Andava – ainda tão jovem – num apego ao próprio corpo
Diziam – e as pessoas dizem
que esse apego era desprezo
pelo mundo
pelo outro
pelo o que fosse
Num gesto – especulavam
o menino começava o dia já abraçado
sobre o peito um braço pendia dobrado
como se houvesse dentro um mundo que
pudesse ser desvelado.
Caminho – curto ou longo tanto faz – ele fez
Sempre sobre o peito
o mesmo gesto de outra vez.
Numa ou noutra ação do frescor
erguia o braço da sonolência
e sinalizava ao ônibus
e sinalizava aos meninos e meninas
que cruzavam a fascinação de seus dias.
Um dia – pois é só o que agora dizem
viu-se despido já dentro do banheiro de casa
viu-se sem roupa e sem a empregada que lhe assanhava
estava só e como só estava, ousou o não conhecido
ousou descer o braço e fazer-se de bom menino
No dia seguinte a cidade amanheceu assustada
Como podia o menino abandonar o vício sem sofrer quase nada?
E ele seguiu como haveria de ser
Comprou o pão pela manhã
e já no entardecer recebeu a correspondência
tudo ao gozo do braço novo desconhecido.
Todos que olhavam e com ele se relacionavam
tentavam no pequeno despertar algum indício
de dor, que fosse
alguma pergunta que o fizesse retroceder o segmento e voltar a ser
num só segundo
um menino menos pleno.
Passam-se as horas, é verdade
E o segredo que nunca ninguém desvendou
dentro dele se revelava mais e mais
A sensação do novo
mas do novo a partir do passado
Do novo no mesmo corpo em que se tem um retrato gasto
Isso
Impregnava seus dias.
Fazia sentido ou não fazia.
Ele não se importava,
pois o braço ia
avançando
e num sem fundo
desenhava junto ao corpo
o tempo em que ele e o próprio
eram um único ser,
agora deposto
agora ser decomposto.
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