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terça-feira, 21 de outubro de 2008

Hipoglicemia

Ou quando é preciso morrer para sobreviver.


É preciso viver para começar a morrer. É preciso viver para começar a entender sobre a morte. Eu estou caminhando. Rumo ao morrer. Caminhando rumo ao entender. Acredito, eu sei, que algo sobre isso tudo só entenderei quando morrer. E alguns, eu mesmo diria, poderão dizer, aí então será tarde para entender. Mas, não. Eu devo, agora, dizer. Não há tarde, não há depois ou antes, há somente agora. Presente. O passado morreu, o futuro nunca será. Há esse momento do agora para nele ir me perder, encontrar. Independe. In presente. A lucidez vem a galope porque é preciso estar no presente. É preciso estar. O mundo não dá voltas à toa. Ele dá voltas para perder e encontrar. Para virar noite e dia. Para sofrer e chorar. Perdão. São duplos. São trios. Eu não saberia medir a precisão que me inunda neste segundo. Quando as mãos tremem e o doce desce o corpo inundando-me de salvação e morte.


Não sei porque fui ler coisas antigas. Mas se o mundo dá voltas, e só, dá voltas. Acabei me sentindo impelido, sem pensar nisso, a dar voltas também e voltar. E olhar com delicadeza o que já foi e nunca será. Exceto agora, quando redescubro o passado e confiro a ele a cor madura desse instante. A cor do despetalar. A cor do pêssego ferido, mas gostoso, pela mordida.


São dois casos. Dois sexos. Dois amores. Dois ódios. Dois nomes. Duas inversões. Tento não dar valor a um. Dou somente valor ao outro. Faço descaso de um. E o outro faz então sentido, causa-me sentido, sensório, sensação. Não é tão complexo assim. Eu disse. São dois nomes. Pas-de-deux. Não há paz. Sem terror. Não há vida sem corte. Ou seria, não há morte sem sangue.


Todo esse jogo de palavras é para tentar lançar adiante, avant-garde, a proliferação de sensações (por que o medo de escrever sentidos?) que vocês dois fizeram em mim tendo em vista – custo – a própria pele queimada, a própria face machucada, a próprio amor consumido. Deu-me vontade, neste instante, como tudo agora toma sentido, de enviar a vocês esses pedaços. De calçar uma meia e dormir descalço. De fumar um cigarro. E novamente ter que escovar os dentes.


O açúcar do leite condensado. A granola do cereal maltado. O leito já pelo estômago coagulado. Às 04h50min. Quando a lucidez bate no compasso do coração posto nos trilhos. Eu disse tudo o que preciso. Mas já não quero enviar. O nível de açúcar no sangue apenas pede a cama e a escuridão do quarto para receber o resto de insulina que dentro de mim percorre veias e vasos para, enfim, dentro das células entrarem e distribuir assim a vida pelo o que me mata.


Não é paradoxal. Mas o que é ser paradoxal? Você me fez estudar o clichê. O que é paradoxo? Absurdo. Contra-senso. Disparate. Contradição. Sinônimos são infelizes quando a felicidade é o silêncio. Estou inundado neste momento.


Excertos. Tudo fica mais pesado. E a mulher deseja o peso do corpo do homem. O homem deseja o peso do corpo do homem sobre si. E sob essa insustentável leveza dos seres, sou enfim, estou assim, a mostra. Não para museu ficar-me, não para institucionalizar a minha arte, mas para, enfim, inserir reticências.


Talentoso e disciplinado, sensível e estudioso, intuitivo e investigador, carismático e ácido. Só porque é no tempo que a ironia da vida se manifesta de forma plena e completa! Por horas, por projetos, por eu não admito, por banquete, por companhia, por Companhia, por caos, por brigas, por necessidade, por estudo, por aparência, por espontaneidade, por política, por engajamento, por empolgação, por exemplo, por saudade. Porque o vazio do buraco, que não é buraco há de ser preenchido mesmo que seja pelas primeiras atitudes vãs e no fim parecerá tão inteiro como aquele que não existiu e é aqui que nosso valioso tempo se manifesta de novo, só que agora ao nosso favor!


Obrigado, você, tempo, por passar.


E obrigado, no final (ou meio, independe, agora) das contas, vocês dois. Você, irmão. Você, ela. Não tenho mais vergonhas para dizer o que em mim, hoje enfim, é meu corpo. Meu sangue. Minha condição.

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Um comentário:

Anônimo disse...

Não sei se entre tantas palavras, você ainda vai encontrar estas aqui. Também não sei que significado e peso tem isso tudo. Por que agradece ao tempo.

Sabe que eu agradeço também? Porque tempo afeta o lugar, a distância. Quanto mais longe no tempo, mais longe daquilo que se vê.

Eu gosto de você. Eu amo você meu irmão. Pode ser que essas palavras não façam mais sentido pra você --Nós já trocamos muitas.

Eu aprendi muito contigo. E você comigo.

Às vezes penso que você acha que eu *brinco* e movo as coisas de acordo com meus humores. Nem eu sei ao certo.

Ainda existem acusações? Da minha parte não. Por isso, vez por outra, passo por aqui. Pra saber como você está. E mesmo quando eu não quero, acabo sabendo!

Eu sinto falta.

Pode ser que não exista mais harmonia possível. Eu também levo essa possibilidade em consideração. Mas eu não acredito, sabe?

Porque o tempo passou e o que restou foi o mais pueril de tudo, o gostinho do café compartilhado.

Vamos ser sinceros? Eu serei pretensioso. Você escreveu na esperança que eu lesse.

E eu li.

(cansado de forçar indiferença)

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