Um começo não é sempre um fim. Pensou ela sentada num banco estreito no jardim.
Não quer dizer que seja. O quê? Perguntou-se. Confundindo o início com o fim do pensamento, alimentando em ordens imprecisas o tormento daquele momento.
Esperava. Coitada, poderiam dizer. Mas era vida isso que dentro dela desbravava os órgãos, esquentava as partes e fazia coçar o ócio.
Espremia a pele do rosto feito bem-me-quer-mal-me-quer. Querendo acreditar que se o bem a preterisse, talvez tirasse de sabe-se lá onde, mais uma pétala reserva, mais uma cor importante da sua paleta, de seu corpo ali em conserva. De sua faceira maneira de estar ali, pernas cruzadas, sem revelar nada. Exceto a fábrica do coração bombeando bêbada a tarde que começava a escurecer.
Fez esforço para não se perder. Olhou os pássaros, brincou de acender e desligar a luz dos olhos. Depois de um olho só. Depois de só o outro. Entreteve-se como fazem os loucos, que sentam entre o sol e a sombra para não sentir nem frio nem calor somente.
Os pombos passaram. Alguns ali também pararam. O ar ao seu redor era um círculo de atenção. Parece que as plantas todas se viraram para fofocar, Quem é aquela florzinha a esperar? Mal foi a natureza perguntar e já logo o menino veio responder.
É você? Ele perguntou surgindo meio do nada.
Estava ela tão distraída que nem sequer escutou. Ficou olhando como se o som ouvido fosse o de algum pássaro ou bicho ali perdido..
É você, não é? Ele insistiu ainda em pé.
Sou eu, Valentina.
Então é você, aquela menina?
Sou essa sim. Sou essa aqui, disse empurrando-se para o lado do banco e abrindo espaço ao seu lado para o menino meio pálido de tão branco.
Sentou-se. Ela dentro de si se demolia. Não sabia se fingia coçar o rosto para limpar aquela espinha. Sentiu-se toda oleosa, coisa que talvez ele sequer fosse perceber, pois tremia tanto e tanto, que só conseguia ser grosso mal a boca abrisse para algo...
Eu posso te beijar?
Não é assim, ela iria dizer. Mas como era talvez fosse o que deveria primeiro responder. Seu nome é aquele?
Não. É apelido.
Então qual é?
Sobre o que te pedi?
Sobre o seu nome, querido.
As flores viraram todas para o outro lado. O ar pesou e ao contrário do combinado, ela ali insistia por algo além do planejado. Era um encontro safado, como ousava pensar. Era ir, se afastar dos olhares e encostar os rostos e calores sem alarde. Ele bem que tentou, falando em beijo e algo assim. Mas ela confundia-se no que poderia ser um início ou já um fim.
Olhe para mim, pediu.
O que você tá querendo?
Quero te ver primeiro.
E aí?
Prazer.
Tá me testando pra ver se vale a pena me beijar?
Não, talvez.
Pode dizer. Isso é normal. Sorte a minha ter gostado de você.
Sabe meu nome?
Qual?
Eu acabei de dizer.
Disse?
Disse.
Disse... Eu sei... Você sabe o meu?
Você não se apresentou.
Sou o Danilo.
Isso é um bom nome de menino.
Ainda bem, não?
Não sei...
O quê?
Lembrou?
Você vai se ofender?
Valentina.
Pronto.
Obrigado, Valentina.
De nada, Camilo.
Avançou do banco rumo ao espaço daquilo. Ele atrás meio contrariado, sentindo-se bobo e manipulado. Seguiu a menina e rumo ao mato foi ligeiro. Ela estava o levando para onde, perguntou-se. Ela, porém não soube responder para si o que a fizera entrar naquele caminho. Sempre brincara no jardim, no zoológico, mas entrar assim após tanto tempo sem ali voltar. Saberia se preciso retornar?
Tem muito mato nesse lugar.
É uma floresta.
Era de se esperar. Ele disse tentando tapear a confusão do momento.
Aqui está bom.
Mas ainda é cedo.
O quê?
Alguém pode nos ver.
Melhor que seja uma pessoa do que uma coruja, não acha?
Melhor que ninguém nos veja?
Por quê?
Você não está envergonhada?
Você está.
Não é por você.
É claro que não.
É que eu sempre fico nervoso. É difícil não ficar.
Estamos aqui porque queríamos um beijo.
Eu ainda quero, disse o menino todo se fazendo de sincero.
Então... Não temos nada contra. Tudo nos leva ao beijo.
Eu posso?
Pode o que, menino?
Danilo.
Camilo.
Você é engraçada.
Eu não sou nada exceto isso.
Ela quem o beijou. Foi tudo de supetão. Ai como foi doce, como foi especial. Como as bocas se encontraram em comunhão descomunal. Tudo era perfeito. A natureza espreitava com todo o respeito. Tudo foi perfeito, porque havia nos dois um simples desejo. Experimentar. Beijaram-se e não quiseram nunca acabar. Sabiam, no fundo, que desligada a tomada, tudo o que viesse depois seria conformado. Sabiam que se o pacto ali rompesse tudo depois seria mexido, seria quase tudo adaptado.
Então por isso e mais algumas coisas que no corpo reivindicaram espaço, enfim, os dois nunca mais se soltaram. Achei prudente, porém, ceder-lhes este espaço, essa voz. Afinal, sempre que por ali eu passo, eu vejo um sobre o outro, como se o medo de se perder fizesse ainda mais um a outro ir se prender.
Os pombos passaram. As flores enjoaram e vieram outras gerações. As mães preocupadas porque desde cedo as pequenas pétalas já viam pela janela de casa aquilo ali feito programa de tv. Desde cedo as flores sabiam como desabrochar. Era ir treinando o momento de virar gente grande e doar-se a outro ser. Feito é com o beijo. Num ir e vir com meio termo. Num embrulhar e rasgar o embrulho por inteiro, mas sem nunca mostrar por completo o que gostaríamos de ter escondido ali dentro. Tudo escondido para ter o prazer de se revelar.
Fim.
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