é quem olha o céu azul desta manhã meio tarde
e figura a possibilidade do mergulho
é quem desce o café pleno ao interior do corpo
e mede no silêncio o morrer de um desejo
desejo sempre morre abrupto
é quem escreve em papéis o sinônimo da pele
a todo instante sem refluxo ou abandono
no papel o sinônimo da pele ganha
sempre mais outros nomes
é quem amanhece triste olha a janela e pensa em estorvo
quem pensa em formiga e na felicidade do besouro
ali pousado na janela, desenhando com suas asas
um desespero de busca busca que nós como eles
não cessamos nunca de achar
é quem silencia o mundo correndo para encontrar
a medida de toda essa correria a medida inexata
de uma ou outra criança sua que aparece
tremida, no interior dessa máquina
corpo, é quem por vezes se insinua
louco e ponto
quem poeta olha o retrato da infância preso numa caixa qualquer
e chora de verdade
por se reconhecer naquele olhar jovem assumido
mas por se perder na forma do sorriso
segurando uma chupeta
na tensão das mãos
prendendo o saco de biscoito
e agarrando a fralda de pano
branco
sentado a um banco
no sítio do avô falecido
no sítio hoje já vendido
o poeta olha a infância
e se desespera ao perceber
que talvez venha sempre a ser
aquele menino.
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