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domingo, 21 de junho de 2009

Rúcula

Marcel - O que você tem?
Marceau - Como assim o que eu tenho?
Marcel - Você está estranho hoje... O que você tem?
Marceau - O que eu tenho?! Eu só tenho você.
Marcel - E porque não me respondeu quando eu chamei por você?
Marceau - Marcel, quando foi que isso aconteceu?
Marcel - Ontem.
Marceau - Mas e hoje, você já me chamou?
Marcel - Não, eu disse que foi ontem.
Marceau - Mas hoje você sequer me chamou. Como pode ser?
Marcel - Como pode ser o quê?
Marceau - Num dia você me chamar e no outro desaparecer!
Marcel - Eu não desapareci... Eu fui procurar.
Marceau - Você sabe onde eu moro.
Marcel - Eu sei onde a gente mora.
Marceau - Então?
Marcel - Então o quê?
Marceau - O que a gente vai fazer?
Marcel - A gente vai fazer as pazes.
Marceau - Eu não vou fazer as pazes!
Marcel - Você se nega a nos desculpar?
Marceau - Não temos nada para ser desculpado.
Marcel - Não temos... E por que você não disse isso ontem?
Marceau - Ora, ontem... O que foi ontem já passou. Estamos aqui.
Marcel - E o que você me diz agora?
Marceau - Agora eu te digo que tudo está bem entre a gente.
Marcel - Como se nunca estivesse...
Marceau - Você está negando o nosso passado conflituoso?
Marcel - Não há passado que não possa ser passado a limpo...
Marceau - Porque você nunca me diz isso um dia antes?
Marcel - Porque eu te procuro e nunca te acho.
Marceau - Não me culpe.
Marcel - Mas eu te procurei.
Marceau - E eu estou aqui, ande, fale agora.
Marcel - Falar o quê? Eu cansei. (Abraça Marceau)
Marceau - Eu estou estranho hoje, você não acha?
Marcel - Todos nós temos um dia assim.
Marceau - É que já é o segundo dia...
Marcel - Talvez fosse melhor você ficar bem logo...
Marceau - Certo. Obrigado pelo abraço. (Abraça Marcel)
Marcel - Sabe que às vezes eu tenho essa sensação?
Marceau - Não sei não...
Marcel - Como não? Eu digo essa sensação de um peso aqui dentro...
Marceau - Você têm comido demais, é verdade.
Marcel - E onde você esteve ontem quando o chamei?
Marceau - Eu não sei. Não sabia que você estava me chamando.
Marcel - Era para a ceia. Preparei um grande frango assado. Recheado.
Marceau - Que recheio?
Marcel - Esse aqui dentro de mim.
Marceau - Oh, não fique assim. A qualquer instante ele deve sair.
Marcel - Você promete?
Marceau - Prometo.
(Cumprimentam-se as mãos) Agora, você promete?
Marcel - Prometo.
Marceau - Certo.

Cumprimentam-se as mãos novamente.

Marcel - O que foi que prometemos?
Marceau - Que na próxima ceia vamos jantar bastante rúcula, que é leve.
Marcel - Eu não como rúcula.
Marceau - Como não come? Você acabou de prometer!
Marcel - Mas eu me enganei. Eu como brócolis. (Olham-se confusos) O que é mesmo rúcula?
Marceau - Um vegetal verde.
Marcel - Tem certeza?
Marceau - Que é verde ou que é vegetal?
Marcel - Que é de comer.
Marceau - Plantamos juntos, se lembra?
Marcel - Nosso passado nos coordena.
Marceau - Sim, junto com o pé das ervas.
Marcel - O pé das ervas! Precisamos podá-lo.
Marceau - Eu trouxe a tesoura. (Retira uma tesoura imensa de dentro da roupa)
Marcel - Oh, meu Deus, você se preparou para isso.
Marceau - E sabe que me sinto melhor?
Marcel - É verdade. Não tem mais o corpo estranho que havia identificado hoje cedo.
Marceau - Sim, sinto-me espaçoso dentro dessa roupa.
Marcel - Está rasgada, Marceau.
Marceau - Marcel! Não me olhe, sinto-me nu!
Marcel - Como pode alguém esconder uma tesoura dentro de si mesmo?
Marceau - Sinto-me retalhado! Pare de me olhar, eu preciso de costura!
Marcel - Vamos podar o pé das ervas, ande!
Marceau - Me ajude, antes, você precisa me ajudar.
Marcel - Tome um copo de leite, ajuda a calcificar.
Marceau - Certo. Onde tem?
Marcel - (servindo-lhe um copo duplo) O leite está caro, você viu?
Marceau - (bebendo) Fiquei sabendo.
Marcel - Está se sentindo melhor?
Marceau - Sim... Algo parece me fazer bem.
Marcel - Viu como eu sei cuidar bem de você?
Marceau - (com ânsia de vômito) Oh, Marcel, você me deu leite com nata!
Marcel - Perdão, Marceau... Mas acho que talvez você devesse engolir tudo sem pensar.
Marceau - Oh, Marcel, este leite está azedo, veja, está colando na minha mão, parece queijo.
Marcel - Perdão, Marceau... Mas leite nem calcifica tanto assim quanto cola.
Marceau - (com os lábios pegajosos) Cola, Marcel?!
Marcel - É bom, dá uniformidade.
Marceau - Para onde vão os vazios dentro de mim?
Marcel - Agora são passado.
Marceau - Estou colado!
Marcel - E pronto para podar a erva. Está pronto para podar a erva?
Marceau - Eu corto os galhos e você faz o orégano, certo?
Marcel - Não, é melhor você não brincar mais com tesoura.
Marceau - Como não?
Marcel - Não quero te ver outra vez despedaçado.
Marceau - Eu estou costurado, não se preocupe.
Marcel - Não se preocupe, eu também estou.
Marceau - Então a gente corta cada um um pouquinho...
Marcel - Cada um a gente corta um pouquinho então, certo?
Marceau - Certo.

Avançam até um pé gigante de erva.
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4 comentários:

Anônimo disse...

E um viva pra dramaturgia!!!


ÊÊÊÊÊÊÊÊÊ!!! \o/\o/\o/\o/\o/\o/

Teo Pasquini disse...

Sua poesia em diálogos é tão linda quanto um verso falado.
Diguin, vc é incrível pra falar sobre a radiografia do amor

Teo Pasquini disse...

próximo: "e eu que pensava que vc era eterno que nem mãe"

Adassa Martins disse...

Lindo, Di! De fato, poesia em mão dupla - fantástico!

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