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quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Agora

A primeira vez que o vi, ele estava sentado numa varanda aberta, colada ao chão. Era noite. Era verão. Sobre o colo um computador portátil tremia sob o trepidar das mãos, ambas caçando letras e formando linhas que mais tarde eu vim a ler.

O que ele queria dizer? O que buscava com tanto afinco? Eu li o seu texto. Eu conversei com suas linhas e observei a ordem dos pontos o peso das afirmações e as metáforas de amor. Eu compreendi a sua fixação pela finitude das coisas. Não é morte, né? É sobre a finitude das coisas.

Mesmo assim, não me importou o seu texto. Desculpe, suas palavras soaram mortas. Não me entenda mal. A primeira vez que o vi, você sentado ali naquela cadeira (de praia?), foi essa imagem que para mim bastou. Aquele ato da tentativa em tentação. Da tentativa sendo feita no embalo do seu coração. Você ouvia alguma música? Se eu te conhecesse adoraria saber o que tocava naquele momento.

Tudo isso porque você transpirou aquelas palavras que no texto buscaram a forma. Ali, sentado, você era tudo aquilo que depois tentou dizer. Você roubou do texto a qualidade dos adjetivos e secou o poço dos substantivos. Tudo ficou sem nome, aberto, mesmo que taxativo. De longe, te vendo, diria que você é um menino. Mas não sei. Me parece tão certo o seu sentar, o seu olhar furando a tela da computação. Como pode um menino estar tão certo do próprio destino?

Não é o seu texto. É o que você carrega aí dentro. Sozinho, eu sei. Sozinho, eu também assim já fui uma vez. Depois passou. Agarrei-me ao vento num só momento e me deixei lançar. A solidão existe para que possamos nos auto-auscultar. Sabe o que é isso, menino? Escute-se a si mesmo. É esse o sentido. Deve ser essa a primeira sensação do corpo. O seu choro. O seu choro deve sair dessa construção. Choram os bebês primeiro porque têm noção de quanto ar podem respirar. Os bebês choram primeiro porque descobrem cedo que podem amar.

Quanto eu te vi, pela primeira vez, eu tive certeza. Vem por aí um lindo destino. Não invista nem sequer acredite em toda essa escuridão nos seus livros. Não se aborreça só porque seu gesto está judiado, só porque você ainda é menino e homem quer ser. Dê as mãos ao tempo. As duas. Caminhem seguros. O tempo está acostumado a avançar. Não errará o compasso. Nem vai te atropelar. Caminhem juntos a tempo de um ao outro dizer, como pode aquilo ser?!

Olhe para os lados. Olho nos olhos passados. Olho em todos os olhos. E no espelho. Na pele. No gritar dos seus pêlos. Você sabia? Quando eles se arrepiam não é de frio nem de medo. Os pêlos são as portas de entrada do desejo. Quanto enrijecem, é porque algo dentro de ti quer se deitar. Abra-os, então, revele o peito, a carne, do jeito que for. Se bela ou feia, nada disso mais importará.

Desde quando eu te vi, eu soube. Talvez demorei tempo demais para perceber. Mas é que há tanta potência nesse seu amar, que as coisas avançam e você converte a cor em dor. Como se fosse amor o inverso e como se no inverso não fosse possível amar. Acredite, menino. Acredite no seu caminhar. No brilho que te exala, porque você é luz. E de luz, será feita sua nova estrada.
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Um comentário:

Anônimo disse...

Lindo!
\começou o ano com chave de ouro!
Nossa...Muito bacana. Parabéns.

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