Pesquisa

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Do pavor

Era como se estivesse fazendo um passeio, algo assim um tanto provisório, algo assim que acabaria ali, logo ali no depois daquela terceira ou quarta esquina. O estremecimento das pernas, a fadiga interna, tudo isso ele aguentava, ele aguentaria. O sol mesmo constante soava ainda frio. Era como se as coisas, a natureza mesmo, ele, sobretudo, era como se as coisas não tivessem chegado ainda. Perguntava-se: o que está faltando? Que horas será a hora do chegar? E permanecia mudo, entreolhando a vida do lado de fora da janela. Tentava afugentar os pensamentos. Não porque não eram bons, não porque pareciam prenúncios de algum profundo desassossego, nem por isso. Tentava afugentar de si os pensamentos porque não queria acreditar nem aceitar, não queria compreender que não, não se tratava mesmo de um passeio. Era a vida. Era o todo da vida até ali. Era a vida que o tinha levado até aquele ponto. Não havia nada exceto a vida acontecendo e, no entanto, não ousava falar, mas, no entanto, e esse pavor imenso? E esse medo imenso de ser diferente? De ousar e arriscar? E esse pavor imenso que te toma secretamente? Esse pavor imenso que parece tempero e vai se espalhando por entre a comida, a água, o banho, a barba, e esse pavor imenso que está no ar, que dorme ao seu lado, e esse pavor imenso? Não respondia. Talvez porque se o encarasse: se encarasse a si mesmo, se encarasse o tal pavor imenso, talvez se encarasse a própria vida, se a disputasse como quem brada, como quem briga, talvez aí, assim, talvez, perceberia que estava tudo certo. Que tudo certo estaria. Mas não. Ele não era esse homem ainda. Ele não era esse homem. A este homem, vendo a vida lá fora acontecendo, os medos lhe davam corpo e liga. É com os medos que ele ficava. É com os medos que eu fico. Que então tenha consciência disso. Alguém lhe diz. O quê? Ele olha aos lados, não sabe quem o disse isso que acabo de lhe dizer: que tenha, ao menos, consciência de que você prefere viver entre os medos. Para que ao sofrer do pavor, desse tal pavor imenso, saiba: é tudo porque assim você quer. É tudo porque bem queres desse jeito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário