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sábado, 25 de julho de 2009

Eufemismo

Disse a mãe adentrando o quarto do menino,

- Rafael, desliga esse treco!
- Ai, mãe, não enche eu já falei...
- Eu não quero ouvir desculpa. Eu disse desliga esse treco, Rafael, sem mais demora!
- Mãe, eu já sou crescidinho, tá certo? Não precisa ficar me tratando como se eu fosse seu filho...
- Mas você é meu filho. Quem foi que te enganou, meu amor?! Você é meu filho, é meu filho!
- Certo, mãe, eu sou. Agora você pode me dar licença que eu preciso terminar...
- Eu não quero saber do que você precisa. Quem vai dizer o que você precisa agora sou eu!
- Como é?
- Anda, levanta desse computador ou eu puxo essa porcaria da tomada.
- Qual é, mãe?
- (com a mão na tomada) Eu vou precisar fazer isso, meu filho?
- Mãe, você vai queimar o computador...
- Vou sim. Eu tenho esse direito. Quem te deu, não fui eu? Então eu posso.
- (levantando-se e indo pra longe do computador) Tá certo, calma, deixa isso aí... Eu saí do computador.
- Meu filho, e quando eu não estiver aqui?
- O quê?
- Eu tô te perguntando o que vai ser de você quando eu não estiver mais aqui?
- E quando vai ser isso, mãe? A senhora vai viajar?
- Rafael, eufemismo, meu filho. Já estudou isso, não?
- Metáfora?
- Eufemismo.
- Dizer uma coisa pela outra... É isso?
- Não, meu filho. Isso é metonímia. E eufemismo, o que é?
- Eu não lembro...
- E hipérbole, você lembra? É possível arrancar de seu cerebelo toda a memória concentrada em passagens que mesclam os tempos, os dramas e os remendos desse peito seu que agora bate aí dentro, cheio de dor...
- Mãe, você tá exagerando, mãe!
- Isso é hipérbole, meu filho. Agora eu quero saber do eufemismo. Diga.
- Já disse que não sei.

A mãe avança até o filho e o leva até diante a janela de seu quarto.

- Abra-a, Rafael, por favor.
- (abrindo-a) Abri, pronto, pode falar.
- Quando eu te pergunto o que vai ser de você quando eu for, eu quero dizer, de maneira amena...
- Amena?
- Eufemisticamente falando... Eu quero dizer o que vai ser de você quando eu morrer.
- (assustado) Por que você tá me perguntando isso?
- Porque você tá tão sem cuidado.
- Eu não sei como vai ser quando você morrer. Mas vai ser ruim, é inevitável.
- E, hiperbolicamente falando, vai ser muito mais do que ruim, meu filho.
- Você tá exagerando! De novo!
- Eu estou exagerando sim. Mas é preciso. Vai ser ruim porque você sem cuidado é o mesmo do que te deixar caminhando descalço sobre um abismo qualquer...
- Mãe!
- O que foi?
- Para de falar essas coisas... Tá tudo bem. Foi algum sonho que você teve, é isso?
- Eu costumo sonhar acordada, você sabe. Mas isso não foi sonho, é concreto, eu olho pra você, meu filho...
- E vê tudo isso acontecendo?
- Eu vejo que eu te deixo solto demais, e que isso é bom, e que isso é legal, mas eu sinto, eu sinto que não...
- É mesmo bom, é legal, você sabe que eu não saberia ser de outra forma.
- Mas eu sinto que quando eu for, quando chegar a hora, eu sinto que você vai se enrolar todo.
- Mãe, é sério, às vezes você me confunde... É uma metáfora agora?
- Não, filho. Enrolar. Ficar todo perdido, confuso... É metáfora, mas é seguro. Eu não quero te ver enrolado.
- Então me deixa ser livre, como eu sou.
- E o que eu faço quando eu te ver desse jeito, quando eu olhar pra você e achar que vai dar tudo errado?
- Confia em mim. Eu daqui vou sempre lembrar do seu amor, mãe. Ele me ajudará a me desenrolar.
- (depois de uma pausa, olhando pela janela) Quando eu pedi pra você sair desse computador...
- Eu saí, nem vem...
- Era porque eu queria que você visse o céu hoje.
- Sim, eu estou vendo.
- Eu queria que você visse o céu sempre, sempre que estiver se sentindo mal, entende?
- Certo. (Pausa) Mãe, você tá querendo me dizer mais alguma coisa?
- Eu?
- É, mãe. A senhora.
- Eu? Eu não. Era só isso de olhar o céu e de apreciar o vento e também de às vezes dormir bem quentinho e também de se dar o seu tempo eu queria dizer que às vezes um café resolve às vezes um silêncio e também um sorriso. Às vezes, porém, meu filho, nem mesmo um ombro amigo irá resolver a sua dor...
- E o que eu faço então?
- Lembra que eu te amo. Só isso. Lembra que eu te amo que eu sei que nesse momento, quando você lembrar, um pouco do seu desespero vai se afastar e você com o tempo vai ter de novo as suas pernas para andar... Lembra do nosso amor, meu filho.



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2 comentários:

Adassa Martins disse...

meu deus, que lindo!! obrigada di,

... disse...

:~~~~~~~~~~

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