Ela - Você sabe que isso que estamos dividindo não são livros somente, não é?
Ele - O que mais pode ser?
Ela - Não espere que eu vá responder tudo o que você tem medo de falar.
Ele - Porque eu teria medo?
Ela - Porque você tem.
Ele - E se eu disser que não tenho mais?
Ela - Prove. (Pausa) O que mais estamos dividindo, além destes livros?
Ele - Estamos dividindo algo que construímos juntos.
Ela - Algo como o que?
Ele - Algo. Não importa dizer.
Ela - Importa sim. Algo como o que?
Ele - Algo que existe, independente do nome que recebe...
Ela - Já que o nome independe, qual nome poderia ser?
Ele - Não fique insistindo... Nem você consegue dizer.
Ela - Não inverta o jogo...
Ele - É jogo?
Ela - Não inverta. Diga o nome.
Ele - Além dos livros, estamos dividindo os nossos sonhos, as nossas...
Ela - Nossas?...
Ele - O que era nosso, o que foi feito por nós, o nosso...
Ela - O quê?
Ele - Eu já respondi. O nosso. Estamos dividindo o nosso. O que havia de único, agora será parte meu parte seu. Entende?
Ela - Cada um leva uma metade. Não te parece estranho?
Ele - Eu não tenho medo do que é estranho.
Ela - Mas esse separar. Não é estranho demais ver que cada parte só é parte porque está separada?
Ele - Você quer dar nome às coisas na esperança de desvendar o mistério de sua existência. Não seja tão pretensiosa.
Ela - Eu preciso. Você não vê? Isso que estamos fazendo não vai resolver nada.
Ele - Então me diz o que você quer resolver. Porque não jogamos tudo fora, porque não queimamos esses livros?
Ela - Porque não são apenas livros.
Ele - Não importa. O fogo queima também outras coisas.
Ela - E você acha que tudo termina assim?
Ele - Pelo menos estes livros eu diria que sim.
Ela - Não.
Ele - Não o quê?
Ela - Eu não posso deixar. Não podem ser queimados. Isso é negar o nosso passado. É negar o que vivemos.
Ele - E daí? Não posso viver do que passou. O que passou, desculpe, mas passou.
Ela - Não venha com suas filosofias baratas.
Ele - Então encare a simplicidade das coisas. O nosso presente é outro agora.
Ela - É o mesmo.
Ele - Não.
Ela - Não estamos aqui, juntos?
Ele - Não juntos realmente.
Ela - O que os vizinhos devem estar pensando?
Ele - Esqueça os vizinhos.
Ela - Foi você quem os colocou nessa história.
Ele - Não reverta o jogo.
Ela - Então é um jogo mesmo?
Ele - Não quis dizer isso.
Ela - Então diga o que você quer dizer!
Ele - Eu não quero levar nenhum livro. Eu não vou pagar para levarem pra você. Eu sequer me preocupo com a porra dessa prateleira, pode deixar ela aqui, pode vender! Amanhã alugaremos esse apartamento e com sorte, um dia o venderemos...
Ela - Até lá, no entanto, estaremos unidos, pois nada será completo, tudo será partido...
...
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