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quinta-feira, 12 de maio de 2016

Sobre aquilo que vi.


ANGELA – Certa vez, quando sozinha dentro de casa, eu disse o nome dele. Noutras vezes, escondida de mim mesma, revi nossas fotos. Como se fosse uma oração proibida, ou um insulto, por vezes eu lhe disse frases inteiras e lhe contei como tinha sido meu dia. Mas tudo em segredo.

GUILHERME – Acumulei muitos presentes. Talvez por hábito, a cada loja entrada, a cada viagem, eu sempre encontrava uma xícara, um vestido, um diário ou sapato, algo que me parecia ter sido feito exatamente para ela. E eu comprei tudo. E fui guardando, para um dia presenteá-la.

ANGELA – Com o tempo eu fui perdendo a nitidez do seu rosto. Eu tentava lembrar e ele só me vinha aos pedaços. Então eu comecei a completar os traços dele com traços dos outros. Mas sempre persistia uma coisa só dele. Uma ruga, uma ranhura próxima aos olhos, uma pequena pinta perdida em seu corpo.

GUILHERME – Conheci outras cidades, ruas, outros sorrisos e conversei bastante com o silêncio. Vi meu rosto marcado à lágrima. Vi o céu, repetidas vezes. Comprei plantas, voltei a fumar, parei, voltei. Joguei camisas fora, comprei outras. Fui ao cinema. Ouvi música. Deixei que os meus domingos fossem aquilo que ela planejou para mim.

ANGELA – Ele me veio a cada esquina e eu morria de vontade de encontra-lo, assim, do nada, no meio da faixa de pedestres, na fila do banco, vendo ele sair do táxi em que eu estava entrando. Mas não aconteceu. E então eu comecei a me ver e a me reconhecer. Eu era tudo o que eu tinha. E eu sabia que esse momento chegaria.

GUILHERME – Por agora, basta para mim apenas ouvir a sua voz. Eu quero saber que ela está, mas também ter certeza que não veio. Quero tê-la e saber que já vai partir. Por hoje é isso: basta apenas ouvir sua voz, para saber que ela existe, independente de mim.

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