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quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

para que fique o ano

quem assiste ao jornal nacional passa a entender que manifestação é crime, que manifestante é bandido e que a corrupção é uma qualidade natural da nossa realidade, contra a qual não se deve lutar. quero curto-circuitar televisores para ver se se abrem alguns olhos. nem que seja por susto.

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nunca imaginei que pudesse estar numa mesa de bar com amigos discutindo a forma mais criativa de protestar nas ruas.


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uma música toca bem alto, os atores montam e desmontam o cenário, escondendo dentro do som da música o barulho de seus gestos. o que acontece agora no maracanã é exatamente isso: gols e gritos tocam lá dentro enquanto uma sinfonia de tiros e socos explode aqui fora. e você vai ouvir o quê? só aquilo que te interessa? uma hora ou outra, terás que sair do maracanã e pisar sobre cabeças já pisoteadas. quer brincar de ser cego, então aguenta os trancos. porque o metro quadrado no rio está exorbitante. é impossível andar sem esbarrar na vida do outro.


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no próximo ano, a Rede Globo poderia lançar um reality show chamado BBB >>> BERTOLD BRECHT BRASIL <<< no qual as pessoas são obrigadas a ler e refletir, AO VIVO, sobre a obra desse cara.


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é curioso o que essa situação da jornada mundial da juventude nos revela: entre piadas e comentários ácidos, repudiamos aqueles que nos diferem. é curioso porque, ao mesmo tempo, bradamos e pregamos contra inúmeros que também estão nos repudiando, justamente por sermos diferentes. justamente porque escrevemos e lemos o mundo de forma outra.

quando foi que entendemos que para ser a si mesmo seria preciso impedir que o outro fosse o que ele é?
quando foi que para ser um, se tornou necessário des_ser o outro?
tudo isso é confusamente curioso.

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Sentou-se. Solitário, como tantas outras vezes. Ligou a máquina de fazer sonhos e viu, refletido em seus olhos, a luz da tela lhe reacendendo por dentro. Completamente tragado. Fazia dias o único exercício vital era esse: desvelar em verbos e adjetivos o tamanho imenso e agigantado tal qual se manifestava o próprio íntimo. Persistiu inerte mirando o abstrato consumindo-se em palavra. Não ia mais escrever. Agora seria olho no olho. Ele olhando fundo no olho de cada palavra.


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Cerca de mil pessoas morreram hoje na Síria. Onde é a Síria? Morreram por terem sido alvos de armas químicas. Quem faz esse tipo de coisa? Eu acabei de ver um vídeo, eu vi dezenas de crianças jogadas ao chão de uma sala, com o corpo duro, os pulmões inflados, mortas na procura por ar. Eu escrevendo sobre amor, sobre o ar que me falta por estar te amando e agora esse vídeo, me dizendo que não. Quenão é nada disso. Eu tenho estômago? Eu já tirei o curativo do dedo e estou escrevendo com sangue na ponta de cada letra. Eu, às vezes, me confundo com a ira que sinto de algumas coisas. Eu escrevo e choro e isso me deixa puto, porque o meu desejo era o de virar outra coisa, era o de sumir e dar jeito em ao menos uma dessas crianças. Por que me dói tanto ver o ser humano ser judiado? Todos devem sentir isso, mas eu sinto e quando sinto, eu me sinto tomado. Eu me anulo e meu corpo inteiro regurgita, como se lutasse sozinho contra todos os cânceres em estado avançado. E como se os vencesse. Dói tudo, dói tudo. As lágrimas não descem, as palavras não cessam, o mundo não para. Eu queria ter-me dado em troca daquelas crianças, daqueles homens e senhores. Eu queria ter-me usado para impedir mais uma atrocidade, dessas que nascem e renascem copiosamente. Eu ainda estou vivo querendo fazer do meu trabalho alguma coisa que apazigue o mundo. Eu não sei como faz para amanhecer outro tipo de mundo, mas eu vou continuar tentando.


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apenas para lembrar: em dezembro de 1993, este rapaz da foto - Brandon Teena - morreu, após ter sido espancado e estuprado por dois outros homens, numa cidade no interior dos estados unidos.





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