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sábado, 31 de dezembro de 2011

uma tristeza quase linda

Quem sabe não se movem os astros. Quem sabe caiba a eles mover seu íntimo improfícuo. Uma tristeza assola cada canto e tudo resta incapaz de ser pleno. Hoje. Ontem. Você se pergunta por que com o amanhã não seria também o mesmo? Essa tristeza te impede o discernimento. Tu não sabes ver outra coisa que não o próprio despedaçamento. Que chato tudo isso. A poesia esperando ao seu lado e você chorando o seu dia-a-dia. Queria que você pudesse mirar o céu e se satisfazer. Nem te peço alegria. Peço apenas gratidão.

Sei que os braços doem. Sei que teus olhos querem saltar rumo ao profundo abismo que tua alma inventou. Sua coluna se dobra feito choro enrustido. Sei que as palavras que saem de sua boca são todas duras e sem íntimo. Mais uma vez, tudo o que era seu encontra-se perdido. Pergunto então se o que lhe falta é o amor. É? Se o que falta a você é uma família estruturada. É isso? Será que hoje, mais que nunca, a sua mãe é a falta suprema?

Quer chorar, mas não tem o pranto. Na verdade, você se confunde porque está muito perto de compreender tudo ao seu redor, mas novamente – mais uma vez – se coloca em abandono. Há uma tristeza quase linda, quase poesia, que adormece seus sentidos. E você não faz nada para além disso: ser sono. Você se entristece pela felicidade dos outros. Você queria não ter esse juízo. Porque seus irmãos se divertem, as crianças consomem seus brinquedos e por qual motivo te faz tanto mal esse mesmo enredo?

Há uma simplicidade tão grande que beira a sorte. Uma clareza tão límpida que é capaz de cegar. Com você todas as coisas foram para esse canto, você sente que precisa – mais uma vez – se ausentar. Despertencer. Ninguém aqui lê seus olhos. E, no entanto, quando tu percebes outro olhar ao teu lado, você parece querer afundar: você se ausenta. Você se importa apenas consigo mesmo e com a grande poesia que é saber poetar. Você pensa que sabe. Você já não sente saber. Você é estúpido e apaixonado pela própria dor. O mundo não é isso que você forjou. Talvez alguém precise morrer.

A potencial falta. Morre a costura entre as partes desacordadas. Tem que morrer. A nossa ignorância se atualiza toda vez que há morte. E no seu íntimo – vazado – nessas horas você sabe quem a morte pertence. Mas você silencia. Porque sabe que dói perder alguém. Lhe dói nos cabelos e nos pelos, perder assim, alguém julgado teu. Você está estranho. Teme precisar de um acompanhamento. Não se quer louco. Nem estar doente da loucura. É só que seu amor pelas coisas consumiu um mundo inteiro. Você desmediu os tamanhos. A ponto de querer naufragar como fosse acidente. Morrer sem ter parecido culpa – ou escolha - sua.

Tudo é tão vasto, cara. Você se diz essa palavra e se ganha em ternura. Uma sensação única que te comporta você já sabe, mas sempre se esquece. E, no entanto, agora, ligeiramente apaziguado, você chora. Você chora não por ternura, mas por não querer fazer parte dessa composição. Você chora se perguntando se o mundo o deixaria ficar assim, livre entre letras e lágrimas. Se o mundo o deixaria, para o restante de todos os dias, sobrar. Escorre uma lágrima, enquanto você pensa em seus filhos que ainda não vieram. Que drama o seu, hein, comparsa? Puro e concentrado. Tu sabes querer o bem, mas não basta. Tudo é pouco quando o muito lhe parece quase sempre algo muito equivocado.

Não se deixe passar. Cole. Aglutine. Junte-se o mundo, amigo. Ele quer te arrasar. Mas junte nisso as pessoas, cada uma que por ti passar. Pegue os amigos e não lhes dê nada além do sorriso, do café e do abraço. Sabe-se que há um medo profundo de ser das coisas ausentado. Por isso você dói, em câmera lenta. Não há volta e, mesmo hoje, você ainda tenta. Foi você quem pediu pela aridez e agora chora, porque a doçura lhe escapou do horizonte.

Então fica. Sei que se achas feio. É mentira da mesma forma que se achas incorruptível. Você se pensa modelo e sem se divulgar, em si você se eterniza. Fica um pouco, eu te peço: o que quero de você é o seguinte: duvide-se. Duvide das suas escolhas não escolhidas. Duvide de sua intuição masculina. De sua intenção. Duvide de tudo o que lhe for natural. Até agora você só se bancou. Mas agora, eu peço, saiba pensar dois segundos antes de dar outro e mais um tiro fatal. Fique. Persista. E só parta quando for a hora das folhas já caídas.

Explico-me. Eu peço que se duvide porque até agora o que fizestes foi se acreditar. Foi gritar consigo próprio e a todo e qualquer um que quisesse te amedrontar. Agora eu lhe peço: duvide profundamente. Se encha de problematizações. Seu caminho natural te abriu o mundo e você precisa voltar. Você se perdeu no horror descoberto e agora sofre feito criança ciente do monstro mas incapaz de detê-lo. Eu lhe peço a parte seguinte: desenhe-se. Siga se especulando e se vasculhando para além do espelho. Para além quer dizer fora dentro através e logo ali no centro. Se refaça e refaça seu jogo – hoje tão traiçoeiro – pois a vida aguenta esse movimento insuportavelmente constante e quase nunca assim tão breve e certeiro.

Duvide-se. Desenhe-se. É tudo mais o que sei dizer. O “se” que anexo a cada ação é preciso porque, faz tempo, tu não sabe outra coisa que não se ser. E se durante todo esse tempo você hesitou e problematizou o outro, a partir de agora você o será em toda e qualquer esquina. Você se é sendo a diferença que te arruína. Ponto. Não sofra isso. Duvide e desenhe seu sofrimento. Ele te consome. Ele te manipula. Ele não é seu. Pertence ao mundo.

Você se permitiu ser entendido da forma errada. Ou nem viu. Mas é fato. Ainda que tenha explicado com estas e outras palavras: te entenderam errado. A galera pensa que você quer atenção, que deseja ser maior que os outros. Talvez seja verdade. Mas não é isso, eu sei. Você precisa se segurar caso queira ver no horizonte a transmutação desses fatos. Mude, indo mais fundo quando porventura estiver parado na superfície encantadora das palavras. Perceba que hoje elas estão mais duradouras. Tudo porque hoje elas são. Antes, nem sempre, mas durante um bom tempo, elas serviram a ti apenas artificialmente. Me desculpe,

mas a arte pela arte se foi faz tempo.

Por favor, eu havia pedido, se duvide um pouco. Não há mais graça nesse jogo. Não há nada para além dessa auto-indulgência sua destinada a si mesmo. Perdão. Nem pode haver algo mais. As palavras hoje estão aqui, mais duradouras que antes, porque falam de ti e não do seu verso. Aqui restam, intrépidas, sobre seu íntimo exposto e em processo. Elas hoje são mais do que nunca a sua guerra diária rumo ao pertencimento.

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