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sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Cinza

Tinha cheiro de guardado sem com isso trazer algum mofo. Gosto de abraço longo e pegajoso. Tinha idade para ser de outro tempo (e acho mesmo que era). Esperteza do instante retida em olhos calmamente presentes. Se era pai ou mãe ou anjo algum, confesso, creio que jamais saberei. Observo, contrariado, um punhado novo de inabilidades que carrego junto comigo. Volto a buscar o alvo do meu desassossego e some tudo e volta sem que eu sequer possa me preparar para algo reter. Vai e parte e eu passo os dias tentando a descrever, como fosse um primo querido que me apareceu depois de muita distância e silêncio. Eu tento, durmo, sonho, acordo tentado e penso: talvez não possa eu nunca mais resolver esta pendência. Abro a gaveta e pego o estojo de finos grafites nunca dantes usado. Rabisco na folha branca sobre a preta mesa de poeira alguns primeiros traços. Ei-los ali entre si cruzados. E eis, agora, contra o branco horizonte do papel, o mais perto que posso chegar dessa imagem.

Penso se não era apenas um desejo que em mim pediu abrigo por repetidas e repetidas tardes e eu não percebi;

Penso se o que me pesa agora é algum traço de pena por não ter conseguido levar o desejo para passear junto a mim;

Sobrevivo inerte, em busca de traço mais forte e duradouro.

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