ei, senhora. não me olhe com esse olhar cansado. não é porque já viu tanto e talvez até tudo que é possível o mundo explicar. nesse segundo em que eu te vi e que você me olhou, vi também tanta coisa horrível de ti se despregar que foi preciso sair. ver o mundo. e agora voltar.
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eu entendo seu olhar. não entendo, mas compreendo. nem compreendo mas faz sentido, na sua configuração, olhando pra você faz sentido, pelo menos parece fazer. eu olhei para fora no mesmo instante em que você. vimos nós dois transitando pela rua escura da noite duas pernas dois seios duas coxas pouco pano. e faz tanto frio nesta noite, como pode?
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não me olhe cobrando a normalidade das coisas. eu não faço as regras. eu costumo quebrá-las. não me olhe tentando pelo olhar me fazer concordar: eu sou facilmente seduzível pelas coisas que você julga abjetas. olha lá ela andando. quem sabe como deve ser isso quando ela está com pressa? quem sabe como deve ser esse corpo fugindo de tiro gozo e socos sucessivos nos lábios já revolvidos?
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não me olhe cobrando seus preconceitos. eles são maiores do que pode caber num peito. eu gosto dessas coisas, eu me sinto bem olhando as poças. ela era linda, perfeita, pois sua beleza já era destruída. nada nela era inteiro por isso mesmo me pareceu tão mulher e para sua tristeza também menina. não me olhe assim com o olhar cansado que eu num instante interpreto sua retina como um mundo ao contrário. eu te interpreto pelo seu horror e jamais pelo o que é - fora - capaz de amar.
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ela existe ela insiste ela faz parte deste tempo neste mesmo espaço em que nós dois cruzamos os olhares. mas não me cobre a existência de um ser. não me faça pelo olhar ter que dizer se ele pode ou não sobreviver. não sou eu quem diz quem merece ficar. ela é plena, caminha com o salto a se desequilibrar sobre um mar que só seus olhos lacrimejantes são capazes de ver. você não vê nada, senhora. seu olhar já é todo pena, já és toda você senhora indiferença.
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vinha ela cambaleante, seduzindo alguém que não pude ver. não sei se era alguém ou se era ela mesmo tentando se manter. se brincava de bailar com os ratos no esgoto exposto, se dialogava com as baratas atômicas resistentes, não sabemos. mas me contento apenas em olhar. olhar morto, convertido no espectro de uma visão duradoura. que persiste, feito o caminhar da moça que hoje agora eu diria triste.
vinha ela cambaleante, seduzindo alguém que não pude ver. não sei se era alguém ou se era ela mesmo tentando se manter. se brincava de bailar com os ratos no esgoto exposto, se dialogava com as baratas atômicas resistentes, não sabemos. mas me contento apenas em olhar. olhar morto, convertido no espectro de uma visão duradoura. que persiste, feito o caminhar da moça que hoje agora eu diria triste.
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existe beleza em tudo. existe mazela também. seu olhar, senhora, me amedronta pois é incapaz de dizer o que quer. é olhar que aprisiona pois precisa de alguém para dividir com você todo esse horror que és incapaz - sozinha - de pronunciar. mas fique sozinha, eu não lhe posso ajudar. seus horrores desenham faz anos o mundo em que eu vivo, deles não posso me abster. é triste sim, senhora. mas o que fazer? negar a tristeza?
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existe beleza em tudo. existe mazela também. seu olhar, senhora, me amedronta pois é incapaz de dizer o que quer. é olhar que aprisiona pois precisa de alguém para dividir com você todo esse horror que és incapaz - sozinha - de pronunciar. mas fique sozinha, eu não lhe posso ajudar. seus horrores desenham faz anos o mundo em que eu vivo, deles não posso me abster. é triste sim, senhora. mas o que fazer? negar a tristeza?
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olhando ali a moça pendendo sobre um abismo que nem eu nem você somos capazes de compreender. olhando ela ali se entreter, eu vi muito mais do que poderia supor. vi coisas que me alimentaram. vi coisas que aqui dentro, é sério, me fizeram mexer. o seu olhar, ao contrário, apavorou-me justamente por nele a vida tentar reter, como se aprisionando o que julgas ser temível fosse capaz de rotular e fazer a verdade - sua - vencer.
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agora, imagino, senhora, estará você num banco de jardim. a seda branca incapaz de encostar no chão. também varrido. imagino eu, senhora, que seu olhar repousa doente sobre o sol que hoje veio tímido. e com mais um dia, com mais um girar deste planeta, pode ser que o sol venha mais forte e de tanto olhar sua beleza, sinto dizer, mas é provável, é provável sim senhora, que você nunca mais nada verá. pois negou a escuridão. negou o complexo. negou a comunhão já selada entre noite e dia.
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o belo também cega tanto quanto cegamos pelo julgar. aceito o seu olhar pedinte de segurança. mas não movo o semblante, para mim você é lepra que perdura até amanhecer torrada, morta. eu olho para o abjeto e nisso dialogamos nosso interior. não fosse assim, eu não poderia ser isso quem eu sou. isso quem eu sinto ao dizer, mas sou.
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Um comentário:
Incrível!
Estou boquiaberta.
Beijos
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