Mormaço
Desceu mais um gole de café. Pensando por que foi que não me deixei comprar mais cigarros. Sentado à mesa, sentiu o ventilador atrás de si baforando o bafo quente de um meio dia qualquer. Sabia que se lutasse um pouco mais consigo próprio, talvez conseguisse transformar seu dia em presença. Em alguma coisa que não somente aquela inércia tímida e inquietada.
Mirou atrás de si. Por um segundo, olhou fundo para trás. Como se pressentisse o que não estava por vir. Voltou. Bebeu outro gole de café que, ainda quente, lhe fez abrandar seu nervosismo da época de estudante. Pensou em se erguer e caminhar pela rua, mas sabia que se o fizesse, gastaria o dinheiro que não poderia, fumaria os cigarros dos quais fugia... Assumiu-se, enfim, então prisioneiro. De si próprio.
Outro gole. Mirou a barriga. Estava de novo quente o dia. E sem camisa, viu os pelos ainda em crescimento, viu as prateleiras dentro das quais o suor se guardava e mudava de tom. Que calor, meu Deus, pensou. Mas se repreendeu, por ter dialogado com Deus o refrão de seus últimos 25 dias - calor. Calor. Calor.
O café não acabava. E então percebeu que a sua vida tinha parado nesta estaca. Estava ele vivo para beber café e se arranjar motivo: para ir, seguir, motivo para ficar, durar mais tempo. Já nem pensava no futuro, já não ligava pro que tivesse passado. Lembrou ter esquecido de dar aos amigos inúmeros parabéns atrasados. E também isso por ele passou.
Pensou então, que faço comigo? Que vou fazer de mim? Não vou me dar o dinheiro de ir a shopping porque sei que isso é o remédio mais barato e mais agressivo. Não vou melhorar. Em mim, alguma coisa se faz e, aos poucos, me toma o controle de mim mesmo. Minha prosa está falida, bem como a casa - imunda - e as roupas - não lavadas - e o desejo: a ponto de me comer inteiro.
Virou a caneca de café de uma só vez. Mentira. Ainda deixou bastante café. Estava quase lá, quase desistindo de tudo, quando resolver abrir seu caderno e escrever sobre aquilo que se passava em seu íntimo. E dormiu, finalmente, sobre palavras incompreensíveis.
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