Vassouras, 25 de fevereiro de 2007
Amigos que amo,
Estou dentro de um quarto escuro. Eu os amo. Era preciso repetir. Estou feliz com tudo que alcancei até agora, mas confesso, sinto muito a falta de vocês. Aqui sou compreendido, empreendido, investido, despedido e até despido (quando vou ao médico), mas somente com vocês isso tudo faz sentido. Não sei mais o que busco, acho que tudo se perdeu no meio de tudo o que encontrei. Desejo tanto mais, tanto maior e ao mesmo tempo, valorizo tão mais as pequenas coisas. Amo sobretudo os lápis que compro com desespero e, ainda mais, o sentir do café tocando a língua enquanto os olhos lêem as árvores que tanto escrevo. Tenho farpas pelo corpo, sim. Minha cicatrização é lenta mesmo, por isso vivo doendo, vivo cicatrizando a todo o momento. Vivo intensamente o duplo espetar das agulhas diárias que me poupam a morte. Hoje descobri que reviver o passado é morrer. Por isso morro tanto por isso vivo o que passou e o que fui e o que sou e sobre vocês e sobre tudo aquilo que ficou perdido no
tempo impreciso de quem mediu ou cronometrou o ocorrido. Quero tanto uma máquina fotográfica. Estou desconexo, não sei o que escrevo, estou intempestivo, sou o plural que nunca imaginei poder, eu sou tudo aquilo que não sei ser. Teimo em justificar o parágrafo que sequer comecei a escrever. Amo vocês. Talvez seja isso o todo sentido que sei escrever. Como mudamos. É desesperador o tempo da mudança, tão rápido e lento e só no tempo marcado mas a todo o momento. Eu tento. Eu tento. Eu mudo. Eu me revejo e me assusto com as novas caras que eu tenho. Posiciono os três espelhos do banheiro de forma a me ver de outro jeito, aí me assusto vendo-me ora feio, ora bonito, ora meio morto e com uma luz perdida entre os cabelos pretos. Experimento, sou ator, as posições do queixo, a combinação de fazer desaparecer um gesto que mim vive preso... E os dentes mudando de lugar e o tamanho dos dedos, todos mudaram, o sol está inteiro, entretanto eu não os vejo. Eu estou bem. Quero o futuro
e o morro de medo. Vejo o passado e finalmente me reconheço, em todas as perdas que fazem dele o que passou e de mim o agora que desconheço. Entretanto, o presente fica cada dia mais impreciso, mais indeciso, mais incisivo e eu vivo assim. Feliz na agonia, na comprazia do não dar conta das tarefas assumidas, da pluralidade grega e das vontades proibidas. Saudoso. Escrevendo tudo aquilo que teima olhar para mim com olhar de desapego. Eu pego mesmo. Revolvendo as coisas com outras cores, outras faltas, outros desassossegos, a tudo aquilo que me seduz e me causa medo. Tem gente que gosta de rosas, nem sempre elas são vermelhas, mas sempre são rosas... Tá ótimo então. Acho bem digno... Mas atento-me nas escadas, com os ponteiros dos relógios digitais que medem a temperatura, nos ruídos dos meus desejos, até mesmo o pessegueiro podre que descobri no quintal da casa que nem mais freqüento eu percebo... Eu cansei da trema, mas ainda assim eu tremo por inteiro... Quando finjo que
não a vejo. Tenho transtornos, compulsivos, obsessivos, repetitivos, na periodicidade que me faz de mim meu inimigo. Eu obedeço as regras que nem mesmo conheço... Um enorme imenso beijo, tão grande abraço... Para que sintam durante um certo tempo a lembrança de um amigo... A corda do violino arrebentou-se e tingiu-se de vermelho... É a minha cabeça, o absurdo do entendimento, o conhecimento pelo sofrimento... O que escrevo é sempre um soco que dou no bunda do tempo passageiro. Preciso soltar o dentro de mim neste momento. Talvez não envie, talvez guarde e releia um dia, como faço com os postais endereçados e presos dentro das agendas passadas e costumeiras. Hoje cortei o meu cabelo, eu mesmo. Usei tesoura de unha e gilete seco. Não seriam os cortados um pouco do tempo que perdi vivendo?
Amo-vos, repito outra vez...
D.Liberano
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