No ponto de ônibus.
- Aqui...
- Diga.
- Precisamos conversar.
- A gente quase não faz isso...
- Não, é sério. Eu preciso te falar.
- Fale.
- É sobre você.
- Sim...
- Na verdade não são coisas boas, mas eu sinto que eu preciso te dizer.
- Por favor, me diz. É melhor que venha de você.
- Eu sempre te disse que é esse o papel de quem é realmente amigo. Isso de dizer a verdade para o outro. Alguém tem que fazer isso...
- Então que seja você.
- Podemos marcar um café amanhã?
- Pode ser depois que você sair do trabalho?
- Pode.
- Eu te encontro no Centro, então.
- Eu te ligo quando sair.
- Meu ônibus.
- Mas aqui, relaxa.
- Tô super tranquilo, imagina.
- Beijo, irmão.
- Beijo.
Abraçam-se. No ônibus.
- O que será que ele quer dizer? No fundo eu tenho certeza do que é, mas porque isso haveria de ser uma coisa ruim? Será que tem algo muito errado acontecendo comigo e eu não percebo? Será que eu fiz algo de errado, mesmo sem perceber? Ele já disse que me ama. Não com essas palavras. Na verdade, eu nunca guardo as palavras usadas. Elas são sempre virgens. Eu nunca guardo nada. Talvez isso não seja tão bom. Se eu tivesse acumulando tudo o que já ouvi, talvez hoje nós sequer nos falaríamos, porque é difícil dizer eu te amo e a vida continuar do mesmo jeito. Eu deixei as coisas ficarem do mesmo jeito. Eu deixei? Eu não respondi por amor nenhum, porque aqui comigo nunca foi. Ou foi? Aqui dentro, às vezes, eu acho que pode até ter sido. Mas lá no princípio, tudo começou como um encontro. Algo sincerto, divertido. E a amizade, a necessidade de estar perto, tudo isso foi vivência, não planejamento. Eu não consigo olhar para o presente agora da mesma maneira que amanhã olharei para o hoje, que então será passado. Exige tempo para ver com propriedade. Exige tempo. Eu acho que eu sou ingênuo. Mas ninguém pode ser tão ingênuo assim. Você acaba parecendo injusto, inconsequente. Eu não correspondi a nenhum amor, porque achei que as bases tinham sido amizade. Amizade não pode ser amor? Amor é tão distante assim do ser amigo? Eu tô confuso. No final das contas isso é sempre em meu silêncio, nada assim se expõe, fica tudo aqui, reverberando, tornando meu olhar e talvez até mesmo meus gestos, todos imprecisos. Meu ponto.
Solicita a paragem do ônibus. Desce. Centro. Anda. Museu. Encontram-se, os dois, lá dentro. Numa mesa, dois cafés. Ao redor, outras mesas, outros relacionamentos.
- Então, diga. Porque eu já não aguento mais pensar no que pode ser.
- Na verdade, eu queria te dizer antes, com toda a sinceridade, que eu só vou te dizer essas coisas porque sei que somos amigos e não acho que existe outro alguém que poderia te dizer o mesmo.
- Certo.
- É que, de uns tempos para cá, eu tenho percebido como você têm acumulado inimizades. E, desde sempre, eu te defendo, eu crio outras inimizades, só porque eu sei quem você é e, sem dúvida, para mim, os outros já estão errados. Você não é injusto, não pode ser isso que falam.
- E o que falam?
- Não importa. É só que como são muitas pessoas falando...
- Que pessoas?
- Não importa, mesmo. Elas apenas serviram para que eu visse como são tantos casos em que você não é bem isso que eu vejo em você.
- Isso o quê?
- Você sabe... Esse cara sincero, justo, amigo. Sei lá, você é alguém muito carismático, as pessoas todas gostam de você. Você é alguém com quem queremos dividir as coisas, seja os segredos, as dores, o trabalho.
- E isso é ruim pra você?
- De uns tempos pra cá... Quando eu percebi quanta gente tem pé atrás com você...
- Que gente é essa que não tem nome?
- Você sabe. Só na sua turma já são vários. Você teve o problema da mudança, teve o problema no último período por causa daquele trabalho que fez em trio... Na verdade, ninguém te diz nada, mas pelos corredores da faculdade, você está sendo difamado.
- E o que isso significa pra você? Eu fiz algo de errado com você?
- Não.
- Mas o fato de ter todos esses problemas com uma série de pessoas, que eu nem sei quem são e pelo visto nem você sabe, quer dizer que agora vamos ter um problema?
- O fato é... Que eu não sei se você é realmente meu amigo.
- ...
- E eu, inclusive, às vezes, desconfio que você age inconsequentemente. Que não mede os seus atos. E que não se preocupa no que vai dar. Chego a achar, em alguns momentos, que você se aproveita das pessoas, mas nada é assim tão claro...
- Estou te ouvindo.
- Eu só tô te falando isso porque sou seu amigo, apesar de tudo. Alguém tem que te dizer. Alguém precisa ser sincero e te mostrar o quanto a sua imagem não está boa.
Não dizem mais nada. Ficam um tempo assim, abandonados.
- Eu não sei o que dizer. Eu preciso ir pra casa. Eu não sei o que pensar.
- Não é para você ficar mal...
- Não, eu estou ótimo. Eu só preciso pensar. Tentar entender.
- Não fica bravo comigo.
- Não.
- É difícil ser sincero. Mas acho que se formos, um com o outro, não teremos problema algum.
- Eu sei. Obrigado, de verdade. Eu só preciso pensar. Conversar com todas essas pessoas que você disse... Não se preocupe, eu não vou dizer seu nome. Eu só preciso saber se existe alguma coisa e se houver, resolver, porque realmente não é do meu interesse que existam tantas desavenças assim. Não é. Não tinha que ser assim...
- Você vai ficar bem?
- Não se preocupa. Eu vou embora agora. A gente se fala...
- Qualquer coisa me liga, eu tenho crédito de sobra pra falar com você.
- Pode deixar.
...
O que vem a seguir, na verdade, ainda é passado.
.
- Aqui...
- Diga.
- Precisamos conversar.
- A gente quase não faz isso...
- Não, é sério. Eu preciso te falar.
- Fale.
- É sobre você.
- Sim...
- Na verdade não são coisas boas, mas eu sinto que eu preciso te dizer.
- Por favor, me diz. É melhor que venha de você.
- Eu sempre te disse que é esse o papel de quem é realmente amigo. Isso de dizer a verdade para o outro. Alguém tem que fazer isso...
- Então que seja você.
- Podemos marcar um café amanhã?
- Pode ser depois que você sair do trabalho?
- Pode.
- Eu te encontro no Centro, então.
- Eu te ligo quando sair.
- Meu ônibus.
- Mas aqui, relaxa.
- Tô super tranquilo, imagina.
- Beijo, irmão.
- Beijo.
Abraçam-se. No ônibus.
- O que será que ele quer dizer? No fundo eu tenho certeza do que é, mas porque isso haveria de ser uma coisa ruim? Será que tem algo muito errado acontecendo comigo e eu não percebo? Será que eu fiz algo de errado, mesmo sem perceber? Ele já disse que me ama. Não com essas palavras. Na verdade, eu nunca guardo as palavras usadas. Elas são sempre virgens. Eu nunca guardo nada. Talvez isso não seja tão bom. Se eu tivesse acumulando tudo o que já ouvi, talvez hoje nós sequer nos falaríamos, porque é difícil dizer eu te amo e a vida continuar do mesmo jeito. Eu deixei as coisas ficarem do mesmo jeito. Eu deixei? Eu não respondi por amor nenhum, porque aqui comigo nunca foi. Ou foi? Aqui dentro, às vezes, eu acho que pode até ter sido. Mas lá no princípio, tudo começou como um encontro. Algo sincerto, divertido. E a amizade, a necessidade de estar perto, tudo isso foi vivência, não planejamento. Eu não consigo olhar para o presente agora da mesma maneira que amanhã olharei para o hoje, que então será passado. Exige tempo para ver com propriedade. Exige tempo. Eu acho que eu sou ingênuo. Mas ninguém pode ser tão ingênuo assim. Você acaba parecendo injusto, inconsequente. Eu não correspondi a nenhum amor, porque achei que as bases tinham sido amizade. Amizade não pode ser amor? Amor é tão distante assim do ser amigo? Eu tô confuso. No final das contas isso é sempre em meu silêncio, nada assim se expõe, fica tudo aqui, reverberando, tornando meu olhar e talvez até mesmo meus gestos, todos imprecisos. Meu ponto.
Solicita a paragem do ônibus. Desce. Centro. Anda. Museu. Encontram-se, os dois, lá dentro. Numa mesa, dois cafés. Ao redor, outras mesas, outros relacionamentos.
- Então, diga. Porque eu já não aguento mais pensar no que pode ser.
- Na verdade, eu queria te dizer antes, com toda a sinceridade, que eu só vou te dizer essas coisas porque sei que somos amigos e não acho que existe outro alguém que poderia te dizer o mesmo.
- Certo.
- É que, de uns tempos para cá, eu tenho percebido como você têm acumulado inimizades. E, desde sempre, eu te defendo, eu crio outras inimizades, só porque eu sei quem você é e, sem dúvida, para mim, os outros já estão errados. Você não é injusto, não pode ser isso que falam.
- E o que falam?
- Não importa. É só que como são muitas pessoas falando...
- Que pessoas?
- Não importa, mesmo. Elas apenas serviram para que eu visse como são tantos casos em que você não é bem isso que eu vejo em você.
- Isso o quê?
- Você sabe... Esse cara sincero, justo, amigo. Sei lá, você é alguém muito carismático, as pessoas todas gostam de você. Você é alguém com quem queremos dividir as coisas, seja os segredos, as dores, o trabalho.
- E isso é ruim pra você?
- De uns tempos pra cá... Quando eu percebi quanta gente tem pé atrás com você...
- Que gente é essa que não tem nome?
- Você sabe. Só na sua turma já são vários. Você teve o problema da mudança, teve o problema no último período por causa daquele trabalho que fez em trio... Na verdade, ninguém te diz nada, mas pelos corredores da faculdade, você está sendo difamado.
- E o que isso significa pra você? Eu fiz algo de errado com você?
- Não.
- Mas o fato de ter todos esses problemas com uma série de pessoas, que eu nem sei quem são e pelo visto nem você sabe, quer dizer que agora vamos ter um problema?
- O fato é... Que eu não sei se você é realmente meu amigo.
- ...
- E eu, inclusive, às vezes, desconfio que você age inconsequentemente. Que não mede os seus atos. E que não se preocupa no que vai dar. Chego a achar, em alguns momentos, que você se aproveita das pessoas, mas nada é assim tão claro...
- Estou te ouvindo.
- Eu só tô te falando isso porque sou seu amigo, apesar de tudo. Alguém tem que te dizer. Alguém precisa ser sincero e te mostrar o quanto a sua imagem não está boa.
Não dizem mais nada. Ficam um tempo assim, abandonados.
- Eu não sei o que dizer. Eu preciso ir pra casa. Eu não sei o que pensar.
- Não é para você ficar mal...
- Não, eu estou ótimo. Eu só preciso pensar. Tentar entender.
- Não fica bravo comigo.
- Não.
- É difícil ser sincero. Mas acho que se formos, um com o outro, não teremos problema algum.
- Eu sei. Obrigado, de verdade. Eu só preciso pensar. Conversar com todas essas pessoas que você disse... Não se preocupe, eu não vou dizer seu nome. Eu só preciso saber se existe alguma coisa e se houver, resolver, porque realmente não é do meu interesse que existam tantas desavenças assim. Não é. Não tinha que ser assim...
- Você vai ficar bem?
- Não se preocupa. Eu vou embora agora. A gente se fala...
- Qualquer coisa me liga, eu tenho crédito de sobra pra falar com você.
- Pode deixar.
...
O que vem a seguir, na verdade, ainda é passado.
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