quem sabe não descubro o que é morrer e encontro-me comigo mesmo. Sonhar. Sonhar. Queria começar tudo de novo, ser criança outra vez. Ou queria, mais facilmente, ouvir relatos, ver fitas do colégio antigo. Preciso urgentemente ir de contato ao chão no qual desenhei minhas cicatrizes mais eternas. Porque ainda há o eterno que se perde. Há sempre um para sempre que se esquece. Há sempre uma lágrima que se embrutece. Há sempre tanta coisa e para cada uma delas há o seu latente reverso. Que merda. Diz-se tão pouco em tantas palavras. Sente-se tanto com apenas um manto que ganhamos no dia de nossa chegada. Eu devaneio, fazendo rimas no escanteio, eu apenas resvalo e sequer sei bem o que escrevo. Mentira! Posso não saber o que escrever, mas que sei bem sobre o que escrevo. É evidente, visto que nada importa nesse momento ocioso entre a vida, o sono e o morto. Preciso ir rindo. Sem explicar ambigüidades. Deixando as metáforas acessíveis aos poucos. Mas lutando para que cada lágrima não mais se embruteça, porque o que mais quero nesse momento, é sabido que não vai rolar. Não por esse rosto que aos poucos se esquece do mundo e deseja sonhar. Não hoje, porque fazendo a poesia amenizei a condição. Anestesio os sentidos. Sinto apenas o essencial, pulso direto ao coração. O coração. Imagino uma cabeça que fuma charuto. Se esbaldando diante da ociosidade de seu trabalho repetitivo. Absoluto. As pessoas andam mal-humoradas. Basta o coração dar uma pausa em sua jornada assaz repetitiva, para que todas elas se precipitem logo ao chão. Ah, muito fácil. Difícil mesmo é ir dormir no horário marcado ou entregar trabalhos no prazo. Mais difícil ainda é finalizar um texto que sequer é poesia. Escrever como encerramento, como adeus definitivo, algo que soe bonito ou significativo. Adeus. Não, pelo amor dele mesmo, que não merece essa dedicatória. A mim mesmo, soa sem comedimento, não vale. Ao tempo, esse implicante, é abstrato demais. Fica então uma coisa qualquer, que nada quer dizer quando por nós é dita, mas que sem ela, somente para a rima, a nossa vida vira pura desdita; palavra e novo chiclete do dia. Deixe-me ir, Diogo. Sinto-me muito, o sono exacerbou-se. Distraí a morte? Sim, mas acabo de lembrar-me que ainda a tenho ao meu lado, espreitando a oportunidade de fazer-me miúdo, sem vaidade. Então faz assim, querida: dá-me o seu beijo que é meu, depois me liga para dizer o seu adeus.

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